Quaresma
Semana V
Evangelho:
Jo 8, 1-11
1 Jesus foi para o
monte das Oliveiras. 2 Ao romper da manhã, voltou para o templo e todo o povo
foi ter com Ele, e Ele, sentado, os ensinava. 3 Então os escribas e os fariseus
trouxeram-Lhe uma mulher apanhada em adultério; puseram-na no meio, 4 e
disseram-Lhe: «Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de
adultério. 5 Ora Moisés, na Lei, mandou-nos apedrejar tais mulheres. E Tu que
dizes?». 6 Diziam isto para Lhe armarem uma cilada, a fim de O poderem acusar.
Porém, Jesus, inclinando-Se, pôs-Se a escrever com o dedo na terra. 7
Continuando, porém, eles a interrogá-l'O, levantou-Se e disse-lhes: «Aquele de
vós que estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra». 8 Depois,
tornando a inclinar-Se, escrevia na terra. 9 Mas eles, ouvindo isto, foram-se
retirando, um após outro, começando pelos mais velhos; e ficou só Jesus com a
mulher diante d'Ele. 10 Então, levantando-Se, disse-lhe: «Mulher, onde estão os
que te acusavam? Ninguém te condenou?». 11 Ela respondeu: «Ninguém, Senhor».
Então Jesus disse: «Nem Eu te condeno; vai e doravante não peques mais».
Comentário:
A Liturgia repete dois dias seguidos o mesmo
Trecho do Evangelho de São João e, parece-me, com uma intenção: marcar bem a
postura de Jesus Cristo face à mulher e à sua dignidade como pessoa humana.
Há, de facto, tentativas ao longo dos tempos –
também hoje em dia – para que a sociedade reconheça à mulher os direitos que
lhe são exclusivos como pessoa humana – direitos e dignidade, bem-entendido -.
Tal não tem nada a ver com outras - não poucas
- iniciativas que tentam considerar a mulher igual ao homem o que é
profundamente errado.
O homem e a mulher são dois seres humanos com
direitos, responsabilidades e deveres comuns, mas, em muitos variados aspectos,
com dignidades e “lugares” diferentes na sociedade.
Desde logo só à mulher é reservado o papel da
maternidade, a capacidade de gerar um novo ser e, considerando apenas esta
particularidade, a mulher tem desde logo um papel de colaboradora activa com
Deus.
Deus Nosso Senhor quis expressamente que a Sua
humanidade santíssima fosse gerada num seio feminino, numa Mãe terrena, que
embora revestida e enormíssimas prerrogativas e privilégios era e tudo igual a
qualquer mulher.
Talvez que a palavra mais doce e que move mais
corações seja a palavra MÂE, exactamente porque nos lembra – a todos – essa que
nos deu a vida, velou por nós nos primeiros dias da nossa existência e, não
poucas vezes, nos colocou em primeiríssimo lugar das suas preocupações diárias.
(ama,
comentário sobre Jo 8 1-11, 2016.01.15)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO - CONFISSÕES
LIVRO
QUINTO
CAPÍTULO
I
Oração
Recebe, Senhor, o
sacrifício das minhas Confissões por meio da minha língua, que tu formaste e
impeliste a confessar o teu nome. Cura todos os meus ossos, e que eles
proclamem: Senhor, quem haverá semelhante a ti? Na verdade, quem se dirige a
ti, nada te informa do que ocorre em si, porque não há coração fechado que se
possa subtrair ao teu olhar, nem dureza de homem que possa repelir a tua mão.
Ao contrário, a abrandas quando queres, ou para compadecer-te, ou para castigar;
não há quem se esconda do teu calor. Mas, que minha alma te louve para que te
ame, a confesse as tuas misericórdias para que te louve. Toda a criação não
cala os teus contínuos louvores, nem os espíritos todos, com a sua boca voltada
para ti, nem os animais e coisas corporais, pela boca dos que os contemplam.
Assim, apoiando-se na tua criação, a nossa alma levanta-se da sua franqueza, e
chega a ti, seu admirável criador, onde encontrará rejuvenescimento e
verdadeira fortaleza.
CAPÍTULO
II
Os
que fogem de Deus
Afastem-se e fujam de ti
os irrequietos e os pecadores. Tu os vês e distingues as suas sombras. E eis
que, apesar deles, todas continuam belas; somente eles são feios. E que damos
te poderiam causar? Ou em que poderia desonrar o teu império, justo e íntegro
desde os céus até as coisas mais ínfimas? E para onde fugiram, ao fugir da tua
presença? E em que lugar não os encontrarás? Fugiram, sim, para não te ver a
ti, que os estás vendo, mas deparam contigo, que não abandonas nada do que
criaste; tropeçaram contigo, injustos, e justamente são castigados; subtraindo-se
á tua brandura, ofenderam a tua santidade, e caíram sob os teus rigores.
Evidentemente eles ignoram
que estás em toda parte, que nenhum lugar te limita, e que só tu estás presente
mesmo nos que se afastam de ti.
Que se convertam, pois, e
te busquem, porque não abandonas a tua criatura, como elas abandonaram o seu
Criador. Que se convertam, e logo estarás nos seus corações, nos corações dos
que te confessam, dos que se lançam em ti, dos que choram no teu regaço depois
de percorrerem penosos caminhos. E tu, bondoso, enxugarás as suas lágrimas; e
chorarão ainda mais, mas serão felizes por chorar, porque és tu, Senhor, e
nenhum homem de carne e sangue, tu, Senhor, que os criaste, que os consolas e
robusteces.
E onde estava eu quando te
buscava? Certamente, estavas diante de mim, mas eu tinha-me afastado de mim
mesmo, e não me encontrava, e muito menos de ti!
CAPÍTULO
III
Fausto
e o maniqueísmo
Falarei, na presença do
meu Deus, do ano vigésimo-nono da minha vida. Já havia chegado a Cartago um dos
bispos maniqueus, chamado Fausto, grande laço do demónio, no qual caíam muitos
pelo encanto sedutor da sua eloquência. Apesar de ser exaltada por mim, eu a
sabia contudo discernir das verdades que desejava conhecer. Não era o prato do
estilo que eu considerava, mas o alimento doutrinal que nele me era servido por
aquele famoso Fausto, tão reputado entre os seus.
Antecedera-o a fama de
homem erudito em toda espécie de ciência, e particularmente instruído nas artes
liberais. E como eu tinha lido muitas teorias dos filósofos, e as guardava na memória,
quis comparar algumas destas com as grandes fábulas do maniqueísmo. Pareciam-me
mais prováveis as doutrinas daqueles que chegaram a conhecer a ordem do mundo,
embora não tivessem encontrado o seu Criador. Porque tu és grande, Senhor, e
pondes os olhos nas coisas humildes, e as elevadas conhece-las de longe, e não
te aproximas senão dos contritos de coração. Nem és encontrado pelos soberbos,
ainda que a sua curiosa perícia seja capaz de contar as estrelas do céu e as
areias do mar; seja capaz de medir as regiões do céu e de investigar o curso
dos astros.
Com a inteligência e o
engenho que lhes deste investigam os segredos do mundo, e descobriram muitos
deles; predisseram com muitos anos de antecedência os eclipses do sol e da lua,
no dia e hora em que hão-de suceder, sem que nunca lhes falhasse o cálculo,
acontecendo sempre tal e como haviam anunciado. Deixaram ainda por escrito as
leis por eles descobertas, as quais ainda hoje se leem, e de acordo com elas se
prediz em que ano, e em que mês do ano, e em que dia do mês, e em que hora do
dia, e em que parte da sua luz se hão-de eclipsar o sol e a lua; e tudo
acontece como está predito.
Admiram-se disto os
ignorantes, e pasmam. Os sábios gloriam-se disso, e desvanecem-se, e com ímpia
soberba afastam-se e eclipsam-se da tua luz. E, prevendo com exactidão o
eclipse vindouro do sol, não veem o seu, que já está presente. Não procuram
religiosamente saber de onde lhes vem o talento com que investigam essas coisas
e, achando que tu as criaste, não se entregam a ti, para que conserves o que
lhes deste, nem se te oferecem em sacrifício, como se se tivessem feito a si
mesmos; nem dão morte às suas soberbas, que alçam voo como aves do céu; nem às
suas insaciáveis curiosidades que, como peixes do mar, passeiam pelas secretas
sendas do abismo; nem às suas luxúrias, que os igualam aos animais do campo, a
fim de que tu, ó Deus, fogo devorador, destruas estas suas preocupações de
morte, e os tornes a criar para uma vida imortal.
Mas não conheceram o
caminho, o teu Verbo, por quem fizeste as coisas que numeram, e a eles próprios
que as numeram, e os sentidos com que percebem as coisas que numeram, e a mente
graças à qual as numeram. Tua sabedoria escapa aos números. Teu Filho Unigénito
se fez para nós sabedoria, justiça e santificação, e foi contado entre nós, e
pagou tributo a César. Não conheceram este caminho, por onde desceriam do seu
orgulho até ele, e por ele subiriam até ele; não conheceram, digo, este
caminho, e julgaram-se mais elevados e resplandecentes que as estrelas, e assim
vieram a rolar por terra, e seu coração insensato se obscureceu.
Dizem muitas coisas
verdadeiras acerca das criaturas; mas, como não procuram piedosamente a
Verdade, isto é, o autor da Criação, não o encontram; e, se o encontram reconhecendo-o
por Deus, não o honram como a Deus, nem lhe dão graças. Antes, se desvanecem nos
seus pensamentos, e se dizem sábios, atribuindo a si próprios o que é teu.
Atribuem a ti, com
perversa cegueira, as suas mentiras, a ti, que és a própria Verdade; alteram a glória
de um Deus incorruptível, concebendo-a à semelhança e imagem do homem
corruptível, das aves, dos quadrúpedes, das serpentes. E convertem a tua
verdade em mentira, e adoram e servem antes à criatura do que ao Criador.
Eu porém guardava muitas das
suas opiniões verdadeiras acerca das criaturas, cuja explicação encontrava nos
números, na ordem dos tempos e no testemunho visível dos astros; comparava-as
com os ensinamentos de Manés, que escreveu sobre essas matérias numerosas e delirantes
loucuras, sem achar nenhuma explicação para os solstícios e equinócios, os
eclipses do sol e da lua, e para outras coisas, enfim, das quais tomara
conhecimento pelos livros da sabedoria profana.
Contudo, exigia-me que
acreditasse nessas doutrinas, embora não concordassem absolutamente com os meus
cálculos e com o que os meus olhos testemunhavam.
CAPÍTULO
IV
Ciência
e ignorância
Senhor, Deus da verdade,
acaso te agradará quem conhecer essas coisas? Infeliz do homem que, conhecendo-a
todas, te ignora ti; mas feliz de quem te conhece, embora as ignore!
Quanto ao que conhece a ti
e a elas, este não é mais bem-aventurado por causa do seu saber, mas só é feliz
por ti, se, conhecendo-te, glorifica-te como Deus, e dá-te graças, e não se desvanece
em seus pensamentos.
É melhor aquele que
reconhece estar na posse de uma árvore e te dá graças pela sua utilidade,
embora ignore quantos côvados tem de altura e de largura, que o que a mede, e
conta todos os seus ramos, mas não a possui, nem conhece, nem ama o seu
Criador. Assim o homem fiel, a quem pertencem todas as riquezas do mundo, e
que, nada possuindo, possui tudo, por estar unido a ti, a quem servem todas as
coisas – embora desconheça até o curso das estrelas da Ursa – e seria insensatez
duvidar – é certamente melhor do que o que mede os céus, conta as estrelas e
pesa os elementos, mas despreza-te a ti, que dispuseste todas as coisas em
número, peso e medida.
(cont)
(Revisão de versão
portuguesa por ama)