"Christus vivit": Exortação Apostólica aos
Jovens
Capítulo III
VÓS SOIS O AGORA DE DEUS
Jovens dum mundo em
crise
72.
Os Padres Sinodais destacaram, com tristeza, que «muitos jovens vivem em
contextos de guerra e padecem a violência numa variedade incontável de formas:
raptos, extorsões, criminalidade organizada, tráfico de seres humanos,
escravidão e exploração sexual, estupros de guerra, etc.
Outros
jovens, por causa da sua fé, têm dificuldade em encontrar um lugar nas suas
sociedades e sofrem vários tipos de perseguição, que vai até à morte.
Numerosos
são os jovens que, por constrangimento ou falta de alternativas, vivem
perpetrando crimes e violências: crianças-soldado, gangues armados e
criminosos, tráfico de droga, terrorismo, etc.
Esta
violência destroça muitas vidas jovens.
Abusos
e dependências, bem como violência e extravio contam-se entre as razões que
levam os jovens à prisão, com incidência particular em alguns grupos étnicos e
sociais»
73.
Muitos jovens são mentalizados, instrumentalizados e utilizados como carne para
canhão ou como força de choque para destruir, intimidar ou ridicularizar
outros.
E
o pior é que muitos se transformam em sujeitos individualistas, inimigos e
desconfiados para com todos, tornando-se assim presa fácil de propostas
desumanizadoras e dos planos destrutivos elaborados por grupos políticos ou
poderes económicos.
74.
«Ainda mais numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de
marginalização e exclusão social, por razões religiosas, étnicas ou económicas.
Lembramos
a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do
aborto, bem como a propagação do SIDA/HIV, as várias formas de dependência
(drogas, jogos de azar, pornografia, etc.) e a situação dos meninos e adolescentes
de rua, que carecem de casa, família e recursos económicos»[2].
E
quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização tornam-se
duplamente dolorosas e difíceis.
75.
Não podemos ser uma Igreja que não chora à vista destes dramas dos seus filhos
jovens.
Não
devemos jamais habituar-nos a isto, porque, quem não sabe chorar, não é mãe.
Queremos
chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez de
matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida. Choramos ao
recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da violência e pedimos à
sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária.
Esta
dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a realidade.
A
pior coisa que podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano, que
consiste em anestesiar os jovens com outras notícias, com outras distracções,
com banalidades.
76.
Talvez «aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não
saibamos chorar.
Certas
realidades da vida só se vêem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido cada
um de vós a perguntar-se:
Aprendi
eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada,
uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança
usada como escravo pela sociedade?
Ou
o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais
alguma coisa?»[3]
Procura
aprender a chorar pelos jovens que estão pior do que tu.
A
misericórdia e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não te
vem, pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos
outros.
Quando
souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do fundo do coração, pelos
outros.
77.
Às vezes o sofrimento de alguns jovens é dilacerante, um sofrimento que não se
pode expressar com palavras, um sofrimento que nos fere como um soco.
Estes
jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que é muito difícil para eles
continuar para diante, que já não acreditam em ninguém.
Mas,
neste grito desolador, fazem-se ouvir as palavras de Jesus: «Felizes os que
choram, porque serão consolados» (Mt 5, 4).
Há
jovens que conseguiram abrir caminho na vida, porque lhes chegou esta promessa
divina.
Junto
de um jovem atribulado, possa haver sempre uma comunidade cristã para fazer
ressoar aquelas palavras com gestos, abraços e ajuda concreta!
78.
É verdade que os poderosos prestam alguma ajuda, mas muitas vezes por um alto
preço.
Em
muitos países pobres, a ajuda económica de alguns países mais ricos ou de
alguns organismos internacionais costuma estar vinculada à aceitação de
propostas ocidentais relativas à sexualidade, ao matrimónio, à vida ou à
justiça social.
Esta
colonização ideológica prejudica de forma especial os jovens.
Ao
mesmo tempo, vemos como certa publicidade ensina as pessoas a estar sempre
insatisfeitas, contribuindo assim para a cultura do descarte, onde os próprios
jovens acabam transformados em material descartável.
79.
A cultura actual promove um modelo de pessoa estreitamente associado à imagem do
jovem.
Sente-se
belo quem se apresenta jovem, quem realiza tratamentos para cancelar as marcas
do tempo. Os corpos jovens são constantemente usados na publicidade comercial.
O
modelo de beleza é um modelo juvenil, mas estejamos atentos porque isto não é
um elogio para os jovens.
Significa
apenas que os adultos querem roubar a juventude para si mesmos, e não que
respeitam, amam e cuidam dos jovens.
80.
Alguns jovens «sentem as tradições familiares como opressivas e abandonam-nas
sob a pressão duma cultura globalizada que às vezes os deixa sem pontos de
referência.
Entretanto,
em outras partes do mundo, entre jovens e adultos não há um verdadeiro e
próprio conflito geracional, mas um distanciamento mútuo. Por vezes, os adultos
não procuram ou não conseguem transmitir os valores basilares da existência ou
então assumem estilos próprios dos jovens, transtornando o relacionamento entre
as gerações.
Assim,
a relação entre jovens e adultos corre o risco de se deter no plano afectivo,
sem tocar a dimensão educativa e cultural»[4].
Quanto
dano faz isto aos jovens, embora alguns não se dêem conta! Os próprios jovens
fizeram-nos notar que isto dificulta muito a transmissão da fé, «em alguns
países, onde não há liberdade de expressão vendo-se impedidos de participar na
vida da Igreja»[5].
Franciscus
Revisão
da versão portuguesa por AMA
Notas
[3] Francisco, Discurso aos jovens (Manila
18 de Janeiro de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa
de 22/I/2015), 10.
[5] Documento da Reunião Pré-sinodal de preparação para a XV Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (Roma 24 de Março de 2018), I,1.