Epifania
Evangelho: Mc 6 45-52
45 Imediatamente Jesus obrigou Seus
discípulos a embarcar, para chegarem primeiro que Ele à outra margem do lago, a
Betsaida, enquanto Ele despedia o povo.46 Depois de os ter
despedido, retirou-Se para um monte a fazer oração.47 Chegada a
noite, encontrava-se a barca no meio do mar, e Ele só em terra.48
Vendo-os cansados de remar, porque o vento lhes era contrário, cerca da quarta
vigília da noite, foi ter com eles andando sobre o mar; e fez menção de lhes
passar adiante.49 Quando eles O viram caminhar sobre o mar, julgaram
que era um fantasma e gritaram;50 porque todos O viram e se
assustaram. Mas logo Ele lhes falou e disse: «Tende confiança, sou Eu, não temais».51
Subiu em seguida para junto deles na barca, e o vento cessou. Ficaram
extremamente estupefactos, 52 pois não se tinham dado conta do que
se tinha passado com os pães; a sua inteligência estava obscurecida.
Comentário:
Tantas vezes
Jesus repetirá estas palavras tranquilizadoras!
Perante as dúvidas e receios que assolam as pessoas perante algo novo e,
aparentemente, inesperado ou, até, insólito, Jesus Cristo apressa-se a
assegurar: «Não temais».
O Evangelista
São Marcos escreve o que ouviu contar, principalmente, ao Apóstolo Pedro e,
este, com a extrema humildade que o caracteriza, como que “faz questão” de que
fique bem vincada a fragilidade dos espíritos dos discípulos e dos futuros
Apóstolos.
Realmente,
ficaram assustados ao ver o Senhor caminhar sobre as águas do mar revolto
porque: «não se tinham
dado conta do que se tinha passado com os pães; a sua inteligência estava
obscurecida.»
(ama, comentário sobre Mc 6, 45-52, 2014.01.09)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 279 a 287
279
Em
mim encontra-se toda a graça de doutrina e de verdade, em mim toda a esperança
de vida e de virtude. Com quanta sabedoria pôs a Igreja estas palavras na boca
da nossa Mãe, para que nós, os cristãos, não as esqueçamos. Ela é a segurança,
o Amor que nunca nos abandona, o abrigo constantemente aberto, a mão que
acaricia e consola sempre.
Um
antigo Padre da Igreja escreve que devemos procurar conservar na nossa mente e
na nossa memória um resumo ordenado da vida da Mãe de Deus. Tereis folheado
muitas vezes prontuários de Medicina, de Matemática ou de outras matérias. Aí
se enumeram, para casos de necessidade urgente, os remédios imediatos, as
medidas que se devem adoptar, com o fim de não nos perdermos nessas ciências.
280
Meditemos
frequentemente tudo o que temos ouvido sobre a nossa Mãe numa oração sossegada
e tranquila. E, como resultado, ir-se-á gravando na nossa alma uma espécie de
compêndio, para recorrermos a Ela sem vacilar, especialmente quando não
tivermos outro apoio. Não será isto interesse pessoal da nossa parte?
Certamente que o é. Mas, porventura, não sabem as mães que os filhos são
geralmente um pouco interesseiros e que com frequência se dirigem a elas como
último remédio? Sabem-no e não se importam. Por isso são mães e o seu amor
desinteressado percebe - no nosso aparente egoísmo - o nosso afecto filial, a
nossa confiança inabalável.
Não
pretendo - nem para mim, nem para vós - que a nossa devoção a Santa Maria se
limite a estas invocações prementes. Acho, no entanto, que não deve
humilhar-nos que nos aconteça isso alguma vez. As mães não contabilizam os
pormenores de carinho que os seus filhos lhes demonstram, não pesam nem medem
com critérios mesquinhos. Uma pequena demonstração de amor, saboreiam-na como
se fosse mel e acabam por conceder muito mais do que receberam. Se assim fazem
as mães boas da terra, imaginai o que poderemos esperar da nossa Mãe, Santa
Maria!
281
Mãe da Igreja
Agrada-me
voltar, em pensamento, àqueles anos em que Jesus permaneceu junto de sua Mãe e
que abarcam quase toda a vida de Nosso Senhor neste mundo. Vê-lo pequeno quando
Maria cuida d'Ele e o beija e o entretém... Vê-lo crescer diante dos olhos
enamorados de sua Mãe e de José, seu pai na terra... Com quanta ternura e com
quanta delicadeza Maria e o Santo Patriarca se preocupariam com Jesus durante a
sua infância! E, em silêncio, aprenderiam muito e constantemente d'Ele. As suas
almas ir-se-iam afazendo à alma daquele Filho, Homem e Deus. Por isso, a Mãe -
e, depois dela, José - conhece como ninguém os sentimentos do coração de Cristo
e os dois são o caminho melhor, diria até que o único, para chegar ao Salvador.
Que
em cada um de vós, escrevia Santo Ambrósio, esteja a alma de Maria, para louvar
o Senhor; que em cada um esteja o espírito de Maria, para se regozijar em Deus.
E este Padre da Igreja acrescenta umas considerações, que à primeira vista
parecem atrevidas, mas que têm um sentido espiritual claro para a vida do
cristão: Segundo a carne, uma só é Mãe de Cristo; segundo a fé, Cristo é fruto
de todos nós.
Se
nos identificarmos com Maria, se imitarmos as suas virtudes, poderemos
conseguir que Cristo nasça, pela graça, na alma de muitos que se identificarão
com Ele pela acção do Espírito Santo. Se imitarmos Maria, participaremos de
algum modo na sua maternidade espiritual: em silêncio, como Nossa Senhora, sem
que se note, quase sem palavras, com o testemunho íntegro e coerente de uma
conduta cristã, com a generosidade de repetir sem cessar um fiat que se renova
como algo íntimo entre Deus e nós.
282
O
muito amor a Nossa Senhora e a falta de cultura teológica levou um bom cristão
a fazer um comentário que vos vou narrar, porque, com toda a ingenuidade, é
lógico em pessoas de poucas letras.
Tome-o
- dizia-me - como um desabafo; compreenda a minha tristeza perante algumas
coisas que sucedem nestes tempos. Durante a preparação e o desenrolar do actual
Concílio, propôs-se que fosse incluído o tema da Virgem. Assim mesmo: o tema. É
deste modo que falam os filhos? É esta a fé que sempre professaram os fiéis?
Desde quando é que o amor da Virgem é um tema, sobre o qual se admite entabular
uma disputa a propósito da sua conveniência?
Se
há alguma coisa contrária ao amor, é a mesquinhez. Não me importo de ser muito
claro; se não o fosse - continuava ele - parecia-me uma ofensa à Nossa Santa
Mãe. Discutiu-se se era ou não oportuno chamar a Maria Mãe da Igreja...
Incomoda-me descer a mais pormenores, mas a Mãe de Deus e, por isso, Mãe de
todos os cristãos, não será Mãe da Igreja, que é o conjunto dos que foram baptizados
e renascem em Cristo, filho de Maria?
Não
entendo - acrescentava - donde vem a mesquinhez de regatear esses títulos de
louvor a Nossa Senhora. Que diferente é a fé da Igreja! O tema da Virgem!
Pretendem os filhos discutir o tema do amor a sua mãe? Querem-lhe muito e
basta! E amá-la-ão muito, se são bons filhos. Do tema - ou do esquema - falam
os estranhos, os que estudam o caso com a frieza do enunciado de um problema.
Até aqui, o desabafo recto e piedoso, mas injusto, daquela alma simples e devotíssima.
283
Continuemos
nós a considerar este mistério da Maternidade divina de Maria, numa oração
calada, afirmando do fundo da alma: Virgem, Mãe de Deus: Aquele a quem os Céus
não podem conter, encerrou-se no teu seio para tomar carne de homem.
Vede
o que nos faz recitar hoje a liturgia: bem-aventuradas sejam as entranhas da
Virgem Maria, que acolheram o Filho do Pai eterno. Uma exclamação velha e nova,
humana e divina. É dizer ao Senhor o que se costuma dizer nalguns sítios para
exaltar uma pessoa: bendita seja a mãe que te trouxe ao mundo!
284
Mestra de Fé, de Esperança
e de Caridade
Maria
cooperou com a sua caridade para que nascessem na Igreja os fiéis membros da
Cabeça de que é efectivamente mãe segundo o corpo. Como Mãe, ensina; e, também
como Mãe, as suas lições não são ruidosas. É preciso ter na alma uma base de
finura, um toque de delicadeza, para compreender o que nos manifesta, mais do
que com promessas, com obras.
Mestra
de fé! Bem-aventurada és tu, porque acreditaste! Assim a saúda Isabel, sua
prima, quando Nossa Senhora sobe à montanha para a visitar. Tinha sido
maravilhoso aquele acto de fé de Santa Maria: eis aqui a escrava do Senhor;
faça-se em mim segundo a tua palavra. No nascimento de seu Filho contempla as
grandezas de Deus na terra; há um coro de Anjos e tanto os pastores como os
poderosos da terra vêm adorar o Menino. Mas depois a Sagrada Família tem de
fugir para o Egipto, para escapar às intenções criminosas de Herodes. Depois, o
silêncio; trinta longos anos de vida simples, vulgar, como a de qualquer lar,
numa pequena povoação da Galileia.
285
O
Santo Evangelho facilita-nos rapidamente o caminho para entender o exemplo da
Nossa Mãe: Maria conservava todas estas coisas dentro de si, ponderando-as no
seu coração. Procuremos nós imitá-la, tratando com o Senhor, num diálogo cheio
de amor, de tudo o que nos acontece, mesmo dos acontecimentos mais
insignificantes. Não nos esqueçamos de que devemos pesá-los, avaliá-los, vê-los
com olhos de fé, para descobrir a Vontade de Deus.
Se
a nossa fé é débil, recorramos a Maria. Conta S. João que, devido ao milagre
das bodas de Caná que Cristo realizou a pedido de sua Mãe, acreditaram n'Ele os
seus discípulos. A Nossa Mãe intercede sempre diante de seu Filho para que nos
atenda e se nos mostre de tal modo que possamos confessar: - Tu és o Filho de
Deus.
286
Mestra
de esperança! Maria proclama que a chamarão bem-aventurada todas as gerações.
Humanamente falando, em que motivos se apoiava essa esperança? Quem era Ela
para os homens e mulheres de então? As grandes heroínas do Velho Testamento -
Judite, Ester, Débora - conseguiram já na terra uma glória humana, foram
aclamadas pelo povo, louvadas. O trono de Maria, como o de seu Filho é a Cruz.
E durante o resto da sua existência, até que subiu ao Céu em corpo e alma, a
sua silenciosa presença é o que nos impressiona mais. S. Lucas, que a conhecia
bem, anota que Ela está junto dos primeiros discípulos, em oração. Assim
termina os seus dias terrenos Aquela que havia de ser louvada pelas criaturas
até à eternidade.
Como
contrasta a esperança de Nossa Senhora com a nossa impaciência! Com frequência
exigimos que Deus nos pague imediatamente o pouco bem que fizemos. Mal aflora a
primeira dificuldade, queixamo-nos. Muitas vezes somos incapazes de aguentar o
esforço, de manter a esperança, porque nos falta fé: bem-aventurada és tu, porque
acreditaste que se cumpririam as coisas que te foram ditas da parte do Senhor.
287
Mestra
de caridade! Recordai aquele episódio da apresentação de Jesus no templo. O
velho Simeão assegurou a Maria, sua Mãe: este Menino está destinado para ruína
e para ressurreição de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; o que
será para ti mesma uma espada que trespassará a tua alma, a fim de que sejam
descobertos os pensamentos ocultos nos corações de muitos. A imensa caridade de
Maria pela Humanidade faz com que se cumpra também n'Ela a afirmação de Cristo:
ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos.
Com
razão os Romanos Pontífices chamaram a Maria Corredentora: juntamente com o seu
Filho paciente e agonizante, de tal modo padeceu e quase morreu e de tal modo
abdicou, pela salvação dos homens, dos seus direitos maternos sobre o seu Filho
e o imolou, na medida em que d'Ela dependia, para aplacar a justiça de Deus,
que com razão se pode dizer que ela redimiu o género humano juntamente com
Cristo. Assim entendemos melhor aquele momento da Paixão de Nosso Senhor, que
nunca nos cansaremos de meditar: stabat autem iuxta crucem Jesu mater eius,
junto da Cruz de Jesus estava a sua Mãe.
Tereis
observado como algumas mães, movidas por um legítimo orgulho, se apressam a
pôr-se ao lado dos seus filhos quando estes triunfam, quando recebem um
reconhecimento público. Outras, pelo contrário, mesmo nesses momentos
permanecem em segundo plano, amando em silêncio. Maria era assim e Jesus
sabia-o.
288
Agora,
pelo contrário, no escândalo do sacrifício da Cruz, Santa Maria estava
presente, ouvindo com tristeza os que passavam por ali e blasfemavam abanando a
cabeça e gritando: Tu, que arrasas o templo de Deus e, em três dias o
reedificas, salva-te a ti mesmo! Se és o Filho de Deus, desce da cruz. Nossa
Senhora escutava as palavras de seu Filho, unindo-se à sua dor; Meu Deus, meu
Deus, por que me desamparaste? Que podia Ela fazer? Fundir-se com o amor
Redentor de seu Filho, oferecer ao Pai a dor imensa - como uma espada afiada -
que trespassava o seu Coração puro.
De
novo Jesus se sente confortado com essa presença discreta e amorosa de sua Mãe.
Maria não grita, não corre de um lado para outro... Stabat: está de pé, junto
ao Filho. É então que Jesus olha para Ela, dirigindo depois o olhar para João.
E exclama: - Mulher, aí tens o teu filho. Depois diz ao discípulo: Aí tens a
tua Mãe. Em João, Cristo confia à sua Mãe todos os homens e especialmente os
seus discípulos, os que haviam de acreditar n'Ele.
Felix
culpa, canta a Igreja, feliz culpa, porque nos fez ter tal e tão grande
Redentor! Feliz culpa, podemos acrescentar também, que nos mereceu receber por
Mãe, Santa Maria! Já estamos seguros, já nada nos deve preocupar, porque Nossa
Senhora, coroada Rainha dos Céus e da Terra, é a omnipotência suplicante diante
de Deus. Jesus não pode negar nada a Maria, nem tão pouco a nós, filhos da sua
própria Mãe.
(cont)