Cartas de São Paulo
1.ª Tessalonicenses 4
II.
PRÁTICA CRISTÃ
Santidade e caridade –
1
Quanto ao resto, irmãos, pedimo-vos e exortamo-vos no Senhor Jesus Cristo, a
fim de que, tendo aprendido de nós o modo como se deve caminhar e agradar a
Deus - e já o fazeis - assim progridais sempre mais. 2 Conheceis bem que
preceitos vos demos da parte do Senhor Jesus. 3 Esta é, na verdade, a vontade
de Deus: a vossa santificação; que vos afasteis da devassidão, 4 que cada um de
vós saiba possuir o seu corpo em santidade e honra, 5 sem se deixar levar pelo
desejo da paixão como os pagãos que não conhecem Deus. 6 Que ninguém, nesta
matéria, defraude e se aproveite do seu irmão, porque o Senhor vinga tudo isto,
como já vos dissemos e testemunhámos. 7 Com efeito, Deus não nos chamou à
impureza mas à santidade. 8 Pois quem despreza estes preceitos não despreza um
homem, mas o próprio Deus, que vos dá o seu Espírito Santo. 9 A respeito do
amor fraterno não precisais que se vos escreva, pois vós próprios fostes
ensinados por Deus a amar-vos uns aos outros; 10 aliás, vós já o fazeis com
todos os irmãos da Macedónia. Exortamo-vos, irmãos, a progredir sempre mais, 11
a ter como ponto de honra viver em paz, a ocupar-vos das próprias actividades,
a trabalhar com as vossas mãos, como vos recomendámos, 12 de modo que vos
comporteis honestamente perante os de fora e não preciseis de ninguém.
Vinda do Senhor e destino dos mortos –
13
Irmãos, não queremos deixar-vos na ignorância a respeito dos que faleceram,
para não andardes tristes como os outros, que não têm esperança. 14 De facto,
se acreditamos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também Deus reunirá com
Jesus os que em Jesus adormeceram. 15 Eis o que vos dizemos, baseando-nos numa
palavra do Senhor: nós, os vivos, os que ficarmos para a vinda do Senhor, não
precederemos os que faleceram; 16 pois o próprio Senhor, à ordem dada, à voz do
arcanjo e ao som da trombeta de Deus, descerá do Céu, e os mortos em Cristo ressurgirão
primeiro. 17 Em seguida nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados
juntamente com eles sobre as nuvens, para irmos ao encontro do Senhor nos ares,
e assim estaremos sempre com o Senhor. 18 Consolai-vos, pois, uns aos outros
com estas palavras.
Cristo que passa
15
Como em relação a qualquer
outro aspecto da sua vida, nunca deveríamos contemplar esses anos ocultos de
Jesus sem nos sentirmos afectados, sem os reconhecermos como aquilo que são:
chamamentos que o Senhor nos dirige para sairmos do nosso egoísmo, do nosso
comodismo.
O Senhor conhece as nossas
limitações, o nosso individualismo e a nossa ambição: a dificuldade em nos
conhecermos a nós mesmos e de nos entregarmos aos outros.
Sabe o que é não encontrar
amor e verificar que mesmo aqueles que dizem segui-Lo o fazem só a meias.
Recordai as cenas tremendas
que os evangelistas nos descrevem e em que vemos os apóstolos ainda cheios de
aspirações temporais e de projectos exclusivamente humanos.
Mas Jesus escolheu-os, mantém-nos
juntos de Si e confia-lhes a missão que recebeu do Pai.
Também a nós nos chama e nos
pergunta como a Tiago e João: Potestis
bibere calicem quem ego bibiturus sum?; estais dispostos a beber o cálice
(este cálice da completa entrega ao cumprimento da vontade do Pai) que eu vou
beber?
"Possumus"!
Sim, estamos dispostos! - é
a resposta de João e Tiago...
Vós e eu, estamos dispostos
seriamente a cumprir, em tudo, a vontade do nosso Pai, Deus?
Demos ao Senhor o nosso
coração inteiro ou continuamos apegados a nós mesmos, aos nossos interesses, à
nossa comodidade, ao nosso amor-próprio?
Há em nós alguma coisa que
não corresponda à nossa condição de cristãos e que nos impeça de nos
purificarmos?
Hoje apresenta-se-nos a
ocasião de rectificar.
É necessário que nos
convençamos de que Jesus nos dirige pessoalmente estas perguntas.
É Ele que as faz, não eu.
Eu não me atreveria a
fazê-las a mim próprio.
Eu vou continuando a minha
oração em voz alta e vós, cada um de vós, por dentro, está confessando ao
Senhor: Senhor, que pouco valho!
Que cobarde tenho sido
tantas vezes!
Quantos erros!
Nesta ocasião e naquela...
nisto e naquilo...
E podemos exclamar também:
ainda bem, Senhor, que me tens sustentado com a tua mão, porque eu sinto-me
capaz de todas as infâmias...
Não me largues, não me
deixes; trata-me sempre como um menino. Que eu seja forte, valente, íntegro.
Mas ajuda-me, como a uma
criatura inexperiente.
Leva-me pela tua mão,
Senhor, e faz com que tua Mãe esteja também a meu lado e me proteja.
E assim, possumus!, poderemos, seremos capazes de
ter-Te por modelo!
Não é presunção afirmar possumus!
Jesus Cristo ensina-nos este
caminho divino e pede-nos que o apreendamos porque Ele o tornou humano e
acessível à nossa fraqueza.
Por isso se rebaixou tanto:
Este foi o motivo porque se abateu, tomando a forma de servo aquele Senhor que,
como Deus, era igual ao Pai; mas abateu-se na majestade e na potência; não na
bondade e na misericórdia.
A bondade de Deus quer
tornar-nos fácil o caminho.
Não rejeitemos o convite de
Jesus; não Lhe digamos que não; não nos façamos surdos ao seu chamamento; pois
não existem desculpas, não temos nenhum motivo para continuar a pensar que não
podemos.
Ele ensinou-nos com o seu
exemplo.
Portanto, peço-vos
encarecidamente, meus irmãos, que não permitais que se vos tenha mostrado em
vão exemplo tão precioso, mas que vos conformeis com Ele e vos renoveis no
espírito da vossa alma.
16
Passou
pela terra fazendo o bem
Vedes como é necessário
conhecer Jesus, observar amorosamente a sua vida?
Muitas vezes fui à procura
da definição da biografia de Jesus na Sagrada Escritura.
Encontrei-a lendo aquela que
o Espírito Santo faz em duas palavras: pertransiit
benefaciendo.
Todos os dias de Jesus
Cristo na terra, desde o seu nascimento até à morte, pertransiit benefaciendo, foram preenchidos fazendo o bem. Como,
noutro lugar, a Escritura também diz: bene
omnia fecit, fez tudo bem, terminou bem todas as coisas, não fez senão o
bem.
E tu?
E eu?
Lancemos um olhar para ver
se temos alguma coisa que emendar. Eu, sim, encontro em mim muito que fazer.
Como me vejo incapaz, só por
mim, de fazer o bem e, como o próprio Jesus nos disse que sem Ele nada podemos,
vamos tu e eu implorar ao Senhor a sua assistência, por meio de sua Mãe, neste
colóquio íntimo, próprio das almas que amam a Deus.
Não acrescento mais nada,
porque é cada um de vós que tem de falar, segundo a sua particular necessidade.
Por dentro, e sem ruído de
palavras, neste mesmo momento em que vos dou estes conselhos, aplico esta
doutrina à minha própria miséria.
17
Pertransiit benefaciendo...
Que fez Jesus para derramar
tanto bem, e só bem, por onde quer que passou?
Os Santos Evangelhos
transmitiram-nos outra biografia de Jesus, resumida em três palavras latinas,
que nos dá a resposta: erat subditus
illis, obedecia.
Hoje, que o ambiente está
cheio de desobediência, de murmuração, de desunião, havemos de estimar
especialmente a obediência.
Sou muito amigo da liberdade
e precisamente por isso amo tanto essa virtude cristã.
Devemos sentir-nos filhos de
Deus e viver com o empenho de cumprir a vontade do nosso Pai, de realizar tudo
segundo o querer de Deus, porque nos dá na gana, que é a razão mais
sobrenatural.
O espírito do Opus Dei, que
tenho procurado praticar e ensinar desde há mais de trinta e cinco anos, fez-me
compreender e amar a liberdade pessoal.
Quando Deus Nosso Senhor
concede a sua graça aos homens, quando os chama com uma vocação específica, é
como se lhes estendesse a mão, uma mão paternal, cheia de fortaleza, repleta
sobretudo de amor, porque nos busca um a um, como filhas e filhos seus, e
porque conhece a nossa debilidade.
O Senhor espera que façamos
o esforço de agarrar a sua mão, essa mão que Ele nos estende. Deus pede-nos um
esforço, prova da nossa liberdade.
E para conseguirmos isso,
temos de ser humildes, temos de sentir-nos filhos pequenos e amar a bendita
obediência com que respondemos à bendita paternidade de Deus.
Convém deixar o Senhor
meter-se nas nossas vidas e entrar confiadamente sem encontrar obstáculos nem
recantos obscuros. Nós, os homens, tendemos a defender-nos, a apegar-nos ao
nosso egoísmo.
Sempre tentamos ser reis,
ainda que seja do reino da nossa miséria. Entendei através desta consideração
por que motivo temos necessidade de recorrer a Jesus: para que Ele nos torne
verdadeiramente livres e, dessa forma, possamos servir a Deus e a todos os
homens.
Só assim perceberemos a
verdade daquelas palavras de S. Paulo: Agora, porém, livres do pecado e feitos
servos de Deus, tendes por fruto a santificação e por fim a vida eterna.
Porque o salário do pecado é
a morte, ao passo que o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Estejamos precavidos,
portanto, visto que a nossa tendência para o egoísmo não morre e a tentação
pode insinuar-se de muitas maneiras.
Deus exige que, ao obedecer,
ponhamos em exercício a fé, porque a sua vontade não se manifesta com aparato
ruidoso; às vezes o Senhor sugere o seu querer como que em voz baixa, lá no
fundo da consciência; e é necessário escutar atentamente para distinguir essa
voz e ser-Lhe fiel.
Muitas vezes fala-nos
através doutros homens e pode acontecer que, à vista dos defeitos dessas
pessoas ou pensando que não estão bem informadas ou que talvez não tenham entendido
todos os dados do problema, surja uma espécie de convite a não obedecermos.
Tudo isso pode ter um
significado divino, porque Deus não nos impõe uma obediência cega, mas uma
obediência inteligente, e temos de sentir a responsabilidade de ajudar os
outros com a luz do nosso entendimento.
Mas sejamos sinceros
connosco próprios: examinemos em cada caso se o que nos move é o amor à verdade
ou o egoísmo e o apego ao nosso próprio juízo.
Quando as nossas ideias nos
separam dos outros, quando nos levam a quebrar a comunhão, a unidade com os
nossos irmãos, é sinal certo que não estamos a actuar segundo o espírito de
Deus.
Não o esqueçamos: para
obedecer, repito, é preciso humildade. Vejamos de novo o exemplo de Cristo.
Jesus obedece, e obedece a
José e a Maria. Deus veio à Terra para obedecer, e para obedecer às criaturas.
São duas criaturas
perfeitíssimas - Santa Maria, Nossa Mãe; mais do que Ela só Deus; e aquele
varão castíssimo, José.
Mas criaturas.
E Jesus, que é Deus,
obedecia-lhes!
Temos de amar a Deus, para
amar assim a sua vontade, e ter desejos de responder aos chamamentos que nos
dirige através das obrigações da nossa vida corrente: nos deveres de estado, na
profissão, no trabalho, na família, no convívio social, no nosso próprio
sofrimento e no sofrimento dos outros homens, na amizade, no empenho de
realizar o que é bom e justo...