22/10/2014

Tens erros... e que erros!!

Não te assustes nem desanimes, ao descobrires que tens erros... e que erros! Luta por arrancá-los. E, desde que lutes, convence-te de que é bom que sintas todas essas debilidades porque, se não, serias um soberbo: e a soberba afasta de Deus. (Forja, 181)

Jesus, se nós, que nos reunimos no teu Amor, fôssemos perseverantes! Se conseguíssemos traduzir em obras esses anseios de santidade que Tu próprio despertas nas nossas almas! Perguntemo-nos a nós próprios com frequência: para que estou eu na terra? E assim hão-de procurar acabar perfeitamente – com muita caridade – as tarefas que empreenderem em cada dia e cuidar das coisas pequenas. Debrucemo-nos sobre o exemplo dos santos: pessoas como nós, de carne e osso, com fraquezas e debilidades, que souberam vencer e vencer-se por amor de Deus; consideremos a sua conduta e – como as abelhas que destilam de cada flor o néctar mais precioso – aproveitemo-nos das suas lutas. Assim também havemos de aprender a descobrir muitas virtudes nos que nos rodeiam – dão-nos lições de trabalho, de abnegação, de alegria... – sem nos determos demasiado nos seus defeitos; só quando for imprescindível, para os ajudar com a correcção fraterna. (Amigos de Deus, 20)


Pureza

Há cem anos, no dia 6 de Julho de 1902, faleceu Maria Goretti gravemente ferida no dia anterior pela violência cega do seu agressor. O meu venerado predecessor, o servo de Deus Pio Xll, proclamou-a santa em 1950, propondo-a a todos como modelo de corajosa fidelidade à vocação cristã, até ao supremo sacrifício da vida.
Dirijamo-nos agora a Nossa Senhora, da qual Santa Maria Goretti tinha o nome. A mais pura de entre as criaturas ajude os homens e as mulheres do nosso tempo, sobretudo os jovens, a descobrir de novo o valor da castidade e a viver as relações interpessoais no respeito recíproco e no amor sincero.

(São joão paulo II  Angelus do dia de Santa Maria Goretti 2002.07.07)

Tratado do verbo encarnado 07

Questão 2: Do modo da união do Verbo Encarnado

Em seguida devemos tratar do modo da união do Verbo encarnado. E primeiro, quanto à própria união. Segundo, quanto à pessoa que assumiu Terceiro, quanto à natureza assumida.

Art. 1 — Se a união do Verbo encarnado se operou numa só natureza.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a união do Verbo se operou numa só natureza.

1 — Pois, diz Cirilo e está nas actas do Concílio Calcedonense: Não devemos entender serem duas as naturezas, mas uma só a natureza encarnada do Deus Verbo, o que não se daria se a união não se realizasse na natureza. Logo, a união do Verbo encamado foi feita na natureza.

2. Demais. — Atanásio diz: Assim como a alma racional e a carne convêm na constituição de uma natureza humana, assim Deus e o homem convêm na constituição de qualquer uma natureza. Logo, a união foi feita na natureza.

3. Demais. — Duas naturezas não são denominadas uma pela outra, salvo se de algum modo se transmuda uma na outra, Ora, a natureza, divina e a humana em Cristo denominam-se uma pela outra, assim, diz Cirilo, que a natureza divina se encarnou, e Gregório Nazianzeno diz, que a natureza humana se deificou, como está claro em Damasceno. Logo, parece que de duas naturezas se fez uma só natureza,

Mas, em contrário, diz uma determinação do concílio Calcedonense: Confessamos, que agora devemos reconhecer que o filho unigénito de Deus existe em duas naturezas, sem confusão, imutavelmente, indivisivelmente, inseparavelmente, sem que jamais a diferença da naturezas tenha sido destruída por causa da união — Logo, não se fez a união em a natureza.

Para resolver com clareza a questão presente, devemos considerar o que é a natureza. Ora, é mister saber-se que o nome de natureza é assim dito ou derivado de nascer. Por isso, esse nome foi primariamente usado para significar a geração dos viventes, chamada actividade ou reprodução de modo que natureza quer dizer quase nascimento. Em seguida o nome de natureza foi aplicado translatamente para significar o princípio dessa geração. E como o princípio da geração, nos seres vivos, é intrínseco, o nome de natureza, foi ulteriormente aplicado para significar qualquer princípio intrínseco de movimento, e assim o Filósofo diz, que a natureza é o princípio do movimento, pelo que ele tem de essencial, e não de acidental. Ora, este princípio ou é forma ou matéria. Por isso, às vezes a natureza é chamada forma, outras vezes, porém, matéria. E como o fim da geração natural é o ser gerado, isto é, a essência da espécie expressa pela definição, daí vem que essa essência específica também se chama natureza. E neste sentido, Boécio define a natureza, dizendo: A natureza é a diferença específica que informa cada coisa, isto é, que realiza a definição da espécie. Ora, é neste sentido que agora empregamos a palavra natureza, enquanto significativa da essência, ou àquilo que a coisa é (quod quid est) ou a quididade específica.

Ora, tomando a palavra natureza nesta acepção, é impossível que a união do Verbo encarnado se tivesse realizado na natureza. Pois uma coisa pode ser constituída de três modos de duas ou várias.

De um modo, permanecendo os dois componentes íntegros e perfeitos. O que não pode dar-se senão nos seres cuja forma é uma composição, ordem ou figura. Assim, muitas pedras acumuladas sem nenhuma ordem, e só pela composição, formam um monte, mas, pedras e madeiras, dispostas numa certa ordem e mesmo reduzidas a uma certa figura, formam uma casa. E neste sentido, ensinaram alguns que a união se realizou a modo de confusão, na qual não existe ordem, ou a modo de comensuração, que supõe a ordem. — Mas isto não pode ser. Primeiro, porque a composição, a ordem ou a figura não são formas substanciais, mas, acidentais, e então daí resultaria que a união da Encarnação não seria substancial, mas acidental, o que mais adiante será refutado. Segundo, porque uma tal união não o é, absolutamente falando, mas, de certo modo, pois, permanece a pluralidade actual. Terceiro, porque a forma de tais elementos não é natural, mas antes artificial, como a forma de uma casa, e então não existiria uma só natureza em Cristo, como eles querem.

De outro modo, um ser é formado de elementos perfeitos, mas transformados, assim, dos elementos se forma o misto. E neste sentido ensinaram outros que a união da Encarnação se realiza por modo de complexão. — O que não pode ser. Primeiro, porque a natureza divina é absolutamente imutável, como na Primeira Parte se demonstrou (q. 9, a. 1, 2). Portanto, nem ela se pode converter em outro ser, como incorruptível, nem outro, nela, pois é ingerável. Segundo, porque o resultante de uma mistura a nenhum outro misto é idêntico especificamente, assim, a carne difere de qualquer das espécies dos elementos, e então, Cristo não seria da mesma natureza que o Pai nem que a mãe. Terceiro, de seres muito desproporcionados pode resultar nenhuma mistura, porque um faz desaparecer a espécie do outro, como se puséssemos uma gota de água numa ânfora de vinho. E então, como a natureza divina excede infinitamente a humana, não poderia haver misto, mas permaneceria só a natureza divina.

De terceiro modo, um ser é formado de elementos não transformados, mas imperfeitos, assim da alma e do corpo se faz o homem e, semelhantemente, dos diversos membros. — Mas, isto não pode dizer-se, do mistério da Encarnação. Primeiro, porque ambas as naturezas, a divina e a humana, são por essência perfeitas. Segundo, porque a natureza divina e a humana não podem constituir um todo a modo de partes quantitativas, como os membros constituem o corpo, porque a natureza divina é incorpórea. Nem a modo de forma e de matéria, porque não pode a natureza divina ser forma de nenhum ente, sobretudo corpóreo, pois, de contrário, se seguiria que a espécie resultante seria comunicável a muitos, havendo então vários Cristos. Terceiro, porque Cristo não seria nem de natureza humana, nem de divina, pois, a diferença acrescentada varia a espécie, como se dá com a unidade, nos números, segundo diz Aristóteles.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A citação aduzida, de Cirilo, é assim exposta no Quinto Sínodo: Quem disser ser uma só a natureza encarnada do Verbo de Deus, e não o entender no sentido em que o ensinaram os Padres, que, um só Cristo foi feito pela união, por subsistência, das naturezas divina e humana, mas pretender introduzir a doutrina de uma só natureza ou substância da divindade e da carne de Cristo, seja anátema. Logo, o sentido não é que, na Encarnação de duas naturezas se constituiu uma só, mas que uma só natureza do Verbo de Deus se uniu a si a carne, pessoalmente.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Em cada um de nós, a união da alma e do corpo constitui dupla unidade, da natureza e da pessoa. Da natureza, como a de uma alma que, unida ao corpo, normalmente o aperfeiçoa, de modo a fazer de duas uma só natureza, como do acto e da potência ou da matéria e da forma. E, por aí, não há semelhança, porque não pode a natureza divina ser forma de nenhum corpo, como provamos na Primeira Parte (q. 3, a. 8). Mas, a unidade da pessoa é constituída da alma e do corpo, por haver um só ser subsistente em carne e alma. E, então, há semelhança, pois, um só Cristo subsiste em as naturezas, divina e humana.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Damasceno, dizemos encarnada a natureza divina, por estar unida pessoalmente à carne, não por ter-se convertido na natureza da carne. Semelhantemente, também consideramos a carne deificada, como o mesmo Damasceno o diz, não por conversão, mas por união com o Verbo, salvas as suas propriedades, de modo que se entenda ser a carne deificada, por ter-se tornado a carne do Verbo de Deus e não por ter-se tornado Deus.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, coment., leit. espiritual (Enc Summi pontificatus)

Tempo comum XXIX Semana

Evangelho: Lc 12 39-48

39 Sabei que, se o pai de família soubesse a hora em que viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria arrombar a sua casa. 40 Vós, pois, estai preparados porque, na hora que menos pensais, virá o Filho do Homem». 41 Pedro disse-lhe: «Senhor, dizes esta parábola só para nós ou para todos?». 42 O Senhor respondeu: «Quem é o administrador fiel e prudente que o senhor estabelecerá sobre as pessoas da sua casa, para dar a cada um, a seu tempo, a ração alimentar? 43 Bem-aventurado aquele servo a quem o senhor, quando vier, achar procedendo assim. 44 Na verdade vos digo que o constituirá administrador de tudo quanto possui. 45 Porém, se aquele servo disser no seu coração: O meu senhor tarda em vir, e começar a espancar os criados e as criadas, a comer, a beber e a embriagar-se, 46 chegará o senhor desse servo, no dia em que ele não o espera, e na hora em que ele não sabe; castigá-lo-á severamente e pô-lo-á à parte com os infiéis. 47 Aquele servo, que conheceu a vontade do seu senhor e nada preparou, e não procedeu conforme a sua vontade, levará muitos açoites. 48 Quanto àquele que, não a conhecendo, fez coisas dignas de castigo, levará poucos açoites. Porque a todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e aquele a quem muito confiaram, mais contas lhe pedirão.

Comentário

O Senhor deixa bem claro que, a Sua justiça é absolutamente criteriosa. Não tem como que uma medida estática e decidida como um corolário, não!
Caso a caso, pessoa a pessoa, tomará em conta tudo quanto diga respeito ao comportamento do homem.
Isto porque, além de absolutamente Justo, o Senhor – diremos com palavras humanas - começará o julgamento com o premente desejo de encontrar motivos, por mais ténues que possam ser, para ‘decretar’ a salvação do que está a ser julgado.
Convém, portanto, não desprezar nenhuma ocasião de fazer-mos o bem, de aproveitar as ocasiões que, ao longo da vida, amorosamente nos vai dando para fazer-mos a Sua Vontade, que é, como muito bem sabemos, garantia de Salvação.

(ama, comentário sobre Lc 12, 39-48, 2013.10.23)


Leitura espiritual


Documentos do Magistério


 CARTA ENCÍCLICA
SUMMI PONTIFICATUS
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBRE O OFÍCIO DO PONTIFICADO

IV. O TRABALHO APOSTÓLICO DOS LEIGOS

62. Quando contemplamos com tristeza a desproporção entre o número dos sacerdotes e os encargos que lhes tocam, quando vemos verificar-se ainda hoje a palavra do Salvador: "a messe é imensa e os operários são poucos" (Mt 9, 37; Lc 10, 2), a colaboração dos leigos no apostolado hierárquico, numerosa e animada de ardente zelo e de generosa dedicação, depara-se-nos um precioso auxílio à obra dos sacerdotes e mostra possibilidades de desenvolvimento que legitimem as mais belas esperanças.
A prece da Igreja ao Senhor da messe, para que mande operários à sua vinha, foi atendida como o requerem as necessidades da hora presente e, felizmente, supre e completa as energias, por vezes impedidas e insuficientes, do apostolado sacerdotal.
Uma ardente falange de homens e de mulheres e de jovens de ambos os sexos, obedecendo à voz do sumo pastor às directrizes dos próprios bispos, consagra-se com todo o ardor de sua alma às obras do apostolado para reconduzir a Cristo as massas populares que dele se haviam separado.
A todos chegue, neste momento tão importante para a Igreja e a humanidade, a nossa saudação paterna, o nosso comovido agradecimento e a nossa confiante esperança.
Puseram eles, verdadeiramente, a sua vida e as suas obras sob o vexilo de Cristo-Rei e podem repetir com o Salmista: "Ao rei exponho as minhas obras" (Sl 44, 1).
O "venha a nós o vosso reino" é não só o voto ardente de suas preces, mas também a directriz de suas obras.
Em todas as classes, em todas as categorias, em todos os grupos esta colaboração do laicado com o sacerdócio revela preciosas energias às quais está confiada uma missão que mais elevada e consoladora não poderiam desejar corações nobres e fiéis.
Esse trabalho apostólico, realizado segundo o espírito da Igreja, consagra o leigo quase "ministro de Cristo" no sentido assim explicado por santo Agostinho: "Ó irmãos, quando ouvis o Senhor dizer: 'Onde estou eu aí estará também o meu ministro', não deveis pensar somente nos bons bispos e nos bons clérigos.
Também vós, a vosso modo, deveis ser ministros de Cristo, vivendo bem, fazendo esmolas, pregando o seu nome e a sua doutrina a quem puderdes, de modo que cada qual, mesmo se pai de família, reconheça dever, também por esse título, um afecto paterno à sua família.
Por Cristo e pela vida eterna, ninguém deixe de exortar os seus, e os instrua, exorte, repreenda, demonstrando-lhes sempre benevolência e mantendo-os na ordem; exercerá assim em casa o ofício de clérigo e, de certo modo, o de bispo, servindo Cristo, para com ele permanecer eternamente". (5)

No lar doméstico

63. Ao promover esta colaboração de leigos ao apostolado, tão importante nos nossos tempos, toca uma especial missão à família, porque o espírito da família influi essencialmente sobre o espírito das gerações juvenis.
Enquanto resplandecer, no lar doméstico, a chama sagrada da fé em Cristo e os pais formarem e plasmarem a vida dos filhos segundo esta fé, a juventude prontificar-se-á sempre a reconhecer o Redentor em suas prerrogativas reais, e opor-se-á a quem o tente banir da sociedade ou sacrilegamente lhe viole os direitos.
Ainda que se fechem as Igrejas, que se proscreva da escola a imagem do Crucificado, a família continua a ser um refúgio providencial e, de certo qual modo, inatacável da vida cristã.
E damos infinitas graças a Deus por vermos que muitíssimas famílias cumprem essa sua missão com uma fidelidade que afronta todos os ataques e sacrifícios.
Uma possante falange juvenil, mesmo naquelas regiões em que a fé em Cristo significa sofrimento e perseguição, permanece firme junto do trono do Redentor, com aquela decisão e tranquilidade que fazem lembrar os tempos mais gloriosos das lutas da Igreja.
Que de torrentes de bens inundariam o mundo, de quanta luz, ordem e paz gozaria a vida social, e quantas energias preciosas e insubstituíveis promoveriam o bem da humanidade se em toda a parte se concedesse à Igreja, mestra de justiça e de amor, aquela liberdade de acção a que tem direito sagrado e incontestável, por mandato divino.
Quantos males poderiam ser evitados, quanta felicidade e tranquilidade se poderia criar, se os esforços sociais e internacionais para se restabelecer a paz se deixassem permeabilizar pelos profundos impulsos do evangelho do amor, na luta contra o egoísmo individual e colectivo!

Trabalho pacificador

64. Entre as leis que regulam a vida dos fiéis cristãos e os postulados duma genuína humanidade não existe nenhum contraste mas sim comunhão de ideais e apoio mútuo.
Para vantagem da humanidade que, profundamente abalada, sofre material e moralmente, formulamos um nosso ardente desejo: e é que as angústias presentes abram os olhos de muitos, a fim de que, iluminados pela verdadeira luz, possam reflectir sobre nosso Senhor Jesus Cristo e a missão da sua Igreja nesta terra, e para que os que exercem o poder se resolvam a dar à Igreja campo livre na formação das gerações, segundo os princípios da justiça e da paz.
Este trabalho pacificador supõe naturalmente que não se interponham embaraços ao exercício da missão que Deus confiou à sua Igreja, que não se restrinja o campo da sua actividade, que não se subtraia ao seu benéfico influxo as massas e principalmente a juventude. Por isso nós, como representante daquele que o profeta denominou "Príncipe da paz" (Is 9, 6), apelamos para os governantes e para todos os que de qualquer modo exerçam influência nos negócios públicos, a fim de que a Igreja goze sempre de plena liberdade no cumprimento da sua obra educativa que é anunciar a verdade, inculcar a justiça e inflamar os corações de caridade divina.

65. Se, por uma parte, a Igreja não pode renunciar ao exercício desta sua missão que tem por fim último atuar neste mundo o divino desígnio de restaurar tudo em Cristo, por outra, esta sua obra de restauração revela-se, hoje mais do que nunca, necessária; visto a triste experiência vir demonstrando que os meios externos, as providências humanas e os expedientes políticos, por si sós, são incapazes de dar um alívio eficaz à humanidade atribulada por tantos males.

66. Convencidos da dolorosa falência dos expedientes humanos, e para esconjurar as tempestades que ameaçam arrastar a civilização para tenebrosa voragem, muitos são os que voltam seus olhares esperançosos para a Igreja, para a cátedra de Pedro, rocha de verdade e de amor, certos de que tão-somente dali pode partir aquela unidade de doutrina religiosa e moral que, em tempos idos, tanta consistência deu às relações pacíficas entre os povos.
Unidade para a qual dirigem também seus olhares nostálgicos tantos homens responsáveis pelos destinos das nações, os quais estão vendo hoje quão incapazes sejam os meios em que um dia depositaram tanta confiança; unidade desejada por muitíssimos dos nossos filhos que invocam otidianamente o Deus de paz e de amor; unidade aguardada por tantos espíritos nobres, se bem afastados de nós, os quais, em sua fome e sede de justiça e de paz, volvem seus olhares para a Sé Apostólica, dela esperando directriz e conselho.

67. Reconhecem eles na Igreja católica a bimilenária estabilidade das normas de fé e de vida, a inabalável solidez da hierarquia eclesiástica que, unida ao sucessor de Pedro, se prodigaliza em iluminar as mentes com a doutrina do evangelho, em guiar e santificar os homens; e se é de grande condescendência para com todos, é também firme, ainda que a custo de tormentos e de martírio, quando deve dizer: "Não é permitido".

Infundadas suspeitas

68. Entretanto, veneráveis irmãos, tanto a doutrina de Cristo, única que pode dar aos homens uma base de fé que lhes alargue a vista e lhes dilate divinamente o coração; única que pode remediar eficazmente às hodiernas e gravíssimas dificuldades, como a operosidade da Igreja em desenvolver e difundir tal doutrina são, às vezes, alvos de infundadas suspeitas como se visassem abalar as bases da autoridade civil ou usurpar-lhes os direitos.

69. Para desfazer tais suspeitas, declaramos com apostólica sinceridade – confirmando todavia tudo o que o nosso predecessor Pio XI, de veneranda memória, ensinou em sua encíclica Quas primas, de 11 de dezembro de 1925, acerca da potestade de Cristo-Rei e da sua Igreja – que a Igreja jamais visou nem visa a tais fins, e se alarga os braços para este mundo não é para dominar mas para servir.
Não pretende ela intrometer-se no campo próprio das demais autoridades legítimas, mas oferece-lhes o seu auxílio, a exemplo e com o espírito do seu divino Fundador que "passou fazendo o bem" (At 10, 38).

70. A Igreja prega e inculca obediência e respeito às autoridades terrenas que em Deus tem sua nobre origem, atendo-se ao ensinamento de Cristo que disse: "Dai a César o que é de César" (Mt 22, 21); não tem miras usurpadoras e canta na sua liturgia: "não arrebata os reinos terrestres, Aquele que dá os reinos celestes". (6)
Não deprime as energias humanas, mas antes as orienta para o que é magnânimo e generoso, e forma caracteres que não transigem com a consciência.
Ela, que civilizou os povos, nunca se opôs ao progresso da humanidade, do qual se compraz e goza com maternal ufania.
O fim da sua autoridade declaram-no admiravelmente os anjos que adejavam sobre o berço do Verbo encarnado, quando cantavam glória a Deus e anunciavam paz aos homens de boa vontade.
Esta paz que o mundo não pode dar, deixou-a, por herança aos seus discípulos o divino Redentor: "Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz" (Jo 14, 27); e assim, seguindo a doutrina sublime de Cristo, por ele mesmo compendiada no duplo preceito do amor a Deus e ao próximo, milhões de almas conseguiram essa paz, conseguem-na ainda hoje e hão de consegui-la sempre. A história, por um célebre orador romano sabiamente denominada "mestra da vida", (7) há quase dois mil anos vem demonstrando a veracidade da palavra da Escritura que afirma: "não terá paz quem resiste a Deus" (cf. Jo 9, 4).
Porque somente Cristo é a "pedra angular" (Ef 2, 20), sobre a qual o homem e a sociedade podem encontrar estabilidade e salvação.

71. Sobre esta pedra angular foi educada a Igreja, e por isso contra ela nunca poderão prevalecer as potências adversas: "as portas do inferno não prevalecerão" (Mt 16, 18), nem poderão nunca enfraquecê-la, porquanto as lutas, tanto internas como externas, só poderão dar-lhe mais força e aumentar o número de coroas das suas gloriosas vitórias.
Ao contrário, qualquer outro edifício que não tenha suas bases na doutrina de Cristo, apoia-se sobre areia movediça e estará fadado a ruir miseramente (cf. Mt 7, 26-27).

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)


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Notas:
(5) Sobre o Ev. de são João, t. 51, n.13.
(6) Hino da festa da Epifania.
(7) Cícero, Oração 1, II, 9