Tempo comum XXIX Semana
Evangelho: Lc 13 1-9
1 Neste mesmo tempo chegaram alguns a dar-Lhe a notícia
de certos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com o dos sacrifícios deles. 2
Jesus respondeu-lhes: «Vós julgais que aqueles galileus eram maiores pecadores
que todos os outros galileus, por terem sofrido tal sorte? 3 Não, Eu
vo-lo digo; mas, se não fizerdes penitência, todos perecereis do mesmo modo. 4
Assim como também aqueles dezoito homens sobre os quais caiu a torre de Siloé e
os matou; julgais que eles também foram mais culpados que todos os outros
habitantes de Jerusalém? 5 Não, Eu vo-lo digo; mas, se não fizerdes
penitência, todos perecereis do mesmo modo». 6 Dizia também esta
parábola: «Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi buscar fruto
e não o encontrou. 7 Então disse ao vinhateiro: Eis que há três anos
venho buscar fruto a esta figueira e não o encontro; corta-a; para que está ela
inutilmente a ocupar terreno? 8 Ele, porém, respondeu-lhe: Senhor,
deixa-a ainda este ano, enquanto eu a cavo em volta e lhe deito estrume; 9
se com isto der fruto, bem está; senão, cortá-la-ás depois».
Comentário:
O
Dono da vinha, que é o Senhor de quanto existe, tem todo o direito a colher os
frutos do que plantou.
Quando
não os encontra chama quem pôs à frente da sua propriedade para que lhe dê
contas do que se passa.
A
Santa Igreja tem, como missão principal, levar os seus filhos, os homens, a dar
frutos e, para tal, serve-se dos meios que o próprio Senhor pôs à sua
disposição.
O
apostolado que não se detém nunca perante qualquer dificuldade, tenta uma e
outra vez cumprir a sua tarefa de levar todos a Cristo. Leve o tempo que levar!
Com
a Doutrina, os Sacramentos envida todos os esforços para cumprir o mandato
divino.
(ama, comentário sobre Lc 13, 1-9, 2013.10.26)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
Manuscrito "A" - Parte I
…/2
Eu gostava muito de minha querida madrinha. Sem deixar perceber,
prestava muita atenção em tudo que se fazia e se dizia ao meu redor. Tenho a
impressão de que julgava as coisas como agora. Escutava atentamente o que Maria
ensinava a Celina, para fazer como ela. Depois de sua saída da Visitação, para
receber licença para entrar em seu quarto durante as aulas que Celina lhe dava,
comportava-me muito bem e fazia tudo que ela mandava. Por isso, me enchiam de
presentes que, apesar do pouco valor, muito me alegravam.
Eu tinha muito orgulho de minhas duas irmãs maiores, mas meu ideal
de criança era Paulina... Quando comecei a falar e mamãe me perguntava:
"Em quem estás pensando?", a resposta era sempre a mesma: "Em
Paulina...!" Outras vezes, passava meu dedinho na vidraça e dizia:
"Estou escrevendo: Paulina!..."
Frequentemente ouvia dizer que Paulina seria religiosa, e, então,
sem saber o que significava isso, pensava: Eu também serei religiosa. Esta é
uma de minhas primeiras recordações e, desde então, nunca mudei de intenção...
Fostes vós, querida Madre, a pessoa que Jesus escolheu para me fazer noiva
dele; não estavas na ocasião perto de mim, mas já se havia formado um laço
entre nossas almas... Éreis meu ideal, eu queria parecer-me convosco, e foi o
vosso exemplo que me atraiu, desde os dois anos de idade, ao Esposo das
virgens. Quantos doces pensamentos quisera confiar-vos! Mas preciso prosseguir
a história da florzinha, com sua história completa e geral, pois se eu quisesse
falar detalhadamente de suas relações com "Paulina", teria que
abandonar todo o restante...!
Minha querida Leoninha também tinha um lugar importante no meu
coração. Amava-me muito. Quando toda a família saía para passear, à tarde, ela
cuidava de mim... Parece-me ainda ouvir suas agradáveis cantigas para embalar
meu sono... Procurava sempre me agradar e eu sofreria muito se lhe desse algum
desgosto. Lembro-me muito bem de sua primeira comunhão, especialmente do
momento em que me pôs no colo para entrarmos na casa paroquial. Achei tão
bonito ser carregada por uma irmã maior, toda vestida de branco como eu...! À
noite, colocaram-me para dormir cedo, pois eu era muito pequena para ficar para
o jantar festivo; mas ainda vejo papai trazendo, no momento da sobremesa,
pedaços do bolo para sua rainhazinha.
No dia seguinte, ou alguns dias depois, fomos com mamãe à casa da
coleguinha de Leônia. No dia seguinte, ou poucos dias depois, fomos com mamãe à
casa da companheirinha de Leônia. Acredito que foi naquele dia que nossa boa
mamãezinha nos levou atrás de uma parede para nos dar vinho depois do jantar
(que nos servira a pobre senhora Dagorau), pois não queria desagradar à boa
mulher e tampouco queria que nos faltasse algo... Como é delicado o coração de
uma mãe! Sabe manifestar sua ternura com mil cuidados antecipados nos quais
ninguém pensaria...!
Agora, resta-me falar da minha querida Celina, a companheirinha de
minha infância, mas as recordações são tantas, que não sei quais escolherei.
Vou extrair algumas passagens das cartas que mamãe vos mandava para a
Visitação, mas não copiarei tudo, porque me alongaria demais.
No dia 10 de julho de 1873 (ano de meu nascimento), eis o que vos
dizia: «A ama trouxe Teresinha na quinta-feira. Passou rindo o tempo todo. Foi
a Celininha de quem mais gostou. Ria às gargalhadas com ela. Parece que já quer
brincar e não demorará a fazê-lo. Fica em pé sobre as perninhas duras como
estacas. Creio que em breve começará a andar e terá bom carácter. Parece muito inteligente e tem um aspecto de predestinada..."
Mas foi sobretudo depois de desmamada que demonstrei meu afeto por
minha querida Celininha. Nós nos compreendíamos muito bem; só que eu era muito
mais esperta e menos ingênua que ela. Mesmo sendo três anos e meio mais nova,
parecíamos ter a mesma idade. Eis o trecho de uma carta de mamãe, no qual
vereis o quanto Celina era boa e eu má:
«Minha Celininha é totalmente inclinada à virtude. É uma
inclinação arraigada em seu íntimo. Tem alma pura e repugnância ao pecado.
Quanto ao pequeno furão ainda não sabemos como será. É tão pequeno e
atrapalhado! Tem inteligência superior à de Celina, mas é menos doce e,
sobretudo, de uma teimosia quase indomável. Quando diz "não", nada a
faz ceder; ainda que a colocássemos o dia todo no porão, ainda preferiria
passar a noite aí a ter que dizer "sim".
"Porém, tem um coração de ouro, é muito carinhosa e muito
franca, é estranho vê-la correr atrás de mim para confessar algo - Mamãe,
empurrei Celina uma vez, bati nela uma vez, mas não vou fazer mais - (é assim
em tudo o que faz). Quinta-feira à noite, fomos dar um passeio nos arredores da
estação ferroviária. Quis a todo custo entrar na sala de espera para ir buscar
Paulina. Corria à nossa frente com uma alegria contagiante. Porém, quando
percebeu que era preciso voltar para casa sem embarcar para ir buscar Paulina,
chorou durante todo o percurso".
Esse último trecho da carta me faz lembrar a felicidade que sentia
vendo-vos voltar da Visitação, vós, querida Madre, me pegáveis no colo e Maria
carregava Celina. Então, fazia -vos mil carícias e inclinava-me para trás, a
fim de admirar vossa grande trança... e me dáveis um tablete de chocolate que
tínheis guardado durante três meses, imagineis que relíquia era para mim!...
Lembro-me também da viagem que fiz a Le Mans. Era a primeira vez
que viajava de trem. Que alegria ver-me viajando sozinha com mamãe!... Porém,
não sei mais por quê, pus-me a chorar e essa pobre mamãe só pôde apresentar à
minha tia de Le Mans uma feiurinha rubra pelas lágrimas vertidas a caminho... Não
conservei lembrança alguma do parlatório, só do momento em que minha tia me
entregou um ratinho branco e uma cestinha de papel bristol cheia de bombons
sobre os quais havia dois bonitos anéis de açúcar bem do tamanho do meu dedo;
logo gritei: "Que bom! tem um anel para Celina". Mas que tristeza!
Peguei minha cestinha pela alça, dei a outra mão a mamãe e partimos. Depois de
alguns passos, olhei minha cestinha e vi que meus bombons estavam quase todos
esparramados pela rua, como as pedras do pequeno polegar... Olhei com mais
atenção e constatei que um dos preciosos anéis sofrera a sorte fatal dos
bombons... Não tinha mais nada para dar a Celina!... nesse momento, minha dor
explode, peço para voltar, mamãe não parece me dar atenção. Era demais. Aos
gritos seguiram-se minhas lágrimas... Não conseguia compreender como ela não
compartilhava da minha tristeza e isso aumentava muito a minha dor...
Agora volto às cartas nas quais mamãe vos fala de Celina e de mim.
É o melhor meio de que disponho para revelar-vos meu carácter. Eis um trecho no
qual meus defeitos despontam com intenso brilho.
"Eis que Celina brinca com a pequena de jogar cubos, brigam
de vez em quando. Celina cede para ter uma pérola na sua coroa. Vejo-me obrigada
a corrigir esse pobre bebé, que fica terrivelmente furioso quando as coisas não
andam como ela quer e rola por terra como uma desesperada, acreditando que tudo
está perdido. Há momentos em que é mais forte que ela, fica sufocada. É uma
criança muito agitada, porém muito mimosa e muito inteligente, lembra-se de
tudo".
Estais vendo, Madre, como eu estava longe de ser uma menina sem
defeitos! nem se podia dizer de mim "Que era boazinha quando dormia",
pois de noite era ainda mais agitada que de dia, mandava para os ares todas as
cobertas e (embora dormindo) dava cabeçadas na madeira da minha caminha; a dor
me despertava e então dizia: "Mãe, bati-me!..." Essa pobre mãe era
obrigada a levantar-se e constatava que, realmente, tinha galos na testa, que
eu me batera. Cobria-me e voltava a deitar-se, mas depois de algum tempo eu
recomeçava a me bater. Tanto que foram obrigados a me amarrar na minha cama.
Todas as noites Celininha vinha amarrar as numerosas cordas destinadas a
impedir o duendezinho de se chocar e acordar mamãe. Esta medida deu bom resultado
e passei a ficar boazinha enquanto dormia...-
Havia ainda outro defeito que tinha (quando acordada) e do qual
mamãe não fala em suas cartas. Era um grande amor-próprio. Disso vos darei
apenas dois exemplos a fim de não alongar demais minha narração. – Mamãe
disse-me um dia: - "Minha Teresinha, se te prontificares a beijar o chão,
dar-te-ei um cinco centavos". Para mim cinco centavos eram uma verdadeira
fortuna. Para o ganhar, não me era necessário diminuir minha altura, pois meu
pequeno porte não constituía grande distância entre mim e o chão. Minha
altivez, no entanto, se revoltou com a ideia de "beijar o chão".
Mantendo-me bem empertigada, digo à mamãe: - "Oh! não, minha mãezinha,
prefiro ficar sem os cinco centavos..."
De outra feita tínhamos de ir até Grogny à casa da Sra. Monnier.
Mamãe falou à Maria me pusesse o lindo vestido tido azul celeste, com guarnição
de rendas, mas não me deixasse com os braços nus, para não se queimarem ao sol.
Deixei que me vestissem com aquela displicência que deveria ser própria de
crianças com a minha idade; mas, interiormente, pensava que teria ficado muito
mais graciosa com meus bracinhos nus.
Com uma índole como a minha, se fosse criada por pais carentes de
virtude, ou até se fosse como Celina mimada por Luísa, ter-me-ia tornado bem
maldosa e talvez me tivesse perdido... Mas Jesus olhava pela sua esposinha.
Quis que tudo redundasse para o bem dela. Seus próprios defeitos, refreados a
tempo, serviram-lhe para crescer na perfeição... Tendo amor-próprio e também
amor do bem, tão logo comecei a pensar com sisudez (o que fiz desde pequenina)
bastava dizerem-me que alguma cousa não ficava bem, para que não precisasse
ouvi-lo dizer duas vezes... Nas cartas de Mamãe vejo, com satisfação, que na
medida que ia ficando maior lhe proporcionava mais consolo. Não tendo em redor
de mim senão bons exemplos, era natural que os quisesse seguir. Veja-se o que
ela escrevia em 1876: - "A própria Teresa que por vezes quer pôr-se a
marcar suas práticas religiosas"... É uma criança encantadora, sutil como
a sombra, muito vivaz, mas seu coração é sensível. Celina e ela querem-se
muito, bastam as duas para se entreterem. Todos os dias, depois de terem
almoçado, Celina vai buscar seu galinho, pega ao mesmo tempo a galinha para
Teresa. Por mim não o consigo, mas ela é tão ágil que lhe deita a mão no
primeiro bote. Depois cão as duas com as aves sentar-se no canto da lareira e
assim se distraem por muito tempo. (Foi Rosinha que me fizera presente da
galinha e do galo. Eu tinha dado o galo à Celina). Outro dia Celina deitara
comigo. Teresa deitara na cama de Celina no segundo andar. Tinha instado com
Luísa. a trouxesse para baixo, a fim de lhe porem o vestido. Luísa sobe para a
buscar, encontra a cama vazia. Teresa tinha ouvido Celina e descera com ela.
Luísa lhe diz: "- Não queres, pois, descer para te vestires?" -
"Oh! não, pobre de minha Luísa, somos como as duas franguinhas, não
podemos separar-nos!" Enquanto assim diziam, abraçavam-se e
aconchegavam-se uma a outra... Depois, à noite, Luísa, Celina e Leônia foram ao
círculo católico e deixaram a pobre Teresa, que bem compreendia ser muito
pequena para ir junto. Dizia: - "Se pelo menos quisessem deitar-me na cama
de Celina!"... Mas, não, não o quiseram... Nada falou e sozinha ficou com
sua lamparina. Um quarto de hora depois dormia a sono solto..."
Outro dia Mamãe ainda escreveu: "Celina e Teresa são
inseparáveis. Não é possível pôr os olhos em duas crianças que se queiram tanto
uma a outra. Quando Maria vem buscar Celina para a lição, a coitada da Teresa
se desfaz em pranto. Ai! que acontecerá com ela, sua amiguinha vai deixá-la...
Maria fica com dó, leva-a também e a pobre pequerrucha permanece sentada numa
cadeira duas ou três horas. Dão-lhe pérolas para enfiar ou um retalho para
coser. Tem receio de mexer-se e, de vez em quando solta fortes suspiros. Quando
a agulha se desenfia, tenta enfiá-la de novo. É interessante observá-la como
não o pode conseguir e não quer dar trabalho a Maria. Sem demora, a gente vê
duas grossas lágrimas correrem-lhe pelas faces... Maria não tarda em
consolá-la, torna a enfiar a agulha, e o pobre anjinho sorri através de suas
lágrimas..."
Lembra-me, com efeito, que não podia ficar sem Celina. Preferia
sair da refeição antes de terminar a sobremesa, do que não lhe ir atrás, tão
logo se levantasse. Virava-me em minha cadeira alta, a pedir que me descessem,
e depois íamos brincar juntas. Íamos às vezes com a pequena
"prefeita", o que muito me agradava por causa do parque e de todos os
lindos brinquedos que ela nos mostrava, mas era mais na intenção de contentar
Celina que ia para lá, preferindo quedar-me em nosso pequeno jardim a
esgaravatar os muros, pois extraíamos todas as faiscantes palhetinhas que ali
se achavam e íamos em seguida vendê-las ao Papai que no-las comprava com toda a
seriedade.
No domingo, sendo muito pequena para frequentar os ofícios religiosos,
Mamãe ficava para tomar conta de mim. Comportava-me bem e só andava na ponta
dos pés durante o tempo da missa. Logo, porém, que visse a porta abrir-se, era
sem igual a explosão de alegria. Precipitava-me ao encontro de minha linda
irmãzinha que estava então "enfeitada como um oratório"... e
dizia-lhe: "Oh! minha Celininha, dá-me depressa pão bento!" Algumas
vezes não o tinha, porque havia chegado atrasada... Que fazer então? Era-me
impossível ficar sem ele. Nisso consistia "a minha missa"...
Encontrou-se um meio com muita rapidez. - "Se não tens pão bento, pois
então benze-o!" Dito e feito. Celina toma uma cadeira, abre o armário da
parede, pega o pão, corta um bocado, sobre o qual, muito compenetrada, recita
uma Ave-Maria, e apresenta-mo em seguida. E eu, depois de [ter] feito com ele o
sinal da Cruz, como-o com grande devoção, achando-lhe, absolutamente, o gosto
de pão bento...
De vez em quando fazíamos juntas conferências espirituais: Aqui
está um exemplo que tiro das cartas de Mamãe: - "Nossas queridas pequenas
Celina e Teresa são anjos abençoados, naturezas angélicas em miniatura. Teresa
constitui a alegria, a felicidade de Maria e sua glória; é incrível como se
orgulha disso. Verdade é que tem saídas bem singulares para sua idade. De longe
ultrapassa Celina, que tem o dobro da idade dela. Dizia Celina outro dia: -
"Como pode Deus caber em hóstia tão pequena?" Falou a pequena:
"Não é tanto de admirar, uma vez que Deus é todo-poderoso". -
"Que quer dizer Todo-poderoso?" - "É fazer tudo o que Ele
quer!."
Um dia, julgando-se muito crescida para brincar com boneca, Leónia
veio procurar-nos a nós duas com uma cesta cheia de vestidos e de lindos
retalhos para fazer outros; por cima estava colocada sua boneca. - "Tomai
lá, minhas irmãzinhas, diz-nos ela, escolhei, dou-vos tudo isto". Celina
estendeu a mão e tomou um pacotinho de alamares que lhe agradava. Após um
instante de reflexão, estendi a mão por minha vez e declarei: - "Escolho
tudo!" e apoderei-me da cesta sem outra formalidade. As testemunhas da
cena acharam o caso muito justo, a própria Celina nem pensou em reclamar.
(Aliás; brinquedos não lhe faltavam, seu padrinho cumulava-a de presentes e
Luísa descobria meios de arrumar-lhe tudo quanto desejasse).
Este pequeno episódio de minha infância é o apanhado de toda a
minha vida. Mais tarde, quando se me tornou evidente o que era perfeição,
compreendi que para se tornar santa era preciso sofrer muito, ir sempre atrás
do mais perfeito e esquecer-se a si mesmo. Compreendi que na perfeição havia
muitos graus e que cada alma era livre no responder às solicitações de Nosso
Senhor, no fazer muito ou pouco por Ele, numa palavra, no escolher entre os
sacrifícios que exige. Então, como nos dias de minha primeira infância,
exclamei: "Meu Deus, escolho tudo". Não quero ser santa pela metade.
Não me faz medo sofrer por vós, a única cousa que me dá receio é a de ficar com
minha vontade. Tomai-a vós, pois "escolho tudo" o que vós quiserdes!.
. . "
É forçoso que pare, pois não devo ainda falar-vos de minha juventude,
mas da estouvadinha aos quatro anos de idade. Lembro-me de um sonho que devo
ter tido por volta dessa idade e que me calou profundamente na imaginação.
Sonhei uma noite que saía a passear sozinha pelo jardim. Chegando ao pé dos
degraus que precisava subir para ali chegar, estaquei tomada de pavor. Diante
de mim, rente ao caramanchão, havia uma barrica de cal e sobre a barrica
dançavam, com espantosa agilidade, dois medonhos diabinhos, não obstante os
ferros de engomar que tinham nos pés. De chofre lançaram sobre mim seus olhares
chamejantes, mas ao mesmo instante, parecendo muito mais assustados do que eu,
precipitaram-se da barrica abaixo e foram esconder-se na rouparia que ficava
defronte. Ao vê-los tão pouco valorosos, quis saber o que iriam fazer e
acerquei-me da janela. Lá estavam os míseros diabinhos a correr por sobre as
mesas, não sabendo o que fazer para se esquivarem do meu olhar. De vez em
quando chegavam até a janela, e olhavam com um ar inquieto, se eu ainda estava
lá e como sempre me avistassem, começavam a correr de novo como desatinados. -
Sem dúvida, este sonho nada tem de extraordinário, acredito, no entanto, que o
Bom Deus permitiu que guarde sua lembrança, a fim de me provar que uma alma em
estado de graça nada deve temer dos demónios, que são uns poltrões, capazes de
fugir diante do olhar de uma criança...
(cont.)