Tempo comum XXII Semana
Evangelho:
Lc 6, 1-5
1 Num sábado,
passando Jesus pelas searas, os Seus discípulos colhiam espigas e debulhando-as
nas mãos, as comiam. 2 Alguns dos fariseus disseram-lhes: «Porque
fazeis o que não é permitido aos sábados?». 3 Jesus respondeu-lhes:
«Não lestes o que fez David, quando teve fome, ele e os que com ele estavam? 4
Como entrou na casa de Deus, tomou os pães da proposição, comeu deles e deu aos
seus companheiros, embora não fosse permitido comer deles senão aos sacerdotes?».
5 Depois acrescentou: «O Filho do Homem é Senhor também do sábado».
Comentário:
Fome! Sim… fome! Cristo e os Seus discípulos têm
fome. Parece difícil de acreditar que os discípulos do Filho de Deus tenham
tanta fome ao ponto de umas simples espigas servirem para a mitigar.
Mas é a verdade porque, de facto, aquele grupo
cuja cabeça é o Messias, tem escassos meios de subsistência como, aliás, se diz
noutro ponto do Evangelho que as contribuições de «algumas mulheres» seriam a
base do seu sustento.
É
natural que alguns dias, ou por algumas horas, alguns pudessem voltar ao seu
trabalho normal – a pesca ou outro – mas, com o decorrer do tempo, as
distâncias e as exigências de um apostolado cada vez mais intenso – que até «se esqueciam de comer» - estas
oportunidades foram-se tornando impossíveis de praticar e a vida normal, comum,
incluindo a própria subsistência, tornavam-se difíceis.
Um
ou outro dos discípulos teria mais disponibilidades como, talvez, Mateus, e o
Senhor tem amigos que os ajudam, como Lázaro e suas irmãs, e, talvez Nicodemos
e José de Arimateia, desta forma, as preocupações de Jesus concentram-se
unicamente no apostolado que se vai desenrolando sem pausas nem vacilações.
Esta
a lição: sem dúvida que os meios económicos são necessários ao apostolado, mas
este não deixará de se levara a cabo de faltarem aqueles!
(ama, comentário sobre Lc 6, 1-5,
2011.09.04)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
Congregação para a doutrina da Fé
INSTRUÇÃO Ardens felicitates
SOBRE AS ORAÇÕES PARA ALCANÇAR DE DEUS A CURA
I. ASPECTOS DOUTRINAIS
3. O carisma da cura no
Novo Testamento
Não
só as curas prodigiosas confirmavam o poder do anúncio evangélico nos tempos
apostólicos; o próprio Novo Testamento fala de uma verdadeira e própria
concessão aos Apóstolos e aos outros primeiros evangelizadores de um poder de
curar as enfermidades em nome de Jesus. Assim, ao enviar os Doze para a sua
primeira missão, o Senhor, segundo a narração de Mateus e de Lucas,
concede-lhes «o poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as
doenças e enfermidades» (Mt 10,1; cfr. Lc 9,1) e dá-lhes a ordem: «Curai os
enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios» (Mt
10,8). Também na primeira missão dos setenta e dois, a ordem do Senhor é:
«curai os enfermos que aí houver» (Lc 10,9). O poder, portanto, é concedido
dentro de um contexto missionário, não para exaltar as pessoas enviadas, mas
para confirmar a sua missão.
Os
Actos dos Apóstolos referem de modo genérico prodígios operados por estes:
«inúmeros prodígios e milagres realizados pelos Apóstolos» (Actos 2,43; cfr.
5,12). Eram prodígios e sinais e, portanto, obras portentosas que manifestavam
a verdade e a força da sua missão. Mas, além destas breves indicações
genéricas, os Actos referem sobretudo curas milagrosas, realizadas pelos
evangelizadores individualmente: Estêvão (cfr. Actos 6,8), Filipe (cfr. Actos
8,6-7) e sobretudo Pedro (cfr. Actos 3,1-10; 5,15; 9,33-34.40-41) e Paulo (cfr.
Actos 14,3.8-10; 15,12; 19,11-12; 20,9-10; 28,8-9).
Quer
a parte final do Evangelho de Marcos quer a Carta aos Gálatas, como antes se
viu, alargam a perspectiva e não circunscrevem as curas prodigiosas à
actividade dos Apóstolos e de alguns evangelizadores que tiveram papel de
relevo na primeira missão. Neste particular contexto, são de extrema
importância as referências aos «carisma de cura» (1 Cor 12,9.28.30). O
significado de carisma é, por si, muito amplo: o de «dom generoso»; no caso em
questão, trata-se de «dons de curas obtidas». Estas graças, no plural, são
atribuídas a um único sujeito (cfr. 1 Cor 12,9) e, portanto, não se devem
entender em sentido distributivo, como curas que cada um dos curados recebe
para si mesmo; devem, invés, entender-se como dom concedido a uma determinada
pessoa de obter graças de curas em favor de outros. É dado in uno Spiritu, sem
contudo se especificar o modo como essa pessoa obtém as curas. Não seria
descabido subentender que o seja através da oração, talvez acompanhada de algum
gesto simbólico.
Na
Carta de São Tiago, faz-se aceno a uma intervenção da Igreja, através dos
presbíteros, em favor da salvação, mesmo em sentido físico, dos doentes. Não se
dá, porém, a entender se se trata de curas prodigiosas: estamos num contexto
diferente do dos «carismas de curas» da 1 Cor 12,9. «Algum de vós está doente?
Chame os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com o óleo em
nome do Senhor. A oração da fé salvará o doente e o Senhor o confortará e, se
tiver pecados, ser-lhe-ão perdoados» (Tg 5,14-15). Trata-se de um acto
sacramental: unção do doente com óleo e oração sobre ele, não simplesmente «por
ele», como se fosse apenas uma oração de intercessão ou de súplica. Mais
propriamente, trata-se de uma acção eficaz sobre o enfermo. (18) Os verbos
«salvará» e «confortará» não exprimem uma acção que tenha em vista, exclusivamente
ou sobretudo, a cura física, mas de certo modo incluem-na. O primeiro verbo, se
bem que nas outras vezes que aparece na dita Carta se refira à salvação
espiritual (cfr. 1,21; 2,14; 4,12; 5,20), é também usado no Novo Testamento no
sentido de «curar» (cfr. Mt 9,21; Mc 5,28.34; 6,56; 10,52; Lc 8,48); o segundo
verbo, embora assuma por vezes o sentido de «ressuscitar» (cfr. Mt 10,8; 11,5;
14,2), também é usado para indicar o gesto de «levantar» a pessoa que está
acamada por causa de uma doença, curando-a de forma prodigiosa (cfr. Mt 9,5; Mc
1,31; 9,27; Actos 3,7).
4. As orações para
alcançar de Deus a cura na Tradição
Os
Padres da Igreja consideravam normal que o crente pedisse a Deus, não só a
saúde da alma, mas também a do corpo. A propósito dos bens da vida, da saúde e
da integridade física, Santo Agostinho escrevia: «É preciso rezar para que nos
sejam conservados, quando se os tem, e que nos sejam concedidos, quando não se
os tem». (19) O mesmo Padre da Igreja deixou-nos o testemunho da cura de um
amigo, alcançada graças às orações de um bispo, de um sacerdote e de alguns
diáconos na sua casa. (20)
A
mesma orientação se encontra nos ritos litúrgicos, tanto ocidentais como
orientais. Numa oração depois da Comunhão, pede-se que «este sacramento celeste
nos santifique totalmente a alma e o corpo». (21) Na solene liturgia da
Sexta-Feira Santa convida-se a rezar a Deus Pai todo-poderoso para que «afaste
as doenças... dê saúde aos enfermos». (22) Entre os textos mais significativos,
destaca-se o da bênção do óleo dos enfermos. Nele pede-se a Deus que derrame a
sua santa bênção sobre o óleo, a fim de que «sirva a quantos forem com ele
ungidos de auxílio do corpo, da alma e do espírito, para alívio de todas as
dores, fraquezas e doenças». (23)
Não
são diferentes as expressões que se leem nos rituais orientais da Unção dos
enfermos. Citamos apenas alguns dos mais significativos. No rito bizantino,
durante a unção do enfermo reza-se: «Pai Santo, médico das almas e dos corpos,
Vós que enviastes o vosso Filho unigénito Jesus Cristo para curar de toda a
doença e libertar-nos da morte, curai também, pela graça do vosso Cristo, este
vosso servo da enfermidade do corpo e do espírito que o aflige». (24) No rito
copto pede-se ao Senhor que abençoe o óleo para que todos os que com ele forem
ungidos possam alcançar a saúde do espírito e do corpo. Depois, durante a unção
do enfermo, os sacerdotes, depois de terem mencionado Jesus Cristo, mandado ao
mundo «para curar todas as enfermidades e libertar da morte», pedem a Deus «que
cure o enfermo das enfermidades do corpo e lhe indique o recto caminho». (25)
5. O «carisma de cura» no
contexto actual
No
decorrer dos séculos da história da Igreja, não faltaram santos taumaturgos que
realizaram curas milagrosas. O fenómeno, portanto, não estava circunscrito ao
tempo apostólico. O chamado «carisma de cura», sobre o qual convém hoje dar
alguns esclarecimentos doutrinais, não fazia parte porém desses fenómenos taumaturgos.
O problema põe-se sobretudo com as reuniões de oração que os acompanham,
organizadas no intuito de obter curas prodigiosas entre os doentes que nelas
participam, ou então com as orações de cura que, com o mesmo fim, se fazem a
seguir à Comunhão eucarística.
As
curas ligadas aos lugares de oração (nos santuários, junto de relíquias de
mártires ou de outros santos, etc.) são abundantemente testemunhadas ao longo
da história da Igreja. Na antiguidade e na idade média, contribuíram para
concentrar as peregrinações em determinados santuários, que se tornaram famosos
também por essa razão, como o de São Martinho de Tours ou a catedral de
Santiago de Compostela e tantos outros. O mesmo acontece na actualidade, como,
por exemplo, há mais de um século com Lourdes. Estas curas não comportam um
«carisma de cura», porque não estão ligadas a um eventual detentor de tal
carisma, mas há que tê-las em conta ao procurar ajuizar, sob o ponto de vista
doutrinal, as referidas reuniões de oração.
No
que concerne às reuniões de oração feitas com a finalidade precisa de alcançar
curas, finalidade, se não dominante, ao menos certamente influente na
programação das mesmas, convém distinguir entre as que possam dar a entender um
«carisma de cura», verdadeiro ou aparente, e as que nada têm a ver com esse
carisma. Para que possam estar ligadas a um eventual carisma, é necessário que
sobressaia nelas, como elemento determinante para a eficácia da oração, a
intervenção de uma ou várias pessoas individualmente ou de uma categoria qualificada,
por exemplo, os dirigentes do grupo que promove a reunião. Não havendo relação
com o «carisma de cura», é óbvio que as celebrações previstas nos livros
litúrgicos, se realizadas em conformidade com as normas litúrgicas, são lícitas
e até muitas vezes oportunas, como é o caso da Missa pro infirmis. Quando não
respeitarem as normas litúrgicas, perdem a sua legitimidade.
Nos
santuários são também frequentes outras celebrações que, por si, não se
destinam especificamente a implorar de Deus graças de curas, mas que nas
intenções dos organizadores e dos que nelas participam têm, como parte
importante da sua finalidade, a obtenção de curas. Com esse objectivo, costumam
fazer-se celebrações litúrgicas, como é o caso da exposição do Santíssimo
Sacramento com bênção, ou não litúrgicas, mas de piedade popular, que a Igreja
encoraja, como pode ser a solene reza do Terço. Também estas celebrações são
legítimas, uma vez que não se altere o seu significado autêntico. Por exemplo,
não se deveria pôr em primeiro plano o desejo de alcançar a cura dos doentes,
fazendo com que a exposição da Santíssima Eucaristia venha a perder a sua
finalidade; esta, de facto, «leva a reconhecer nela a admirável presença de
Cristo e convida à íntima união com Ele, união que atinge o auge na comunhão
sacramental». (26)
O
«carisma de cura» não se atribui a uma determinada categoria de fiéis. É,
aliás, bem claro que São Paulo, quando se refere aos diversos carismas em 1 Cor
12, não atribui o dom dos «carismas de cura» a um grupo particular: ao dos
apóstolos ou dos profetas, ao dos mestres ou dos que governam, ou a outro
qualquer. A lógica que preside à sua distribuição é, invés, outra: «é um só e
mesmo Espírito que faz tudo isto, distribuindo os dons a cada um conforme Lhe
agrada» (1 Cor 12,11). Por conseguinte, nas reuniões de oração organizadas com
o intuito de implorar curas, seria completamente arbitrário atribuir um
«carisma de cura» a uma categoria de participantes, por exemplo, aos dirigentes
do grupo. Dever-se-ia confiar apenas na vontade totalmente livre do Espírito
Santo, que dá a alguns um especial carisma de cura para manifestar a força da
graça do Ressuscitado. Há que recordar, por outro lado, que nem as orações mais
intensas alcançam a cura de todas as doenças. Assim São Paulo tem de aprender
do Senhor que «basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se manifesta
todo o meu poder» (2 Cor 12,9) e que os sofrimentos que se têm de suportar
podem ter o mesmo sentido do «completo na minha carne o que falta à paixão de
Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja» (Col 1,24).
(cont)
(Revisão
da versão portuguesa por ama)
________________________________________
Notas:
(18)
Cfr. CONCILIO DE TRENTO, sessão XIV, Doctrina de sacramento extremae unctionis,
cap. 2: DS, 1696.
(19)
AUGUSTINUS IPPONIENSIS, Epistulae 130, VI,13 (PL 33,499).
(20)
Cfr. AUGUSTINUS IPPONIENSIS, De Civitate Dei 22, 8,3 (PL 41,762-763).
(21)
Cfr. Missale Romanum, p. 563.
(22)
Ibid., Oratio universalis, n. X (Pro tribulatis), p. 256.
(23)
Rituale Romanum, Ordo Unctionis Infirmorum eorumque Pastoralis Curae, n. 75.
(24)
GOAR J., Euchologion sive Rituale Graecorum, Venetiis 1730 (Graz 1960), n. 338.
(25)
DENZINGER H., Ritus Orientalium in administrandis Sacramentis, vv. I-II,
Würzburg 1863 (Graz 1961), v. II, 497-498.
(26)
Rituale Romanum, Ex Decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II
instauratum, Auctoritate Pauli PP. VI promulgatum, De Sacra Communione et de
Cultu Mysterii Eucharistici Extra Missam, Editio typica, Typis Polyglottis
Vaticanis, MCMLXXIII, n. 82.