Tempo comum XXXIII Semana
Santo Alberto Magno – Doutor da Igreja
Evangelho:
Mc 13, 24-32
13 Sereis odiados por todos, por causa do Meu nome. Mas o que perseverar
até ao fim, esse será salvo. 14 «Quando, pois, virdes a abominação
da desolação posta onde não devia estar -leitor, atende bem!- então os que
estiverem na Judeia fujam para os montes, 15 quem estiver sobre o
telhado, não desça nem entre para levar coisa alguma da sua casa; 16
e quem se encontrar no campo, não volte atrás a buscar o seu manto. 17
Ai das mulheres grávidas e das que tiverem crianças de peito naqueles dias!18
Rogai, pois, que não suceda isto no Inverno. 19 Porque, naqueles
dias, haverá tribulações, como não houve desde o principio do mundo que Deus
criou, até agora, nem haverá mais. 20 E se o Senhor não abreviasse
aqueles dias, nenhuma pessoa se salvaria; mas Ele os abreviou, em atenção aos
eleitos que escolheu. 21 «Então se alguém vos disser: “Eis aqui está
o Cristo, ei-l'O acolá”, não deis crédito. 22 Porque se levantarão
falsos cristos e falsos profetas, e farão milagres e prodígios para enganarem,
se fosse possível, até os escolhidos.23 Estai, pois, de sobreaviso,
eis que Eu vos predisse tudo.24 Naqueles dias, depois daquela tribulação,
o sol escurecer-se-á e a lua não dará a sua claridade, 25 e as
estrelas cairão do céu e as potestades que estão nos céus serão abaladas. 26
Então verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens, com grande poder e glória. 27
E enviará logo os Seus anjos e juntará os Seus escolhidos dos quatro ventos,
desde a extremidade da terra até à extremidade do céu. 28 Ouvi uma
comparação tirada da figueira: Quando os seus ramos estão já tenros e as folhas
brotam, sabeis que está perto o Verão; 29 assim também, quando
virdes acontecer estas coisas, sabei que está perto, às portas. 30
Na verdade vos digo que não passará esta geração sem que se cumpram todas estas
coisas. 31 Passarão o céu e a terra, mas as Minhas palavras não
hão-de passar. 32 «A respeito, porém, desse dia ou dessa hora,
ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas só o Pai.
Comentário:
Sem dúvida que o grande mistério da morte acompanha toda a vida do
homem.
Parece um paradoxo – vida e morte – mas de facto não é porque a morte
não existe de facto, a vida, sim.
O corpo nasce e morre; a alma, não!
Criada por Deus desde o primeiro instante da concepção, permanecerá
para sempre sem conhecer a degradação porque não é física mas puramente
espiritual.
Tendo os necessários cuidados com o corpo, com a saúde o que na
verdade nos deve importar è cuidar da alma e do “bom estado” em que se encontra
para, em qualquer momento, se encontrar face a face com Quem a criou.
(ama, comentário sobre Mc 13, 24-32,
2012.11.18)
Leitura espiritual
A PACIÊNCIA
…/7
O que nós, afinal, ficamos
sabendo foi que no dia 27 de Abril, festa de Nossa Senhora de Montserrat, após
receber a dose diária de insulina, o Padre se sentou à mesa com o P. Álvaro del
Portillo.
De repente, o seu rosto
ficou rubro, depois violáceo e, finalmente, invadido por uma palidez
cadavérica. A custo, antes de ficar desacordado, tinha pedido ao P. Álvaro a
absolvição.
Ele próprio nos relatava
depois (só no-lo contou quando já estava bom e não podia causar-nos preocupação),
que naquela hora teve a nítida sensação de que ia morrer.
Acrescentava, com o seu indelével
bom humor, que, quando conseguira ver-se no espelho, após umas horas de
cegueira, tinha comentado ao P. Álvaro:
‘Já sei que aspecto terei
quando morrer...’
Deus, em sua bondade, não
só o livrou da morte nessa hora de grave crise, como o presenteou com uma
rápida recuperação e, o que é mais, com o inexplicável desaparecimento da diabete
que, simplesmente, deixou de manifestar-se a partir daquele dia. Ficou curado.
Neste episódio todo, algo
se nos revelou com absoluta nitidez, com inequívoca evidência: tínhamos vivido,
dia após dia, com um Mons. Escrivá doente, afetado por forte mal-estar físico, muitas
vezes cansado, esgotado, e nada disso tinha transparecido no seu porte, no seu
rosto, no seu gesto, na sua conversação.
As nossas impressões
daqueles dias, expressou-as muito bem um dos que lá estavam em 1954, o
português Hugo de Azevedo, na biografia que dedicou bastantes anos mais tarde
ao Beato Josemaria, com o título de Uma luz no mundo. Devo dizer que as suas
impressões pessoais coincidem, ao pé da letra, com as minhas e as dos outros
que estávamos lá:
“O que é admirável para
quem, como eu, conviveu com ele nessa época, é não nos termos dado conta de
nada, é não recordarmos qualquer diferença de disposição, de vitalidade, de
alegria.
Dera-nos dias antes duas
meditações diárias durante um retiro, na Semana Santa, e com que vibração nos
impulsionava à luta interior e ao apostolado!” [i]
TER A CRUZ É TER A ALEGRIA
Tudo isto é, certamente,
admirável, e o foi para nós na época. Agora, com o conhecimento mais
aprofundado da vida do Bem-aventurado Josemaria Escrivá, é preciso dizer que,
embora seja muito admirável, não é surpreendente, pois na vida santa do
Fundador do Opus Dei a paciência heróica, no meio de muitos padecimentos
físicos e sobretudo morais, foi uma constante, uma santa “rotina”.
Referindo-se a alguns
momentos da década de 1940, em que as dolorosas investidas – sobretudo as
calúnias – recrudesciam, ele próprio confidenciaria anos mais tarde:
“Para nos tornar mais
eficazes, Deus Nosso Senhor abençoou-nos com a Cruz [...]. Foram anos duros,
porque faziam chegar essas calúnias até o mais alto da Igreja, semeando
desconfianças e receios para com a Obra. Eu calava-me e rezava [...]. Chegou um
momento em que tive de ir uma noite ao sacrário, a dizer: Senhor – e
custava-me, custava-me... e me caíam umas lágrimas!... –, se Tu não precisas da
minha honra, eu para que a quero?” [ii]
Paciência é isso!
Um grande amor que sabe
sofrer e que, justamente por ser amor, sofre com generosidade, com grandeza,
com desprendimento total de si mesmo e aceitação plena da Vontade de Deus, com
abandono nas mãos do Pai e com alegria.
Que bem no-lo ensinava
Mons. Escrivá!
É por isso que os textos
que contêm a sua mensagem, para os que pudemos conhecê-lo de perto, são verdadeiros
latejos da sua própria alma, sangue das suas veias. Passava para o papel o que
vivia ardentemente. Daí que nos seja impossível ler com frieza, como se fossem
apenas exortações piedosas ou exposições doutrinais, textos como os seguintes:
“Ter a Cruz é ter a
alegria: é ter-te a Ti, Senhor!” “Quando se caminha por onde Cristo caminha;
quando já não há resignação, mas a alma se conforma com a Cruz – se amolda à forma
da Cruz –; quando se ama a Vontade de Deus; quando se quer a Cruz..., então,
mas só então, é Ele quem a leva”.
“Sinais inequívocos da
verdadeira Cruz de Cristo: a serenidade, um profundo sentimento de paz, um amor
disposto a qualquer sacrifício [...], e sempre – de modo evidente – a alegria:
uma alegria que procede de saber que, quem se entrega de verdade, está junto da
Cruz e, por conseguinte, junto de Nosso Senhor”.
Ou ainda expansões como a
desta confidência pessoal: “Quando vos falo de dor, não vos
falo apenas de teorias
[...]. A doutrina cristã sobre a dor não é um programa de consolos fáceis. É, em
primeiro lugar, uma doutrina de aceitação do sofrimento, que é de facto
inseparável de toda a vida humana.
Não vos posso ocultar –
com alegria, porque sempre preguei, e procurei viver, que onde está a Cruz está
Cristo, o Amor – que a dor tem aparecido frequentemente na minha vida...” [iii]
A arte de sofrer sorrindo,
de que foi exímio mestre o Fundador do Opus Dei, é uma arte contagiosa. É o que
vamos ver na nossa segunda história de amor paciente.
UMA CURTA BIOGRAFIA
Mons. Escrivá esteve à
beira da morte no dia de Nossa Senhora de Montserrat, 27 de Abril de 1954. A
nossa segunda história focaliza uma moça, nascida em Barcelona no dia 10 de Julho
de 1941, que havia recebido no Baptismo esse nome, Montserrat, em honra da
Padroeira da sua terra.
Familiarmente, os pais,
irmãos e amigos a chamávamos Montse, e digo “chamávamos”, porque me unia, e
ainda me une, à distância de um oceano, uma entranhada amizade com seus pais,
Manuel e Manolita Grases.
Montse foi também filha do
Bem-aventurado Josemaria Escrivá, pois pediu a admissão no Opus Dei, entregando
a sua vida inteira a Deus, no dia 24 de Dezembro, véspera do Natal de 1957.
Pouco depois, uma leve e
persistente dor na perna esquerda deu o primeiro sinal do que viria a diagnosticar-se
como um câncer incurável, sarcoma de Ewing, que – após meses de intensas dores –
veio a causar a morte daquela menina de 17 anos, no dia 26 de Março de 1959,
Quinta-feira Santa.
Resumida assim, em
pouquíssimas linhas, essa biografia tão curta, tão cedo truncada, parece muito
triste. Parece, mas não é.
Diga-se, já de começo, que
Montse, a segunda de uma família de nove irmãos – profundamente católica e
unidíssima –, foi sempre uma moça direita e pura, bonita, simpática, esportiva,
divertida, religiosa sem beatice e absolutamente normal. E como faz parte da normalidade
ter, ao lado de belas virtudes, alguns defeitos, Montse também os tinha – não
nasceu com auréola de santa –, e é muito importante ter isso presente ao ler o
que vem a seguir.
Montse, que era prestativa
e sacrificada, de coração sensível, generoso e bom, era também voluntariosa e
geniosa. Ai de quem a contradissesse ou pretendesse fazer-lhe uma desfeita! Sem
grosserias nem violências – que não eram do seu feitio –, reagia desde muito
menina como pessoa que não leva desaforo para o seu cantinho nem tem um braço
fácil de torcer. Por outras palavras, em uma porção de coisas, era “insofrida”,
ou seja, era impaciente. Sabendo disso, as pinceladas que se dão a seguir
ganham um sentido maior.
UM PROCESSO ACELERADO
Quando se lêem os
depoimentos e testemunhos dos que estiveram mais perto dela desde o início das
dores (Dezembro de 1957) até a morte (Março de 1959), observa-se um denominador
comum. Todos eles salientam que, naqueles quinze meses, houve, não uma mudança
instantânea – lampejo de um dia –, mas um processo assombroso, contínuo,
crescente, de amadurecimento no amor e nas virtudes, que transformou
profundamente Montserrat.
Um crescimento interior
tão espantoso, que todos os que a conheceram encararam como algo natural que se
iniciasse o seu Processo de Beatificação e Canonização em Dezembro de 1962.
Ao longo de toda a
evolução da doença, Montse esforçou-se por levar, até o limite das suas forças,
uma vida normal. Queria ser fiel ao que a sua vocação para o Opus Dei lhe
pedia: a santificação pessoal e o apostolado no meio do mundo, dentro da
normalidade da vida diária, no cumprimento amoroso e acabado dos deveres quotidianos.
Viver assim – com alegre
simplicidade, sem chamar a atenção – representava um esforço que conseguiu
praticar rezando muito e lutando muito por corresponder à graça de Deus.
Até os últimos dias,
quando, já imóvel na cama, mal podia falar, fez um esforço heroicamente fiel
para cumprir os propósitos espirituais a que se tinha comprometido livremente com
Deus: duas meias horas de oração mental diária, terço, leitura do Evangelho e
de algum livro espiritual (só ouvindo ler, já no final), exame de consciência
noturno, que jamais desleixou, etc.
Morreu acompanhando o
segundo mistério do terço do dia, que a sua mãe e um grupo de amigas rezavam ao
pé da sua cama.
O SEGREDO DE UMA IMENSA
PAZ
Dessa vida de oração,
dessa luta denodada por procurar uma união cada dia maior com Deus, vinham-lhe
as forças para abraçar a Vontade divina – a doença, a dor e a morte – e para,
não digo aceitar, mas amar de todo o coração a Cruz que Cristo lhe oferecia,
para estar junto d’Ele no sofrimento salvador.
Daí a alegria.
Que bem entendeu,
vivendo-as, as palavras mil vezes repetidas pelo Bem-aventurado Josemaria
Escrivá: A alegria do cristão tem as suas
raízes em forma de Cruz!
Com palavras do Fundador,
que meditava sobretudo no livro Caminho, Montse repetia: “Jesus, o que tu
quiseres, eu o amo!” [iv]
Daí vinham a serenidade, a
paz profunda e o constante sorriso que deixavam desnorteadas as pessoas. Uma
grande amiga de Montse, Rosa Pantaleoni, lembra que, entre 2 de Julho e 13 de
Agosto de 1958, acompanhou-a em várias das trinta sessões de radioterapia a que
foi submetida.
“Quando íamos a essas
sessões, todas as enfermeiras perguntavam-lhe o que tinha; mas ela mudava logo
de conversa e acabava perguntando pelas coisas delas.
Fez-se muito amiga de uma
enfermeira: soube que aquela moça gostava de desenhar, e ficaram falando dos
desenhos e dos problemas da outra... Às vezes, quando terminávamos, a
enfermeira dizia-me: – «Como é simpática, alegre e carinhosa esta menina! Mas
nunca fico sabendo se a perna lhe dói ou não. Você sabe?» E eu respondia-lhe: –
«Eu também não sei»“.
Doía, porém, e doía muito.
A própria Rosa contará que, “no momento de lhe fazerem os curativos, sofria uma
barbaridade. Pelos outros. Ela sempre sofria pelos outros”.
Tudo oferecia pela
felicidade dos outros, a felicidade que – ela bem o sabia – só se encontra
junto de Deus.
Nesse contexto, pode-se
avaliar o carácter significativo do seguinte detalhe. Em Dezembro de 1958,
conseguiu ser levada de carro, a duras penas, ao Centro do Opus Dei que
frequentava em Barcelona, um Centro cultural chamado Llar. Eram os primeiros
dias desse mês, e as estudantes praticavam o delicado costume cristão da Novena
à Imaculada Conceição.
“Montse – lembra ainda
Rosa – queria ir à Novena para rezar a Nossa Senhora. Terminada a Novena,
ficava em Llar falando com as estudantes que tinham comparecido e fazendo
apostolado, ainda que teria estado muito mais confortável em sua casa, na cama
[...]. Mas achava que não tinha o direito de pensar em si mesma quando havia
tantas pessoas a quem podia aproximar de Deus”.
Num desses dias da Novena,
em que o oratório estava repleto, com umas sessenta moças, “lembro-me – é
sempre Rosa quem conta – de que Montse estava sentada, com a perna apoiada em
cima do assento de uma cadeira, porque já não a podia flexionar e nessa posição
se sentia melhor. Como sempre, procurava não chamar a atenção. Naquele momento,
entrou uma estudante que, na penumbra, não percebeu que Montse tinha a perna
apoiada na cadeira e lhe perguntou: – «Está livre?» Ela sorriu e respondeu: –
«Sim, sim, por favor, sente-se»..., e foi retirando a perna sem que a outra
percebesse, cedendo-lhe o lugar”.
A moça voluntariosa e um
tanto caprichosa, agora sorria à contrariedade e a amava, como consequência do
seu amor a Deus; e ainda, no meio de tantos gestos de singelo heroísmo,
desculpava-se às vezes: – “Que pouco sofrida eu sou, não é verdade? Olhe que
vergonha”...
UMA LUTA ENAMORADA NO MEIO
DA DOR
Amadureceu amando muito, e
por isso aprendeu a arte de sofrer com alegria, que é uma arte essencialmente
cristã e que se designa – como sabemos – pela palavra paciência.
Montse agonizou numa dura
“forja de dor” – como diria Mons. Escrivá – e morreu consumida pela doença. Mas
agonizou alegre e morreu feliz. Na véspera da morte, abrindo os olhos, viu as
suas amigas perto dela: – “Eu lhes quero muito a todas – disse-lhes –, mas a
Jesus muito mais!”. Passou as últimas horas daquela Quinta-feira Santa
apertando estreitamente o seu crucifixo, dizendo com voz quase inaudível a
Nossa Senhora: “Mãezinha, quanto te amo! Quando virás buscar-me?”, e invocando
uma e outra vez o nome de Jesus.
Anos depois da sua morte,
Enrique, o irmão mais velho, que é sacerdote da diocese de Barcelona,
comentava: “A sua Cruz foi muito dolorosa. Às vezes comentam-me, quando a
recordam tão alegre e tão feliz, que ela sentia até gosto no meio da dor...
Não, isso não é verdade.
(cont.)
FRANCISCO FAUS, [v]
A PACIÊNCIA, 2ª edição, QUADRANTE,
São Paulo 1998
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
[i]
Prumo-Rei dos Livros, Lisboa, 1988, pág. 256.
[ii] salvador bernal, Perfil do Fundador do Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1978, págs.
333, 334 e 371
[iii]
Cf. Forja, Quadrante, São Paulo,
1987, ns. 766, 770, 772; e vázquez de
prada, obra citada, pág. 269.
[v]
Francisco Faus é licenciado em Direito pela
Universidade de Barcelona e Doutor em Direito Canónico pela Universidade de São
Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde
exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes
universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas
delas premiadas, já publicou na colecção Temas Cristãos, entre outros, os
títulos O valor das dificuldades, O homem bom, Lágrimas de Cristo, lágrimas dos
homens, Maria, a mãe de Jesus, A voz da consciência e A paz na família.