09/06/2014

Tu... soberba? – De quê?

Tu... soberba? – De quê? (Caminho, 600)

Quando o orgulho se apodera da alma, não é estranho que atrás dele, como pela arreata, venham todos os vícios: a avareza, as intemperanças, a inveja, a injustiça. O soberbo procura inutilmente arrancar Deus – que é misericordioso com todas as criaturas – do seu trono para se colocar lá ele, que actua com entranhas de crueldade.

Temos de pedir ao Senhor que não nos deixe cair nesta tentação. A soberba é o pior dos pecados e o mais ridículo. Se consegue atormentar alguém com as suas múltiplas alucinações, a pessoa atacada veste-se de aparências, enche-se de vazio, envaidece-se como o sapo da fábula, que inchava o papo, cheio de presunção, até que rebentou. A soberba é desagradável, mesmo humanamente, porque o que se considera superior a todos e a tudo está continuamente a contemplar-se a si mesmo e a desprezar os outros, que lhe pagam na mesma moeda, rindo-se da sua fatuidade. (Amigos de Deus, 100)


Pequena agenda do cristão


SeGUNDa-Feira




(Coisas muito simples, curtas, objectivas)


Propósito:
Sorrir; ser amável; prestar serviço.

Senhor que eu faça ‘boa cara’, que seja alegre e transmita aos outros, principalmente em minha casa, boa disposição.

Senhor que eu sirva sem reserva de intenção de ser recompensado; servir com naturalidade; prestar pequenos ou grandes serviços a todos mesmo àqueles que nada me são. Servir fazendo o que devo sem olhar à minha pretensa “dignidade” ou “importância” “feridas” em serviço discreto ou desprovido de relevo, dando graças pela oportunidade de ser útil.

Lembrar-me:
Papa, Bispos, Sacerdotes.

Que o Senhor assista e vivifique o Papa, santificando-o na terra e não consinta que seja vencido pelos seus inimigos.

Que os Bispos se mantenham firmes na Fé, apascentando a Igreja na fortaleza do Senhor.

Que os Sacerdotes sejam fiéis à sua vocação e guias seguros do Povo de Deus.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Diálogos apostólicos 19

Nota: Normalmente, estes “Diálogos apostólicos”, são publicados sob a forma de resumos e excertos de conversas semanais. Hoje, porém, dado o assunto, pareceu-me de interesse publicar quase na íntegra.


Como calculava as primeiras palavras foram a propósito da carta que te escrevi sobre o assunto do teu irmão.

Disseste-me com alguma reticência:

‘Li com atenção o que me escreveste e sou “forçado” a concordar contigo mas… a nossa intimidade obriga-me a confessar que tenho receio e hesito em fazer como sugeres.’

‘Mas porquê?’ Perguntei.

‘Tenho receio de falar sobre a situação dele, a doença, a dor, o sofrimento. Não estou muito à vontade’

‘Penso que deves encarar as coisas com naturalidade, É um facto: o teu irmão está doente e sofre e não consegue compreender tal coisa. Isso é natural. Como explicar a alguém com pouca Fé – ou sem prática da Fé – que Deus não quer o sofrimento; que o permite para tirar daí algum bem, para o próprio e para outros.
Assegura-lhe que a sua situação actual pode – e deve – ser um óptimo ensejo de merecer.’

‘Mas ele não vai entender isso!!!’

‘Talvez não imediatamente mas se lhe falares com calma e, repito, naturalidade, fazendo-o pensar que outros – muitos outros – estão na mesma situação ou ainda pior e que, não obstante, mantêm a esperança e o bom humor…
Seja como for, não te precipites, vai de vagar, “entra de mansinho”, faz-lhe ver que só queres o bem dele.
Prepara-te bem; vou emprestar-te algum livro sobre o assunto para te ajudar.’


Temas para meditar 140

Obrigar a Deus



O que atrai irresistivelmente a misericórdia divina não são as nossas palavras, mas o nosso desamparo: eis porque a oração nascida da humildade e da indigência é a que mais «obriga» a Deus.



(federico suarezA Virgem Nossa Senhora, Éfeso 4ª ed. nr. 245)

Tratado da lei 18

Questão 93: Da lei eterna.

Art. 6 — Se todas as coisas humanas estão sujeitas à lei eterna.

O sexto discute-se assim. — Parece que nem todas as coisas humanas estão sujeitas à lei eterna.

1. — Pois, diz o Apóstolo (Gl 5, 18): Se vós sois guiados pelo espírito, não estais, debaixo da lei. Ora, os homens justos, filhos de Deus por adopção, são levados pelo espírito de Deus, conforme a Escritura (Rm 8, 14): Os que são levados pelo espírito de Deus, estes são filhos de Deus. Logo, nem todos os homens estão sujeitos à lei eterna.

2. Demais. — O Apóstolo diz (Rm 8, 7): A sabedoria da carne é inimiga de Deus, pois não é sujeita à lei de Deus. Ora, há muitos homens em quem domina a sabedoria da carne. Logo, à lei eterna, que é a lei de Deus, não estão sujeitos todos os homens.

3. Demais. — Agostinho diz: Pela lei eterna é que os maus merecem a miséria e os bons, a vida feliz. Ora, os homens já bem-aventurados ou condenados não estão mais em estado de merecer. Logo, não estão sujeitos à lei eterna.

Mas, em contrário, Agostinho: De nenhum modo, qualquer ser pode fugir às leis do sumo Criador e Ordenador, que estabelece a paz do universo.

O modo por que um ser está sujeito à lei eterna é duplo, como do sobredito resulta (a. 5). De um modo, enquanto pelo conhecimento participa da lei eterna, de outro, pela acção e pela passividade, participando dela como de princípio motivo interno. Ora, é deste segundo modo que as criaturas irracionais estão sujeitas à lei eterna, como já dissemos (a. 5). Mas a natureza racional tendo, além do que lhe é comum com todas as criaturas, algo de próprio, como racional que é, está sujeita à lei eterna de um e de outro modo. Pois, por um lado, tem de certa maneira a noção da lei eterna, segundo já dissemos (a. 2); por outro, em toda criatura racional existe uma inclinação natural para o que está de acordo com a lei eterna, pois, é-nos natural possuir as virtudes, como diz Aristóteles.

Ambos esses modos, porém, são nos maus, imperfeitos, e de certa maneira, corruptos. Pois, além de terem a inclinação natural para a vir­tude depravada pelos hábitos viciosos, o próprio conhecimento natural do bem lhes está entenebrecido pelas paixões e pelos hábitos pecaminosos. Ao contrário, nos bons existe um e outro modo da maneira mais perfeita, porque ao conhecimento natural do bem se lhes acrescenta o da fé e da sapiência, e à inclinação natural para o bem, o motivo interior da graça e da virtude.

Donde, os bons estão perfeitamente sujeitos à lei eterna, por agirem sempre de acordo com ela. Os maus, por seu lado também lhe estão sujeitos, embora imperfeitamente, pelas suas acções, pela conhecerem imperfeitamente, e deste mesmo modo se inclinarem ao bem. Mas o que lhes falta na acção é-lhes suprido pela paixão, pois, na medida em que deixaram de fazer o que exigia a lei eterna, nessa mesma medida hão-de sofrer o que ela deles demanda. Donde o dizer Agostinho: Penso que os justos agem sujeitos à lei eterna. E, noutra obra: Deus, por justa comiseração das almas que o abandonam, soube ordenar com leis convenientíssimas as partes inferiores da sua criação.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O lugar citado do Apóstolo pode ser entendido em sentido duplo. Num, aquele que está sujeito à lei está, contra a sua vontade, sujeito à obrigação que ela impõe, como se suportasse um peso. Donde o dizer a Glosa: Está sujeito à lei quem se abstém das más obras, pelo temor do suplício, que a lei comina, e não, pelo amor da justiça. E deste modo, os homens espirituais não estão sujeitos à lei porque, pela caridade, que o Espírito Santo lhes infunde nos corações, cumprem voluntariamente a exigência legal. — Noutro, o lugar citado pode ser entendido como querendo significar, que as obras do homem levado pelo Espírito Santo são consideradas, mais, como do Espírito Santo, que do próprio homem. Donde, o Espírito Santo, não estando sujeito à lei, como não o está o Filho, segundo já foi dito (a. 4 ad 2), segue-se que as obras em questão, enquanto do Espírito Santo, não estão sob o império da lei. O que está conforme ao dito do Apóstolo (2 Cor 3, 17): Onde há o Espírito do Senhor aí há liberdade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A sabedoria da carne, não pode estar sujeita à lei de Deus, no concernente à acção, pois inclina a ações contrárias à lei divina. Mas está-lhe sujeita, no concernente à paixão, porque merece sofrer uma pena segundo a lei da divina justiça. Contudo, em nenhum homem a sabedoria da carne domina a ponto de corromper totalmente o bem da natureza. Por isso, permanece no homem a inclinação para agir de conformidade com a lei eterna. Pois, como já ficou estabelecido (q. 85, a. 2), o pecado não priva totalmente do bem da natureza.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O que conserva um ser no seu fim, também o move para ele. Assim, o corpo pesado a gravidade fá-lo repousar no lugar inferior, e também o move para esse lugar. Donde, devemos dizer que, os que, pela lei eterna, merecem a beatitude ou a miséria, também são, pela mesma lei, conservados naquela ou nesta. E assim sendo, os bem-aventurados e os condenados estão sujeitos à lei eterna.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Const. Past. Gaudium et spes)


Tempo Comum X Semana

Evangelho: Mt 5, 1-12

1 Vendo Jesus aquelas multidões, subiu a um monte e, tendo-Se sentado, aproximaram-se d'Ele os discípulos. 2 E pôs-Se a falar e ensinava-os, dizendo: 3 «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4 «Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. 5 «Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. 6 «Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7 «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8 «Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9 «Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10 «Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11 «Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem, vos perseguirem, e disserem falsamente toda a espécie de mal contra vós por causa de Mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que viveram antes de vós.

Comentário:

«Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.

São estes, os heróis da cristandade, os santos da Igreja.

Regada com o sangue de milhares de vítimas do ódio a Cristo, a Igreja tem fundamentos inabaláveis que manterão todo edifício incólume até ao final dos tempos.

Ontem, como hoje e, seguramente no futuro, sempre haverá destes 'perseguidos por amor da justiça' de que o Senhor fala.

E que justiça é essa?

Pois o próprio Nosso Senhor que é a JUSTIÇA.

Quantas graças temos de dar por esses tantos que enfrentam toda a espécie de perseguições, violência e, não poucas vezes, a própria morte, em defesa, honra e testemunho no Deus Único e Verdadeiro.

Um dia haveremos de os ver a todos na glória celeste, brilhando com o fulgor próprio da Suprema Luz.

(ama, comentário sobre Mt 5, 1-12, 2012.11.01)

Leitura espiritual



Documentos do Concílio Vaticano II

CONSTITUIÇÃO PASTORAL
GAUDIUM ET SPES
SOBRE A IGREJA NO MUNDO ACTUAL

CAPÍTULO IV

A FUNÇÃO DA IGREJA NO MUNDO ACTUAL

Ajuda que a Igreja recebe do mundo

44. Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igreja como realidade social da história e seu fermento, assim também a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano.

A experiência dos séculos passados, os progressos científicos, os tesoiros encerrados nas várias formas de cultura humana, os quais manifestam mais plenamente a natureza do homem e abrem novos caminhos para a verdade, aproveitam igualmente à Igreja. Ela aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isto com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Esta maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização. Deste modo, com efeito, suscita-se em cada nação a possibilidade de exprimir a mensagem de Cristo segundo a sua maneira própria, ao mesmo tempo que se fomenta um intercâmbio vivo entre a Igreja e as diversas culturas dos diferentes povos 22. Para aumentar este intercâmbio, necessita especialmente a Igreja - sobretudo hoje, em que tudo muda tão rapidamente e os modos de pensar variam tanto - da ajuda daqueles que, vivendo no mundo, conhecem bem o espírito e conteúdo das várias instituições e disciplinas, sejam eles crentes ou não. É dever de todo o Povo de Deus e sobretudo dos pastores e teólogos, com a ajuda do Espírito Santo, saber ouvir, discernir e interpretar as várias linguagens do nosso tempo, e julgá-las à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intimamente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente.

Como a Igreja tem uma estrutura social visível, sinal da sua unidade em Cristo, pode também ser enriquecida, e de facto o é, com a evolução da vida social. Não porque falte algo na constituição que Cristo lhe deu, mas para mais profundamente a conhecer e melhor a exprimir e para a adaptar mais convenientemente aos nossos tempos. Ela verifica com gratidão que, tanto no seu conjunto como em cada um dos seus filhos, recebe variadas ajudas dos homens de toda a classe e condição. Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política, seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores.

Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem 23.

Jesus Cristo Alfa e Omega

45. Ao ajudar o mundo e recebendo dele ao mesmo tempo muitas coisas, o único fim da Igreja é o advento do reino de Deus e o estabelecimento da salvação de todo o género humano. E todo o bem que o Povo de Deus pode prestar à família dos homens durante o tempo da sua peregrinação deriva do facto que a Igreja é o «sacramento universal da salvação» 24, manifestando e actuando simultâneamente o mistério do amor de Deus pelos homens.

Com efeito, o próprio Verbo de Deus, por quem tudo foi feito, fez-se homem, para, homem perfeito, a todos salvar e tudo recapitular. O Senhor é o fim da história humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização, o centro do género humano, a alegria de todos os corações e a plenitude das suas aspirações 25. Foi Ele que o Pai ressuscitou dos mortos, exaltou e colocou à sua direita, estabelecendo-o juiz dos vivos e dos mortos. Vivificados e reunidos no seu Espírito, caminhamos em direcção à consumação da história humana, a qual corresponde plenamente ao seu desígnio de amor: «recapitular todas as coisas em Cristo, tanto as do céu como as da terra» (Ef. 1,10).

O próprio Senhor o diz: «Eis que venho em breve, trazendo comigo a minha recompensa, para dar a cada um segundo as suas obras. Eu sou o alfa e o ómega, o primeiro e o último, o começo e o fim» (Apoc. 22, 12-13).

II PARTE

ALGUNS PROBLEMAS MAIS URGENTES

Atitude do Concílio perante esses problemas

46. Depois de ter exposto a dignidade da pessoa humana, bem como a missão individual e social que está chamada a realizar no mundo, o Concílio dirige agora a atenção de todos, à luz do Evangelho e da experiência humana, para algumas necessidades mais urgentes do nosso tempo, que profundamente afectam a humanidade.

Entre as muitas questões que hoje a todos preocupam, importa relevar particularmente as seguintes: o matrimónio e a família, a cultura humana, a vida económico-social e política, a comunidade internacional e a paz. Sobre cada uma delas devem resplandecer os princípios e as luzes que provêm de Cristo e que dirigirão os cristãos e iluminarão todos os homens na busca da solução para tantos e tão complexos problemas.

CAPÍTULO I

A PROMOÇÃO DA DIGNIDADE DO MATRIMÓNIO E DA FAMÍLIA

O matrimónio e a família no mundo actual

47. O bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamente ligado com uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar. Por esse motivo, os cristãos, juntamente com todos os que têm em grande apreço esta comunidade, alegram-se sinceramente com os vários factores que fazem aumentar entre os homens a estima desta comunidade de amor e o respeito pela vida e que auxiliam os cônjuges e os pais na sua sublime missão. Esperam daí ainda melhores resultados e esforçam-se por os ampliar.

Porém, a dignidade desta instituição não resplandece em toda a parte com igual brilho. Encontra-se obscurecida pela poligamia, pela epidemia do divórcio, pelo chamado amor livre e outras deformações. Além disso, o amor conjugal é muitas vezes profanado pelo egoísmo, amor do prazer e por práticas ilícitas contra a geração. E as actuais condições económicas, socio-psicológicas e civis introduzem ainda na família não pequenas perturbações. Finalmente, em certas partes do globo, verificam-se, com inquietação, os problemas postos pelo aumento demográfico. Com tudo isto, angustiam-se as consciências. Mas o vigor e a solidez da instituição matrimonial e familiar também nisto se manifestam: as profundas transformações da sociedade contemporânea, apesar das dificuldades a que dão origem, muito frequentemente revelam de diversos modos a verdadeira natureza de tal instituição.

Por tal motivo, o Concílio, esclarecendo alguns pontos da doutrina da Igreja, deseja ilustrar e robustecer os cristãos e todos os homens que se esforçam por proteger e fomentar a nativa dignidade do estado matrimonial e o seu alto e sagrado valor.

A santidade do matrimónio e da família

48. A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, eu seja pelo irrevogável consentimento pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges mutuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também à face da sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto dos esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está ao arbítrio da vontade humana. O próprio Deus é o autor do matrimónio, o qual possui diversos bens e fins, 1 todos eles da máxima importância, quer para a propagação do género humano, quer para o proveito pessoal e sorte eterna de cada um dos membros da família, quer mesmo, finalmente, para a dignidade, estabilidade, paz e prosperidade de toda a família humana. Por sua própria índole, a instituição matrimonial e o amor conjugal estão ordenados para a procriação e educação da prole, que constituem como que a sua coroa. O homem e a mulher, que, pela aliança conjugal «já não são dois, mas uma só carne» (Mt. 19, 6), prestam-se recíproca ajuda e serviço com a íntima união das suas pessoas e actividades, tomam consciência da própria unidade e cada vez mais a realizam. Esta união íntima, já que é o dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união 2.

Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos, nascido da fonte divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. E assim como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade 3, assim agora o Salvador dos homens e esposo da Igreja 4 vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimónio. E permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela 5, de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua fidelidade. O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, e dirigido e enriquecido pela força redentora de Cristo e pela acção salvadora da Igreja, para que, assim, os esposos caminhem eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos na sua missão sublime de pai e mãe 6. Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que consagrados em ordem aos deveres do seu estado por meio de um sacramento especial 7; cumprindo, graças à força deste, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a glorificação de Deus.

Precedidos assim pelo exemplo e oração familiar dos pais, tanto os filhos como todos os que vivem no círculo familiar encontrarão mais facilmente o caminho da existência humana, da salvação e da santidade. Quanto aos esposos, revestidos com a dignidade e o encargo da paternidade e maternidade, cumprirão diligentemente o seu dever de educação, sobretudo religiosa, que a eles cabe em primeiro lugar. Os filhos, como membros vivos dá família, contribuem a seu modo para a santificação dos pais. Corresponderão, com a sua gratidão, piedade filial e confiança aos benefícios recebidos dos pais e assisti-los-ão, como bons filhos, nas dificuldades e na solidão da velhice. A viuvez, corajosamente assumida na sequência da vocação conjugal, por todos deve ser respeitada 8. Cada família comunicará generosamente com as outras as próprias riquezas espirituais. Por isso, a família cristã, nascida de um matrimónio que é imagem e participação da aliança de amor entre Cristo e a Igreja 9, manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de todos os seus membros.
______________________________________
Notas:
22. Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. II, n. 13: AAS 57 (1965), p. 17.
23. Cfr. Justino, Dialogus cum Tryphone, cap. 110: PG 6, 729 (ed. Otto), 1897, p. 391-393: «...sed quanto magis talia nobis infliguntur, tanto plures alii fideles et pii per nomen Jesu fiunt». Cfr. Tertuliano, Apologeticus, cap. 50, 13: PL 1,534; Cchr, ser. lat., I, p. 171: «Etiam plures efficimur, quotiens metimur a vobis: semen est sanguis christianorum», Cfr. Const. dogm. De Ecclesia, Lumen gentium, cap. VII, n. 48: AAS 57 (1965), p. 53.
24. Cfr. Const. dogm. Lumen Gentium c 2 n. 15: AAS 57 (1965), p. 21.
25. Cfr. Paulo VI, Alocução, 3 fev. 1965: L'Osservatore Romano, 4 fev. 1965.

II PARTE

Capítulo I

1. Cfr. S. Agostinho, De bono coniugali: PL 40, 375-376 e 394. S. Tomás, Summa Theol., Suppl. Quaest. 49 art. 3 ad 1; Decretum pro Armenis: Denz.-Schön. 702 (1327) ; Pio XI, Ene. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 543-555, Denz.-Schön. 2227-2238.
2 Cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 546-547; Denz.-Schön. (3703-3714).
3. Cfr. Os. 2; Jer. 3, 6-13; Ez. 16 e 23; Is. 54.
4. Cfr. Mt. 9,15; Mc. 2, 19-20; Lc. 5, 34-35; Jo. 3,29; 2 Cor. 11,2; Ef. 5,27; Apoc. 19, 7-8; 21,2 e 9.
5. Cfr. Ef. 5,25.
6. Cfr. Conc. Vat. II, Const. dogm. De Ecelesia, Lumen gentium: AAS 57 (1965), p. 15-16; 40-41; 47.
7. Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), p. 583.
8. Cfr. 1 Tim. 5, 3.
9. Cfr. Ef. 5, 32.