CARTA ENCÍCLICA
HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
IV
NASCIMENTO
E DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO
DO
CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
4)Espiritualidade e
excelência do culto ao coração sacratíssimo de Jesus
58.
E, assim, do elemento corpóreo, que é o coração de Jesus Cristo, e do seu
natural simbolismo, é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé, nos
elevemos não só à contemplação do seu amor sensível, porém a mais alto, até à
consideração e adoração do seu excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num
voo sublime e doce ao mesmo tempo, até à meditação e adoração do amor divino do
Verbo encarnado; já que à luz da fé, pela qual cremos que na pessoa de Cristo
estão unidas a natureza humana e a natureza divina, podemos conceber os
estreitíssimos vínculos que existem entre o amor sensível do coração físico de
Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o divino.
Na
realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como
coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos
entre si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o
humano, o espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica
daquele.
Com
isso não pretendemos que no Coração de Jesus se deva ver e adorar a chamada
imagem formal, quer dizer, a representação perfeita e absoluta do Seu amor
divino, não sendo possível, como não é, representar adequadamente por qualquer
imagem criada a íntima essência desse amor; mas a alma fiel, venerando o
coração de Jesus, adora juntamente com a Igreja o símbolo e como que a marca da
caridade divina, caridade que com o coração do Verbo encarnado chegou até a
amar o género humano contaminado de tantos crimes.
59.
Portanto, neste assunto tão importante como delicado, é necessário ter sempre
presente que a verdade do simbolismo natural, que relaciona o coração físico de
Jesus com a pessoa do Verbo, repousa toda na verdade primária da união
hipostática; quem isto negasse renovaria erros mais de uma vez condenados pela
Igreja, por contrários à unidade da pessoa de Cristo em duas naturezas íntegras
e distintas.
60.
Essa verdade fundamental permite-nos entender como o Coração de Jesus é o
coração de uma pessoa divina, quer dizer, do Verbo encarnado, e que, por
conseguinte, representa e nos põe ante os olhos todo o amor que ele nos teve e
ainda nos tem.
E
aqui está a razão por que, na prática, o culto ao Sagrado Coração é considerado
como a mais completa profissão da religião cristã.
Verdadeiramente,
a religião de Jesus Cristo funda-se toda no Homem-Deus mediador; de maneira que
não se pode chegar ao coração de Deus senão passando pelo coração de Cristo,
conforme o que ele mesmo afirmou:
"Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Ninguém vem ao Pai senão por mim"[1].
Assim
sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto ao
sacratíssimo coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio
de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e
aos outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de
Deus para connosco, propondo-o como objecto de adoração, de acção de graças e
de imitação; e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens
mediante o cumprimento cada vez mais generoso do mandamento "novo",
que o divino Mestre legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes
disse:
"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis
uns aos outros, como eu vos amei... O meu preceito é que vos ameis uns aos
outros, como eu vos amei"[2].
Esse
mandamento, verdadeiramente, é "novo" e "próprio" de
Cristo; porque, como diz São Tomás de Aquino:
"Pouca
diferença há entre o Antigo e o Novo Testamento; pois, como diz Jeremias:
'Farei
um pacto novo com a casa de Israel'[3].
Porém
que este mandamento se praticasse no Antigo Testamento a impulsos de um santo
temor e amor, isto pertencia ao Novo Testamento; de sorte que este mandamento
existia na antiga lei não como próprio dela, porém como preparação da nova
lei".[4]
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
Notas:
[4] (39) Comment. in Evang, s. Joannis, c. XIII, lect.
VII, 3; ed. Parmae,1860, t. X, p 541.