31/05/2014

Construir a família



As sete palavras de Cristo na Cruz 31

Capítulo 5: O primeiro fruto que se há-de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz. 3

Essa é, pois, a maneira por que o Cristo, o grande Rei, mostra sua liberalidade aos que se entregam sem reservas aos seus serviços. Não são estultos os homens que, abandonando as bandeiras de tal monarca, desejam fazer-se escravos de Mamón, da gula, da luxúria? Mas os que ignoram aquilo que Cristo considera como verdadeira riqueza poderiam obstar que estas promessas não passam de palavras, pois muitas vezes verificamos que os amigos diletos do Senhor são pobres, esquálidos, abjetos e sofridos e, por outro lado, nunca enxergamos a tal recompensa centuplicada, que se diz tão magnífica. Assim é porque o homem carnal não pode ver o cêntuplo que Cristo prometeu, pois não tem olhos com que possa vê-los; não participará jamais desse gozo durável, que engendra uma consciência pura e um verdadeiro amor de Deus. Contudo, darei um exemplo para mostrar que até um homem carnal pode apreciar os deleites e as riquezas espirituais. Lemos, num livro de exemplos sobre os varões ilustres da ordem Cisterciense, que um certo homem, nobre e rico, chamado Arnulfo, abandonou toda sua fortuna e fez-se monge cisterciense, vivendo sob a autoridade de São Bernardo. Deus testou a virtude desse homem mediante dores amargas e muitos tipos de sofrimentos, em particular no final de sua vida; numa certa ocasião, quando sofria mais agudamente que de costume, clamou com voz forte: “Tudo o que dissestes, oh! Senhor Jesus, é verdade”. Ao perguntar-lhe, os que estavam presentes, qual a razão de sua exclamação, respondeu-lhes:

”O Senhor, em Seu Evangelho, diz que os que abandonam suas riquezas e todas as coisas por Ele receberiam o cêntuplo nesta vida e, após, a vida eterna. Compreendo largamente a força e a gravidade desta promessa, e reconheço que estou agora a receber o cêntuplo por tudo que abandonei. Em verdade, a grande amargura desta dor me é tão agradável por causa da esperança [que tenho] na Divina Misericórdia, que me estenderão os sofrimentos, dos quais não consentiria libertar-me, ainda que a cem vezes o valor da matéria mundana que abandonei. Porque, em verdade, a alegria espiritual que se concentra na esperança do que há de vir ultrapassa cem vezes toda alegria mundana, que brota do presente”.
O leitor, ao ponderar estas palavras, poderá julgar em quão grande estima se há de ter a virtude vinda do céu da esperança infalível, da felicidade eterna.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

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Notas:
2. Sal 45,17.
3. Mt 25,35.36.
4. Mt 19, 29.


Pequena agenda do cristão

Sábado

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Honrar a Santíssima Virgem.

A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da Sua serva, de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas, santo é o Seu nome. O Seu Amor se estende de geração em geração sobre os que O temem. Manifestou o poder do Seu braço, derrubou os poderosos do seu trono e exaltou os humildes, aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel Seu servo, lembrado da Sua misericórdia, como tinha prometido a Abraão e à sua descendência para sempre.

Lembrar-me: Santíssima Virgem Mãe de Deus e
minha Mãe.

Minha querida Mãe: Hoje queria oferecer-te um presente que te fosse agradável e que, de algum modo, significasse o amor e o carinho que sinto pela tua excelsa pessoa.
Não encontro, pobre de mim, nada mais que isto: O desejo profundo e sincero de me entregar nas tuas mãos de Mãe para que me leves a Teu Divino Filho Jesus. Sim, protegido pelo teu manto protector, guiado pela tua mão providencial, não me desviarei no caminho da salvação.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?

Reflectindo 22

Morte

Encontrei-me com essa senhora. 
A princípio custou-me perceber de quem ser tratava. Não tinha forma de gente antes parecia uma coisa vaga como uma neblina indefinida. Percebi que estava triste e extraordinariamente cansada.

‘Tenho tido muito que fazer, disse-me, não tenho descanso.
A minha principal inimiga, a vida, até nem me tem dado muito trabalho. Cada vez menos há quem a queira.
Mas em compensação os meus serviços cada vez são mais requisitados.
É estranho que as pessoas queiram morrer e mais estranho ainda que desejem que outros morram.
Por todo o lado parece haver uma cultura de morte e não me refiro só às guerras e lutas fratricidas que pululam por  todo o mundo, mas aos milhares de jovens vidas, algumas mal acabadas de começar a existir, que são sacrificadas nos altares da indiferença, do planeamento feroz, da impiedade mais radical.
Sim, estou muito cansada.’

Fiquei a pensar nesta estranha conversa e dei-me conta que embora imaginária poderia ser bem real.

(ama, Reflexões, 2013.05.14)


Temas para meditar 131

Confissão sacramental


Devemos ir sempre para a confissão com sinceridade, e fazer assim como uma regra. Nunca por respeito humano esconder algo do confessor, por muito pouco importante que possa ser.



(S. FILIPE DE NÉRI, The Maxim’s of St Philip Neri,F.W. Faber, Cromwell Press, nr. 14 – 37, trad ama)

Tratado da lei 09

Questão 91: Da diversidade das leis.

Art. 5 — Se há só uma lei divina.

(Infra, q. 107, a. I; Ad Galat., cap. I, lect. II).

O quinto discute-se assim. — Parece que a lei divina é só uma.

1. — Pois, no mesmo reino, a lei do rei é só uma. Ora, todo o género humano está para Deus como para um rei, conforme a Escritura (Sl 46, 8): Deus é o rei de toda a terra. Logo, há só uma lei divina.

2. Demais. — Toda lei se ordena ao fim que o legislador visa relativamente àqueles para os quais legisla. Ora, em relação aos homens, Deus visa uma mesma coisa, segundo a Escritura (1 Tm 2, 4): Quer que todos os homens se salvem, e que cheguem a ter o conhecimento da verdade. Logo, a lei divina é só uma.

3. Demais. — A lei divina parece estar mais próxima da lei eterna, que é una, do que a lei natural, por ser mais elevada a revelação dá graça do que o conhecimento da natureza. Ora, a lei natural é a mesma para todos os homens. Logo, com maior razão, a lei divina.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb 7, 12): Mudado que seja o sacerdócio, é necessário que se faça também mudança da lei. Ora, como no mesmo lugar se diz, duplo é o sacerdócio: o levítico e o de Cristo. Logo, também dupla há-de ser a lei divina; a antiga e a nova.

Como já dissemos na Primeira Parte (q. 30, a. 3), a distinção é a causa do número. Ora, podem as coisas distinguir-se de dois modos. — De um, quando absoluta e especificamente diversas, como o cavalo e o boi. — De outro, como o perfeito se distingue do imperfeito, dentro da mesma espécie; assim, a criança, do homem. Ora, é deste modo que a lei divina se distingue em lei antiga e nova. Donde, o Apóstolo (Gl 3, 24-25) compara o estado da lei antiga ao da criança dirigida por um mestre; e o da lei nova, ao do homem perfeito, que já não precisa de mestre.

Ora, a perfeição e imperfeição da lei fundam-se nas suas três funções, já antes expostas. — Assim, primeiramente, pertence à lei ordenar para o bem comum, como para o fim, segundo já dissemos (q. 90, a. 2). E esse bem pode ser duplo. Um é o bem sensível e terreno, ao qual ordenava directamente a lei antiga. Por isso, logo no princípio, o povo é convidado ao reino terrestre dos cananeus. O outro é o bem inteligível e celeste, ao qual ordena a lei nova. Por isso, Cristo, logo no princípio da sua pregação, convida para o reino dos céus, dizendo (Mt 4, 17): Fazei penitência, porque está próximo o reino dos céus. Donde o dizer Agostinho, que as promessas das coisas temporárias estão contidas no Antigo Testamento, que, por isso, se chama antigo; ao passo que a promessa da vida eterna pertence ao Novo Testamento. Em segundo lugar, à lei pertence dirigir os actos humanos conforme à ordem da justiça. No que também a lei nova extravasa a antiga, ordenando os actos internos da alma, conforme a Escritura (Mt 5, 20): Se a vossa justiça não for maior e mais perfeita do que a dos Escribas e dos Fariseus, não entrareis no reino dos céus. E, por isso se diz, que a lei antiga coíbe as mãos, a nova, a alma. — Em terceiro lugar, pertence à lei levar os homens à observância dos mandamentos. E isto, que a lei antiga fazia, pelo temor das penas, a nova o faz pelo amor, infundido em nossos corações pela graça de Cristo, conferida na lei nova, e figurada apenas, na antiga. Donde o dizer Agostinho: O temor e o amor, eis a breve diferença entre a Lei e o Evangelho.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Na casa o pai de família propõe uma ordem aos filhos e outra, aos adultos. Assim também o mesmo rei, Deus, dá, no seu reino, uma lei aos homens, que ainda vivem na imperfeição, e outra, mais perfeita, aos que pela lei anterior chegaram à capacidade maior das coisas divinas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A salvação dos homens não podia vir senão de Cristo, conforme a Escritura (At 4, 12): Nenhum outro nome foi dado aos homens pelo qual nós devamos ser salvos. Donde, a lei, que perfeitamente conduz todos à salvação, não podia ser dada senão depois do advento de Cristo. Mas antes dela, era necessário que fosse dada ao povo, do qual Cristo havia de nascer, uma lei preparatória para recebê-lo, em que já se achassem contidos certos rudimentos da justiça salvífica.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A lei natural dirige o homem por certos preceitos gerais, em que convêm tanto os perfeitos como os imperfeitos. Por isso é a mesma para todos. Ao passo que a lei divina o dirige mesmo em certas particularidades, em que os perfeitos não se comportam do mesmo modo que os imperfeitos. Por isso, a lei tinha que ser dupla, como ficou dito.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário, Leitura espiritual (Enc Mater et Magistra 225-262)



Tempo de Páscoa
VII Semana

Visitação de Nossa Senhora

Evangelho: Lc 1, 39-56

39 Naqueles dias, levantando-se Maria, foi com pressa às montanhas, a uma cidade de Judá. 40 Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. 41 Aconteceu que, logo que Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino saltou-lhe no ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo; 42 e exclamou em alta voz: «Bendita és tu entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre. 43 Donde a mim esta dita, que venha ter comigo a mãe do meu Senhor? 44 Porque, logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre. 45 Bem-aventurada a que acreditou, porque se hão-de cumprir as coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor». 46 Então Maria disse: «A minha alma glorifica o Senhor; 47 e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador, 48 porque olhou para a humildade da Sua serva. Portanto, eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão ditosa, 49 porque o Todo-poderoso fez em mim grandes coisas. O Seu nome é Santo, 50 e a Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem. 51 Manifestou o poder do Seu braço, dispersou os homens de coração soberbo. 52 Depôs do trono os poderosos, elevou os humildes. 53 Encheu de bens os famintos, e aos ricos despediu de mãos vazias. 54 Tomou cuidado de Israel, Seu servo, lembrado da Sua misericórdia; 55 conforme tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre». 56 Maria ficou com Isabel cerca de três meses; depois voltou para sua casa.

Comentário:

Nas montanhas de Judá duas mulheres, ambas grávidas, encontram-se. Uma jovem e simples rapariga do povo comum e anónimo, outra já em idade madura esposa de um sacerdote do Templo.
Ambas partilham um milagre pessoal: a própria gravidez.

Isabel porque o ‘seu tempo’ passou e o encontrar-se grávida contra toda a esperança e expectativa não sabe descrever a magnitude do que lhe acontece.

Maria, porque o filho que traz no ventre, é, de facto, uma pessoa mas não houve intervenção do homem e, ela, não compreende, nem precisa porque confia inteiramente do Senhor de Quem se declarou humilde escrava.

Por duas mulheres fecham-se e abrem-se dois ciclos da história da humanidade e das relações das criaturas com o Criador:

Uma dará à luz o último Profeta do Antigo Testamento, a outra entregará ao mundo o próprio Filho de Deus que vem redimir e salvar definitivamente todos os homens.

(ama, comentário sobre Lc 1, 39-56 visitação de N Senhora, 2013.05.31)


Leitura espiritual
Doc. do Conc. Vatic. II
CARTA ENCÍCLICA
MATER ET MAGISTRA
DE SUA SANTIDADE JOÃO XXIII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR, EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA, BEM COMO A TODO O CLERO E FIÉIS DO ORBE CATÓLICO

SOBRE A RECENTE EVOLUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL À LUZ DA DOUTRINA CRISTÃ

QUARTA PARTE

A RENOVAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CONVIVÊNCIA NA VERDADE,
NA JUSTIÇA E NO AMOR

Ideologias defeituosas e erróneas

Perene actualidade da doutrina social na Igreja

Educação

225. Uma doutrina social não se enuncia apenas; aplica-se na prática, em termos concretos. Isto vale sobretudo quando se trata da doutrina social cristã, cuja luz é a verdade, cujo fim é a justiça, cuja força dinâmica é o amor.

226. Relembramos, pois, a necessidade de os nossos filhos não receberem apenas instrução social, mas também educação social.

22'7. A educação cristã deve ser integral; quer dizer, deve compreender a totalidade dos deveres. Há de, pois, fazer nascer e fortificar nas almas a consciência de terem de exercer cristãmente as actividades de natureza económica e social.

228. A passagem da teoria à prática é difícil por natureza e o é principalmente quando se trata de reduzir a termos concretos uma doutrina social como a cristã. A dificuldade vem do egoísmo profundamente enraizado no ser humano, do materialismo que impregna a sociedade moderna, da dificuldade em reconhecer, com clareza e exatidão, as exigências objectivas da justiça, em cada um dos casos particulares. Por isso, não basta fazer despertar e formar a consciência da obrigação de proceder cristãmente no campo económico e social. A educação deve pretender também ensinar o método que torne possível o cumprimento desta obrigação.

Função das associações do apostolado dos leigos

229. Para actuar cristãmente no campo económico e social, a educação com dificuldade haverá de mostrar-se eficaz, se os que a recebem não tomam nela parte activa e se não for dada também através da acção.

230. Justamente costuma dizer-se que não é possível chegar a usar bem da liberdade senão por meio do bom uso da liberdade. De modo análogo, proceder cristãmente no campo económico e social não se consegue senão por meio da acção cristã concreta nesse domínio.

231. Por isso, na educação social, corresponde uma função importante às associações e organizações ao apostolado dos leigos, especialmente às que se propõem, como objectivo próprio, impregnar de cristianismo um ou outro sector da ordem temporal.

232. Efectivamente, não poucos membros destas Associações podem utilizar as suas experiências cotidianas para se educarem a si próprios cada vez melhor e contribuírem para a educação social dos jovens.

233. Vem a propósito recordar a todos, grandes e pequenos, que o sentido cristão da vida impõe espírito de sobriedade e sacrifício.

234. Infelizmente, prevalecem hoje bastante a mentalidade e a tendência hedonistas, que pretendem reduzir a vida à busca do prazer e à satisfação completa de todas as paixões, com grave prejuízo para o espírito e até para o corpo. No plano natural é sabedoria e fonte de bens a moderação e o domínio dos apetites inferiores. E no plano sobrenatural, o evangelho, a Igreja e toda a sua tradição ascética exigem o espírito de mortificação e penitência, que assegura o domínio sobre a carne e oferece um meio eficaz de expiar a pena devida pelo pecado, do qual ninguém é livre senão Jesus e a sua mãe imaculada.

Sugestões práticas

235. Para levar a realizações concretas os princípios e as directrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases: estudo da situação; apreciação da mesma à luz desses princípios e directrizes; exame e determinação do que se pode e deve fazer para aplicar os princípios e as directrizes à prática, segundo o modo e no grau que a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: "ver, julgar e agir".

236. Convém, hoje mais que nunca, convidar com frequência os jovens a refletir sobre estes três momentos e a realizá-los praticamente, na medida possível. Deste modo, os conhecimentos adquiridos e assimilados não ficarão, neles, em estado de ideias abstractas, mas torná-los-ão capazes de traduzir na prática os princípios e as directrizes sociais.

237. Nas aplicações destes, podem surgir divergências mesmo entre católicos rectos e sinceros. Quando isto suceder, não faltem a consideração, o respeito mútuo e a boa vontade em descobrir os pontos onde existe acordo, a fim de se conseguir uma acção oportuna e eficaz. Não nos percamos em discussões intermináveis; e, sob o pretexto de conseguirmos o óptimo, não deixemos de realizar o bom que é possível, e portanto, obrigatório.

238. Os católicos, que exercem actividades económicas e sociais, têm frequentes relações com outros homens que não possuem a mesma concepção da vida. Em tais relações, procedam com atenção os nossos filhos, de modo a serem coerentes consigo mesmos e não descerem a compromissos em matéria de religião e de moral. Mas, ao mesmo tempo, mostrem espírito de compreensão, desinteresse e disposição a colaborar lealmente na prossecução de objectivos bons por natureza, ou que, pelo menos, se podem encaminhar para o bem. Contudo, se a hierarquia eclesiástica se pronuncia em tal matéria, é claro que os católicos são obrigados a ater-se às directrizes recebidas; pois compete à Igreja o direito e o dever, não só de tutelar os princípios de ordem ética e religiosa, mas também de intervir com autoridade na esfera da ordem temporal, quando se trata de julgar da aplicação destes princípios a casos concretos.

Acção multíplice e responsabilidade

239. Da instrução e educação, deve passar-se à acção. É dever que pertence sobretudo aos nossos filhos do laicado, porque, em virtude do seu estado de vida, se ocupam habitualmente em actividades e instituições de ordem e finalidade temporais.

240. Aos nossos filhos, para exercerem tão nobre função, é, não só necessário que sejam profissionalmente competentes e desempenhem as suas actividades temporais, em conformidade com as leis que lhes dizem respeito para conseguirem eficazmente o fim próprio das mesmas; mas também indispensável que, no exercício dessas actividades, se movam dentro dos princípios e directrizes da doutrina social cristã, numa atitude de confiança sincera e de obediência leal à autoridade eclesiástica. Tenham presente que, no exercício das actividades temporais, se não seguem os princípios e as directrizes da doutrina social cristã, não só faltam a um dever e lesam com frequência os direitos dos seus irmãos, mas podem até chegar a desacreditar a doutrina, como se ela fosse, apesar de nobre em si mesma, desprovida de força e de orientação eficaz.

Um perigo grave

241. Como já notamos, os homens de hoje aprofundaram e ampliaram muito o conhecimento das leis da natureza, criaram instrumentos para lhe dominarem as forças, produziram e continuam a produzir obras gigantescas e espectaculares. Mas, no seu empenho de dominar e transformar o mundo exterior, correm o perigo de se esquecerem e se enfraquecerem a si mesmos: Observou com profunda amargura o nosso predecessor Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno: "E assim o trabalho corporal que a divina providência destinara ao aperfeiçoamento material e moral do homem, mesmo depois do pecado original, vai transformar-se em instrumento de perversão. Por outras palavras, a matéria inerte sai enobrecida da fábrica; os homens é que se corrompem e envilecem com ela". [38]

242. Afirma, do mesmo modo, o sumo pontífice Pio XII, que a nossa época se distingue pelo contraste flagrante entre o imenso progresso científico e técnico, e um espantoso regresso no campo dos valores humanos, pois, "a sua monstruosa obra-prima consiste em transformar o homem num gigante do mundo físico à custa do seu espírito reduzido a pigmeu no mundo sobrenatural e eterno". [39]

243. Uma vez mais se verifica hoje, em proporções tão vastas, o que dos pagãos afirmava o Salmista, ao dizer que os homens esquecem muitas vezes na acção a própria natureza, e admiram as obras que fazem, até ao ponto de verem nelas um ídolo: "Os seus ídolos são prata e ouro, obra das mãos dos homens" (Sl 113,4).

Reconhecimento e respeito pela hierarquia dos valores

244. Na nossa paternal solicitude de pastor de todas as almas, convidamos insistentemente os nossos filhos a vigiarem sobre si mesmos, para manterem viva e operante a consciência da hierarquia dos valores no exercício das actividades temporais e na prossecução dos fins imediatos de cada uma.

245. É certo que a Igreja ensinou sempre, e continua a ensinar, que os progressos científicos e técnicos e o consequente bem-estar material são bens reais, que marcam um passo importante no caminhar da civilização humana. Mas esses progressos devem avaliar-se dentro da esfera da sua verdadeira natureza: são só instrumentos ou meios a utilizar para a consecução mais eficaz de um fim superior, que é facilitar e promover o aperfeiçoamento espiritual dos seres humanos, tanto na ordem natural como na sobrenatural.

246. A palavra do Divino Mestre continua a fazer-se ouvir como um aviso perene: "Que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida?" (Mt 16, 26).

Santificação das festas

247. Esta advertência não parece alheia à obrigação do repouso que se deve gozar nos dias de festa. Para defender a dignidade do homem, como criatura dotada de alma feita à imagem e semelhança de Deus, a Igreja urgiu sempre a observância do terceiro preceito do decálogo: "Lembra-te de santificar o dia de festa" (Ex 20, 8). Deus tem o direito de exigir do homem que dedique ao culto um dia da semana, no qual o espírito, livre das ocupações materiais, possa elevar e abrir o pensamento e o coração às coisas celestiais, examinando no íntimo da consciência as suas relações inevitáveis e indispensáveis com o Criador.

248. Mas é também direito, e até necessidade do homem, interromper a aplicação do corpo ao trabalho duro de cada dia, para aliviar os membros cansados, distrair honestamente os sentidos e estreitar a união da família, que exige contacto frequente e convívio tranquilo entre todos.

249. Religião, moral e higiene concordam na necessidade do repouso periódico que a Igreja, desde há séculos, traduz na santificação do Domingo, com a assistência ao santo sacrifício da missa, memorial e aplicação da obra redentora de Cristo às almas.

250. Com viva dor temos de reconhecer e deplorar a negligência, para não dizer o desprezo, desta lei santa; com perniciosas consequências para a saúde da alma e do corpo dos nossos queridos trabalhadores.

251. Em nome de Deus e para bem material e espiritual dos homens, chamamos a todos, autoridades, patrões e trabalhadores, à observância do preceito de Deus e da Igreja, recordando a cada um a grave responsabilidade que tem perante Deus e a sociedade.

Empenho renovado

252. De tudo o que acima brevemente expusemos, seria erro deduzir que os nossos filhos, sobretudo do laicado, tenham de considerar prudente diminuir a sua obrigação cristã para com o mundo; pelo contrário, devem renová-la e robustecê-la.

253. Nosso Senhor, na sublime oração pela unidade da sua Igreja, não pede ao Pai que afaste os seus do mundo, mas que os preserve do mal: "Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal" (Jo 17, 15). Não devemos ver artificialmente uma oposição onde ela não existe: neste caso, entre a perfeição pessoal e a actividade de cada um no mundo, como se uma pessoa não pudesse aperfeiçoar-se senão deixando de exercer actividades temporais, ou se o exercício delas comprometesse fatalmente a nossa dignidade de seres humanos e de crentes.

254. Pelo contrário, corresponde perfeitamente ao plano da Providência que se aperfeiçoe cada um pelo trabalho quotidiano; e este, para a quase totalidade dos homens, é trabalho de natureza e finalidade temporal. A Igreja vê-se hoje empenhada com uma missão gigantesca: a de imprimir carácter humano e cristão à civilização moderna; carácter que esta pede, e quase reclama, para deveras progredir e se conservar. Como insinuamos, a Igreja vai exercendo esta missão sobretudo por meio dos seus filhos leigos, os quais, tendo sempre tal fim em vista, devem sentir-se obrigados a exercer as próprias actividades profissionais como quem satisfaz a um dever, como quem presta um serviço, em união íntima com Deus, em Cristo e para sua glória. Já o indicava o apóstolo São Paulo: "Portanto quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" (l Cor 10, 31). "E tudo o que fizerdes de palavra ou acção, fazei-o em nome do Senhor Jesus, por ele dando graças a Deus, o Pai" (Cl 3, 17).

Maior eficácia nas actividades temporais

255. Uma vez conseguido que as actividades e as instituições temporais permaneçam abertas aos valores espirituais e aos fins sobrenaturais, conseguiu-se também, ao mesmo tempo, reforçar-lhes a eficácia relativamente aos seus fins específicos e imediatos. É sempre verdade a palavra do Divino Mestre: "Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6,33). Quando se é "luz no Senhor" (Ef 5,8), e se caminha como "filhos da luz" (cf. Ef 5,8), apreendem-se melhor as exigências fundamentais da justiça, mesmo nas zonas mais complexas e difíceis da ordem temporal, em que, não raro, os egoísmos individuais, e os de grupo ou de raça, insinuam e espalham espessas névoas. E quando somos animados pela caridade de Cristo, nós conhecemos os laços que nos unem aos outros, e sentimos como próprias as necessidades, os sofrimentos e as alegrias alheias. Por conseguinte, a acção de cada um, qualquer que seja o objecto da mesma e o meio em que se exerce, não pode deixar de ser mais desinteressada, mais vigorosa e mais humana; pois a caridade: "é paciente, é benigna... não busca os seus próprios interesses... não folga com a injustiça, alegra-se com a verdade... tudo espera, tudo suporta" (l Cor 13,4-7).

Membros vivos do Corpo Místico de Cristo

256. Mas não podemos concluir a nossa encíclica sem recordar outra verdade, que é, ao mesmo tempo, uma realidade sublime: somos membros vivos do corpo místico de Cristo, que é a sua Igreja: "Com efeito, o corpo é um e, não obstante tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo: assim também acontece com Cristo" (l Cor 12,12).

257. Convidamos, com paternal insistência, todos os nossos filhos, do clero e do laicado, a que tomem profunda consciência de tão grande dignidade e grandeza, pois estão enxertados em Cristo, como os sarmentos na videira: "Eu sou a videira e vós os ramos" (Jo 15,5) e, por esse motivo, são chamados a viver a sua mesma vida. Todo o trabalho e todas as actividades, mesmo as de carácter temporal, que se exercem em união com Jesus, divino Redentor, tornam-se um prolongamento do trabalho de Jesus e dele recebem virtude redentora: "Aquele que permanece em mim e eu nele, produz muito fruto" (Jo 15,5). É um trabalho, através do qual não só realizamos a nossa própria perfeição sobrenatural, mas contribuímos também para estender e difundir aos outros os frutos da Redenção, levedando assim, com o fermento evangélico, a civilização em que vivemos e trabalhamos.

258. A nossa época encontra-se invadida e penetrada de erros fundamentais, dilacerada e atormentada por desordens profundas; mas é também uma época em que, ao espírito combativo da Igreja, se abrem imensas possibilidades de fazer o bem.

Conclusão

259. Amados irmãos e filhos nossos: o olhar que lançamos convosco sobre os diversos problemas da vida social contemporânea, desde as primeiras luzes do ensinamento do papa Leão XIII, levou-nos a formular um conjunto de observações que formam um programa. Convidamos-vos a que as pondereis, as mediteis bem e vos animeis a cooperar, todos e cada um de vós, na realização do reino de Cristo sobre a terra: "Reino de verdade e de vida; reino de santidade e de graça; reino de justiça, de amor e de paz"; [40] reino que promete o gozo dos bens celestiais, para que fomos criados e que ansiosamente desejamos.

260. Trata-se da doutrina da Igreja católica e apostólica, mãe e mestra de todas as gentes, cuja luz ilumina e abrasa; cuja voz, ao ensinar cheia de sabedoria celestial, pertence a todos os tempos; cuja virtude oferece sempre remédios eficazes, suscetíveis de trazerem solução para as crescentes necessidades dos homens, para as angústias e aflições desta vida. A esta voz, une-se, em perfeita harmonia, a voz antiquíssima do Salmista, que sem descanso conforta e alenta as nossas almas: "Vou ouvir o que Iahweh Deus diz, porque ele fala de paz ao seu povo e seus fiéis, para que não voltem à insensatez. A Sua salvação está próxima dos que o temem, e a Glória habitará em nossa terra. Amor e Verdade se encontram, Justiça e Paz se abraçam; da terra germinará a Verdade, e a Justiça se inclinará do céu. o próprio Iahweh dará a felicidade, e a nossa terra dará seu fruto. A Justiça caminhará à sua frente e com seus passos traçará um caminho (Sl 84, 9ss).

261. São estes, veneráveis irmãos, os votos que nos formulamos, ao terminar esta carta, a que, de há tempos, dedicamos a nossa solicitude pela Igreja universal. Fazemo-lo, para que o divino Redentor dos homens, "feito por Deus sabedoria para nós, e justiça e santificação e redenção" (l Cor 1, 30), reine e triunfe, através dos séculos, em todos os homens e sobre todas as coisas; e também para que, restabelecida a ordem na sociedade, todas as gentes gozem finalmente de paz, de prosperidade e de alegria.

262. Como presságio de feliz realização destes votos e como penhor da nossa paternal benevolência, concedemos de coração, no Senhor, a bênção apostólica, a vós, veneráveis irmãos, e a todos os fiéis confiados ao vosso ministério, de modo especial aos que generosamente corresponderem às nossas exortações.

Dado em Roma, junto de São Pedro, a 15 de Maio do ano de 1961, terceiro do nosso Pontificado.

JOÃO PP. XXIII


Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.
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Notas:
[38] AAS. 23(1931), p. 221s.
[39] Radiomensagem de Natal de 1953: AAS, 46(1953), p.10.
[40] Prefácio da Missa de Cristo Rei.