Páscoa
Evangelho:
Jo 17, 20-26
20
«Não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão-de acreditar em Mim
por meio da sua palavra, 21 para que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim
e Eu em Ti, para que também eles sejam um em Nós, a fim de que o mundo acredite
que Me enviaste. 22 Dei-lhes a glória que Me deste, para que sejam um, como
também Nós somos um: 23 Eu neles e Tu em Mim, para que a sua unidade seja perfeita
e para que o mundo conheça que Me enviaste e que os amaste como Me amaste. 24
Pai, quero que, onde Eu estou, estejam também comigo aqueles que Me deste, para
que contemplem a Minha glória, a glória que Me deste, porque Me amaste antes da
criação do mundo. 25 Pai justo, o mundo não Te conheceu, mas Eu conheci-Te e
estes conheceram que Me enviaste. 26 Dei-lhes e dar-lhes-ei a conhecer o Teu
nome, a fim de que o amor com que Me amaste, esteja neles e Eu neles».
Comentário:
Termina o grande discurso de Jesus Cristo, a Oração Sacerdotal!
Registamos – graças ao rigor do Apóstolo e Evangelista – o que o Senhor
considera como mais importante:
O AMOR!
Dirige-se a todos os homens de todos os tempos, porque todos, absolutamente,
somos filhos de Deus Criador e Senhor de quanto existe.
É sem qualquer dúvida a confirmação testamentária do nosso Salvador, clara,
iniludível sem qualquer possibilidade de várias interpretações.
Que felizes nos devemos sentir com tal herança!
(ama
comentário sobre Jo 17, 20-26, 2014.06.05)
Leitura espiritual
INTRODUÇÃO AO CRISTIANISMO
INTRODUÇÃO
“CREIO – AMÉM”
CAPÍTULO PRIMEIRO
Fé no Mundo Hodierno
- Dúvida
e Fé – Situação do homem frente ao problema
"Deus”
…/4
4. Limite da moderna compreensão da realidade e
topografia da Fé
Graças aos conhecimentos históricos de que hoje
dispomos, estamos em condições de abarcar o caminho do espírito humano, até
onde alcança o olhar; com o que podemos constatar que, nos vários períodos da
evolução do espírito, houve diversas maneiras de colocar-se frente à realidade,
por exemplo, a mentalidade mágica ou a metafísica ou, finalmente, hoje em dia,
a científica (tendo por parâmetros as ciências naturais). Cada uma dessas
tendências humanas básicas tem relação com a fé, de um ou de outro modo, e cada
uma delas também, à sua maneira, lhe causa estorvos. Nenhuma delas se acoberta
com a fé, mas também nenhuma se conserva neutra face à fé; cada uma delas é
capaz de servir a fé ou de causar-lhe percalços. Para a mentalidade hodierna
fundamentalmente científica que plasma, sem ser perguntada, o sentimento
existencial de todos e marca-nos a nós todos o lugar dentro da realidade, é característica
a limitação aos fenómenos, àquilo que aparece e ao que deve ser manipulado. Já
desistimos de procurar o que são as coisas em si; de mergulhar na essência do
próprio ser; parece-nos infrutífera uma tal empresa; o fundo do ser
apresenta-se-nos inatingível. Acomoda-nos à nossa perspectiva, ao visível no sentido
mais amplo do termo, àquilo que cabe sob os nossos instrumentos de medir e de
pesar. A metodologia da ciência natural baseia-se nessa delimitação ao fenómeno.
É o que parece bastar-nos. Sentimo-nos aptos a manejar tais meios, criando para
nós um mundo em que possamos viver como homens. Desta forma desenvolveu-se,
paulatinamente, no pensamento e no viver modernos, um conceito novo de verdade
e realidade, que domina como hipótese do nosso pensamento e da nossa expressão,
em geral sem que o percebamos, conceito, porém, que só poderá ser dominado, se
for, por sua vez, exposto ao exame da consciência. Aqui se torna patente a
função do pensamento não científico-natural, a saber, a função de analisar o
aceite ou imposto sem consideração, e de colocar, frente à consciência, a
problemática humana de uma tal orientação.
a) O primeiro
estádio: origem do historicismo. Tentemos densenvolver,
como se chegou à mentalidade acima descrita. Constataremos, se vejo bem, dois
estágios de mudança espiritual. O primeiro, preparado por Descartes, recebeu
forma em Kant e já anteriormente, em formulação um tanto diversa, no filósofo
italiano Giambattista Vico que, provavelmente, foi o primeiro a apresentar um conceito
completamente novo de verdade e de conhecimento, tornando-se o ousado
antecessor da típica fórmula do espírito moderno, quanto ao problema da verdade
e da realidade. À equação escolástica Verum est ens – o ente é a verdade
– Vico contrapôs a sua fórmula: Verum quia factum. O que significa:
reconhecível como verdadeiro só pode ser aquilo que nós mesmos fazemos. Essa
fórmula parece-me representar o fim da velha metafísica e o início do espírito
especificamente moderno. A revolução do pensamento moderno contra todo o passado
está presente aqui com uma precisão inimitável. Para a Antiguidade e a Idade
Média o próprio ente é verdadeiro, isto é, reconhecível, porque Deus, o puro
intelecto, o criou; e criou-o, pensando-o. Pensar e fazer são uma única coisa
para o Espírito Criador, o Creator Spiritus. O seu pensar é um criar. As coisas existem porque são pensadas.
Por isso, para a Antiguidade e a Idade Média, todo o ser é um ser-pensado, um
pensamento do Espírito absoluto. E vice-versa: porque todo ser é pensamento,
todo ser é sentido, Logos, verdade. Portanto o pensamento humano é um
"pensar-depois", uma reflexão sobre o pensamento que é o próprio
Ente. Mas, o homem pode pensar na esteira do Logos, do sentido do ser, porque o
seu próprio logos, a sua própria razão é logos do único Logos, pensamento do
pensamento primitivo e original, do Espírito Criador que dispõe o ser até o
fundo das suas raízes.
Em contraste com isto, a obra do homem é
considerada pela antiguidade e pela Idade Média como ocasional e contingente. O
ser é pensamento, portanto é pensável, objecto do pensamento e da ciência que
aspira à sabedoria. A obra humana, pelo contrário, é uma mistura de logos e de
falta de lógica que, além disto, com o passar do tempo, recai no passado. Não
admite uma compreensão completa, por lhe faltar algo do presente, base da
intuição, e algo do logos, ou seja, do sentido duradouro. Por esta razão, o
impulso científico antigo e medieval estava convencido de que o saber sobre as
coisas humanas não passava de techne, de técnica, de capacidade
artesanal, jamais podendo alcançar o nível de uma ciência real. Por esta razão
as artes, na universidade medieval, figuravam como preliminar à ciência
propriamente dita, isto é, àquela ciência que reflecte sobre o ser, ponto de
vista este ainda firmemente defendido por Descartes, ao negar à história o carácter
de ciência. O historiador convencido de conhecer a história romana antiga,
afinal de contas saberia menos a respeito dela do que qualquer cozinheiro
romano, e saber latim não conota mais do que o saber de qualquer doméstica de
Cícero. Exactamente cem anos mais tarde Vico inverterá as normas da verdade
medieval, ainda claramente expressas por Descartes, abrindo assim a porta à reversão
fundamental do espírito moderno. Começa agora aquela atitude que traz consigo a
idade "científica" – em cuja esteira ainda nos encontramos.
Pela sua importância fundamental para o nosso
problema, tentemos analisá-lo um pouco mais a fundo. Descartes considera ainda,
como certeza real, a certeza racional formal, purificada das incertezas do
factível. Contudo, já se notam prenúncios da refersão para a época moderna,
quando Descartes compreende essa certeza real essencialmente sob o enfoque do
modelo da certeza matemática, elevando a matemática à forma básica de todo o
pensamento racional. Enquanto, porém, em Descartes os factos devem ser postos
em parêntesis, isto é, abstraídos, se se quer ter certeza, Vico levanta a tese
diametralmente oposta. Formalmente, apoiando-se em Aristóteles, declara que o
saber real se cifra no saber das causas. Conheço uma coisa, conhecendo-lhe a
causa; compreendo o motivado, se souber o motivo. Mas, desse aforisma antigo
tira-se e afirma-se algo completamente novo: se, para o saber factivo se requer
o conhecimento das causas, então podemos saber verdadeiramente somente aquilo
que nós mesmos fizemos, pois só nos conhecemos a nós mesmos. O que, por
conseguinte, vem a ser que, em lugar da antiga equação "verdade –
ser", entra a nova: "verdade – facticidade"; só é reconhecível o
feito, isto é, aquilo que nós mesmos fazemos. Tarefa e possibilidade do
espírito humano não é reflectir sobre o ser, mas sobre o facto, o feito, o
mundo peculiar do homem, único objecto que estamos em condições de compreender
verdadeiramente. O homem não produziu o cosmos, que, por isso, lhe permanece
impenetrável nas suas derradeiras profundezas. Só lhe é acessível um saber
perfeito, comprovado, no âmbito das ficções matemáticas e da história que
representa a esfera do que o homem mesmo fez, sendo por esta razão acessível ao
seu conhecimento. No meio do oceano de dúvidas que ameaça a humanidade após a
derrocada da velha metafísica, nos alvores do tempo moderno, redescobre-se no facto
a terra firme sobre a qual o homem pode tentar uma nova existência.
Principia o reinado do "facto", isto é, a volta radical do homem para
sua própria obra, como o único elemento de que tem a certeza.
Com isto está ligada aquela inversão de todos os
valores, que transforma a história em época realmente "nova", em
contraposição à antiga. O que antes havia sido desprezado como não científico –
a história – resta, ao lado da matemática, como a única ciência verdadeira. O
que antes parecia a única tarefa digna de espírito livre, a reflexão sobre o
sentido do ser, surge agora como esforço vão e sem saída, ao qual não
corresponde nenhuma possibilidade científica autêntica. Assim, matemática e
história arvoram-se em disciplinas dominantes, chegando a história a absorver,
por assim dizer, o mundo inteiro das ciências, modificando-as fundamentalmente.
A Filosofia torna-se um problema da história em Hegel, e, de outro modo, em
Comte, problema onde o mesmo ser é sufocado como processo histórico; em F. Chr.
Baur, a teologia torna-se história; o seu caminho, a pesquisa rigorosamente
histórica que examina os eventos passados, esperando assim alcançar o fundo das
questões; Marx repensa historicamente a economia nacional, e até as ciências
naturais são afectadas por esta tendência geral para a história: Darwin concebe
o sistema dos seres vivos como uma história da vida; em lugar da constância das
coisas criadas entra uma doutrina evolucionista, na qual todas as coisas vêm
umas das outras, permanecendo relacionadas com as do passado. Assim o mundo
acaba por não mais parecer uma estrutura do ser, mas um processo cuja contínua
propagação se identifica com o movimento do mesmo ser. Ou seja: o mundo é
cognoscível, é sabível meramente como feito pelo homem. O homem tornou-se
incapaz de olhar acima de si, a não ser, novamente, no âmbito do "facto",
onde é obrigado a identificar-se com o produto ocasional de evoluções
imemoriais. Deste modo surge uma situação muito estranha. No instante em que
principia um antropocentrismo radical, o homem não é capaz de reconhecer nada
mais, além da sua própria obra, vendo-se simultaneamente compelido a aceitar-se
a si mesmo como produto ocasional, como simples "facto". E o céu, do
qual o homem parecia ter vindo, desaba, ficando-lhe entre as mãos a terra, o pó
dos factos, terra, pó, em que tenta decifrar, com a pá, a laboriosa história do
seu devir.
b) O segundo estádio:
virada para o pensamento técnico. Verum quia factum: este axioma que
encaminha o homem para a história como sendo morada da verdade, certamente não
poderia ser suficiente em si mesmo. Alcançou a sua eficiência completa ao
ligar-se a um outro motivo que, novamente cem anos depois, Karl Marx formulou no
seu axioma clássico: "Até agora os filósofos contemplaram o mundo; agora
devem por-se a modificá-lo". Com o que torna a ser completamente
reformulada a tarefa da filosofia. Trocada em termos filosóficos tradicionais,
esta máxima diria que, em lugar do verum quia factum – é reconhecível, é
veraz o que o homem fez e pode contemplar – entra um programa novo: verum
quia faciendum – a verdade, da qual de agora em diante se há de tratar, é a
facticidade, a capacidade de ser feito. Ou, expresso ainda de outro modo: a
verdade que ao homem cumpre manipular, não é nem a verdade do ser, nem, em
última análise, a dos seres realizados, feitos, mas a verdade da alteração do
mundo, da formação do mundo – uma verdade dirigida para o futuro e para a acção.
(cont)
joseph ratzinger, Tübingen, verão de
1967.
Revisão da versão
portuguesa por ama