Tempo de Páscoa
VII Semana
Evangelho: 21, 15-19
15 Depois de comerem, disse Jesus a
Simão Pedro: «Simão, filho de João, amas-Me mais do que estes?». Ele respondeu:
«Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe: «Apascenta os Meus cordeiros».
16 Voltou a perguntar pela segunda vez: «Simão, filho de João, amas-Me?». Ele
respondeu: «Sim, Senhor, Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe: «Apascenta as
Minhas ovelhas». 17 Pela terceira vez disse-lhe: «Simão, filho de João,
amas-Me?». Pedro ficou triste porque, pela terceira vez, lhe disse: «Amas-Me?»,
e respondeu-Lhe: «Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que Te amo». Jesus disse-lhe:
«Apascenta as Minhas ovelhas». 18 «Em verdade, em verdade te digo: Quando tu
eras mais novo, cingias-te e ias onde desejavas; mas, quando fores velho,
estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde tu não
queres». 19 Disse isto, indicando com que género de morte havia Pedro de dar
glória a Deus. Depois de assim ter falado, disse: «Segue-Me».
Comentário:
O
resultado da confirmação do amor de Pedro por Jesus é o convite que o Senhor
lhe faz: segue-me!
Pode
seguir-se alguém que não se ame verdadeiramente?
Sim,
talvez, por curiosidade ou outro motivo de igual valor, só que, satisfeito
este, deixa de haver interesse em manter a atitude.
O
acto, a decisão de seguir Jesus Cristo não é, não pode ser, resultar de
qualquer outro motivo que não seja o amor e, mais, um amor total, inteiro, sem
condições, no fim e ao cabo, o amor que Ele exige aos que O seguem.
(ama, comentário sobre Jo 21, 15-19,
2013.05.17)
Documentos do Concílio Vaticano II
CONSTITUIÇÃO
PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE
A IGREJA NO MUNDO ACTUAL
CAPÍTULO
II
A
COMUNIDADE HUMANA
Respeito da pessoa humana
27. Vindo a conclusões
práticas e mais urgentes, o Concílio recomenda a reverência para com o homem,
de maneira que cada um deve considerar o próximo, sem excepção, como um «outro
eu», tendo em conta, antes de mais, a sua vida e os meios necessários para a
levar dignamente 8, não imitando aquele homem rico que não fez caso
algum do pobre Lázaro 9.
Sobretudo em nossos dias,
urge a obrigação de nos tornarmos o próximo de todo e qualquer homem, e de o
servir efectivamente quando vem ao nosso encontro - quer seja o ancião,
abandonado de todos, ou o operário estrangeiro injustamente desprezado, ou o
exilado, ou o filho duma união ilegítima que sofre injustamente por causa dum
pecado que não cometeu, ou o indigente que interpela a nossa consciência,
recordando a palavra do Senhor: «todas as vezes que o fizestes a um destes meus
irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes» (Mt. 25,40).
Além disso, são infames as
seguintes coisas: tudo quanto se opõe à vida, como seja toda a espécie de
homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola
a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e
mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto
ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas,
as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o
comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho;
em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como
pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são
infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais
aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente; e ofendem
gravemente a honra devida ao Criador.
Respeito e amor dos
adversários
28. O nosso respeito e
amor devem estender-se também àqueles que pensam ou actuam diferentemente de
nós em matéria social, política ou até religiosa. Aliás, quanto mais
intimamente compreendermos, com delicadeza e caridade, a sua maneira de ver,
tanto mais fàcilmente poderemos com eles dialogar.
Evidentemente, este amor e
benevolência de modo algum nos devem tornar indiferentes perante a verdade e o bem.
Pelo contrário, é o próprio amor que incita os discípulos de Cristo a anunciar
a todos a verdade salvadora. Mas deve distinguir-se entre o erro, sempre de
rejeitar, e aquele que erra, o qual conserva sempre a dignidade própria de
pessoas, mesmo quando está atingido por ideias religiosas falsas ou menos
exactas 10. Só Deus é juiz e penetra os corações; por esse motivo,
proíbe-nos Ele de julgar da culpabilidade interna de qualquer pessoa 11.
A doutrina de Cristo exige
que também perdoemos as injúrias 12, e estende a todos os inimigos o
preceito do amor, que é o mandamento da lei nova: «ouvistes que foi dito:
amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Mas eu digo-vos: amai os vossos
inimigos, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos perseguem e
caluniam» (Mt. 5, 43-44).
Igualdade essencial entre
todos os homens
29. A igualdade
fundamental entre todos os homens deve ser cada vez mais reconhecida, uma vez
que, dotados de alma racional e criados à imagem de Deus, todos têm a mesma
natureza e origem; e, remidos por Cristo, todos têm a mesma vocação e destino
divinos.
Sem dúvida, os homens não
são todos iguais quanto à capacidade física e forças intelectuais e morais,
variadas e diferentes em cada um. Mas deve superar-se e eliminar-se, como contrária
à vontade de Deus, qualquer forma social ou cultural de discriminação, quanto
aos direitos fundamentais da pessoa, por razão do sexo, raça, cor, condição
social, língua ou religião. É realmente de lamentar que esses direitos
fundamentais da pessoa ainda não sejam respeitados em toda a parte. Por
exemplo, quando se nega à mulher o poder de escolher livremente o esposo ou o
estado de vida ou de conseguir uma educação e cultura iguais às do homem.
Além disso, embora entre
os homens haja justas diferenças, a igual dignidade pessoal postula, no
entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com efeito,
as excessivas desigualdades económicas e sociais entre os membros e povos da
única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à
equidade, à dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e
internacional.
Procurem as instituições
humanas, privadas ou públicas, servir a dignidade e o destino do homem,
combatendo ao mesmo tempo valorosamente contra qualquer forma de sujeição
política ou social e salvaguardando, sob qualquer regime político, os direitos
humanos fundamentais. Mais ainda: é necessário que tais instituições se adaptem
progressivamente às realidades espirituais, que são as mais elevadas de todas; embora
por vezes se requeira um tempo razoavelmente longo para chegar a esse desejado
fim.
Superação da ética
individualista
30. A profundidade e
rapidez das transformações reclamam com maior urgência que ninguém se contente,
por não atender à evolução das coisas ou por inércia, com uma ética puramente
individualística. O dever de justiça e caridade cumpre-se cada vez mais com a
contribuição de cada um em favor do bem comum, segundo as próprias
possibilidades e as necessidades dos outros, promovendo instituições públicas
ou privadas e ajudando as que servem para melhorar as condições de vida dos
homens. Mas há pessoas que, fazendo profissão de ideias amplas e generosas,
vivem sempre, no entanto, de tal modo como se nenhum caso fizessem das
necessidades sociais. E até, em vários países, muitos desprezam as leis e
prescrições sociais. Não poucos atrevem-se a eximir-se, com várias fraudes e
enganos, aos impostos e outras obrigações sociais. Outros desprezam certas
normas da vida social, como por exemplo as estabelecidas para defender a saúde
ou para regularizar o trânsito de veículos, sem repararem que esse seu descuido
põe em perigo a vida própria e alheia.
Todos tomem a peito
considerar e respeitar as relações sociais como um dos principais deveres do
homem de hoje. Com efeito, quanto mais o mundo se unifica, tanto mais as
obrigações dos homens transcendem os grupos particulares e se estendem
progressivamente a todo o mundo. O que só se poderá fazer se os indivíduos e
grupos cultivarem em si mesmos e difundirem na sociedade as virtudes morais e
sociais, de maneira a tornarem-se realmente, com o necessário auxílio da graça
divina, homens novos e construtores duma humanidade nova.
Responsabilidade e
participação social
31. Para que cada homem
possa cumprir mais perfeitamente os seus deveres de consciência quer para
consigo quer em relação aos vários grupos de que é membro, deve-se ter o
cuidado de que todos recebam uma formação mais ampla, empregando-se para tal os
consideráveis meios de que hoje dispõe a humanidade. Antes de mais, a educação
dos jovens, de qualquer origem social, deve ser de tal maneira organizada que
suscite homens e mulheres não apenas cultos mas também de forte personalidade,
tão urgentemente exigidos pelo nosso tempo.
Mal poderá, contudo, o
homem chegar a este sentido de responsabilidade, se as condições de vida lhe
não permitirem tornar-se consciente da própria dignidade e responder à sua
vocação, empenhando-se no serviço de Deus e dos outros homens. Ora a liberdade
humana com frequência se debilita quando o homem cai em extrema miséria, e
degrada-se quando ele, cedendo às demasiadas facilidades da vida, se fecha numa
espécie de solidão dourada. Pelo contrário, ela robustece-se quando o homem
aceita as inevitáveis dificuldades da vida social, assume as multiformes
exigências da vida em comum e se empenha no serviço da comunidade humana.
Deve, por isso,
estimular-se em todos a vontade de tomar parte nos empreendimentos comuns. E é
de louvar o modo de agir das nações em que a maior parte dos cidadãos
participa, com verdadeira liberdade, nos assuntos públicos. É preciso, porém,
ter sempre em conta a situação real de cada povo e o necessário vigor da
autoridade pública. Mas para que todos os cidadãos se sintam inclinados a
participar na vida dos vários grupos de que se forma o corpo social, é necessário
que encontrem nesses grupos bens que os atraiam e os predisponham ao serviço
dos outros. Podemos legitimamente pensar que o destino futuro da humanidade
está nas mãos daqueles que souberem dar às gerações vindoiras razões de viver e
de esperar.
O Verbo encarnado e a
solidariedade humana
32. Do mesmo modo que Deus
não criou os homens para viverem isolados, mas para se unirem em sociedade,
assim também Lhe «aprouve... santificar e salvar os homens não individualmente
e com exclusão de qualquer ligação mútua, mas fazendo deles um povo que O
reconhecesse em verdade e O servisse santamente» 13. Desde o começo
da história da salvação, Ele escolheu os homens não só como indivíduos mas
ainda como membros duma comunidade. Com efeito, manifestando o seu desígnio,
chamou a esses escolhidos o «seu povo» (Ex. 3, 7-12), com o qual estabeleceu
aliança no Sinai 14.
Esta índole comunitária
aperfeiçoa-se e completa-se com a obra de Jesus Cristo. Pois o próprio Verbo
encarnado quis participar da vida social dos homens. Tomou parte nas bodas de
Caná, entrou na casa de Zaqueu, comeu com os publicanos e pecadores. Revelou o
amor do Pai e a sublime vocação dos homens, evocando realidades sociais comuns
e servindo-se de modos de falar e de imagens da vida de todos os dias.
Santificou os laços sociais e antes de mais os familiares, fonte da vida
social; e submeteu-se livremente às leis do seu país. Quis levar a vida dum
operário do seu tempo e da sua terra.
Na sua pregação claramente
mandou aos filhos de Deus que se tratassem como irmãos. E na sua oração pediu
que todos os seus discípulos fossem «um». Ele próprio se ofereceu à morte por
todos, de todos feito Redentor. «Não há maior amor do que dar alguém a vida
pelos seus amigos» (Jo. 15, 13). E mandou aos Apóstolos pregar a todos a
mensagem evangélica para que a humanidade se tornasse a família de Deus, na
qual o amor fosse toda a lei.
Primogénito entre muitos
irmãos, estabeleceu, depois da sua morte e ressurreição, com o dom do seu
Espírito, uma nova comunhão fraterna entre todos os que O recebem com fé e
caridade, a saber, na Igreja, que é o seu corpo, no qual todos, membros uns dos
outros, se prestam mutuamente serviço segundo os diversos dons concedidos a
cada um.
Esta solidariedade deve
crescer sem cessar, até se consumar naquele dia em que os homens, salvos pela
graça, darão perfeita glória a Deus, como família amada do Senhor e de Cristo
seu irmão.
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Notas:
8.
Cfr. Tg. 2, 15-16.
9.
Cfr. Lc. 16, 19-31.
10.
Cfr. João XXIII, Enc. Pacem in terris: AAS 55 (1963), p. 299-300.
11.
Cfr. Lc. 6, 37-38; Mt. 7, 1-2; Rom. 2, 1-11; 14, 10-12.
12.
Cfr. Mt. 5, 45-47.
13.
Cfr.. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, 9: AAS
57 (1965), p. 12-13.
14.
Cfr. Ex. 24, 1-8.