Jesus Cristo o Santo de Deus
Capítulo III
ACREDITAS?
A divindade de Cristo no Evangelho de S.
João
1.
«Bem-aventurado aquele que não se escandaliza
por causa de Mim»
Ninguém pode, portanto,
tornar-se crente, segundo esta perspectiva, sem caminhar para Cristo no Seu
estado de submissão, como sinal de escândalo e objecto de fé.
Ele ainda não voltou na Sua
Glória e é para sempre Aquele que Se rebaixou.
A esta visão falta qualquer
coisa, é verdade.
Falta a atenção que é devida
à Ressurreição de Cristo.
Nós, hoje, encontramos
Aquele que Se rebaixou e que foi exaltado, e não somente Aquele que foi
rebaixado.
Falta também. a devida
atenção ao testemunho apostólico.
O Espírito Santo -Dizia
Jesus - «dará testemunho de Mim, e também vós dareis testemunho de Mim» [i].
Nós somos testemunhas desses
factos – dizias. Pedro, falando da Ressurreição de Cristo- tanto nós como o
Espírito Santo que Ele deu aqueles que a Ele se submeteram [ii].
Por isso não é de todo
exacto dizer-se que não há senão uma prova do cristianismo: a prova interior, o
argumentum Spirictus Sancti» [iii].
Há uma prova invisível
constituída pelo testemunho do Espírito e uma prova exterior diferente, mas
também ela importante, constituída pelo testemunho dos Apóstolos.
Para além da dimensão
pessoal, existe na fé uma dimensão comunitária:
«O que nós vimos e ouvimos,
nós vo-lo anunciamos, para que também vós estejais em comunhão connosco» [iv].
A afirmação de Kierkegaard,
segundo a qual a única verdadeira relação com Cristo não acontece graças aos
“dezoito séculos” de história do cristianismo, mas sim graças à
contemporaneidade, é uma afirmação que deve ser esclarecida.
Os dezoito séculos de
história e a contemporaneidade não devem contrapor-se, mas manter-se unidos.
A contemporaneidade, tal
como a entende o Novo Testamento, não é outra coisa senão o Espírito Santo que é precisamente a
presença e a permanência de Jesus no mundo e Aquele que «permanece connosco para sempre» [v]; os
dezoito séculos – agora já á passados vinte – em termos teológicos, não são
outra coisa senão a Igreja.
Na perspectiva católica, por
isso, o Espírito Santo e a Igreja são as condições peculiares da possibilidade
da nossa relação com Cristo, relação que se torna importante, é verdade,
somente através da fé e da imitação do modelo que é Cristo.
Porém, não obstante estas
reservas, existe naquela descrição da fé na divindade de Cristo um profundo
elemento de verdade, do qual é necessário tomarmos consciência, especialmente
nós católicos.
De facto, que queriam dizer,
em palavras mais simples, todas aquelas afirmações de Kierkegaard sobre o crer
enquanto contemporâneos?
Queriam dizer que crer na
divindade de Cristo é tarefa de cada um de nós,
Crer em situações de
contemporaneidade significa também crer na solidão.
A divindade de Cristo –
dizia eu mais tarde – é o Evereste da fé.
Mas na escalada deste
Evereste não há carregadores, “sherpas” para nos transportarem a nós e à nossa
bagagem até uma determinada cota, deixando-nos somente a tarefa de caminharmos
os últimos metros.
Cada um de nós deve fazer por
completo essa escalada.
Trata-se, na verdade, de um
salto infinito, onde um século ou um milénio a mais nada acrescentam ou
diminuem.
O facto de serem apenas
dois, ou dois biliões, os que creem, isso não muda essencialmente a dificuldade
dessa tarefa.
É claro que se houver outros
crentes à nossa volta, isso pode servir-nos de ajuda na nossa crença, mas tal
não é ainda crer naquele sentido peculiar que tem por motivo somente Deus.
Não podemos, por isso,
raciocinar que os crentes que nos antecederam tivessem tido a tarefa mais
difícil e a nós coubesse somente trabalho de concluir o seu esforço.
Se assim fosse, deveria ser
progressivamente cada vez mais fácil acreditar em Cristo, à medida que se
avança na história; pelo contrário, verificamos que não é isso que sucede.
Não é mais fácil ou mais
difícil crer hoje que nos tempos de João, de Atanásio, ou de Lutero.
Tudo assenta sobre a “força
demonstrativa que tem de per si a Palavra de Deus operante nas palavras e nos
actos de Jesus” e sobre o facto que ela encontre ou não uma disposição para a
acolher.
Não há dúvida que existem
“sinais” e “actos”.
Jesus aponta frequentemente
para eles.
Jesus dizia que, ao menos,
acreditassem nas Suas obras, e que se Ele não tivesse feito tantos milagres,
persistiam mil razões para permanecer na incredulidade.
«Apesar de tantos prodígios que fizera na sua presença, não acreditavam
n’Ele» diz o Evangelista [vi].
A história do cego de
nascença serve para ilustrar precisamente Este facto: que mesmo perante o mais
clamoroso dos milagres permanece a possibilidade de alguém se abrir ou fechar
para a luz.
Uma outra vez, tinha Jesus
acabado de fazer o grande prodígio da multiplicação dos pães, e já alguns Lhe
faziam a seguinte pergunta:
«Que milagres fazes Tu, para que possamos crer em Ti» [vii],
como se o milagre acabado de fazer não tivesse relevância.
De resto, é o próprio Jesus
que nos põe de sobreaviso em relação a uma fé baseada somente nos milagres;
desconfia daqueles que, se não virem prodígios, não creem [viii]. E
quando alguns, «vendo os milagres,
acreditaram n’Ele, diz o Evangelista que Jesus não acreditava neles» [ix].
É, preciso, portanto, não
depreciar os sinais.
Se existe uma certa
predisposição interior para reconhecer a Verdade, as obras de Cristo são a
prova evidente de que nelas age o próprio poder divino e que, por consequência,
Jesus era o Mediador de vida eterna.
Mas que peso poderiam ter
essas obras e esses prodígios, fora do momento em que foram feitos?
Bastariam para se concluir
que se tratava de Deus em pessoa?
O mundo helenístico não
conhecia ele também tantos outros taumaturgos, isto é, operadores de prodígios?
Por isso é preciso concluir
que, para S. João, as obras de Cristo não se resumiam a algumas curas
esporádicas, mas a toda a Sua obra, de ter trazido à terra a vida eterna.
Quem escutava a boa nova era
convidado a considerar se, de facto, não se poderia encontrar na Igreja um novo
género de vida [x].
Mas tal experiência só
poderia ser feita indo ao encontro de Cristo, isto é, acreditando n’Ele.
E isto demonstra, mais uma
vez, que somente na fé se obtém o conhecimento suficiente sobre Jesus e que a
fé é testemunho de si mesma.
(cont)
rainiero
cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[iii]
Cf. S. Kierkegaard, Diário, ário, X I
A, 481
[x] Ch. C. H. Dodd, op. Cit., P. 409