01/06/2014

Ninguém dá o que não tem

Convence-te: o teu apostolado consiste em difundir bondade, luz, entusiasmo, generosidade, espírito de sacrifício, constância no trabalho, profundidade no estudo, amplitude na entrega, actualização, obediência absoluta e alegre à Igreja, caridade perfeita... Mas ninguém dá o que não tem. (Sulco, 927)

Não o esqueças: convencemos tanto melhor quanto mais convencidos estivermos. (Sulco, 929)

"Não se acende a luz para a pormos debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro, a fim de que ilumine todos os da casa; assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de maneira que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus".

E, no final da sua passagem pela Terra, ordena: "euntes docete", ide e ensinai. Quer que a sua luz brilhe na conduta e nas palavras dos seus discípulos. Nas tuas também. (Sulco, 930)

Que essa ideia do catolicismo é velha e, portanto, inaceitável?... Mais antigo é o Sol, e não perdeu a sua luz; mais arcaica é a água, e ainda tira a sede e refresca! (Sulco, 937)

Alguns não sabem nada de Deus..., porque não lhes falaram d'Ele em termos compreensíveis. (Sulco, 941)

Acredita em mim: normalmente, o apostolado, a catequese, tem de ser capilar: um a um. Cada crente com o seu companheiro mais próximo.

A nós, filhos de Deus, interessam-nos todas as almas, porque nos interessa cada uma delas. (Sulco, 943)


Pequena agenda do cristão

DOMIMNGO



(Coisas muito simples, curtas, objectivas)






Propósito:
Viver a família.

Senhor, que a minha família seja um espelho da Tua Família em Nazareth, que cada um, absolutamente, contribua para a união de todos pondo de lado diferenças, azedumes, queixas que afastam e escurecem o ambiente. Que os lares de cada um sejam luminosos e alegres.

Lembrar-me:
Cultivar a Fé.

São Tomé, prostrado a Teus pés, disse-te: Meu Senhor e meu Deus!
Não tenho pena nem inveja de não ter estado presente. Tu mesmo disseste: Bem-aventurados os que crêem sem terem visto.
E eu creio, Senhor.
Creio firmemente que Tu és o Cristo Redentor que me salvou para a vida eterna, o meu Deus e Senhor a quem quero amar com todas as minhas forças e, a quem ofereço a minha vida. Sou bem pouca coisa, não sei sequer para que me queres mas, se me crias-te é porque tens planos para mim. Quero cumpri-los com todo o meu coração.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?



Temas para meditar 132

Mandamento novo


O Senhor não estabelece como prova de fidelidade dos Seus discípulos os prodígios ou os milagres inauditos, apesar de lhes ter conferido o poder de os realizarem, pelo Espírito Santo. O que lhes comunica? Conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros.


(S. BasílioRegulae Fusius Tractae, III, 1 nr. 31, 918) 

Tratado da lei 10

Questão 91: Da diversidade das leis.

Art. 6 — Se há uma lei constituída pelo estímulo da sensualidade.

(Infra. q. 93. a. 3; Ad Rom., cap. VII. lect. IV).

O sexto discute-se assim. — Parece que não há uma lei constituída pelo estímulo da sensualidade.

1. — Pois, como diz Isidoro, a lei consiste na razão. Ora, o estímulo da sensualidade, longe de consistir na razão, desvia dela. Logo, não tem a natureza de lei.

2. Demais. — Toda lei é obrigatória, de modo que são considerados transgressores os que não a observam. Ora, não é transgressor quem não se submete ao estímulo da sensualidade, mas, ao contrário, quem lhe obedece. Logo, ele não tem natureza de lei.

3. Demais. —A lei se ordena para o bem comum, como já se disse (q. 90, a. 2). Ora, o estimulo da sensualidade não inclina para esse bem, mas antes, para o particular. Logo, não tem natureza de lei.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Rm 7, 23): Sinto nos meus membros outra lei, que repugna à lei do meu espírito.

Como já dissemos (a. 2; q. 90, a. 1 ad 1), a lei está essencialmente no sujeito que regula e mede; e, participativamente, no que é medido e regu­lado. De modo que toda inclinação ou ordena­ção, existente em quem está sujeito à lei, chama­-se lei participativamente, como do sobredito resulta (a. 2; q. 90, a. 1 ad 1). Ora, de duas maneiras pode existir uma inclinação nos súbditos da lei, provinda do legis­lador. Ou porque este neles causa diretamente uma inclinação e inclina, às vezes, diversos para atos diversos; podendo-se, deste modo, dizer que uma é a lei dos soldados e outra, a dos mer­cadores. Ou, indiretamente, quando o legislador, destituindo um seu súbdito de uma digni­dade, falo, por conseqüência, passar para outra ordem, ficando como que sujeito a outra lei. Assim, o soldado, destituído da milícia, ficará sujeito à lei dos lavradores ou dos mercadores.

Assim, pois, sob Deus legislador, criaturas diversas têm inclinações naturais diversas, de modo que aquilo que para uma é, de certo modo, lei, para outra é contrário à lei. Por exemplo, ser bravo é de certo modo a lei do cão; mas é contra a lei da ovelha ou de outro animal de índole mansa. Ora, a lei do homem, que lhe coube por ordenação divina, de acordo com a sua condição, é obrar de conformidade com a razão. E tanta força tinha essa lei, no estado primitivo, que nada de preterracional ou de irra­cional podia surpreender o homem. Mas quando ele se afastou de Deus, incorreu na pena de ser arrastado pelo ímpeto da sensualidade. O que se dá com cada um em particular, quanto mais se afastar da razão; que, assim, de certo modo se assemelha aos brutos, levados pelo ímpeto da sensualidade, conforme àquilo da Escritura (Sl 48, 21):O homem, quando estava na honra, não o entendeu: foi comparado aos brutos irracionais, e se fez semelhante a eles. Por onde, a inclinação mesma de sensuali­dade, chamada estímulo, tem nos brutos, absolutamente, natureza de lei; do modo, porém, porque, em relação a eles se pode falar em lei no sentido de inclinação direta. Ao contrário, relativamente ao homem, essa inclinação não tem natureza de lei, sendo antes, um desvio da lei da razão. Mas, por ter sido o homem, pela justiça divina, destituído da justiça original, e perdido o vigor da razão, o ímpeto mesmo da sensualidade, que o arrasta, tem natureza de lei, mas penal e, por lei divina, inseparável do ho­mem, destituído da dignidade que lhe era própria.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção procede quanto ao estímulo da sen­sualidade, em si mesmo considerado, e como inclinação para o mal. Pois, em tal sentido, não tem natureza de lei, como já se disse, ao passo que a terá enquanto resultante da justiça da lei divina. Tal como se disséssemos ser lei que a um nobre, por sua culpa, se permitisse ser submetido a obras servis.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A objeção colhe quanto à lei como regra e medida; pois, assim, os que dela desviam vêem a ser transgressores. Mas, nesse sentido, o estímulo da sensualidade não é uma lei mas, sim, por uma certa partici­pação, como já se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A objeção colhe relativamente ao estímulo da sensualidade, quanto à sua inclinação própria; não porém, quanto à sua origem. E contudo, considerada a inclinação da sensualidade, tal como existe nos brutos, ela se ordena para o bem comum, i. é, para a conservação da natureza da espécie ou do indivíduo. O que também se dá com o homem, desde que a sensualidade esteja sujeita à razão. — Mas se chama estímulo da sensualidade na medida em que foge à ordem da razão.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário, comentário e leitura espiritual (Laicismo Subjectivismo e Relativismo)


Tempo de Páscoa
Semana VII
Evangelho: Mt 28, 16-20

16 Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus lhes tinha indicado. 17 Quando O viram, adoraram-n'O; alguns, porém, duvidaram. 18 Jesus, aproximando-Se, falou-lhes assim: «Foi-Me dado todo o poder no céu e na terra. 19 Ide, pois, ensinai todas as gentes, baptizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, 20 ensinando-as a cumprir todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco todos os dias até ao fim do mundo».

Comentário:

S. Mateus fala em “discípulos” o que significa que estariam presentes muitos mais além dos Doze. Farão parte daqueles os ''alguns que duvidaram.''
Há muitos homens, infelizmente, que ainda hoje passados dois mil anos, duvidam da Ressurreição de Cristo.

A uns, o assunto não lhes interessa, a outros convém-lhes não acreditar.
Os primeiros vivem na ignorância, os segundos na cobardia e aburguesamento.

Nos dois casos, porém, a atitude é voluntária e, por isso mesmo, grave.

Recusar-se conhecer é patético, não querer ser informado é obstinação.

Ambas atitudes serão justamente avaliadas e mais culpas terão os que recusaram as oportunidades que se lhes depararam para corrigir e, voluntariamente não o fizeram

(ama, comentário sobre Mt 28, 16-20, 2012.06.03)

Leitura espiritual



Temas


LAICISMO, SUBJECTIVISMO E RELATIVISMO


I.        Introdução

1.1       Quando foi levantada pela primeira vez e remetida ao Supremo Tribunal Federal a questão da legalidade do aborto de fetos anencéfalos, houve declarações de autoridades governamentais afirmando que esse assunto devia ser estudado exclusivamente como questão de saúde pública, e não do ponto de vista religioso ou ético.

1.2 O mesmo critério foi defendido quando começou a vir à tona o tema das experiências com células-tronco embrionárias. A oposição da CNBB, de outras entidades e de cidadãos particulares a essas experiências foi comentada na media como intromissão indevida da Igreja e da religião em assuntos científicos e em decisões de um Estado laico.

1.3 Na base dessa posição, há uma ideologia bem definida, o laicismo, que grupos internacionais lutam por impor, com força normativa, mesmo através dos organismos da ONU, da União Europeia e de outras instituições internacionais.

1.4 Como ponderaremos mais amplamente depois, a ideologia laicista considera como uma intromissão indevida no âmbito do Estado quaisquer manifestações públicas da Igreja (do Papa, das Conferências episcopais, de um Bispo ou mesmo de católicos individuais) sobre valores éticos que afetam a sociedade e o bem comum (p.e., projetos de lei sobre família, divórcio, aborto, eutanásia, uso de células-tronco embrionárias, etc.).

1.5 No entanto, paradoxalmente, os próprios laicistas militantes defendem, como uma exigência irrenunciável da democracia pluralista, o direito de outras entidades (que reúnem um número muito menor de adeptos que a Igreja Católica) de manifestar-se publicamente – e até mesmo de fazer pressão política, propaganda subvencionada por órgãos públicos ou lobby financeiro – sobre assuntos éticos, e também questões sociais e políticas do âmbito do Estado (dos três poderes): p. e. o Movimento Gay, quando postula um reconhecimento legal do “matrimónio” homossexual; os grupos ecológicos New Age, quando exigem leis que se equiparem em tudo os animais aos seres humanos; ou as organizações – políticas ou não – de ideologia marxista, que defendem a necessidade de mudar a legislação brasileira e passar a adotar legislação de cunho cubano-castrista. Na prática, parece ficar evidente que, para os laicistas, numa sociedade
democrática e pluralista todos devem ter voz... menos os católicos.

1.5 Para esclarecer os equívocos existentes em relação a essas questões, é importante distinguir com clareza a diferença que existe entre a laicidade e o laicismo.

II. Laicidade e pluralismo

2.1 Entende-se por laicidade a distinção entre a esfera política e a religiosa. Chama-se "Estado laico" aquele que não é confessional, isto é, que não adotou – como era comum em séculos passados – uma religião como religião oficial do Estado [o que hoje acontece em diversos países islâmicos]. A Igreja considera essa distinção como um "valor adquirido e reconhecido pela Igreja", que "faz parte do patrimônio da civilização..." [1]

2.2 A laicidade do Estado fundamenta-se na distinção entre a esfera política e a religiosa.
Entre o Estado e a Igreja deve existir um mutuo respeito pela autonomia de cada parte.

2.3 O princípio de laicidade comporta, portanto, em primeiro lugar, por parte do Estado, o respeito de todas as confissões religiosas. O Estado deve "assegurar o livre exercício das actividades cultuais (de culto), espirituais, culturais e caritativas das comunidades dos crentes.
Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes tradições espirituais e a nação" [2]

2.4 O princípio de laicidade pressupõe:

a) independência (não-dependência) do Estado em relação a qualquer igreja ou comunidade religiosa, e também a independência em relação a questões estritamente religiosas (um credo, um ritual, etc.); bem como a não-intervenção em assuntos estritamente religiosos, de competência exclusiva das igrejas e comunidades; b) o respeito, por parte do Estado, do direito à liberdade religiosa, sem outros limites que a ordem pública. Desde que a ordem pública não seja afetada
 (com tumultos, brigas, mortes, condutas imorais, privações de liberdades fundamentais, etc.), as confissões religiosas gozam da liberdade reconhecida pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 10/12/1948, art. 2, 1: "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Esse direito inclui [...] o direito de manifestar a sua religião ou crença, individual ou coletivamente,
tanto em público como em privado, por meio do ensino, a prática, o culto, etc.".
Também a Declaração Dignitatis Humanae (n. 4) do Concílio Vaticano II afirma o direito à liberdade religiosa das diversas confissões religiosas: direito ao culto público, à formação dos seus fiéis, à promoção de instituições conformes com seus princípios religiosos; o direito de não serem impedidas no ensino e profissão pública da sua fé, de palavra ou por escrito; e o direito de estabelecer associações (educativas, culturais, caritativas, sociais, etc.).

2.5 A laicidade, bem entendia, não pode significar, porém, que os católicos e os membros de outras confissões religiosas devam abster-se de basear-se na "lei moral" em sua actuação social e pública: por exemplo, na defesa do valor da vida humana desde o seu início até o seu fim natural, da família, da educação, de justiça social, etc. É importante ter em conta que há uma ética, uma moral natural, uns valores éticos essenciais (valor da vida, valor da palavra dada, valor da honestidade que não cede à corrupção, valor da fidelidade aos compromissos, valor da família como célula-base da sociedade, etc.) que, como repete Bento XVI, “não são negociáveis” [3] Trata-se de questões éticas fundamentais, conquistadas pela reflexão racional, que constituem tesouros de sabedoria acumulada ao longo da história sobre temas importantes de "antropologia filosófica".

2.6 Como recorda o Compêndio da doutrina social da Igreja, "a laicidade, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só. Buscar sinceramente a verdade, promover e defender com meios lícitos as verdades morais concernentes à vida social – a justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa – é direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política"
2.7 Na já citada Nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a participação dos católicos na vida política, faz-se, no n. 6, uma exposição muito clara sobre a questão da laicidade e o pluralismo. Vale a pena citar o texto:
“Todos os fiéis têm plena consciência de que os actos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos actos de culto e dos sacramentos, doutrina teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades
religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora da competência do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos que haja fundadas exigências de ordem pública [...].
Completamente diferente é a questão do direito-dever dos cidadãos católicos, aliás como de todos os demais cidadãos, de procurar sinceramente a verdade e promover e defender com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à liberdade, ao respeito da vida e de outros direitos da pessoa. O facto de algumas dessas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade civil e a “laicidade” do empenho dos que com elas se identificam, independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé tenham tido no reconhecimento por parte de cada cidadão.
A “laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude der quem respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião específica, pois a verdade é uma só [...].
Intervindo nesta matéria, o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, ao invés – como é sua função própria – instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre a serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum [...].
Nas sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e avaliadas livremente.
Aquele que, em nome do respeito à consciência individual, visse no dever moral dos cristãos de serem coerentes com a própria consciência um sinal para desqualificá-los politicamente, negando a sua legitimidade de agir em política de acordo com as próprias convicções, cairia numa espécie de intolerante laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar não só qualquer relevância política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de uma ética natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nunca teria nada a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do mais forte sobre o mais fraco seria a consequência lógica de uma tal impostação”.

2.8 Portanto, a separação entre Igreja e Estado, a "laicidade" do Estado, não significa que o Estado possa negar à Igreja o direito e o dever de contribuir para o bem da sociedade (em assuntos não estritamente "religiosos"), ou que se impeça aos católicos de terem as suas opiniões, de defendê-las e de cumprir com a sua responsabilidade e o seu direito à participação na vida pública, como qualquer cidadão. Um Estado que não respeitasse um espaço para a Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos católicos de expressar – como qualquer outro cidadão – as suas opiniões e opções políticas pessoais, teria acabado com a democracia, cairia no sectarismo, no totalitarismo ideológico e prático.

III. O laicismo

3.1 Completamente diferente da laicidade é o laicismo, uma ideologia que hoje, em todo o mundo ocidental – e cada vez mais no Brasil – pretende impor-se como a única democrática e admissível. Tem trânsito livre na grande imprensa e na media mais poderosa, que é seu porta-voz, que é – como já foi dito mais de uma vez –, o seu "Magistério laico" e, ao mesmo tempo, o seu "Tribunal da Inquisição laica", tribunal que, por princípio, fustiga, ridiculariza e "excomunga" todos os que não aceitam o mesmo modo de pensar.

3.2 Em que consiste o laicismo? Como dizia João Paulo II (24/1/2005), na prática actual, é "uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição da liberdade religiosa até promover um desprezo ou ignorância de tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua expressão pública". E, em 12/1/2004: "Um correcto conceito de liberdade religiosa não é compatível com essa ideologia, que às vezes se apresenta como a única voz da racionalidade. Não se pode cercear a liberdade religiosa sem privar o homem de algo que é fundamental".

3.3 Um Estado que afirme respeitar as convicções dos cidadãos laicistas, pela mesma razão (se pratica honestamente o pluralismo democrático) é obrigado a respeitar as convicções dos cidadãos cristãos. Caso contrário, imporia – como já foi dito – um dogma laico e violaria o princípio da igualdade de direitos.

IV. As falácias do laicismo

4.1 O laicismo quer silenciar os cristãos, alegando que eles pretendem impor ao Estado posições, soluções ou proibições que têm apenas como base a fé, a religião, coisa que é incompatível com o Estado laico, que não pode adotar soluções "religiosas", mas apenas "racionais".
Como nos tempos áureos do Iluminismo, não hesitam em contrapor, como incompatíveis, razão e fé, e em proclamar que há incompatibilidade entre a fé e a ciência, ciência que, para eles, é a única que interessa, por ser – com reiteram uma e outra vez – o campo próprio da razão, que é a única que interessa nas questões sociais e políticas.

4.2 Nisso há uma evidente falácia. Porque, mesmo que os cristãos, cumprindo com o seu dever de consciência, defendessem posições em matérias políticas e sociais baseadas nas suas convicções "cristãs", um Estado democrático e pluralista – é preciso repeti-lo, frisá-lo sem cessar – deveria respeitar essas posições como respeita quaisquer outras inspiradas em “crenças ideológicas”.

4.3 Pelo que mostramos até agora, fica patente que, hoje, quando um cristão coerente defende as suas convicções, as suas "opiniões" (às quais, como cidadão, tem direito), a máquina laicista o agride de palavra e por escrito, tenta silenciá-lo e procede à sua "exclusão" cívica, com o apoio e o aplauso de políticos e de quase toda a media. Um exemplo paradigmático é o da exclusão do ministro italiano Rocco Buttiglione do Conselho da União Europeia, por ter manifestado a sua opinião “privada” contrária ao aborto, mesmo que não a defendesse – omissão de que se penitenciou depois publicamente – quando o Parlamento europeu aprovou o aborto. Estamos perante a negação do pluralismo, do diálogo e da verdadeira democracia.

4.4 Mas é necessário dar ainda mais um passo para compreender as falácias do laicismo.
No campo social e político, os católicos conscientes e responsáveis defendem (pode-se dizer que em 99,9% dos casos, se não em 100%) posições que decorrem, não diretamente da religião nem da Revelação divina, mas apenas da Ética racional, como já vimos. Fazem-no seguindo uma visão filosófica respeitável, baseada na antropologia filosófica e na ética natural (não sobrenatural).
São precisamente os católicos os que, nessas matérias, mais invocam a racionalidade e a ciência (e não Encíclicas ou outros documentos magisteriais da Igreja). Este é, por exemplo, o caso da defesa do dado cientificamente inegável de que a vida “humana” começa no instante da concepção; e, em consequência, de que a manipulação de células embrionárias é um desrespeito e um atentado contra a vida “humana”.

4.5 Qualquer pessoa culta sabe que os pais da Ética natural, racional, foram os filósofos gregos, principalmente Sócrates e o seu discípulo Platão; depois, dando um passo à frente, Aristóteles ("Ética a Nicómaco", "Grande Ética"), e os filósofos estoicos (Epicteto), até se chegar a Cícero, com seu tratado moral de inspiração estoica, intitulado "De officiis" ("Dos deveres")", e a Séneca com suas "Cartas a Lucílio", etc. Nenhum deles pretendia fazer teologia. A indagação fundamental de todos eles não era "o que Deus quer ou manda", mas "qual é a verdadeira felicidade humana", e assim toda a ética racional foi – também entre muitos cristãos, que sabem distinguir entre Ética racional e Moral cristã – , um esforço da razão para achar as respostas certas a essa indagação básica sobre o verdadeiro bem e a verdadeira felicidade do homem e da sociedade.
Esse esforço acumulou séculos de sabedoria e atingiu cumes muito elevados do pensamento humano, que hoje a ditadura ideológica do laicismo pretende ignorar. Mas prescindir dessas conquistas da inteligência humana acarreta um empobrecimento do pensamento, da cultura, da vida social e, sobretudo, da dignidade humana.

4.6 Na argumentação laicista, muitos ignoram ou prescindem desses tesouros do pensamento ético. Mas, mesmo não os ignorando, é frequente que, na hora de defender as suas posições – conforme as conveniências de uma posição já tomada com “voluntarismo prévio” –
mudem a argumentação e se contradigam, isto é, que abandonam a sua defesa da "razão contra o obscurantismo religioso", e passem a descartar essa mesma "razão" como imprestável, inútil e inconsistente, no campo da ética e dos valores. Segundo as conveniências, pois, umas vezes invocam a razão contra a religião, e, em outras ocasiões, arremetem contra a “pretensão” de usar a razão para conhecer a verdade, invocando o agnosticismo, considerado, sem debate, como o moderno "dogma de fé" filosófico: o dogma que afirma ser impossível conhecer a verdade, e que, por isso, não se pode mais falar em "verdade".

4.7 O agnosticismo, e o consequente relativismo, “levaram a investigação filosófica [à procura racional do ser e da verdade] a perder-se nas areias movediças de um cepticismo geral [...]. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, da desconfiança na verdade [...]. Neste horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião”[4]

4.8 Essas palavras da Encíclica Fides et Ratio são um retrato do nosso tempo. Suprimida a capacidade da razão para atingir verdades, negada a existência de verdades objetivas e universais, o que resta? Só a vontade, o puro e simples querer, apetecer, desejar. Toda a Encíclica Veritatis Splendor desmascara e alerta sobre os perigos dessa tendência de fazer da liberdade a fonte da verdade, isto é, de só aceitar como "verdadeiro" e "certo", em cada momento (pois tudo é relativo) o que livremente escolhe a "maioria", por consenso. Por exemplo, se os legisladores ficarem de acordo em dizer que a vida começa quando a criança tem dois anos de idade (e que, em consequência, até os dois anos a criança pode ser eliminada), esse "consenso" será "a verdade" que todos deverão acatar. Dentro dessa ideologia laicista, agnóstica e relativista, deixa de haver qualquer "referencial" objectivo, absoluto e permanente da verdade e do bem. Sobra apenas, como lei, o desejo, o interesse, os apetites e paixões, desde que os que fazem as leis cheguem a um "consenso".

4.9 Entende-se, por isso, que o Compêndio da Doutrina Social da Igreja diga, no n. 572, como já lembrávamos: "Chega-se também e mais radicalmente a negar a ética natural. Esta negação, que faz entrever uma condição de anarquia moral, cuja consequência é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode ser acolhida por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias bases da convivência humana”.

4.10 Acontece, porém que, na atual mentalidade predominante, laicista e agnóstica, em que "tudo é convencional, tudo é negociável" [5], como dizia João Paulo II, a "prepotência do mais forte sobre o mais fraco", a imposição ditatorial é inevitável, pela simples razão de que os mais fortes economicamente, politicamente e "mediaticamente" são os que dominam os organismos políticos nacionais e internacionais, e impõem, ou manipulam com dinheiro, a opinião de uma minoria de grupos poderosos, como se fosse a opinião majoritária do povo.
Por ex., é um facto que em todas as decisões da ONU e dos seus organismos sobre família a mulher a natalidade, etc., dominam as poderosas ONGS (dotadas de bilhões de dólares) do Movimento Gay e do Movimento Feminista (“parenthood”, "for choice", abortista, antinatalista).
Centenas de ONGS católicas, ou cristãs de outras denominações, ou simplesmente defensoras da ética natural, são barradas ou anuladas (e não obtém jamais, como é lógico, ajudas ou subvenções das poderosas fontes internacionais que alimentam as outras). Deste modo, vai-se impondo no mundo, de maneira sistemática e massiva, a ideologia laicista, uma verdadeira ditadura do relativismo, para usar a expressão de Bento XVI.

4.9 Por isso, e já como conclusão, é natural que, que o n. 570 do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, citando o n. 39 da Exortação apostólica Christifideles laici, de João Paulo II, frise o seguinte: "Tenha-se presente que, em face das múltiplas exigências morais fundamentais e irrenunciáveis, o testemunho cristão deve considerar-se um dever inderrogável que pode chegar ao sacrifício da vida, ao martírio, em nome da caridade e da dignidade humana”.
Mais recentemente, Bento XVI, no n. 83 da Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, de 22/2/2007, reafirma o dever do cristão de dar o “testemunho público da sua fé”, e acrescenta as seguintes palavras: Isso – o testemunho público da fé – “vale para todos os baptizados, mas impõe-se com particular premência a quantos, pela posição social ou política que ocupam, devem tomar decisões sobre valores fundamentais como o respeito e defesa da vida humana desde a concepção até a morte natural, a família fundada sobre o Matrimônio entre um homem e uma mulher, a liberdade de educação dos filhos e a promoção do bem comum em todas as suas formas. Esses são valores não negociáveis”.

Pe. Francisco Faus






[1] Pontifício Conselho “Justiça e Paz”, Compêndio de doutrina social da Igreja, , Ed. Paulinas, São Paulo 2005, n. 571.
[2] João Paulo II, Discurso ao Corpo Diplomático, 12 de janeiro de 2004. In Compêndio de Doutrina Social da Igreja, n. 572 3
[3] Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, de 22/2/2007, n. 834 n. 5714.
[4] João Paulo II, Enc. Fides et ratio, 14/9/1998, n. 5
[5] João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, 25/3/1995, n. 20