19/01/2015

Nunca actueis por medo ou por rotina

Atravessas uma etapa crítica: um certo vago temor; dificuldade em adaptares o plano de vida; um trabalho angustiante, porque não te chegam as vinte e quatro horas do dia para cumprir todas as tuas obrigações... Já experimentaste seguir o conselho do Apóstolo: "Faça-se tudo com decoro e com ordem", quer dizer, na presença de Deus, com Ele, por Ele e só para Ele? (Sulco 512)

E como é que vou conseguir – parece que me perguntas – actuar sempre com esse espírito, que me leve a concluir com perfeição o meu trabalho profissional? A resposta não é minha. Vem de S. Paulo: Trabalhai varonilmente, sede fortes. Que tudo, entre vós, se realize na caridade. Fazei tudo por Amor e livremente. Nunca actueis por medo ou por rotina: servi ao Nosso Pai Deus.

Gosto muito de repetir – porque tenho experimentado bem a sua mensagem – aqueles versos pouco artísticos, mas muito gráficos: Minha vida é toda amor / Se em amor sou entendido, / Foi pela força da dor, / Pois ninguém ama melhor / Que quem muito haja sofrido.

Ocupa-te dos teus deveres profissionais por Amor. Faz tudo por Amor – insisto – e comprovarás as maravilhas que produz o teu trabalho, precisamente porque amas, embora tenhas de saborear a amargura da incompreensão, da injustiça, da ingratidão e até do próprio fracasso humano. Frutos saborosos, sementes de eternidade!


Acontece, porém, que algumas pessoas – são boas, bondosas – afirmam por palavras que aspiram a difundir o formoso ideal da nossa fé, mas se contentam na prática com uma conduta profissional superficial e descuidada, própria de cabeças-no-ar. Se nos encontrarmos com alguns destes cristãos de fachada, temos de ajudá-los com carinho e com clareza e recorrer, quando for necessário, a esse remédio evangélico da correcção fraterna: Irmãos, se porventura alguém for surpreendido nalguma falta, vós, os espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; e tu, acautela-te a ti mesmo, não venhas também a cair na tentação. Levai os fardos uns dos outros e desse modo cumprireis a lei de Cristo. (Amigos de Deus, nn. 68–69)

Cristo também vive agora

Vive junto de Cristo! Deves ser, no Evangelho, uma personagem mais, convivendo com Pedro, com João, com André..., porque Cristo também vive agora: "Iesus Christus, heri et hodie, ipse et in saecula!" Jesus Cristo vive!, hoje como ontem; é o mesmo, pelos séculos dos séculos. (Forja, 8)

É esse amor de Cristo que cada um de nós deve se esforçar por realizar na sua vida. Mas para ser ipse Christus é preciso mirar-se Nele. Não basta ter-se uma ideia geral do espírito que Jesus viveu; é preciso aprender com Ele pormenores e atitudes. É preciso contemplar a sua vida, sobretudo para daí tirar força, luz, serenidade, paz.

Quando se ama alguém, deseja-se conhecer toda a sua vida, o seu carácter, para nos identificarmos com essa pessoa. Por isso temos de meditar na vida de Jesus, desde o Seu nascimento num presépio até à Sua morte e à Sua Ressurreição. Nos primeiros anos do meu labor sacerdotal costumava oferecer exemplares do Evangelho ou livros onde se narra a vida de Jesus, porque é necessário que a conheçamos bem, que a tenhamos inteira na mente e no coração, de modo que, em qualquer momento, sem necessidade de nenhum livro, cerrando os olhos, possamos contemplá-la como um filme; de forma que, nas mais diversas situações da nossa vida, acudam à memória as palavras e os actos do Senhor.


Sentir-nos-emos assim metidos na sua vida. Na verdade, não se trata apenas de pensar em Jesus e de imaginar aqueles episódios; temos de meter-nos em cheio neles, como actores. (Cristo que passa, 107)

Temas para meditar - 339


Paz


Paz com Deus, efeito da justificação e afastamento do pecado; a paz com o próximo, fruto da caridade difundida pelo Espírito Santo; e a paz connosco mesmos, a paz da consciência, proveniente da vitória sobre as paixões e sobre o mal.




(são joão paulo ii, Discurso à UNIV, Roma, 1986.02.24)

Tratado do verbo encarnado 95

Questão 15: Das fraquezas atinentes à alma que Cristo assumiu com a natureza humana

Art. 2 — Se em Cristo houve o atractivo do pecado.

O segundo discute-se assim. — Parece que em Cristo houve o atrativo do pecado.

1. — Pois, do mesmo princípio - privação da justiça original - deriva o atractivo do pecado e a passibilidade do corpo ou mortalidade, e dessa justiça original é que resultava a sujeição das potências inferiores da alma à razão e do corpo à alma. Ora, em Cristo havia a passibilidade do corpo e a mortalidade. Logo, houve também nele o atractivo do pecado.

2. Demais. — Como diz Damasceno, pelo beneplácito da divina vontade fora permitido à carne de Cristo sofrer e operar o que lhe era apropriado. Ora, é próprio à carne desejar o que lhe é agradável. Mas, como o atractivo do pecado não é senão a concupiscência, na expressão do Apóstolo, parece que em Cristo havia o atractivo do pecado.

3. Demais. — Em razão do atractivo do pecado, a carne deseja contra o espírito, como diz o Apóstolo. Ora, tanto mais forte e mais digno da coroa se mostra o espírito, quanto mais supera o inimigo, isto é, a concupiscência da carne, segundo o Apóstolo: Não é coroado senão quem combate conforme à lei: Ora, Cristo tinha um espírito fortíssimo e vitoriosíssimo e digno, por excelência, da coroa, segundo a Escritura: E lhe foi dada uma coroa e saiu vitorioso para vencer. Logo, parece que em Cristo devia haver, em máximo grau, o atractivo do pecado.

Mas, em contrário, o Apóstolo: O que nela se gerou é obra do Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo exclui o pecado e a inclinação para o pecado, implicada na denominação de atractivo, Logo, em  Cristo não houve o atractivo do pecado.

Como se disse, Cristo teve perfeitíssima a graça e todas as virtudes. Ora, a virtude moral, reguladora da parte irracional, fá-la sujeita à razão e tanto mais quanto mais perfeita for tal virtude. Assim, a temperança regula o concupiscível, a fortaleza e a mansidão, o irascível, como dissemos na Segunda Parte. Mas, por sua natureza, o atractivo do pecado inclina o apetite sensual ao que é contra a razão. Donde é claro, que quanto mais alguém for de virtude perfeita tanto mais se lhe diminuirá o atractivo do pecado. Mas, tendo Cristo a virtude em perfeitíssimo grau, não houve nele, por consequência, o atractivo do pecado, pois, além disso, essa fraqueza não se ordena a satisfazer mas, antes, inclina ao que é contrário à satisfação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — As virtudes inferiores, pertinentes ao apetite sensível são naturalmente obedientes à razão, não porém as virtudes do corpo ou dos humores corpóreos ou ainda as da alma vegetativa, como está claro em Aristóteles. Donde, a perfeição da virtude conforme à razão recta não exclui a passibilidade do corpo, exclui porém o atractivo do pecado, cuja essência consiste na resistência do apetite sensual à razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A carne naturalmente deseja o que lhe é agradável, pela concupiscência do apetite sensitivo, mas a carne do homem, que é um animal racional, deseja o que lhe agrada, ao modo e conforme à ordem da razão. E assim, a carne de Cristo, pela concupiscência do apetite sensitivo, desejava naturalmente a comida, a bebida, o sono e o mais que podemos desejar de acordo com a razão recta, como está claro em Damasceno. Daí porém não se segue que em Cristo houvesse o atractivo do pecado, que implica a concupiscência do prazer contrário à ordem da razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. — É prova de uma certa força de espírito o resistir à concupiscência da carne que se lhe opõe, demonstra porém maior fortaleza, o espírito que reprime totalmente o ímpeto da carne, impedindo-a de exercer a sua concupiscência contra o espírito. E por isso, esta última fortaleza era a própria a Cristo, cujo espírito atingira o sumo grau nessa virtude. E embora não sofresse nenhuma impugnação interior, quanto ao atractivo do pecado, sofreu-a contudo anterior, da parte do mundo e do diabo, vencendo os quais mereceu a coroa da vitória.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Ev. diário L. Esp. (Temas actuais do cristianismo)

Tempo Comum II Semana

Evangelho: Mc 2 18-22

18 Os discípulos de João e os fariseus estavam a jejuar. Foram ter com Jesus, e disseram-Lhe: «Porque jejuam os discípulos de João e os fariseus, e os Teus discípulos não jejuam?». 19 Jesus respondeu-lhes: «Podem porventura jejuar os companheiros do esposo, enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo não podem jejuar. 20 Mas virão dias em que lhes será tirado o esposo e, então, nesses dias, jejuarão. 21 Ninguém cose um remendo de pano novo num vestido velho; pois o remendo novo arranca parte do velho, e o rasgão torna-se maior. 22 Ninguém deita vinho novo em odres velhos; de contrário, o vinho fará arrebentar os odres, e perder-se-á o vinho e os odres; mas, para vinho novo, odres novos».

Comentário:

Tal como no tempo de Jesus Cristo, também hoje em dia existem disposições das autoridades eclesiásticas, no nosso caso, da Igreja Católica, sobre “tempos especiais” em que é recomendado o jejum físico como uma medida de sacrifício ou mortificação a ter em conta. É o caso da Quaresma.

De facto, este Tempo Litúrgico, é especialmente adequado a uma postura cristã de acordo com o momento que se vive, o que a liturgia propõe como temas de meditação e exame.

Sim, é um tempo de exame, de reconvenção e… de conversão.

Para tal o corpo tem de estar disposto a seguir o que a alma insinua, numa unidade de vida que corresponda a uma verdadeira visão cristã do comportamento que devemos ter.

O jejum, sendo uma privação do corpo – sempre com conta, peso e medida – ahjuda sobremaneira a essas disposições interiores.


(ama, Comentário sobre Mc 2, 8-22, 2014.01.20)
 

Leitura espiritual


São Josemaria Escrivá

Temas actuais do cristianismo [i]

De onde procede, pois, a influência do Opus Dei? A resposta é a simples consideração desta realidade sociológica: à nossa Associação pertencem pessoas de todas as condições sociais, profissões, idades e estados de vida; homens e mulheres, clérigos e leigos, velhos e jovens, solteiros e casados, universitários, operários, camponeses, empregados, pessoas que exercem profissões liberais ou que trabalham em instituições oficiais, etc. Já pensou no poder de irradiação cristã que uma gama tão ampla e tão variada de pessoas representa, sobretudo se andam pelas dezenas de milhar e estão animadas de um mesmo espírito apostólico: santificar a sua profissão ou ofício - em qualquer ambiente social em que actuem - santificar-se nesse trabalho e santificar com esse trabalho?

A estes trabalhos apostólicos pessoais deve juntar-se o das nossas obras corporativas de apostolado: Residências de estudantes, Casas de convívio e retiros, a Universidade de Navarra, Centros de formação para operários e camponeses, Escolas técnicas, Colégios, Escolas de formação para a mulher, etc. Estas obras têm sido e são indubitavelmente focos de irradiação do espírito cristão. Promovidas por leigos, dirigidas como um trabalho profissional por cidadãos leigos, iguais aos seus companheiros que exercem a mesma tarefa ou ocupação, e abertas a pessoas de todas as classes e condições, têm sensibilizado amplos estratos da sociedade sobre a necessidade de dar uma resposta cristã às questões que o exercício das suas profissões ou empregos lhes levanta.

Tudo isto é que dá relevo e transcendência social ao Opus Dei. Não, portanto, o facto de alguns dos seus membros ocuparem cargos de influência humana - coisa que não nos interessa absolutamente nada, e se deixa portanto sujeito à livre decisão e responsabilidade de cada um - mas o facto de todos, e a bondade de Deus faz com que sejam muitos, realizarem trabalhos - desde os mais humildes - divinamente influentes.

E isto é lógico: quem pode pensar que a influência da Igreja nos Estados Unidos começou no dia em que foi eleito presidente o católico John Kennedy?

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Por vezes, ao falar da realidade do Opus Dei, tem afirmado que é uma “desorganização organizada”. Poderia explicar aos nossos leitores a significado desta expressão?

Quero dizer que damos uma importância primária e fundamental à espontaneidade apostólica da pessoa, à sua iniciativa livre e responsável guiada pela acção do Espírito; e não a estruturas orgânicas, mandatos, tácticas e planos impostos de cima, como actos de governo.

Existe um mínimo de organização, evidentemente, com um governo central, que actua sempre colegialmente e tem a sua sede em Roma, e governos regionais, também colegiais, cada um presidido por um Conselheiro [*]. Mas toda a actividade desses organismos se dirige fundamentalmente a um fim: proporcionar aos sócios a assistência espiritual necessária para a sua vida de piedade, e uma adequada formação espiritual, doutrinal-religiosa e humana. Depois: patos à água! Quer dizer: cristãos a santificarem todos os caminhos dos homens, que todos guardam o aroma da passagem de Deus.

Ao chegar a esse limite, a esse momento, a Associação como tal terminou a sua tarefa - aquela, precisamente, para a qual os sócios do Opus Dei se associam - e já não tem que fazer, não pode nem deve fazer mais nenhuma indicação. Começa então a livre e responsável acção de cada sócio. Cada um, com espontaneidade apostólica, agindo com completa liberdade pessoal e formando autonomamente a sua consciência perante as decisões concretas que tenha de tomar, busca a perfeição cristã e procura dar testemunho cristão no seu próprio ambiente, santificando o trabalho profissional, intelectual ou manual. Naturalmente, ao tomar cada um autonomamente essas decisões na sua vida secular, nas realidades temporais em que actua, dão-se com frequência opções, critérios e actuações diversas: dá-se, numa palavra, essa bendita desorganização, esse justo e necessário pluralismo, que é uma característica essencial do bom espírito do Opus Dei, e que a mim me pareceu sempre ser a única maneira recta e ordenada de conceber o apostolado dos leigos.

Dir-lhe-ei mais: essa desorganização organizada aparece inclusivamente nas próprias obras apostólicas corporativas que o Opus Dei realiza, com o desejo de contribuir também, enquanto associação, para resolver cristãmente problemas que afectam as comunidades humanas dos diversos países. Essas actividades e iniciativas da Associação são sempre de carácter directamente apostólico: obras educativas, assistenciais ou de beneficência. Mas, como o nosso espírito é precisamente estimular que as iniciativas surjam a partir da base, e como as circunstâncias, necessidades e possibilidades de cada nação ou grupo social são peculiares e ordinariamente diversas entre si, o governo central da Obra deixa aos governos regionais - que gozam de autonomia praticamente total - a responsabilidade de decidir, promover e organizar aquelas actividades apostólicas concretas que julgarem mais convenientes: desde um centro universitário ou uma residência de estudantes, até um dispensário ou uma escola agrícola para camponeses. Como resultado lógico, aparece um mosaico multicolor e variado de actividades: um mosaico organizadamente desorganizado.



[*] Recordamos o que ficou dito na Apresentação deste livro sobre algumas respostas, referentes a aspectos jurídicos e organizativos, que eram exactas e precisas na altura, quando o Opus Dei não tinha ainda recebido a configuração jurídica desejada pelo seu Fundador. Hoje é necessário completá-las com a breve explicação que demos na Apresentação.

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De acordo com o que nos acaba de referir, de que maneira considera que a realidade eclesial do Opus Dei se insere na acção pastoral de toda a igreja? E no Ecumenismo?

Parece-me conveniente um esclarecimento prévio: o Opus Dei não é nem pode ser considerado uma realidade ligada ao processo evolutivo do estado de perfeição na Igreja, não é uma forma moderna ou aggiornata desse estado. Com efeito, nem a concepção teológica do status perfecfionís - que São Tomás, Suárez e outros autores plasmaram decisivamente na doutrina - nem as diversas concretizações jurídicas que se deram ou se podem dar a esse conceito teológico, se relacionam com a espiritualidade e o fim apostólico que Deus quis para a nossa Associação. Basta considerar - porque seria longa uma exposição doutrinal completa - que ao Opus Dei não interessam votos, nem promessas, nem qualquer forma de consagração para os seus sócios, além da consagração que já todos receberam no Baptismo. A nossa Associação não pretende de nenhum modo que os seus sócios mudem de estado, que deixem de ser simples fiéis iguais aos outros, para adquirir o peculiar status perfectionis. Pelo contrário, o que deseja e procura é que cada um faça apostolado e se santifique no seu próprio estado, no mesmo lugar e condição que tem na Igreja e na sociedade civil. Não tiramos ninguém do seu lugar, nem afastamos ninguém do seu trabalho ou dos seus nobres compromissos de ordem temporal.

A realidade social, a espiritualidade e a acção do Opus Dei inserem-se, pois, num manancial da vida da Igreja muito diferente: concretamente, no processo teológico e vital que está a conduzir o laicado à plena assunção das suas responsabilidades eclesiais, ao seu modo próprio de participar na missão de Cristo e da sua Igreja. Este tem sido, e continua a ser, nos quase quarenta anos de existência da Obra, o anseio constante - sereno, mas firme - com que Deus quis encaminhar, na minha alma e nas dos meus filhos, o desejo de O servir.

Que contribuição oferece o Opus Dei a este processo? Talvez não seja este o momento histórico mais adequado para proceder a uma valoração global deste tipo. Apesar de se tratar de problemas de que o Concílio Vaticano II muito se ocupou - com quanta alegria da minha alma! - e apesar de muitos conceitos e situações referentes à vida e missão do laicado terem recebido já do Magistério suficiente confirmação e luz, há no entanto um considerável núcleo de questões que constituem ainda, para a generalidade da doutrina, verdadeiros problemas-limite da teologia. A nós, dentro do espírito que Deus deu ao Opus Dei e que procuramos viver com fidelidade - apesar das nossas imperfeições pessoais -, parece-nos já divinamente resolvida a maior parte desses problemas discutidos, mas não pretendemos apresentar essas soluções como as únicas possíveis.

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Há também aspectos do mesmo processo de desenvolvimento eclesiológico, que representam magníficas aquisições doutrinais - para as quais quis Deus indubitavelmente que contribuísse, em parte talvez não pequena, o testemunho do espírito e da vida do Opus Dei, juntamente com outras contribuições valiosas de iniciativas e associações apostólicas não menos beneméritas. Mas são aquisições doutrinais e talvez passe ainda bastante tempo até chegarem a encarnar-se realmente na vida total do Povo de Deus. Aliás, nas suas perguntas anteriores já recordou alguns desses aspectos: o desenvolvimento de uma autêntica espiritualidade laical; a compreensão da peculiar função eclesial - não eclesiástica ou oficial - própria do leigo; a distinção dos direitos e dos deveres que o leigo tem enquanto leigo; as relações Hierarquia-laicado; a igualdade de dignidade e a complementaridade das funções do homem e da mulher na Igreja; a necessidade de conseguir uma ordenada opinião pública no Povo de Deus, etc.

Tudo isto constitui evidentemente uma realidade muito fluida e nem sempre isenta de paradoxos. Uma mesma coisa, que dita há quarenta anos escandalizava quase todos, ou todos, hoje a quase ninguém causa estranheza, embora, na verdade, sejam ainda muito poucos os que a compreendem a fundo e a vivem ordenadamente.

Explicar-me-ei melhor com um exemplo. Em 1932, comentando, num documento dirigido aos meus filhos do Opus Dei, alguns dos aspectos e consequências da dignidade e responsabilidade peculiares que o Baptismo confere às pessoas, escrevi: “impõe-se repelir o preconceito de que os fiéis correntes não podem fazer mais do que ajudar o clero, em apostolados eclesiásticos. O apostolado dos seculares não tem de ser sempre uma simples participação no apostolado hierárquico: compete-lhes o dever de fazer apostolado. E isto não é porque recebam uma missão canónica, mas por serem parte da Igreja; essa missão... realizam-na através da profissão, do ofício, da família, dos colegas, dos amigos”.

Hoje, depois dos ensinamentos solenes do Vaticano II, ninguém na Igreja porá em dúvida a ortodoxia desta doutrina. Mas, quantos abandonaram realmente a sua concepção única do apostolado dos leigos como um trabalho pastoral organizado de cima para baixo? Quantos, superando a anterior concepção monolítica do apostolado laical, compreendem que ele possa e inclusivamente deva também existir sem necessidade de rígidas estruturas centralizadas, missões canónicas e mandatos hierárquicos? Quantos, que qualificam o laicado de longa manus Ecclesiae, não estarão a confundir ao mesmo tempo o conceito de Igreja-Povo de Deus com o conceito mais limitado de Hierarquia? Ou ainda, quantos leigos entendem devidamente que só em delicada comunhão com a Hierarquia têm direito a reivindicar o seu âmbito legítimo de autonomia apostólica?

Poder-se-iam formular considerações semelhantes em relação a outros problemas, porque é realmente muito, muitíssimo, o que está ainda por conseguir, tanto na necessária exposição doutrinal, como na educação das consciências e na própria reforma da legislação eclesiástica. Peço muito ao Senhor - a oração sempre foi a minha grande arma - que o Espírito Santo assista ao seu Povo, e especialmente à Hierarquia, na realização destas tarefas. E peço-Lhe também que continue a servir-Se do Opus Dei, para que possamos contribuir e ajudar, em tudo o que estiver ao nosso alcance, neste difícil mas maravilhoso processo de desenvolvimento e crescimento da Igreja.

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Como se insere o Opus Dei no Ecumenismo? - perguntava-me também. Já contei, no ano passado, a um jornalista francês - e sei que encontrou eco, inclusivamente, em publicações de irmãos separados - o que uma vez disse ao Santo Padre João XXIII, movido pelo encanto afável e paterno do seu trato: “Santo Padre, na nossa Obra, todos os homens, católicos ou não, encontraram sempre um ambiente acolhedor: não aprendi o ecumenismo de Vossa Santidade”. Ele riu-se emocionado, porque sabia que, já desde 1950, a Santa Sé tinha autorizado o Opus Dei a receber como associados Cooperadores os não católicos e até os não cristãos.

São muitos, efectivamente - e entre eles contam-se pastores e até bispos das suas respectivas confissões -, os irmãos separados que se sentem atraídos pelo espírito do Opus Dei e colaboram nos nossos apostolados. E são cada vez mais frequentes - à medida que os contactos se intensificam - as manifestações de simpatia e de cordial entendimento, resultantes de os sócios do Opus Dei centrarem a sua espiritualidade no simples propósito de viver com sentido de responsabilidade os compromissos e exigências baptismais do cristão. O desejo de procurar a plenitude da vida cristã e de fazer apostolado, procurando a santificação do trabalho profissional; a vida imersa nas realidades seculares, respeitando a sua própria autonomia, mas tratando-as com espírito e amor de almas contemplativas; a primazia que na organização dos nossos trabalhos concedemos à pessoa, à acção do Espírito nas almas, ao respeito da dignidade e da liberdade que provêm da filiação divina do cristão; a defesa contra a concepção monolítica e institucionalista do apostolado dos leigos, da legítima capacidade de iniciativa, adentro do necessário respeito pelo bem comum: estes e outros aspectos mais, do nosso modo de ser e trabalhar, são pontos de fácil encontro, onde os irmãos separados descobrem - feita vida, experimentada pelos anos - uma boa parte dos princípios doutrinários em que eles e nós, os católicos, pomos fundamentadas esperanças ecuménicas.

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Mudando de tema, gostaríamos de saber o que pensa em relação ao actual momento da Igreja. Concretamente, como o qualificaria? Que papel julga poderem ter, neste momento, as tendências que de modo geral têm sido chamadas “progressistas” e “integristas”?

A meu ver, o actual momento da Igreja poderia qualificar-se de positivo, e, ao mesmo tempo, de delicado, como todas as crises de crescimento. Positivo, sem dúvida, porque as riquezas doutrinais do Concílio Vaticano II colocaram a Igreja inteira - todo o Povo sacerdotal de Deus - perante uma nova etapa, sumamente esperançosa, de renovada fidelidade ao propósito divino da salvação que se lhe confiou. Momento delicado também, porque as conclusões teológicas a que se chegou não são de carácter - passe a expressão - abstracto ou teórico: trata-se de uma teologia sumamente viva, quer dizer, com imediatas e directas aplicações de ordem pastoral, ascética e disciplinar, que chegam ao mais íntimo da vida interna e externa da comunidade cristã - liturgia, estruturas orgânicas da Hierarquia, formas apostólicas, Magistério, diálogo com o mundo, ecumenismo, etc. - e, portanto, também da vida cristã e da própria consciência dos fiéis.

Uma e outra destas realidades trazem respectivamente à nossa alma, por um lado, o optimismo cristão - a jubilosa certeza de que o Espírito Santo fará frutificar abundantemente a doutrina com que enriqueceu a Esposa de Cristo - e, ao mesmo tempo, a prudência por parte de quem investiga ou governa, porque, especialmente agora, a falta de serenidade ou de ponderação no estudo dos problemas poderia ocasionar um dano imenso.

Quanto às tendências a que chama integristas e progressistas na sua pergunta, torna-se-me difícil dar opinião sobre o papel que podem desempenhar neste momento, porque, desde sempre, repeli a conveniência e inclusivamente a possibilidade de se poderem fazer catalogações ou simplificações deste tipo. Essa divisão - que às vezes é levada a extremos de verdadeiro paroxismo, ou se procura perpetuar, como se os teólogos e os fiéis em geral estivessem destinados a uma contínua orientação bipolar - parece-me que obedece, no fundo, ao convencimento de que o progresso doutrinal e vital do Povo de Deus terá de ser resultante de uma perpétua tensão dialéctica. Eu, pelo contrário, prefiro acreditar - com toda a minha alma - na acção do Espírito Santo, que sopra onde quer e em quem quer.

(cont)










[i] Entrevista realizada por Pedro Rodríguez, publicada em Palabra (Madrid), Outubro de 1967

Pequena agenda do cristão


SeGUNDa-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)





Propósito:
Sorrir; ser amável; prestar serviço.

Senhor que eu faça ‘boa cara’, que seja alegre e transmita aos outros, principalmente em minha casa, boa disposição.

Senhor que eu sirva sem reserva de intenção de ser recompensado; servir com naturalidade; prestar pequenos ou grandes serviços a todos mesmo àqueles que nada me são. Servir fazendo o que devo sem olhar à minha pretensa “dignidade” ou “importância” “feridas” em serviço discreto ou desprovido de relevo, dando graças pela oportunidade de ser útil.

Lembrar-me:
Papa, Bispos, Sacerdotes.

Que o Senhor assista e vivifique o Papa, santificando-o na terra e não consinta que seja vencido pelos seus inimigos.

Que os Bispos se mantenham firmes na Fé, apascentando a Igreja na fortaleza do Senhor.

Que os Sacerdotes sejam fiéis à sua vocação e guias seguros do Povo de Deus.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?