Capítulo VIII
A VOCAÇÃO
O amor e a família
259.
Os jovens sentem fortemente a chamada ao amor e sonham encontrar a pessoa certa
com quem formar uma família e construir uma vida juntos.
Sem
dúvida, é uma vocação que o próprio Deus propõe através dos sentimentos,
anseios, sonhos.
Debrucei-me
largamente sobre este tema na Exortação Apostólica Amoris laetitia,
convidando todos os jovens a lerem especialmente os capítulos IV e V.
260.
Apraz-me pensar que «dois cristãos que casam reconheceram na sua história de
amor a chamada do Senhor, a vocação a formar de duas pessoas, varão e mulher,
uma só carne, uma só vida.
E
o sacramento do Matrimónio corrobora este amor com a graça de Deus, arraigando-o
no próprio Deus.
Com
este dom, com a certeza desta vocação, é possível começar com segurança, sem
medo de nada, para, juntos, enfrentar tudo!»[1]
261.
Neste contexto, lembro que Deus nos criou sexuados.
Dentro
da vocação para o matrimónio, devemos reconhecer, agradecidos, que «a
sexualidade, o sexo são um dom de Deus.
Sem
tabus.
São
um dom de Deus, um dom que o Senhor nos dá.
E
fá-lo com dois propósitos: amar-se e gerar vida.
É
uma paixão, é o amor apaixonado.
O
verdadeiro amor é apaixonado.
O
amor entre um homem e uma mulher, quando é apaixonado, leva-te a dar a vida
para sempre.
Sempre.
262.
O Sínodo destacou que «a família continua a ser o principal ponto de referência
para os jovens.
Os
filhos apreciam o amor e os cuidados recebidos dos pais, tomam a peito os laços
familiares e esperam conseguir, por sua vez, formar uma família.
Sem
dúvida, o aumento de separações, divórcios, segundas uniões e famílias
monoparentais pode causar grandes sofrimentos e crises de identidade nos
jovens.
Por
vezes, têm de assumir responsabilidades desproporcionadas para a sua idade,
forçando-os a tornar-se adultos antes do tempo.
Muitas
vezes, os avós prestam uma contribuição decisiva no afecto e na educação
religiosa: com a sua sabedoria, são um elo decisivo na relação entre gerações»[4].
263.
Estas dificuldades, encontradas na família de origem, levam certamente muitos
jovens a interrogar-se se vale a pena formar uma nova família, ser fiéis, ser
generosos.
Quero
dizer-vos que sim, que vale a pena apostar na família e que nela encontrareis
os melhores estímulos para amadurecer e as mais belas alegrias para partilhar.
Não
deixeis que vos roubem a possibilidade de amar a sério.
Não
permitais que vos enganem quantos vos propõem uma vida desenfreada e
individualista que acaba por levar ao isolamento e à pior solidão.
264.
Reina hoje a cultura do provisório, que é uma ilusão. Julgar que nada pode ser
definitivo é um engano e uma mentira.
Muitas
vezes ouvis dizer que «hoje o casamento está “fora de moda” (…).
Na
cultura do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o
momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas
definitivas (…).
Em
vez disso, peço-vos para serdes revolucionários, peço-vos para irdes
contracorrente; sim, nisto, peço que vos rebeleis: que vos rebeleis contra esta
cultura do provisório que, no fundo, crê que vós não sois capazes de assumir
responsabilidades, crê que vós não sois capazes de amar de verdade»[5].
Ao
contrário, eu tenho confiança em vós e, por isso, vos encorajo a optar pelo
matrimónio.
265.
É necessário preparar-se para o matrimónio; isto requer educar-se a si mesmo,
desenvolver as melhores virtudes, sobretudo o amor, a paciência, a capacidade
de diálogo e de serviço.
Implica
também educar a própria sexualidade, para que seja sempre menos um instrumento
para usar os outros, e cada vez mais uma capacidade de se doar plenamente a uma
pessoa, de maneira exclusiva e generosa.
266.
Ensinam os bispos da Colômbia que «Cristo sabe que os esposos não são perfeitos
e que precisam superar a sua fragilidade e inconstância para que o seu amor
possa crescer e durar no tempo.
Por
isso, concede aos esposos a sua graça que é, simultaneamente, luz e força que
lhes permite realizar o seu projecto de vida conjugal de acordo com o plano de
Deus»[6].
267.
Àqueles que não são chamados ao matrimónio nem à vida consagrada, devemos sempre
lembrar-lhes que a primeira e a mais importante vocação é a baptismal.
As
pessoas não casadas, mesmo que não o sejam por opção, podem tornar-se de modo
particular testemunhas da vocação baptismal no seu caminho de crescimento
pessoal.
O trabalho
268.
Os bispos dos Estados Unidos da América deixaram claro que frequentemente a
juventude, uma vez atingida a maioridade, «marca a entrada duma pessoa no mundo
do trabalho.
“Que
fazes para viver?” é tema constante de conversa, porque o trabalho é uma parte
muito importante da sua vida.
Para
os jovens adultos, esta experiência é muito fluida, porque passam dum emprego
para outro e mesmo duma carreira para outra.
O
trabalho pode definir o uso do tempo e determinar o que se pode fazer ou
comprar.
E
pode determinar também a qualidade e a quantidade de tempo livre.
O
trabalho define e influi na identidade e noção de si mesmo que tem um jovem
adulto, sendo um lugar fundamental onde se desenvolvem as amizades e outras
relações, porque habitualmente não se trabalha sozinho. Homens e mulheres
jovens falam do trabalho como cumprimento duma função e como algo que lhes
proporciona um sentido.
Aquele
permite aos jovens adultos satisfazer as suas necessidades práticas e - mais
importante ainda - procurar o significado e a realização dos seus sonhos e
visões.
Ainda
que o trabalho não ajude a alcançar os seus sonhos, resta importante para os
adultos jovens poder cultivar uma visão, aprender a trabalhar de maneira
realmente pessoal e satisfatória para a sua vida e continuar a discernir a
chamada de Deus»[7].
269.
Peço aos jovens que não esperem viver sem trabalhar, dependendo da ajuda dos
outros.
Isto
não faz bem, porque «o trabalho é uma necessidade, faz parte do sentido da vida
nesta terra, é caminho de amadurecimento, desenvolvimento humano e realização
pessoal.
Neste
sentido, ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório
para enfrentar emergências»[8].
Assim,
«a espiritualidade cristã, a par da admiração contemplativa das criaturas que
encontramos em São Francisco de Assis, desenvolveu também uma rica e sadia
compreensão do trabalho, como podemos encontrar, por exemplo, na vida do
Bem-Aventurado Carlos de Foucauld e seus discípulos»[9].
270.
O Sínodo salientou que o mundo do trabalho é uma área onde os jovens
«experimentam formas de exclusão e marginalização.
A
primeira e a mais grave é o desemprego juvenil, que, nalguns países, atinge
níveis exorbitantes.
Além
de os empobrecer, a falta de trabalho rescinde nos jovens a capacidade de
sonhar e esperar, e priva-os da possibilidade de contribuir para o
desenvolvimento da sociedade.
Em
muitos países, esta situação depende do facto de alguns sectores da população
juvenil carecerem de competências profissionais adequadas, devido também aos
deficits do sistema educacional e formativo.
Muitas
vezes, a precariedade ocupacional que aflige os jovens deve-se aos interesses
económicos que exploram o trabalho»[10].
271.
É uma questão muito delicada que a política deve considerar como prioritária,
sobretudo hoje que a velocidade dos avanços tecnológicos, aliada à obsessão de
reduzir os custos laborais, pode levar rapidamente à substituição de inúmeros
postos de trabalho por máquinas.
Trata-se
de uma questão fundamental da sociedade, porque o trabalho, para um jovem, não
é simplesmente uma actividade para ganhar dinheiro.
É
expressão da dignidade humana, é caminho de amadurecimento e inserção social, é
um estímulo constante para crescer em responsabilidade e criatividade, é uma
protecção contra a tendência para o individualismo e a comodidade, e serve
também para dar glória a Deus com o desenvolvimento das próprias capacidades.
272.
Nem sempre um jovem tem a possibilidade de decidir a que vai dedicar os seus
esforços, em que tarefas vai empregar as suas energias e a sua capacidade de
inovação. Com efeito, aos próprios desejos e mesmo às próprias capacidades e
discernimento que a pessoa pode maturar, sobrepõem-se os duros limites da
realidade.
É
verdade que não podes viver sem trabalhar e que, às vezes, tens de aceitar o
que encontras, mas nunca renuncies aos teus sonhos, nunca enterres
definitivamente uma vocação, nunca te dês por vencido.
Continua
sempre a procurar, ao menos, modalidades parciais ou imperfeitas de viver
aquilo que, no teu discernimento, reconheces como uma verdadeira vocação.
273.
Quando alguém descobre que Deus o chama para uma coisa concreta, que está feito
para isso - enfermagem, carpintaria, comunicação, engenharia, ensino, arte ou
qualquer outro trabalho -, então será capaz de fazer desabrochar as suas
melhores capacidades de sacrifício, generosidade e dedicação.
O
facto de uma pessoa saber que não faz as coisas por fazer, mas com um
significado, como resposta a uma chamada - que ressoa nas profundezas do seu
ser - para contribuir com algo para o bem dos outros, isto faz com que estas
actividades dêem ao próprio coração uma particular experiência de plenitude.
Assim o diz o livro bíblico do Eclesiastes: «Reconheci que não há felicidade
maior para o homem do que alegrar-se com as suas obras» (3, 22).
Franciscus
Revisão da versão
portuguesa por AMA
Notas
[1] Francisco, Encontro
com os jovens da Úmbria (Assis 4 de Outubro de 2013): AAS 105
(2013), 921.
[2] Francisco, Exort.
ap. pós-sinodal Amoris
laetitia (19 de Março de 2016), 150: AAS 108
(2016), 369.
[3] Francisco, Audiência
a jovens da diocese de Grenoble-Viena (17 de Setembro de 2018): L’Osservatore
Romano(19/IX/2018), 8.
[4] DF32.
[5] Francisco, Encontro
com os voluntários da XXVIII Jornada Mundial da Juventude (Rio
de Janeiro 28 de Julho de 2013): Insegnamenti, I,2 (2013),
125.
[6] Conferência
Episcopal da Colômbia, Mensagem cristã sobre o Matrimónio (14
de maio de 1981).
[7] Conferência dos
Bispos Católicos dos Estados Unidos , Filhos e filhas da luz: Um plano
pastoral para o ministério com jovens adultos (12 de Novembro de
1996), I, 3.