Tempo Comum
Semana V
Nossa Senhora de Lourdes
Cinzas
Evangelho:
Lc 9, 22-25
22
«É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado
pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que seja morto
e ressuscite ao terceiro dia. 23 Depois, dirigindo-Se a todos disse:
«Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os
dias, e siga-Me.24 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá;
e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25 Que
aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz dano a
si?
Comentário:
O
que significa “negar-se a si mesmo”?
Abdicar
de ser uma pessoa humana?
Bem
pelo contrário, significa ser uma pessoa humana completa e capacitada de uma
realidade indiscutível: ser Filho de Deus!
Um
bom filho ama entranhadamente o seu pai e procura seguir, em tudo, o seu
exemplo e satisfazer as aspirações e desejos que tem a seu respeito porque,
naturalmente, um pai quer para o seu filho o melhor e mais conveniente.
Como
duvidar que é exactamente isso que o nosso Pai Deus quer para cada um dos Seus
filhos?
(ama, comentário sobre Lc 9, 22-25, 2014.03.06)
20016)
Leitura espiritual
Teologia da Sacrosanctum Concilium
A
liturgia, exercício do sacerdócio
Conforme
acabamos de ver, o Concílio Vaticano II explica a liturgia em primeiro lugar
como momento da história da salvação.
Mas
este não é o único aspecto a ser considerado por quem quer conhecer a natureza
da liturgia.
Sobretudo
quando o Vaticano II faz aquela descrição da liturgia que geralmente é
considerada como definição, várias outras dimensões são mencionadas, entre as
quais se destaca aquela de a liturgia ser o exercício do sacerdócio de Cristo e
dos cristãos.
Aprofundaremos
primeiro esta dimensão e em seguida duas outras que são também essenciais para
um conhecimento da natureza da liturgia: sua dimensão simbólica e as duas
vertentes da ação litúrgica.
Outro
aspecto importante da liturgia é que nela participamos da liturgia celeste.
Antes
de entrarmos no estudo das diferentes dimensões, vejamos o texto conciliar em
questão. Embora não seja uma definição em sentido estrito, porque o Concílio
julgou que definir fosse tarefa da ciência litúrgica e não do magistério, ele é
de suma importância: “Com razão (…) a liturgia é tida como o exercício do múnus
sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada
e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é
exercido o culto público integral pelo corpo místico de Cristo, cabeça e membros”
[i].
l.
O sacerdócio de Jesus Cristo
Jesus
Cristo praticou em sua vida e preconizou o culto em espírito e verdade, o culto
que Deus tinha prescrito a seu povo ao selar a aliança no Monte Sinai.
A
carta aos hebreus, descrevendo o sacerdócio novo, único e definitivo de Jesus
Cristo, diz:
“Ao
entrar no mundo, Ele (Jesus Cristo) afirmou: ‘Tu não quiseste sacrifício e
oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo
pecado não foram do teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, – no rolo do
livro está escrito a meu respeito – eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’.
Assim, ele declara, primeiramente: ‘Sacrifícios, oferendas, holocaustos,
sacrifícios pelo pecado, tu não quiseste, e não te agradaram’.
Trata-se,
notemo-lo bem, de oferendas prescritas pela Lei.
Depois
Ele assegura:
‘Eis
que eu vim para fazer a Tua vontade’.
Portanto,
Ele suprime o primeiro para estabelecer o segundo.
E
graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus
Cristo, realizada uma vez por todas” [ii].
É
o culto da vida de Jesus que Ele completou pela sua morte na cruz e cuja
aceitação o Pai manifestou ressuscitando O Seu Filho da morte.
Como
Jesus entrou pela Sua morte no santuário verdadeiro, o céu, assim Ele está
agora e eternamente diante do Pai, entregando-se em eterno amor obediente, e
associa a Si aqueles que na terra estão em comunhão com Ele, sobretudo aqueles
que pelo baptismo se tornaram com ele e nele sacerdotes, os membros do Seu
corpo místico.
Na
Sua vida e especialmente quando eles celebram a liturgia, Jesus está presente e
agindo, como diz a constituição sobre a liturgia, ”no sacrifício da missa,
tanto na pessoa do ministro, ‘pois aquele que agora oferece pelo ministério dos
sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz’ [iii],
quanto sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos
sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo, mesmo que baptiza.
Presente
está pela sua palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as sagradas
escrituras na igreja.
Está
presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu:
‘Onde
dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, aí estarei no meio deles [iv],
[v].
Evidentemente,
os membros do seu corpo que participam do seu sacerdócio, devem celebrar como
ele, quer dizer, celebrar aquilo que vivem, sua obediência ao Pai e entrega
pelos irmãos, exatamente como Jesus na última ceia celebrou ritualmente seu
sacrifício vivido desde a sua encarnação até a morte na cruz.
2
– O sacerdócio dos cristãos
Ao
selar a aliança no deserto do Sinai com o povo libertado da escravidão do Egito
Deus tinha dito:
“Se
ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma
propriedade particular entre todos os povos… Vós sereis para mim um reino de
sacerdotes e uma nação santa” [vi].
É
este texto que ressoa nas palavras de São Pedro em sua primeira carta:
“Dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios
espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo”, e: “Vós sois uma raça eleita,
um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de particular propriedade, a fim de
que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz
maravilhosa” [vii].
No
mesmo sentido diz o livro do apocalipse que Jesus “fez de nós um reino de sacerdotes
para Deus, seu Pai” [viii].
Como
no antigo, assim também no novo testamento, este sacerdócio é um sacerdócio
espiritual que, no entanto, não exclui, e sim inclui o oferecimento de
sacrifícios rituais, na Igreja o sacrifício eucarístico. É igualmente claro que
o exercício deste sacerdócio se estende a toda a liturgia, a todas as
celebrações.
E,
finalmente, não há dúvidas de que este povo sacerdotal são todos os baptizados.
Como no baptismo nascemos pelo dom do Espírito Santo como filhos e filhas de
Deus em Jesus Cristo, assim somos no baptismo ungidos sacerdotes no
sumo-sacerdote Jesus Cristo.
E
o sacerdócio dos ordenados?
Como
diz o termo que o especifica, “sacerdócio ministerial”, ele está a serviço do sacerdócio
comum de todos os batizados. Os ordenados ajudam todo o povo dos baptizados a
viver e exercer o seu sacerdócio espiritual e ritual.
Sobretudo
na liturgia exerce-se o sacerdócio de Jesus Cristo, do qual participam todos os
batizados e, de modo particular, os ordenados. É neste sentido que a
constituição sobre a liturgia fala da “plena, cônscia e ativa participação das
celebrações, que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força do
batismo, o povo cristão, geração escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo
de conquista tem direito e obrigação” [ix].
No
mesmo sentido a constituição diz ainda: “As ações litúrgicas (…) são (…)
celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o povo santo,
unido e ordenado sob a direção dos bispos. Por isso, estas celebrações
pertencem a todo o corpo da Igreja, e o manifestam e afetam” [x].
3
– A liturgia como ação simbólico-sacramental
A
constituição sobre a sagrada liturgia diz que pelo exercício do sacerdócio de
Jesus Cristo “mediante sinais sensíveis é, de modo particular a cada sinal,
realizada a santificação do homem” e a glorificação de Deus [xi].
Não
se pode aqui apresentar toda uma antropologia e teologia de sinal e símbolo.
Mas isso nem é necessário para uma compreensão daquilo que o Concílio queria
dizer sobre a natureza da liturgia. A constituição não fala de simples sinais
que apenas manifestam uma realidade ou a ela remetem. Fala de sinais que também
realizam aquilo que manifestam ou significam. Tais sinais chamamos na liturgia
e na ciência litúrgica geralmente de símbolos.
A
realidade sensível do símbolo é também na liturgia normalmente uma coisa, um
objeto ou uma ação sensível que manifesta e realiza o mistério celebrado ou a
salvação. Assim, por exemplo, a comunidade reunida em assembleia litúrgica, não
apenas remete ao corpo místico de Cristo, mas é este corpo. E quando alguns
membros desta assembleia exercem determinados ministérios, são os membros do
corpo de Cristo que o fazem. Naquele que preside, a cabeça deste corpo, Jesus Cristo
mesmo, está presente e agindo, falando para nós em nome do Pai do céu, ou
levando a nossa oração a Deus. Quando o presidente da celebração eucarística
diz: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós”, é Jesus Cristo mesmo que
diz isso; e então a espécie do pão não nos remete apenas ao corpo de Cristo,
mas é o corpo de Cristo eucarístico. Convém lembrar ainda, neste momento, que
graças a seu caráter simbólico a liturgia pode manifestar aquilo que nela se
realiza muito melhor do que o poderiam as palavras. Por exemplo, um aperto de
mão ou um abraço podem dizer muito mais do que apenas palavras.
Falando
assim do caráter simbólico da liturgia, falamos de sua sacramentalidade. Os
sete sacramentos são ações simbólicas que realizam o que significam. Desta
sacramentalidade participam todas as ações litúrgicas, também os agentes da
celebração, os objetos que se usam, e até o espaço e o tempo em que a liturgia
se realiza.
4
– Na liturgia Deus nos santifica e nós glorificamos a Deus
Na
história de Deus com a humanidade realiza-se o eterno plano do amor divino:
desde a criação e sobretudo através da obra da salvação do mundo, até a última
vinda do Senhor na glória – num dinamismo que costumamos considerar como
descendente. A este dinamismo corresponde o ascendente, em que a humanidade,
enquanto conhece Deus e o reconhece como seu criador e salvador lhe responde em
louvor e ação de graças, não apenas em palavras, mas sobretudo pela vida e ação
conforme a vontade de Deus, caminhando assim para a plenitude do Reino. A mesma
dupla vertente observamos na liturgia.
De
um lado, celebramos a acção santificadora de Deus, principalmente na
proclamação da Palavra, ou, por exemplo, no perdão e no novo nascimento com que
Deus nos agracia, talvez o mais evidentemente na eucaristia, no Corpo do Senhor
entregue e no Seu Sangue que bebemos. A este dinamismo descendente da nossa
santificação corresponde, também na liturgia, outro, o ascendente, o da
glorificação de Deus, na nossa oração litúrgica, quando levantamos as nossas mãos
em sinal de elevar os corações a Deus, de modo particular quando oferecemos o
sacrifício eucarístico e pedimos que o Pai nos aceite com seu Filho.
Evidentemente,
em tudo isso, em todas as nossas acções simbólico-sacramentais, sempre quando
exercemos o nosso sacerdócio na liturgia, devemos expressar com autenticidade o
mistério que celebramos e, da nossa parte, aquilo que somos e vivemos, nossa
atitude interior. Só assim nossa liturgia será um culto agradável a Deus, adoração
em espírito e verdade. Tal liturgia nunca pode ser uma ação meramente humana,
mas sempre se realizará por força do Espírito Santo e em sintonia com a ação de
Jesus, nosso sumo-sacerdote.
5
– Na liturgia terrena participamos da liturgia celeste
Geralmente,
quem preside a missa introduz o Santo, convidando a cantá-lo em comunhão com os
anjos e os santos do céu. Esta não é uma linguajem figurativa, mas
sacramental-real. Para toda a liturgia vale o que a constituição do Concílio
Vaticano II sobre a liturgia diz da liturgia das horas:
“O
sumo-sacerdote do novo e eterno testamento, Cristo Jesus, assumindo a natureza
humana, trouxe para esse exílio terrestre aquele hino que é cantado por todo o
sempre nas habitações celestes” [xii].
De facto, Ele que está à direita do Pai, fala-nos na proclamação e explicação
da Palavra e com Ele e por Ele nós dirigimo-nos ao Pai, unidos no Espírito
Santo; estando, portanto, em íntima comunhão com as três pessoas da Santíssima
Trindade, participando da sua acção, como partilhamos também a vida divina, por
força do nosso baptismo.
Por
isso, a constituição sobre a liturgia pode com todo direito dizer:
“Na
liturgia terrena, antegozando, participamos da liturgia celeste, que se celebra
na Cidade Santa de Jerusalém, para a qual, peregrinos, nos encaminhamos” [xiii].
Certamente
poder-se-ia dizer muito mais sobre a liturgia. Mas também não há dúvida de que
o Concílio Vaticano II no início da constituição sobre a liturgia, nos artigos
aos quais nos referimos neste estudo, nos diga aquilo que é o mais pertinente,
o essencial que se possa e deva dizer sobre a natureza da liturgia:
Que
ela é um momento da história da salvação, porque nela se leva a efeito a obra
redentora de Jesus Cristo, pelo exercício do seu sacerdócio, da cabeça e dos
membros do seu corpo místico.
p. gregório
lutz cssp
(Revisão da versão
portuguesa por ama)