Advento III Semana
Evangelho: Mt 1 18-25
18 A geração de Jesus Cristo foi deste modo: Estando Maria, Sua mãe,
desposada com José, antes de coabitarem achou-se ter concebido por obra do
Espírito Santo. 19 José, seu esposo, sendo justo, e não querendo
expô-la a difamação, resolveu repudiá-la secretamente. 20 Pensando
ele estas coisas, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, e lhe
disse: «José, filho de David, não temas receber em tua casa Maria, tua esposa,
porque o que nela foi concebido é obra do Espírito Santo. 21 Dará à
luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque Ele salvará o Seu povo dos
seus pecados».22 Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que foi
dito pelo Senhor por meio do profeta que diz: 23 “Eis que a Virgem
conceberá e dará à luz um filho, e Lhe porão o nome de Emanuel, que significa:
Deus connosco”. 24 Ao despertar José do sono, fez como lhe tinha mandado
o anjo do Senhor, e recebeu em sua casa Maria, sua esposa. 25 E, sem
que ele a tivesse conhecido, deu à luz um filho, e pôs-Lhe o nome de Jesus.
Comentário:
Porque
o esclarecimento prestado a São José tem lugar num sonho e, nos casos de Santa
Maria e de Zacarias, é o Arcanjo São Gabriel o encarregado da missão?
Talvez
que o Ilustre Varão, não tivesse a mesma cultura e conhecimento das Escrituras
e, portanto, não estivesse preparado para receber a visita directa de um
emissário divino.
Talvez
que, o homem probo e simples que se debatia com um problema que, no seu íntimo
já tinha resolvido, não necessitasse de outro tipo de revelação para decidir
diferentemente.
Talvez!
Mas,
Deus Nosso Senhor sabe mais, muito mais e melhor o que convém fazer em cada
caso e circunstância e é isso mesmo que devemos acreditar e, acreditando, ter a
certeza que é sempre a decisão mais certa e conveniente.
(ama, comentário sobre Mt 1, 18-25,
2013.12.18)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus 104 a 114
104
Frutos da humildade
Quanto
maior és, mais te deves humilhar em todas as coisas, e acharás graça diante de
Deus. Se formos humildes, Deus não nos abandonará nunca. Ele humilha a altivez
do soberbo, mas salva os humildes. Ele liberta o inocente, que pela pureza das
suas mãos será resgatado. A infinita misericórdia do Senhor não tarda em vir
socorrer quem o chama com humildade. E então actua como quem é: como Deus
omnipotente. Ainda que haja muitos perigos, ainda que a alma pareça acossada,
ainda que se encontre cercada por todos os lados pelos inimigos da sua
salvação, não perecerá. E isto não é apenas tradição doutros tempos, pois
continua a acontecer agora.
105
Ao
ler a epístola de hoje, via Daniel metido entre aqueles leões famintos e, sem
pessimismo - não posso dizer que qualquer tempo passado foi melhor, porque
todos os tempos foram bons e maus - considerava que também nos momentos actuais
andam muitos leões à solta e que nós temos de viver neste ambiente. Leões que
procuram a quem possam devorar: tamquam leo rugiens circuit quaerens quem
devoret.
Como
evitaremos essas feras? Talvez não nos aconteça o mesmo que a Daniel. Eu não
sou milagreiro, mas amo a grandiosidade de Deus e entendo que lhe teria sido
mais fácil aplacar a fome do profeta ou pôr-lhe algum alimento na sua frente.
Mas não o fez. Preferiu que Habacuc, outro profeta, fosse transportado
milagrosamente da Judeia para lhe levar a comida. Não se importou de fazer um
grande prodígio, porque Daniel não se encontrava naquele poço por mero acaso,
mas por ser servidor de Deus e destruidor de ídolos, devido a uma injustiça dos
sequazes do diabo.
Nós,
sem manifestações espectaculares, com a normalidade da vida cristã corrente,
com uma sementeira de paz e de alegria, temos também de destruir muitos ídolos:
o da incompreensão, o da injustiça, o da ignorância, o da pretensa suficiência
humana que volta com arrogância as costas a Deus.
Não
vos assusteis nem temais nada, mesmo que as circunstâncias em que trabalheis
sejam tremendas, piores que as de Daniel no fosso com aqueles animais vorazes.
As mãos de Deus continuam a ser igualmente poderosas e, se fosse necessário,
fariam maravilhas. Sede fiéis! Com uma fidelidade amorosa, consciente, alegre,
à doutrina de Cristo, persuadidos de que os anos de agora não são piores do que
os dos outros séculos e de que o Senhor é o mesmo de sempre.
Conheci
um sacerdote já ancião, que afirmava, sorridente, de si mesmo: eu estou sempre
tranquilo, tranquilo. E assim temos de nos encontrar sempre nós, metidos no
mundo, rodeados de leões famintos, mas sem perder a paz: tranquilos! Com amor,
com fé, com esperança, sem esquecer jamais que, se for conveniente, o Senhor
multiplicará os milagres.
106
Recordo-vos
que, se formos sinceros, se nos mostrarmos tal como somos, se nos endeusarmos
com humildade, não com soberba, vós e eu manter-nos-emos sempre seguros em
qualquer ambiente. Poderemos falar sempre de vitórias e chamar-nos-emos
vencedores, com essas íntimas vitórias do amor de Deus que nos trazem a
serenidade, a felicidade da alma, a compreensão.
A
humildade animar-nos-á a levar a cabo grandes trabalhos, com a condição de não
perdermos de vista a consciência da nossa pequenez e de ir aumentando, um pouco
mais cada dia, a convicção da nossa pobre indigência. Admite sem vacilares que
és um servidor obrigado a fazer um grande número de serviços. Não te pavoneies
por seres chamado filho de Deus - reconheçamos a graça, mas não esqueçamos a
nossa natureza-; não te envaideças, se serviste bem, porque cumpriste o que
tinhas a fazer. O sol efectua a sua tarefa, a lua obedece; os anjos desempenham
o seu papel. O instrumento escolhido pelo Senhor para os gentios, diz: eu não
mereço o nome de Apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus (1 Cor XV, 9)...
Por isso, não procuremos nós ser louvados por nós mesmos, por méritos nossos,
aliás sempre mesquinhos.
107
Humildade e alegria
Livra-me
de tudo o que há de mau e perverso no homem. De novo o texto da Missa nos fala
do bom endeusamento: faz ressaltar diante dos nossos olhos o mau barro de que
somos feitos, com todas as suas malvadas inclinações. E depois suplica emittte
lucem tuam , envia a tua luz e a tua verdade, que me guiaram e trouxeram ao teu
monte santo. Não me importo de vos contar que me emocionei ao recitar estas
palavras do Gradual.
Como
é que nos temos de comportar para adquirir esse eudeusamento bom? No evangelho,
lemos que Jesus não queria ir à Judeia, porque os judeus o queriam matar . Ele,
que com um desejo da sua vontade poderia eliminar os seus inimigos, empregava
também os meios humanos. Ele, que era Deus e a quem bastava uma decisão sua
para mudar as circunstâncias, deixou-nos uma lição encantadora: não foi à
Judeia. Disseram-lhe, pois, seus parentes: Sai daqui e vai para a Judeia, a fim
de que também os teus discípulos vejam as obras que fazes. Queriam que Ele
desse espectáculo. Vedes? Vedes o que é uma lição de endeusamento bom e de
endeusamento mau?
Endeusamento
bom: esperem em Ti - canta o Ofertório - todos os que conhecem o teu nome,
Senhor, porque nunca abandonas os que Te procuram. E vem o regozijo deste barro
cheio de gatos, porque não se esqueceu das orações dos pobres, dos humildes.
108
Não
deis o mínimo crédito aos que apresentam a virtude da humildade como um
amesquinhamento humano ou como uma condenação perpétua à tristeza. Sentir-se
barro, recomposto com gatos, é fonte contínua de alegria; significa
reconhecer-se pouca coisa diante de Deus: criança, filho. E haverá maior
alegria do que a daquele que, sabendo-se pobre e débil, se sabe também filho de
Deus? Porque é que nós, homens, nos entristecemos? Porque a vida na terra, não
se passa como nós, pessoalmente, esperávamos e porque surgem obstáculos que
impedem ou dificultam a satisfação do que pretendemos.
Nada
disto acontece quando a alma vive essa realidade sobrenatural da sua filiação
divina. Se Deus é por nós, quem será contra nós. Que estejam tristes os que se
empenham em não se reconhecerem filhos de Deus, tenho eu repetido sempre.
Para
terminar, descobrimos na liturgia de hoje duas petições que hão-de sair como
setas, da nossa boca e do nosso coração: concede-nos, Senhor todo-poderoso, que
realizando sempre os divinos mistérios mereçamos abeirar-nos dos dons
celestiais. E, pedimos-Te, Senhor, que nos deixes servir-Te constantemente
segundo a tua vontade. Servir, servir, filhos meus, é o que é próprio de nós.
Sermos criados de todos, para que nos nossos dias o povo fiel aumente em mérito
e número.
109
Olhai
para Maria. Nunca criatura alguma se entregou com mais humildade aos desígnios
de Deus. A humildade da ancilla Domini, da escrava do Senhor, é a razão que nos
leva a invocá-la como causa nostrae laetitiae, causa da nossa alegria. Eva,
depois de pecar por querer, na sua loucura, igualar-se a Deus, escondia-se do
Senhor e envergonhava-se: estava triste. Maria, ao confessar-se escrava do
Senhor, é feita Mãe do Verbo divino e enche-se de alegria. Que este seu júbilo
de boa Mãe se nos pegue a todos nós; que saiamos nisto a Ela - a Santa Maria -
e assim nos pareceremos mais com Cristo.
110
Este
início da Semana Santa, já tão próximo do momento em que se consumou no
Calvário a Redenção de toda a humanidade, parece-me um tempo particularmente
apropriado para tu e eu considerarmos por que caminhos nos salvou Jesus, Nosso
Senhor; para contemplarmos esse seu amor, verdadeiramente inefável, por umas
pobres criaturas formadas com barro da terra.
Memento
homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris, lembra-te, ó homem, que és pó
e em pó te hás-de tornar, advertia-nos a Igreja, Nossa Mãe, no início da
Quaresma, a fim de nunca esquecermos que somos muito pouca coisa, que um dia
qualquer o nosso corpo - agora tão cheio de vida - se desfará como a ligeira
nuvem de pó que os nossos pés levantam ao caminhar; dissipar-se-á como a névoa
afugentada pelos raios do sol.
Exemplo de Cristo
Mas,
depois de recordar tão cruamente a nossa insignificância pessoal, eu queria
encarecer ante os vossos olhos outra estupenda realidade: a magnificência
divina que nos sustenta e nos endeusa. Escutai as palavras do Apóstolo:
Conheceis a liberalidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que sendo rico se fez
pobre por vós, a fim de que vós fôsseis ricos pela sua pobreza.
Reparai
com calma no exemplo do Mestre e compreendereis rapidamente que dispomos de
tema abundante para meditar durante toda a vida, para concretizar propósitos
sinceros de maior generosidade. Porque, não percais de vista esta meta que
temos de alcançar, cada um de nós deve identificar-se com Cristo, que - já o
ouvistes - se fez pobre por ti, por mim, e padeceu dando-nos exemplo para que
sigamos os seus passos.
111
Nunca
perguntaste a ti próprio, movido por uma santa curiosidade, de que modo levou
Jesus a cabo este excesso de amor? É, de novo, São Paulo quem nos responde:
tendo a natureza de Deus (...), não obstante, aniquilou-se a si mesmo tomando a
forma de servo, tornando-se semelhante aos homens e reduzido à condição de
homem. Meus filhos pasmai agradecidos ante este mistério e aprendei: todo o
poder, toda a formosura, toda a majestade, toda a harmonia infinita de Deus,
com as suas grandes e incomensuráveis riquezas - todo um Deus - ficou escondido
na Humanidade de Cristo para nos servir. O Omnipotente apresenta-se decidido a
ocultar por algum tempo a sua glória, para facilitar o encontro redentor com as
suas criaturas.
Escreve
o evangelista S. João: ninguém jamais viu Deus; o Filho Unigénito que está no
seio do Pai é que o deu a conhecer, comparecendo ante o olhar atónito dos
homens: primeiro, como um recém-nascido, em Belém; depois, como um menino igual
aos outros; mais tarde, no Templo, como um adolescente, inteligente e vivo; e,
por fim, com aquela figura amável e atraente do Mestre que movia os corações
das multidões que o acompanhavam entusiasmadas.
112
Bastam
algumas provas do Amor de Deus que se encarna para que a sua generosidade nos
toque a alma, nos incendeie, nos mova com suavidade a uma dor contrita pelo
nosso comportamento, em tantas ocasiões mesquinho e egoísta. Jesus não tem
inconveniente em rebaixar-se, para nos elevar da miséria à dignidade de filhos
de Deus, de irmãos seus. Pelo contrário, tu e eu muitas vezes enchemo-nos
nesciamente de orgulho pelos dons e talentos recebidos, até ao ponto de os
converter em pedestal para nos impormos aos outros, como se o mérito de algumas
acções, acabadas com relativa perfeição, dependesse exclusivamente de nós: Que
possuis tu que não tenhas recebido de Deus? E se o recebeste, porque te glorias
como se o não tivesses recebido?
Ao
considerar a entrega de Deus e o seu aniquilamento - falo para que o meditemos,
pensando cada um em si mesmo-, a vanglória, a presunção do soberbo revela-se um
pecado horrendo, precisamente porque coloca a pessoa no extremo oposto ao
modelo que Jesus nos assinalou com a sua conduta. Pensai nisto devagar: Ele
humilhou-se, sendo Deus. O homem, cheio do seu próprio eu, pretende
enaltecer-se a todo o custo, sem reconhecer que está feito de barro e barro de
má qualidade.
113
Não
sei se vos terão contado, na vossa infância, a fábula daquele camponês a quem
ofereceram um faisão dourado. Após o primeiro momento de alegria e de surpresa
por tal oferta, o novo dono começou a pensar onde poderia guardá-lo. Ao fim de
várias horas, depois de muitas dúvidas e diversos planos, decidiu metê-lo no
galinheiro. As galinhas, admiradas com a beleza do recém-chegado, giravam à sua
volta com o assombro de quem descobre um semi-deus. No meio de tanto alvoroço,
chegou a hora da comida e, mal o dono lançou os primeiros punhados de farelo, o
faisão, esfomeado pela espera, lançou-se com avidez a tirar a barriga de
misérias. Ante um espectáculo tão vulgar - aquele prodígio de formosura comia
com o mesmo apetite que o animal mais corrente - as desencantadas companheiras
de capoeira lançaram-se às bicadas contra o ídolo caído, até lhe arrancarem
toda a plumagem. É assim triste a derrocada do ególatra; tanto mais desastrosa,
quanto mais ele se elevou sobre as suas próprias forças, presunçosamente
confiado na sua capacidade pessoal.
Tirai
consequências práticas para a vossa vida diária, sentindo-vos depositários de
alguns talentos - sobrenaturais e humanos - que deveis aproveitar rectamente.
Afastai o ridículo engano de que algo vos pertence, como se fosse fruto só do
vosso esforço. Lembrai-vos de que há uma parcela - Deus - de que ninguém pode
prescindir.
114
Com
esta perspectiva, convencei-vos de que, se desejamos deveras seguir o Senhor de
perto e prestar um serviço autêntico a Deus e a toda a humanidade, temos de
estar seriamente desprendidos de nós próprios: dos dons da inteligência, da
saúde, da honra, das ambições nobres, dos triunfos, dos êxitos.
Refiro-me
também - porque até aí deve chegar a tua decisão - a esses afãs limpos com que
procuramos exclusivamente dar toda a glória a Deus e louvá-lo, ajustando a
nossa vontade a esta norma clara e precisa: Senhor, quero isto ou aquilo só se
te agrada a Ti, porque se não, a mim, que me interessa? Assestamos assim um
golpe mortal no egoísmo e na vaidade que serpenteiam em todas as consciências.
E conseguimos também a verdadeira paz para as nossas almas com um
desprendimento que nos leva a possuir Deus, de forma cada vez mais íntima e
mais intensa.
Para
imitar Jesus, o coração tem de estar inteiramente livre de apegos. Se alguém
quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Quem quiser
salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim,
encontrá-la-á. Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se depois
perde a sua alma? E comenta S. Gregório: não nos bastaria viver desprendidos
das coisas, se não renunciássemos também a nós próprios. Mas... aonde iremos
fora de nós? Quem é o que renuncia, se a si mesmo se deixa?
Sabei
que é diferente a nossa situação enquanto caídos pelo pecado e enquanto
formados por Deus. Fomos criados de uma forma e encontramo-nos noutra diferente
por causa de nós mesmos. Renunciemos a nós próprios, naquilo em que nos
convertemos pelo pecado e mantenhamo-nos como fomos constituídos pela graça.
Assim, se o que foi soberbo, convertendo-se a Cristo, se torna humilde, já
renunciou a si mesmo; se um luxurioso se converte a uma vida continente, também
renunciou a si próprio naquilo que era antes; se um avarento deixa de o ser e,
em vez de se apoderar do alheio, começa a ser generoso com o que lhe pertence,
certamente se negou a si próprio.
(cont)