Semana III da Páscoa
Evangelho:
Jo 6 35-40
35
Jesus respondeu-lhes: «Eu sou o pão da vida; aquele que vem a Mim não terá
jamais fome, e aquele que crê em Mim não terá jamais sede. 36 Porém, já vos
disse que vós Me vistes e que não credes. 37 Tudo o que o Pai Me dá virá a Mim;
e aquele que vem a Mim não o lançarei fora. 38 Porque desci do céu não para
fazer a Minha vontade, mas a vontade d'Aquele que Me enviou. 39 Ora a vontade
d'Aquele que Me enviou é que Eu não perca nada do que Me deu, mas que o
ressuscite no último dia. 40 A vontade de Meu Pai que Me enviou é que todo o
que vê o Filho e crê n'Ele tenha a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último
dia».
Comentário:
São João continua o
discurso de Jesus sobre a Sua missão aquela que O Pai O encarregou de levar a
cabo.
Quer deixar bem claro que
Jesus é o Salvador e Redentor da humanidade e a forma como esta terá de agir e
o caminho que terá de percorrer para conseguir essa meta
Assim, Jesus quer deixar
bem clara e inequívoca a realidade da união intima entre O Pai e O Filho de tal
forma que afirmará claramente:
O Pai e Eu somos Um!
(ama, comentário sobre Jo 6, 35-40, 2014.35.07)
Leitura espiritual
a beleza de
ser cristão
PRIMEIRA PARTE
O QUE É SER CRISTÃO?
I.
Relações que Deus estabelece com o homem.
…/9
VI. a redenção
Depois
de ter visto os planos de Deus na criação e na oposição d homem ao querer de
Deus manifestada no pecado, é agora a altura de considerar a reacção de Deus
ante o pecado do homem. Esta resposta de Deus ao pecado do homem constitui o
que denominámos segunda relação de Deus com os homens: a Redenção.
Deus
não permite que a obra da criação que Ele iniciou no Amor fique destroçada pelo
pecado do homem.
Depois da queda no paraíso, Deus não
rejeita o homem nem o abandona à sua sorte, como aconteceu com os anjos
rebeldes.
A natureza do homem é mais frágil que a do
anjo, e a visão da grandeza e da majestade de Deus de que o ser humano goza, é
mais débil e imprecisa.
A
liberdade do anjo, pela clareza da sua visão de Deus, levava consigo uma
responsabilidade maior na sua decisão.
De facto, o mal realizado pelos anjos é
irreparável.
Não
é assim no caso do homem.
Deus, depois de o por ante o seu pecado,
não o amaldiçoa.
Amaldiçoa, ao invés, Satanás e prepara a
recuperação do homem. Podemos dizer que o plano original da criação do ser
humano e a sua finalidade na criação - «que o homem conhecesse, amasse e
servisse a Deus nesta terra e o gozasse para sempre no céu” - não sofrem
nenhuma mutação pelo pecado. Muda, todavia, o modo de ser levada a cabo, e
mudam e enriquecem-se os caminhos de que o homem vai dispor para a sua
realização.[i]
Uma
vez mais, Deus toma a iniciativa e recria o homem - «nova criatura” -
introduzindo nele uma perspectiva que não se esgota no gozo do paraíso e o seu
cuidado.
Parece como se o Criador quisesse
«corrigir” o que poderíamos chamar um erro de cálculo na primeira criação.
Houve realmente um erro de cálculo que
tenha propiciado o pecado do homem?
Deus sonhou demasiado com o homem?
A criatura humana era demasiado frágil
para a grandeza que Deus depositou nela?
O coração do homem podia realmente
suportar e gozar na imensidade do amor de Deus?
Sou
consciente de que estas perguntas são uma ousadia diante de Deus e que as
repostas elaboradas somente com a inteligência humana seriam Sim, excepto a
última, que exigiria um Não, se as outras são, efectivamente, Sim.
Mas
talvez seja necessário fazê-las se queremos alguma vez descobrir, ou pelo menos
vislumbrar, o amor com o qual Deus criou o mundo, o homem; amor que fica tão
escondido e tão difícil de apreciar, ante as misérias, as dores, as penas que
afloram à superfície de qualquer vida humana, também, as dos santos.
Deus
introduziu uma determinada correcção na segunda criação.
Viu que não era suficiente dotar Adão de
uma série de dons e com eles conceder-lhe uma certa plenitude natural.
Já desde o princípio decidiu levar a cabo
o plano inicial de adoptar o homem como seu filho.
Agora melhora a adopção, fazendo-o filho
no seu próprio Filho Unigénito.
Desta
forma, o homem não só se aproxima mais intimamente de Deus, como recebe, de
certo modo, uma participação na própria natureza divina.
E isto comportou a Encarnação do Filho de
Deus.
Esta
participação é o que nós cristãos chamamos Graça, e
que estudaremos mais adiante.
O
ser humano, na sua condição de criatura, goza, sim, de uma pré-disposição
natural para receber a luz de Deus, fruto do seu ser «imagem e semelhança” de
Deus e seu filho.
Essa recepção da luz, todavia, nem sempre
tem consigo o fazer germinar imediatamente, nem por si, nenhum fruto no seu
espírito.
O homem há-de aprender, e ser ajudado na
sua aprendizagem, a exercitar a sua liberdade, a ser livre, para livremente
procurar Deus e amá-lo livremente.
A
experiência criatural de Adão foi muito significativa e permite-nos melhor a
nossa situação, consequência não só da fragilidade própria da natureza humana,
mas também da acção do pecado na nossa alma.
Adão,
antes do pecado e na plenitude e na integridade da sua condição de criatura,
desconfia da palavra de Deus, não obstante ter passeado com Ele, ao entardecer,
no paraíso.
Usou mal a sua liberdade e amou pouco,
porque ninguém desconfia da pessoa amada nem desobedece às suas indicações.
Depois do pecado, pretende ocultar-se do
olhar de Deus, como se procurasse na sombra, no anonimato, na obscuridade, o
estar seguro face a Deus e a salvo de um possível castigo.
Porque
temeu Adão que Deus o castigasse?
O ter comido
do fruto proibido da árvore da ciência do bem e do mal era motivo suficiente
para o homem enfrentar Deus?
Acaso não se
tinha enfrentado já antes de o comer, com o simples desejo de o desejar?
O pecado de
Adão é anterior a comer o fruto; e isso quer dizer que já tinha nele a ciência
do bem e do mal.
Talvez
não seja demasiada ousadia pensar que o primeiro pecado do homem, com a
desconfiança para com Deus seguida da desobediência, tenha consistido na
rebelião de não aceitar os limites da sua condução de criatura.
O pensar «ser como deuses” é uma tentação
que parece estar fora do alcance da compreensão de Adão.
Não está, todavia, o anseio de se libertar
dos seus limites e o sonho de poder consegui-lo, com as suas forças e com a
ajuda da «serpente”.
«Yavé
Deus fez para o homem e a sua mulher túnicas de pele e vestiu-os. E disse: Heis
aqui que o homem veio a ser como um de nós, no que respeita a conhecer o bem e
o mal! Agora, pois, não estenda a sua mão e tome também da árvore da vida e
comendo dela viva para sempre”.[ii]
Estas
palavras de Deus ao preparar a expulsão de Adão e Eva do paraíso aparecem na
Escritura depois do anúncio do Redentor e, mais que cheias de um sentido
irónico que alguns querem ver, podemos considerá-las como a descoberta do mal
que o homem fez a si próprio que Deus nos descobre; mal que Deus vai pretender
sanar e curar, restaurando no homem na sua verdadeira condição com o novo
vínculo oculto nas palavra da promessa já anunciada: a Redenção.
Se
o homem «veio a ser como um de nós», e o Senhor consciente que o homem não está
em condições d suportar essa «nova condição», porque nunca se poderá converter
em juiz último do bem e do mal, Deus decide
fazer-se «uma das suas criaturas», para na verdade abrir ao homem o sentido da
árvore da vida.
Jesus Cristo manifestou-no-lo sem peias ao
afirmara de sei próprio: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”[iii].
E
com essas palavras descobre-nos o pleno sentido do desígnio original de Deus ao
criara o homem.
Desígnio que, insistimos, Deus não
suprimiu nem rebaixou por causa do pecado original, mas que, mantendo-o intacto,
o elevou ao modo, ao caminho, para o levar a cabo; o homem contará com a
própria vida de Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem.
“Fomos
constituídos filhos de Deus. Com esta livre decisão divina, a dignidade natural
do homem elevou-se incomparavelmente e, se o pecado destrui-o este prodígio, a
Redenção reconstrui-o de modo ainda mais admirável; levando-nos todavia a
participar mais estreitamente da filiação divina”.[iv]
Deus
tinha criado o ser humano “à sua imagem e semelhança” para o adoptar como
filho. Depois do pecado quer redimi-lo, convertendo-o em «seu filho” em seu
Filho, Jesus Cristo.
E
no mesmo instante da sua queda, anuncia a chegada de um redentor. «Ponho
inimizade perpétua entre ti e a mulher e entre a tua linhagem e a sua; esta te
esmagará a cabeça e tu mordê-la-ás no calcanhar.[v]
O
Redentor é Nosso Senhor Jesus Cristo. Assim podemos dizer, sem deixar de sempre
considerar que Deus é Uno e Trino e que o homem se relaciona sempre coma
Santíssima Trindade, que, se a criação é o vínculo do homem com Deus Pai, a
Redenção é o vínculo do homem com Deus Filho. O ser «imagem e semelhança e
filho adoptivo” converte-se em “ser filho de Deus na Graça de Cristo”, na
riqueza definitiva da criatura: a «filiação divina”, pela Graça, sem por isso
deixar de ser ”filho adoptivo”.
Para
melhor entender o verdadeiro alcance desta relação da Redenção e chegar a
vislumbrar os planos de Deus com os homens, parece oportuno pararmos a
reflectir sobre os motivos que acompanharam o amor da Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade que, na sua vinda à terra, se «diminui-o a si mesmo tomando
condição de servo, tornando-se semelhante aos homens».[vi]
Assim poderemos compreender um pouco melhor o alcance do amor que Deus Pai,
Filho e Espírito Santo tem ao ser humano.
(cont)
ernesto juliá, La belleza de ser cristiano, trad. ama)
[i] cfr. Catecismo n. 412
[iv] são josemaria escrivá, 1967. Citado por f. ocácriz-i. celaya, Vivir como hijos de dios, Eunsa,
Pamplona 1993, cap. 1, nota 14.