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Leitura Espiritual
Cristo que passa |
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A luta interior
Suporta os trabalhos como
um bom soldado de Cristo, diz-nos S. Paulo.
A vida do cristão é
milícia, guerra, formosíssima guerra de paz, que em nada coincide com as
empresas bélicas humanas, porque estas se inspiram na divisão e, muitas vezes,
nos ódios, enquanto a guerra dos filhos de Deus contra o seu próprio egoísmo,
se baseia na unidade e no amor.
Porque, embora vivendo na
carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas com que combatemos não
são carnais, mas fortaleza de Deus para destruir fortalezas, desbaratando com
elas os projectos humanos e toda a altivez que se levantam contra a ciência de
Deus.
É a escaramuça sem tréguas
contra o orgulho, contra a prepotência que nos dispõe a fazer o mal, contra os
juízos cheios de soberba.
Neste Domingo de Ramos,
quando Nosso Senhor começa a semana decisiva para a nossa salvação, deixemo-nos
de considerações superficiais e vamos ao que é central, ao que verdadeiramente
é importante.
Pensai no seguinte: aquilo
que devemos pretender é ir para o Céu.
Se não, nada vale a pena.
Para ir para o Céu é
indispensável a fidelidade à doutrina de Cristo. Para ser fiel é indispensável
porfiar com constância no nosso combate contra os obstáculos que se opõem à
nossa eterna felicidade.
Sei que, imediatamente
depois de falar em combater, nos surge pela frente a nossa debilidade e
prevemos as quedas, os erros.
Deus conta com isso.
É inevitável que, ao
caminharmos, levantemos pó. Somos criaturas e estamos repletos de defeitos.
Eu diria até que tem de os
haver sempre, pois são a sombra que faz com que se destaquem mais, por
contraste, na nossa alma, a graça de Deus e o esforço por correspondermos ao
favor divino.
E esse claro-escuro
tornar-nos-á humanos, humildes, compreensivos, generosos.
Não nos enganemos: na
nossa vida, se contamos com brio e com vitórias, devemos também contar com
quedas e derrotas.
Essa foi sempre a peregrinação
terrena do cristão, incluindo a daqueles que veneramos nos altares.
Recordais-vos de Pedro, de
Agostinho, de Francisco?
Nunca me agradaram as
biografias dos santos em que, com ingenuidade, mas também com falta de
doutrina, nos apresentam as façanhas desses homens, como se estivessem
confirmados na graça desde o seio materno.
Não.
As verdadeiras biografias
dos heróis cristãos são como as nossas vidas: lutavam e ganhavam, lutavam e
perdiam.
E então, contritos,
voltavam à luta.
Não nos cause estranheza o
facto de sermos derrotados com relativa frequência, habitualmente ou até talvez
sempre, em matérias de pouca importância, que nos ferem como se tivessem muita.
Se há amor de Deus, se há
humildade, se há perseverança e tenacidade na nossa milícia, essas derrotas não
terão demasiada importância, porque virão as vitórias a seu tempo, que serão
glórias aos olhos de Deus.
Não existem os fracassos,
se agimos com rectidão de intenção e queremos cumprir a vontade de Deus,
contando sempre com a sua graça e com o nosso nada.
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Mas ronda à nossa volta um
potente inimigo, que se opõe ao nosso desejo de encarnar dum modo acabado a
doutrina de Cristo: o orgulho que cresce quando não procuramos descobrir,
depois dos fracassos e das derrotas, a mão benfeitora e misericordiosa do
Senhor. Então a alma enche-se de penumbra - de triste obscuridade - crendo-se
perdida.
E a imaginação inventa
obstáculos que não são reais, que desapareceriam se os encarássemos com um
pouco de humildade.
Com o orgulho e a
imaginação, a alma mete-se por vezes em tortuosos calvários; mas nesses
calvários não está Cristo, porque onde está o Senhor goza-se de paz e de
alegria, mesmo que a alma esteja em carne viva e rodeada de trevas.
Outro inimigo hipócrita da
nossa santificarão: pensar que esta batalha interior tem de dirigir-se contra
obstáculos extraordinários, contra dragões que respiram fogo.
É outra manifestação de
orgulho.
Queremos lutar, mas
estrondosamente, com clamores de trombetas e tremular de estandartes.
Temos de nos convencer de
que o maior inimigo da pedra não é o picão ou o machado, nem o golpe de
qualquer outro instrumento, por mais contundente que seja: é essa água miúda,
que se mete, gota a gota, entre as gretas da fraga, até arruinar a sua
estrutura.
O perigo mais forte para o
cristão é desprezar a luta nessas escaramuças, que penetram pouco a pouco na
alma, até a tornarem branda, quebradiça, indiferente e insensível às vozes de
Deus.
Oiçamos o Senhor, que nos
diz: quem é fiel no pouco, também é fiel no muito; e quem é injusto no pouco
também é injusto no muito.
Isto é o mesmo que
recordar-nos: luta a cada instante nesses pormenores aparentemente pequenos,
mas grandes aos meus olhos; vive com pontualidade o cumprimento do dever; sorri
a quem precise, mesmo que tu tenhas a alma dorida; dedica, sem regateares, o
tempo necessário à oração; acode a ajudar quem te procura; pratica a justiça,
ampliando-a com a graça da caridade.
São estas e outras
semelhantes as moções que cada dia sentiremos dentro de nós, como um aviso
silencioso que nos leva a treinar-nos neste desporto sobrenatural de nos
vencermos a nós mesmos.
Que a luz de Deus nos
ilumine, para compreendermos as suas advertências; que nos ajude a lutar, que
esteja ao nosso lado na vitória; que não nos abandone na hora da queda, porque
assim nos encontraremos sempre em condições de nos levantarmos e de
continuarmos a combater.
Não podemos parar.
O Senhor pede-nos uma luta
cada vez mais rápida, cada vez mais profunda, cada vez mais ampla.
Somos obrigados a
superar-nos, porque nesta competição a única meta é a chegada à glória do Céu.
E se não chegássemos ao
Céu, nada teria valido a pena.
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Os sacramentos da graça de
Deus
Quem deseja lutar, usa os
devidos meios.
E os meios não mudaram
nestes vinte séculos de Cristianismo: oração, mortificação e frequência de
Sacramentos.
Como a mortificação é
também oração - oração dos sentidos - podemos descrever esses meios com duas
palavras apenas: oração e Sacramentos.
Gostaria que
considerássemos agora esse manancial de graça divina dos Sacramentos,
maravilhosa manifestação da misericórdia de Deus. Meditemos devagar a definição
que se insere no Catecismo de S. Pio V: determinados sinais sensíveis que
causam a graça e, ao mesmo tempo, a declaram, como que pondo-a diante dos
olhos.
Deus Nosso Senhor é
infinito e o seu amor é inesgotável, a sua clemência e a sua piedade para
connosco não admitem limites.
E embora nos conceda a sua
graça de muitos outros modos, instituiu expressa e livremente - só Ele podia
fazê-lo - estes sete sinais eficazes, para que os homens possam participar dos
méritos da Redenção, duma maneira estável, simples e acessível a todos.
Se abandonarmos os
Sacramentos, desaparece a verdadeira vida cristã. Contudo, não se nos oculta
que particularmente nesta época não falta quem pareça esquecer, e até a chegue
a desprezar, esta corrente redentora da graça de Cristo.
É doloroso falar desta
chaga da sociedade que se chama cristã, mas torna-se necessário, para que nas
nossas almas se afinque o desejo de recorrermos com mais gratidão e amor a
essas fontes de santificação.
Decidem sem o menor
escrúpulo retardar o baptismo dos recém-nascidos, privando-os - e cometendo
assim um grave atentado contra a justiça e contra a caridade - da graça da fé,
do tesouro incalculável da inabitação da Santíssima Trindade na alma, que vem
ao mundo manchada pelo pecado original.
Pretendem também
desvirtuar a natureza própria do Sacramento da Confirmação, no qual a Tradição
viu sempre unanimemente um robustecimento da vida espiritual, uma efusão calada
e fecunda do Espírito Santo, para que, fortalecida sobrenaturalmente, a alma
possa lutar - milites Christi, como soldado de Cristo - nessa batalha interior
contra o egoísmo e a concupiscência.
Se se perde a sensibilidade
para as coisas de Deus, dificilmente se compreenderá o Sacramento da
Penitência.
A confissão sacramental
não é um diálogo humano, é um colóquio divino; é um tribunal de segura e divina
justiça e, sobretudo, de misericórdia, com um juiz amoroso que não deseja a
morte do pecador, mas que ele se converta e viva.
É verdadeiramente infinita
a ternura de Nosso Senhor. Olhai com que delicadeza trata os seus filhos.
Fez do matrimónio um
vínculo santo, imagem da união de Cristo com a sua Igreja, um grande sacramento
em que se fundamenta a família cristã, que há-de ser, com a graça de Deus, um
ambiente de paz e de concórdia, escola de santidade.
Os pais são cooperadores
de Deus.
Daí nasce o amável dever
de veneração, que corresponde aos filhos.
Com razão, o quarto
mandamento pode chamar-se - escrevi-o há tantos anos - o dulcíssimo preceito do
Decálogo.
Se se vive o matrimónio
como Deus quer, santamente, o lar será um lugar de paz, luminoso e alegre.
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O Nosso Pai, Deus,
deu-nos, com a Ordem sacerdotal, a possibilidade de que alguns fiéis, em
virtude duma nova e inefável infusão do Espírito Santo, recebam um carácter
indelével na alma, que os configura com Cristo Sacerdote, para actuarem em nome
de Cristo Jesus, Cabeça do seu Corpo Místico.
Com este sacerdócio
ministerial, que difere do sacerdócio comum de todos os fiéis, essencialmente e
não com diferença de grau, os ministros sagrados podem consagrar o Corpo e o
Sangue de Cristo, oferecer a Deus o Santo sacrifício, perdoar os pecados na
confissão sacramental e exercitar o ministério de doutrinar as pessoas in iis quae sunt ad Deum, em tudo e só
no que se refere a Deus.
Por isso, o sacerdote deve
ser exclusivamente um homem de Deus, rejeitando o pensamento de querer brilhar
em campos em que os outros cristãos não precisem dele.
O sacerdote não é um
psicólogo, nem um sociólogo, nem um antropólogo: é outro Cristo, o próprio
Cristo, para atender as almas dos seus irmãos.
Seria triste que o
sacerdote, baseando-se numa ciência humana - que só cultivará como amador e
aprendiz, se se dedicar à sua tarefa sacerdotal - se julgasse, sem mais nem
menos, habilitado a pontificar em teologia dogmática ou moral.
A única coisa que faria,
era demonstrar uma dupla ignorância - na ciência humana e na ciência teológica
- ainda que com ar superficial de sábio conseguisse enganar alguns leitores ou
ouvintes indefesos.
É um facto público que
alguns eclesiásticos parecem hoje dispostos a fabricar uma nova Igreja, traindo
Cristo, mudando os fins espirituais - a salvação das almas, uma a uma - por
fins temporais.
Se não resistirem a essa
tentação, deixarão de cumprir o seu sagrado ministério, perderão a confiança e
o respeito do povo e produzirão uma tremenda destruição dentro da Igreja,
intrometendo-se, além disso, indevidamente, na liberdade política dos cristãos
e dos restantes homens, com a consequente confusão - tornam-se eles mesmos
perigosos - na convivência civil.
A Sagrada Ordem é o
sacramento do serviço sobrenatural aos irmãos na fé; alguns parecem querer
convertê-la no instrumento terreno dum novo despotismo.
(cont)