Tempo comum XXII Semana
São
Gregório Magno – Doutor da Igreja
Evangelho:
Lc 5, 1-11
1 Um dia, comprimindo-se as
multidões em volta d'Ele para ouvir a palavra de Deus, Jesus estava junto do
lago de Genesaré. 2 Viu duas barcas acostadas à margem do lago; os
pescadores tinham saído e lavavam as redes. 3 Entrando numa destas
barcas, que era a de Simão, pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra.
Depois, estando sentado, ensinava o povo desde a barca. 4 Quando acabou
de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo, e lançai as redes para pescar». 5
Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, tendo trabalhado toda a noite, não apanhámos
nada; porém, sobre a Tua palavra, lançarei as redes». 6 Tendo feito
isto, apanharam tão grande quantidade de peixes, que as redes se rompiam. 7
Então fizeram sinal aos companheiros, que estavam na outra barca, para que os
viessem ajudar. Vieram e encheram tanto ambas as barcas, que quase se
afundavam. 8 Simão Pedro, vendo isto, lançou-se aos pés de Jesus,
dizendo: «Afasta-Te de mim, Senhor, pois eu sou um homem pecador». 9
Porque, tanto ele como todos os que se encontravam com ele, ficaram possuidos
de espanto, por causa da pesca que tinham feito. 10 O mesmo tinha
acontecido a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão.
Jesus disse a Simão: «Não tenhas medo; desta hora em diante serás pescador de
homens». 11 Trazidas as barcas para terra, deixando tudo,
seguiram-n'O.
Comentário:
Em Teu nome lançarei a
rede, Senhor, em Teu nome, porque, por mim, que faço eu na minha pescaria?
Nada, absolutamente, finjo
que pesco, impaciento-me com a espera, desisto tão facilmente, desanimo quando
vejo – tão frequentemente – que a minha rede está vazia.
A minha pescaria…
Aqui está o meu erro, a
minha falta!
Não é a minha “pescaria”,
mas a Tua, Senhor: In nomine Tuo!
Tu é que és o Senhor, o
“arrais” deste barco em que navego, Tu é que sabes o rumo, a hora, o local,
desta pesca que queres que faça não obstante a minha inépcia e falta de
vontade.
Aqui me tens, Senhor,
contigo vou mar adentro até onde Tu quiseres.
(ama, Meditação, Lc 5, 1-11, Setembro 2008)
Leitura espiritual
CRISTO QUE
PASSA
80
Mas continuemos a
contemplar a maravilha dos Sacramentos.
Na Unção dos Enfermos,
como agora chamam à Extrema Unção, assistimos a uma amorosa preparação da
viagem, que terminará na casa do Pai.
E com a Sagrada
Eucaristia, sacramento - se assim nos podemos exprimir - da loucura do amor
divino, concede-nos a sua graça, e entrega-se-nos o próprio Deus, Jesus Cristo,
que está realmente sempre presente nas espécies consagradas - e não apenas
durante a Santa Missa - com o seu Corpo, com a sua Alma, com o seu Sangue e com
a sua Divindade.
Penso repetidas vezes na
responsabilidade que incumbe aos sacerdotes, de assegurar a todos os cristãos
esse caminho divino dos Sacramentos.
A graça de Deus vem em
socorro de cada alma; cada criatura requer uma assistência concreta, pessoal.
As almas não se podem
tratar massivamente!
Não é lícito defender a
dignidade humana e a dignidade de filho de Deus, não atendendo a cada um
pessoalmente com a humildade de quem se sabe instrumento para ser veículo do
amor de Cristo; porque cada alma é um tesouro maravilhoso; cada homem é único,
insubstituível. Cada um vale todo o sangue de Cristo.
Falávamos antes de luta.
Mas a luta exige treino,
uma alimentação adequada, uma terapêutica urgente em caso de doença, de
contusões, de feridas.
Os Sacramentos, medicina
principal da Igreja, não são supérfluos: quando se abandonam voluntariamente,
não é possível dar um passo no caminho por onde se segue Cristo.
Necessitamos deles como
da respiração, como da circulação do sangue, como da luz, para poder apreciar
em qualquer instante o que o Senhor quer de nós.
A ascética do cristão
exige fortaleza; e essa fortaleza encontra-a no Criador.
Nós somos a obscuridade
e Ele é resplendor claríssimo; somos a doença e Ele a saudável robustez; somos
a escassez e Ele a infinita riqueza; somos a debilidade e Ele sustenta-nos, quia tu es, Deus, fortitudo mea, porque
és sempre, ó meu Deus, a nossa fortaleza.
Nada há nesta terra
capaz de se opor ao brotar impaciente do Sangue redentor de Cristo.
Mas a pequenez humana
pode velar os olhos de modo a que não descortinem a grandeza divina.
Daí a responsabilidade
de todos os fiéis e especialmente dos que têm o ofício de dirigir - de servir -
espiritualmente o Povo de Deus, de não fecharem as fontes da graça, de não se
envergonharem da Cruz de Cristo.
81
Responsabilidade dos
pastores
Na Igreja de Deus, o
empenho constante por sermos cada vez mais leais à doutrina de Cristo é
obrigação de todos.
Ninguém está isento. Se
os pastores não lutassem pessoalmente por adquirir finura de consciência,
respeito fiel ao dogma e à moral - que constituem o depósito da fé e o
património comum -, voltariam a ser reais as proféticas palavras de Ezequiel:
Filho do homem profetiza acerca dos pastores de Israel; profetiza e diz aos
pastores: - Isto diz o Senhor Deus: Ai
dos pastores de Israel que se apascentam a si próprios! Porventura não são os
rebanhos os que devem ser apascentados pelos pastores? Vós lhes tomais o leite
e vos vestis com as suas lãs e matais as reses mais gordas, mas não apascentais
o meu rebanho. Não fortalecestes as ovelhas débeis, não curastes as doentes,
não pusestes ligaduras às que tinham algum membro quebrado, não fizestes voltar
as desgarradas, nem buscastes as que se tinham perdido; mas dominastes sobre
elas com aspereza e com prepotência.
São repreensões fortes,
mas mais grave é a ofensa que se faz a Deus quando, tendo recebido o cargo de velar
pelo bem espiritual de todos, se maltratam as almas, privando-as da água limpa
do Baptismo que regenera a alma, do óleo balsâmico da Confirmação, que a
fortalece, do tribunal que perdoa, do alimento que dá a vida eterna.
Quando é que isto pode
acontecer?
Quando se abandona esta
guerra de paz. Quem não luta, expõe-se a qualquer daquelas escravidões, que têm
o efeito de aferrolhar os corações de carne: a escravidão duma visão
exclusivamente humana, a escravidão do desejo afanoso de poder e de prestígio
temporal, a escravidão da vaidade, a escravidão do dinheiro, a escravidão da
sensualidade...
Se alguma vez - porque
Deus pode permitir essa prova - tropeçais com pastores indignos deste nome, não
vos escandalizeis. Cristo prometeu assistência infalível e indefectível à sua
Igreja, mas não garantiu a fidelidade dos homens que a compõem.
A estes não lhes faltará
a graça abundante, generosa - se puserem da sua parte o pouco que Deus pede:
vigiar atentamente, empenhando-se em remover, com a graça de Deus, os
obstáculos para conseguir a santidade.
Se não há luta, quem
parece estar nos píncaros pode estar muito baixo aos olhos de Deus.
Conheço as tuas obras, a
tua conduta, sei que tens fama de que vives e estás morto.
Sê vigilante e consolida
os restos do teu rebanho, que está para morrer, porque não acho as tuas obras
perfeitas diante do meu Deus. Lembra-te, pois, do que recebeste e ouviste, e
observa-o, e faz penitência.
São exortações do
apóstolo S. João, no século primeiro, dirigidos a quem tinha a responsabilidade
da Igreja na cidade de Sardes.
Porque a possível
decadência do sentido da responsabilidade em alguns pastores não é um fenómeno
moderno; surge já no tempo dos Apóstolos, no próprio século em que Nosso Senhor
Jesus Cristo tinha vivido na terra.
E ninguém está seguro,
se deixa de lutar consigo mesmo.
Ninguém pode salvar-se
isoladamente.
Todos na Igreja
precisamos desses meios concretos que nos fortalecem: da humildade, que nos
dispõe a aceitar a ajuda e o conselho; das mortificações, que nos removem o
coração, para que nele reine Cristo; do estudo da Doutrina segura de sempre,
que nos leva a conservar em nós a fé e a propagá-la.
82
Hoje e ontem
A liturgia do Domingo de
Ramos põe na boca dos cristãos este cântico: levantai, portas, os vossos
dintéis; levantai-vos, portas antigas, para que entre o Rei da glória.
Quem fica recluso na
cidadela do seu egoísmo não descerá ao campo de batalha.
Contudo, se levantar as
portas da fortaleza e permitir que entre o Rei da Paz, sairá com ele a combater
contra toda essa miséria que embacia os olhos e insensibiliza a consciência.
Levantai as portas
antigas.
Esta exigência de
combate não é nova no Cristianismo.
É a verdade perene.
Sem luta, não se
consegue a vitória; sem vitória não se alcança a paz.
Sem paz, a alegria
humana será só uma alegria aparente, falsa, estéril, que não se traduz na ajuda
aos homens, nem em obras de caridade e de justiça, de perdão e de misericórdia,
nem em serviço de Deus.
Agora, dentro e fora da
Igreja, em cima e em baixo, dá a impressão de que muitos renunciaram à luta - à
guerra pessoal contra as suas próprias claudicações -, para se entregarem com
armas e bagagens às servidões que envelhecem a alma.
Esse perigo rondará
sempre em tomo de todos os cristãos.
Por isso, é preciso
pedir incessantemente à Santíssima Trindade que tenha compaixão de todos.
Ao falar destas coisas
fico perturbado se recorro à justiça de Deus. Apelo para a sua misericórdia,
para a sua compaixão, a fim de que não olhe para os nossos pecados, mas para os
méritos de Cristo e de sua Santa Mãe, e que é também nossa Mãe, para os do
Patriarca S. José, que Lhe serviu de Pai, para os dos Santos.
O cristão pode viver com
a segurança de que, se quiser lutar, Deus o acolherá na sua mão direita, como
se lê na Missa desta festa.
Jesus, que entra em
Jerusalém montado num pobre burrico, Rei da paz, é quem diz: o, reino dos céus
alcança-se com violência, e os violentos arrebatam-no.
Essa força não se
manifesta na violência contra os outros; é fortaleza para combater as próprias
debilidades e misérias, valentia para não mascarar as nossas infidelidades,
audácia para confessar a fé, mesmo quando o ambiente é contrário.
Hoje, como ontem,
espera-se heroísmo do cristão. Heroísmo em grandes contendas, se é preciso.
Heroísmo - e será o
normal - nas pequenas escaramuças de cada dia. Quando se luta continuamente,
com Amor e deste modo que parece insignificante, o Senhor está sempre ao lado
dos seus filhos, como pastor amoroso:
Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas e as farei repousar, diz o
Senhor Deus.
Irei procurar as que se tinham perdido, farei voltar as que
andavam desgarradas, porei ligaduras às que tinham algum membro quebrado e
fortalecerei as que estavam fracas...
E as minhas ovelhas habitarão no seu país sem temor; e elas
saberão que eu sou o Senhor, quando eu tiver quebrado as cadeias do seu jugo, e
as tiver arrancado das mãos daqueles que as dominavam.
(cont)