EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
AMORIS LÆTITIA
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
AOS BISPOS AOS PRESBÍTEROS E AOS DIÁCONOS
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS AOS ESPOSOS CRISTÃOS E A TODOS
OS FIÉIS LEIGOS SOBRE O AMOR NA FAMÍLIA
CAPÍTULO VII
REFORÇAR A EDUCAÇÃO DOS FILHOS.
Realismo paciente.
A educação moral implica
pedir a uma criança ou a um jovem apenas aquelas coisas que não representem,
para eles, um sacrifício desproporcionado, exigir-lhes apenas aquela dose de
esforço que não provoque ressentimento ou acções puramente forçadas. O percurso
normal é propor pequenos passos que possam ser compreendidos, aceites e
apreciados, e impliquem uma renúncia proporcionada. Caso contrário, pedindo
demasiado, nada se obtém. A pessoa, logo que puder livrar-se da autoridade, provavelmente
deixará de praticar o bem.
Por vezes, a formação
ética provoca desprezo devido a experiências de abandono, desilusão, carência
afectiva, ou a uma má imagem dos pais. Projectam-se sobre os valores éticos as
imagens distorcidas das figuras do pai e da mãe ou as fraquezas dos adultos.
Por isso, é preciso ajudar os adolescentes a porem em prática a analogia: os
valores são cumpridos perfeitamente por algumas pessoas muito exemplares, mas
também se realizam de forma imperfeita e em diferentes graus. E uma vez que as
resistências dos jovens estão muito ligadas a experiências negativas, é preciso
ao mesmo tempo ajudá-los a percorrer um itinerário de cura deste mundo interior
ferido, para poderem ter acesso à compreensão e à reconciliação com as pessoas
e com a sociedade.
Quando se propõe os
valores, é preciso fazê-lo pouco a pouco, avançar de maneira diferente segundo
a idade e as possibilidades concretas das pessoas, sem pretender aplicar
metodologias rígidas e imutáveis. A psicologia e as ciências da educação, com
suas valiosas contribuições, mostram que é necessário um processo gradual para
se conseguir mudanças de comportamento e também que a liberdade precisa de ser
orientada e estimulada, porque, abandonando-a a si mesma, não se garante a sua
maturação. A liberdade efectiva, real, é limitada e condicionada. Não é uma
pura capacidade de escolher o bem, com total espontaneidade. Nem sempre se faz
uma distinção adequada entre acto «voluntário» e acto «livre». Uma pessoa pode
querer algo de mal com uma grande força de vontade, mas por causa duma paixão
irresistível ou duma educação deficiente. Neste caso, a sua decisão é
fortemente voluntária, não contradiz a inclinação da sua vontade, mas não é
livre, porque lhe resulta quase impossível não escolher aquele mal. É o que
acontece com um dependente compulsivo da droga: quando a quer, fá-lo com todas
as suas forças, mas está tão condicionado que, na hora, não é capaz de tomar
outra decisão. Portanto, a sua decisão é voluntária, mas não livre. Não tem
sentido «deixá-lo escolher livremente», porque, de facto, não pode escolher, e
expô-lo à droga só aumenta a dependência. Precisa da ajuda dos outros e de um
percurso educativo.
A vida familiar como contexto educativo.
A família é a primeira
escola dos valores humanos, onde se aprende o bom uso da liberdade. Há
inclinações maturadas na infância, que impregnam o íntimo duma pessoa e
permanecem toda a vida como uma inclinação favorável a um valor ou como uma
rejeição espontânea de certos comportamentos. Muitas pessoas actuam a vida
inteira duma determinada forma, porque consideram válida tal forma de agir, que
assimilaram desde a infância, como que por osmose: «Fui ensinado assim»; «isto
é o que me inculcaram». No âmbito familiar, pode aprender-se também a
discernir, criticamente, as mensagens dos vários meios de comunicação. Muitas
vezes, infelizmente, alguns programas televisivos ou algumas formas de
publicidade incidem negativamente e enfraquecem valores recebidos na vida
familiar.
Na época actual, em que
reina a ansiedade e a pressa tecnológica, uma tarefa importantíssima das
famílias é educar para a capacidade de esperar. Não se trata de proibir as
crianças de jogarem com os dispositivos electrónicos, mas de encontrar a forma
de gerar nelas a capacidade de diferenciarem as diversas lógicas e não
aplicarem a velocidade digital a todas as áreas da vida. O adiamento não é
negar o desejo, mas retardar a sua satisfação. Quando as crianças ou os adolescentes
não são educados para aceitar que algumas coisas devem esperar, tornam-se
prepotentes, submetem tudo à satisfação das suas necessidades imediatas e
crescem com o vício do «tudo e súbito». Este é um grande engano que não
favorece a liberdade; antes, intoxica-a. Ao contrário, quando se educa para
aprender a adiar algumas coisas e esperar o momento oportuno, ensina- -se o que
significa ser senhor de si mesmo, autónomo face aos seus próprios impulsos.
Assim, quando a criança experimenta que pode cuidar de si mesma, enriquece a
própria auto-estima. Ao mesmo tempo, isto ensina-lhe a respeitar a liberdade
dos outros. Naturalmente isto não significa pretender das crianças que actuem
como adultos, mas também não se deve subestimar a sua capacidade de crescer na
maturação duma liberdade responsável. Numa família sã, esta aprendizagem
realiza-se de forma normal através das exigências da convivência.
A família é o âmbito da
socialização primária, porque é o primeiro lugar onde se aprende a
relacionar-se com o outro, a escutar, partilhar, suportar, respeitar, ajudar,
conviver. A tarefa educativa deve levar a sentir o mundo e a sociedade como
«ambiente familiar»: é uma educação para saber «habitar» mais além dos limites
da própria casa. No contexto familiar, ensina-se a recuperar a proximidade, o
cuidado, a saudação. É lá que se rompe o primeiro círculo do egoísmo mortífero,
fazendo-nos reconhecer que vivemos junto de outros, com outros, que são dignos
da nossa atenção, da nossa gentileza, do nosso afecto. Não há vínculo social,
sem esta primeira dimensão quotidiana, quase microscópica: conviver na
proximidade, cruzando-nos nos vários momentos do dia, preocupando-nos com
aquilo que interessa a todos, socorrendo-nos mutuamente nas pequenas coisas do
dia-a-dia. A família tem de inventar, todos os dias, novas formas de promover o
reconhecimento mútuo.
No ambiente familiar, é
possível também repensar os hábitos de consumo, cuidando juntos da casa comum:
«A família é a protagonista de uma ecologia integral, porque constitui o
sujeito social primário, que contém no seu interior os dois princípios-base da
civilização humana sobre a terra: o princípio da comunhão e o princípio da
fecundidade».
De igual modo, podem ser
muito educativos os momentos difíceis e duros da vida familiar. É o que
acontece, por exemplo, quando chega uma doença, porque, «diante da doença, até
em família surgem dificuldades, por causa da debilidade humana. Mas, em geral,
o tempo da enfermidade faz aumentar a força dos vínculos familiares. (...) Uma educação
que negligencie a sensibilidade pela doença humana, torna árido o coração. E
deixa os jovens “anestesiados” em relação ao sofrimento do próximo, incapazes
de se confrontar com o sofrimento e de viver a experiência do limite».
O encontro educativo entre
pais e filhos pode ser facilitado ou prejudicado pelas tecnologias de
comunicação e distracção, cada vez mais sofisticadas. Bem utilizadas, podem ser
úteis para pôr em contacto os membros da família, que vivem longe. Os contactos
podem ser frequentes e ajudar a resolver dificuldades.[i]
Mas deve ficar claro que
não substituem nem preenchem a necessidade do diálogo mais pessoal e profundo
que requer o contacto físico ou, pelo menos, a voz da outra pessoa. Sabemos
que, às vezes, estes meios afastam em vez de aproximar, como quando, na hora da
refeição, cada um está concentrado no seu telemóvel ou quando um dos cônjuges
adormece à espera do outro que passa horas entretido com algum dispositivo
electrónico. Na família, também isto deve ser motivo de diálogo e de acordos
que permitam dar prioridade ao encontro dos seus membros sem cair em proibições
insensatas. Em todo o caso, não se podem ignorar os riscos das novas formas de
comunicação para as crianças e os adolescentes, chegando às vezes a torná-los
apáticos, desligados do mundo real. Este «autismo tecnológico» expõe-nos mais
facilmente às manipulações daqueles que procuram entrar na sua intimidade com
interesses egoístas.
Mas também não é bom que
os pais se tornem seres omnipotentes para seus filhos, de modo que estes só
poderiam confiar neles, porque assim impedem um processo adequado de socialização
e amadurecimento afectivo. Para tornar eficaz o prolongamento da paternidade e
da maternidade para uma realidade mais ampla, « as comunidades cristãs são chamadas
a dar o seu apoio à missão educativa das famílias», particularmente através da
catequese de iniciação.[ii]
Para favorecer uma
educação integral, precisamos de «reavivar a aliança entre a família e a
comunidade cristã».
O Sínodo quis destacar a
importância das escolas católicas, que «realizam uma função vital de ajuda aos
pais no seu dever de educar os filhos. (...) As escolas católicas deveriam ser
incentivadas na sua missão de ajudar os alunos a crescer como adultos maduros
que podem ver o mundo através do olhar de amor de Jesus e compreender a vida
como uma chamada para servir a Deus».
Para isso «deve-se afirmar
resolutamente a liberdade da Igreja ensinar a própria doutrina e o direito à
objecção de consciência por parte dos educadores».
(cont)
(revisão da versão
portuguesa por AMA)
[i] Francisco, Catequese
(30 de Setembro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. semanal portuguesa de
01/X/2015), 24. 295 Idem, Catequese (10 de Junho de 2015): L’Osservatore Romano
(ed. semanal portuguesa de 11/VI/2015), 16.
[ii] Cf. Relatio Finalis
2015, 67.