Tempo de Páscoa
Semana
VII
Evangelho: Mt 28, 16-20
16 Os onze discípulos partiram para a Galileia, para o monte que Jesus
lhes tinha indicado. 17 Quando O viram, adoraram-n'O; alguns, porém,
duvidaram. 18 Jesus, aproximando-Se, falou-lhes assim: «Foi-Me dado
todo o poder no céu e na terra. 19 Ide, pois, ensinai todas as
gentes, baptizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, 20
ensinando-as a cumprir todas as coisas que vos mandei. Eu estarei convosco
todos os dias até ao fim do mundo».
Comentário:
S.
Mateus fala em “discípulos” o que significa que estariam presentes muitos mais
além dos Doze. Farão parte daqueles os ''alguns
que duvidaram.''
Há
muitos homens, infelizmente, que ainda hoje passados dois mil anos, duvidam da
Ressurreição de Cristo.
A
uns, o assunto não lhes interessa, a outros convém-lhes não acreditar.
Os
primeiros vivem na ignorância, os segundos na cobardia e aburguesamento.
Nos
dois casos, porém, a atitude é voluntária e, por isso mesmo, grave.
Recusar-se
conhecer é patético, não querer ser informado é obstinação.
Ambas
atitudes serão justamente avaliadas e mais culpas terão os que recusaram as
oportunidades que se lhes depararam para corrigir e, voluntariamente não o fizeram
(ama, comentário sobre Mt 28, 16-20, 2012.06.03)
LAICISMO,
SUBJECTIVISMO E RELATIVISMO
I.
Introdução
1.1
Quando foi levantada pela primeira vez e
remetida ao Supremo Tribunal Federal a questão da legalidade do aborto de fetos
anencéfalos, houve declarações de autoridades governamentais afirmando que esse
assunto devia ser estudado exclusivamente como questão de saúde pública, e não
do ponto de vista religioso ou ético.
1.2
O mesmo critério foi defendido quando começou a vir à tona o tema das
experiências com células-tronco embrionárias. A oposição da CNBB, de outras
entidades e de cidadãos particulares a essas experiências foi comentada na media
como intromissão indevida da Igreja e da religião em assuntos científicos e em
decisões de um Estado laico.
1.3
Na base dessa posição, há uma ideologia bem definida, o laicismo, que grupos internacionais
lutam por impor, com força normativa, mesmo através dos organismos da ONU, da
União Europeia e de outras instituições internacionais.
1.4
Como ponderaremos mais amplamente depois, a ideologia laicista considera como
uma intromissão indevida no âmbito do Estado quaisquer manifestações públicas
da Igreja (do Papa, das Conferências episcopais, de um Bispo ou mesmo de
católicos individuais) sobre valores éticos que afetam a sociedade e o bem
comum (p.e., projetos de lei sobre família, divórcio, aborto, eutanásia, uso de
células-tronco embrionárias, etc.).
1.5
No entanto, paradoxalmente, os próprios laicistas militantes defendem, como uma
exigência irrenunciável da democracia pluralista, o direito de outras entidades
(que reúnem um número muito menor de adeptos que a Igreja Católica) de
manifestar-se publicamente – e até mesmo de fazer pressão política, propaganda
subvencionada por órgãos públicos ou lobby financeiro – sobre assuntos éticos,
e também questões sociais e políticas do âmbito do Estado (dos três poderes):
p. e. o Movimento Gay, quando postula um reconhecimento legal do “matrimónio” homossexual;
os grupos ecológicos New Age, quando exigem leis que se equiparem em tudo os
animais aos seres humanos; ou as organizações – políticas ou não – de ideologia
marxista, que defendem a necessidade de mudar a legislação brasileira e passar
a adotar legislação de cunho cubano-castrista. Na prática, parece ficar
evidente que, para os laicistas, numa sociedade
democrática
e pluralista todos devem ter voz... menos os católicos.
1.5
Para esclarecer os equívocos existentes em relação a essas questões, é
importante distinguir com clareza a diferença que existe entre a laicidade e o
laicismo.
II.
Laicidade e pluralismo
2.1
Entende-se por laicidade a distinção entre a esfera política e a religiosa.
Chama-se "Estado laico" aquele que não é confessional, isto é, que
não adotou – como era comum em séculos passados – uma religião como religião
oficial do Estado [o que hoje acontece em diversos países islâmicos]. A Igreja
considera essa distinção como um "valor adquirido e reconhecido pela Igreja",
que "faz parte do patrimônio da civilização..." [1]
2.2
A laicidade do Estado fundamenta-se na distinção entre a esfera política e a
religiosa.
Entre
o Estado e a Igreja deve existir um mutuo respeito pela autonomia de cada
parte.
2.3
O princípio de laicidade comporta, portanto, em primeiro lugar, por parte do Estado,
o respeito de todas as confissões religiosas. O Estado deve "assegurar o
livre exercício das actividades cultuais (de culto), espirituais, culturais e
caritativas das comunidades dos crentes.
Numa
sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as diferentes
tradições espirituais e a nação" [2]
2.4
O princípio de laicidade pressupõe:
a)
independência (não-dependência) do Estado em relação a qualquer igreja ou
comunidade religiosa, e também a independência em relação a questões
estritamente religiosas (um credo, um ritual, etc.); bem como a não-intervenção
em assuntos estritamente religiosos, de competência exclusiva das igrejas e
comunidades; b) o respeito, por parte do Estado, do direito à liberdade
religiosa, sem outros limites que a ordem pública. Desde que a ordem pública
não seja afetada
(com tumultos, brigas, mortes, condutas
imorais, privações de liberdades fundamentais, etc.), as confissões religiosas gozam
da liberdade reconhecida pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 10/12/1948,
art. 2, 1: "toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de
consciência e de religião. Esse direito inclui [...] o direito de manifestar a
sua religião ou crença, individual ou coletivamente,
tanto
em público como em privado, por meio do ensino, a prática, o culto, etc.".
Também
a Declaração Dignitatis Humanae (n. 4) do Concílio Vaticano II afirma o direito
à liberdade religiosa das diversas confissões religiosas: direito ao culto
público, à formação dos seus fiéis, à promoção de instituições conformes com
seus princípios religiosos; o direito de não serem impedidas no ensino e
profissão pública da sua fé, de palavra ou por escrito; e o direito de estabelecer
associações (educativas, culturais, caritativas, sociais, etc.).
2.5
A laicidade, bem entendia, não pode significar, porém, que os católicos e os membros
de outras confissões religiosas devam abster-se de basear-se na "lei
moral" em sua actuação social e pública: por exemplo, na defesa do valor
da vida humana desde o seu início até o seu fim natural, da família, da
educação, de justiça social, etc. É importante ter em conta que há uma ética,
uma moral natural, uns valores éticos essenciais (valor da vida, valor da palavra
dada, valor da honestidade que não cede à corrupção, valor da fidelidade aos
compromissos, valor da família como célula-base da sociedade, etc.) que, como
repete Bento XVI, “não são negociáveis” [3]
Trata-se de questões éticas fundamentais, conquistadas pela reflexão racional,
que constituem tesouros de sabedoria acumulada ao longo da história sobre temas
importantes de "antropologia filosófica".
2.6
Como recorda o Compêndio da doutrina social da Igreja, "a laicidade, de facto,
significa, em primeiro lugar, a atitude de quem respeita as verdades
resultantes do conhecimento natural que se tem do homem que vive em sociedade,
mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas por uma religião
específica, pois a verdade é uma só. Buscar sinceramente a verdade, promover e
defender com meios lícitos as verdades morais concernentes à vida social – a
justiça, a liberdade, o respeito à vida e aos demais direitos da pessoa – é
direito e dever de todos os membros de uma comunidade social e política"
2.7
Na já citada Nota doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé sobre a
participação dos católicos na vida política, faz-se, no n. 6, uma exposição
muito clara sobre a questão da laicidade e o pluralismo. Vale a pena citar o
texto:
“Todos
os fiéis têm plena consciência de que os actos especificamente religiosos
(profissão da fé, prática dos actos de culto e dos sacramentos, doutrina
teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades
religiosas
e os fiéis, etc.) permanecem fora da competência do Estado, que nem deve
intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos que
haja fundadas exigências de ordem pública [...].
Completamente
diferente é a questão do direito-dever dos cidadãos católicos, aliás como de todos
os demais cidadãos, de procurar sinceramente a verdade e promover e defender
com meios lícitos as verdades morais relativas à vida social, à justiça, à
liberdade, ao respeito da vida e de outros direitos da pessoa. O facto de
algumas dessas verdades serem também ensinadas pela Igreja não diminui a legitimidade
civil e a “laicidade” do empenho dos que com elas se identificam,
independentemente do papel que a busca racional e a confirmação ditada pela fé
tenham tido no reconhecimento por parte de cada cidadão.
A
“laicidade”, de facto, significa, em primeiro lugar, a atitude der quem
respeita as verdades resultantes do conhecimento natural que se tem do homem
que vive em sociedade, mesmo que essas verdades sejam contemporaneamente ensinadas
por uma religião específica, pois a verdade é uma só [...].
Intervindo
nesta matéria, o Magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem
eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes.
Entende, ao invés – como é sua função própria – instruir e iluminar a consciência
dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam a uma participação na vida política,
para que o seu operar esteja sempre a serviço da promoção integral da pessoa e do
bem comum [...].
Nas
sociedades democráticas todas as propostas são discutidas e avaliadas
livremente.
Aquele
que, em nome do respeito à consciência individual, visse no dever moral dos
cristãos de serem coerentes com a própria consciência um sinal para
desqualificá-los politicamente, negando a sua legitimidade de agir em política
de acordo com as próprias convicções, cairia numa espécie de intolerante
laicismo. Com tal perspectiva pretende-se negar não só qualquer relevância
política e cultural da fé cristã, mas até a própria possibilidade de uma ética
natural. Se assim fosse, abrir-se-ia caminho a uma anarquia moral, que nunca
teria nada a ver com qualquer forma de legítimo pluralismo. A prepotência do
mais forte sobre o mais fraco seria a consequência lógica de uma tal
impostação”.
2.8
Portanto, a separação entre Igreja e Estado, a "laicidade" do Estado,
não significa que o Estado possa negar à Igreja o direito e o dever de
contribuir para o bem da sociedade (em assuntos não estritamente
"religiosos"), ou que se impeça aos católicos de terem as suas
opiniões, de defendê-las e de cumprir com a sua responsabilidade e o seu
direito à participação na vida pública, como qualquer cidadão. Um Estado que
não respeitasse um espaço para a Igreja na sociedade, ou negasse o direito dos
católicos de expressar – como qualquer outro cidadão – as suas opiniões e
opções políticas pessoais, teria acabado com a democracia, cairia no
sectarismo, no totalitarismo ideológico e prático.
III. O laicismo
3.1
Completamente diferente da laicidade é o laicismo, uma ideologia que hoje, em todo
o mundo ocidental – e cada vez mais no Brasil – pretende impor-se como a única
democrática e admissível. Tem trânsito livre na grande imprensa e na media mais
poderosa, que é seu porta-voz, que é – como já foi dito mais de uma vez –, o
seu "Magistério laico" e, ao mesmo tempo, o seu "Tribunal da
Inquisição laica", tribunal que, por princípio, fustiga, ridiculariza e "excomunga"
todos os que não aceitam o mesmo modo de pensar.
3.2
Em que consiste o laicismo? Como dizia João Paulo II (24/1/2005), na prática actual,
é "uma ideologia que leva gradualmente, de forma mais ou menos consciente,
à restrição da liberdade religiosa até promover um desprezo ou ignorância de
tudo o que seja religioso, relegando a fé à esfera do privado e opondo-se à sua
expressão pública". E, em 12/1/2004: "Um correcto conceito de
liberdade religiosa não é compatível com essa ideologia, que às vezes se
apresenta como a única voz da racionalidade. Não se pode cercear a liberdade
religiosa sem privar o homem de algo que é fundamental".
3.3
Um Estado que afirme respeitar as convicções dos cidadãos laicistas, pela mesma
razão (se pratica honestamente o pluralismo democrático) é obrigado a respeitar
as convicções dos cidadãos cristãos. Caso contrário, imporia – como já foi dito
– um dogma laico e violaria o princípio da igualdade de direitos.
IV.
As falácias do laicismo
4.1
O laicismo quer silenciar os cristãos, alegando que eles pretendem impor ao Estado
posições, soluções ou proibições que têm apenas como base a fé, a religião,
coisa que é incompatível com o Estado laico, que não pode adotar soluções
"religiosas", mas apenas "racionais".
Como
nos tempos áureos do Iluminismo, não hesitam em contrapor, como incompatíveis, razão
e fé, e em proclamar que há incompatibilidade entre a fé e a ciência, ciência
que, para eles, é a única que interessa, por ser – com reiteram uma e outra vez
– o campo próprio da razão, que é a única que interessa nas questões sociais e
políticas.
4.2
Nisso há uma evidente falácia. Porque, mesmo que os cristãos, cumprindo com o seu
dever de consciência, defendessem posições em matérias políticas e sociais
baseadas nas suas convicções "cristãs", um Estado democrático e
pluralista – é preciso repeti-lo, frisá-lo sem cessar – deveria respeitar essas
posições como respeita quaisquer outras inspiradas em “crenças ideológicas”.
4.3
Pelo que mostramos até agora, fica patente que, hoje, quando um cristão
coerente defende as suas convicções, as suas "opiniões" (às quais,
como cidadão, tem direito), a máquina laicista o agride de palavra e por
escrito, tenta silenciá-lo e procede à sua "exclusão" cívica, com o
apoio e o aplauso de políticos e de quase toda a media. Um exemplo
paradigmático é o da exclusão do ministro italiano Rocco Buttiglione do
Conselho da União Europeia, por ter manifestado a sua opinião “privada”
contrária ao aborto, mesmo que não a defendesse – omissão de que se penitenciou
depois publicamente – quando o Parlamento europeu aprovou o aborto. Estamos perante
a negação do pluralismo, do diálogo e da verdadeira democracia.
4.4
Mas é necessário dar ainda mais um passo para compreender as falácias do
laicismo.
No
campo social e político, os católicos conscientes e responsáveis defendem
(pode-se dizer que em 99,9% dos casos, se não em 100%) posições que decorrem, não
diretamente da religião nem da Revelação divina, mas apenas da Ética racional,
como já vimos. Fazem-no seguindo uma visão filosófica respeitável, baseada na
antropologia filosófica e na ética natural (não sobrenatural).
São
precisamente os católicos os que, nessas matérias, mais invocam a racionalidade
e a ciência (e não Encíclicas ou outros documentos magisteriais da Igreja).
Este é, por exemplo, o caso da defesa do dado cientificamente inegável de que a
vida “humana” começa no instante da concepção; e, em consequência, de que a
manipulação de células embrionárias é um desrespeito e um atentado contra a
vida “humana”.
4.5
Qualquer pessoa culta sabe que os pais da Ética natural, racional, foram os
filósofos gregos, principalmente Sócrates e o seu discípulo Platão; depois,
dando um passo à frente, Aristóteles ("Ética a Nicómaco",
"Grande Ética"), e os filósofos estoicos (Epicteto), até se chegar a
Cícero, com seu tratado moral de inspiração estoica, intitulado "De
officiis" ("Dos deveres")", e a Séneca com suas
"Cartas a Lucílio", etc. Nenhum deles pretendia fazer teologia. A
indagação fundamental de todos eles não era "o que Deus quer ou
manda", mas "qual é a verdadeira felicidade humana", e assim
toda a ética racional foi – também entre muitos cristãos, que sabem distinguir
entre Ética racional e Moral cristã – , um esforço da razão para achar as respostas
certas a essa indagação básica sobre o verdadeiro bem e a verdadeira felicidade
do homem e da sociedade.
Esse
esforço acumulou séculos de sabedoria e atingiu cumes muito elevados do
pensamento humano, que hoje a ditadura ideológica do laicismo pretende ignorar.
Mas prescindir dessas conquistas da inteligência humana acarreta um
empobrecimento do pensamento, da cultura, da vida social e, sobretudo, da dignidade
humana.
4.6
Na argumentação laicista, muitos ignoram ou prescindem desses tesouros do
pensamento ético. Mas, mesmo não os ignorando, é frequente que, na hora de
defender as suas posições – conforme as conveniências de uma posição já tomada
com “voluntarismo prévio” –
mudem
a argumentação e se contradigam, isto é, que abandonam a sua defesa da
"razão contra o obscurantismo religioso", e passem a descartar essa
mesma "razão" como imprestável, inútil e inconsistente, no campo da
ética e dos valores. Segundo as conveniências, pois, umas vezes invocam a razão
contra a religião, e, em outras ocasiões, arremetem contra a “pretensão” de
usar a razão para conhecer a verdade, invocando o agnosticismo, considerado,
sem debate, como o moderno "dogma de fé" filosófico: o dogma que
afirma ser impossível conhecer a verdade, e que, por isso, não se pode mais
falar em "verdade".
4.7
O agnosticismo, e o consequente relativismo, “levaram a investigação filosófica
[à procura racional do ser e da verdade] a perder-se nas areias movediças de um
cepticismo geral [...]. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um
pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são
equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto atual, da desconfiança
na verdade [...]. Neste horizonte, tudo fica reduzido a mera opinião”[4]
4.8
Essas palavras da Encíclica Fides et Ratio são um retrato do nosso tempo.
Suprimida a capacidade da razão para atingir verdades, negada a existência de
verdades objetivas e universais, o que resta? Só a vontade, o puro e simples
querer, apetecer, desejar. Toda a Encíclica Veritatis Splendor desmascara e
alerta sobre os perigos dessa tendência de fazer da liberdade a fonte da verdade,
isto é, de só aceitar como "verdadeiro" e "certo", em cada
momento (pois tudo é relativo) o que livremente escolhe a "maioria",
por consenso. Por exemplo, se os legisladores ficarem de acordo em dizer que a
vida começa quando a criança tem dois anos de idade (e que, em consequência, até
os dois anos a criança pode ser eliminada), esse "consenso" será
"a verdade" que todos deverão acatar. Dentro dessa ideologia
laicista, agnóstica e relativista, deixa de haver qualquer "referencial"
objectivo, absoluto e permanente da verdade e do bem. Sobra apenas, como lei, o
desejo, o interesse, os apetites e paixões, desde que os que fazem as leis
cheguem a um "consenso".
4.9
Entende-se, por isso, que o Compêndio da Doutrina Social da Igreja diga, no n.
572, como já lembrávamos: "Chega-se também e mais radicalmente a negar a
ética natural. Esta negação, que faz entrever uma condição de anarquia moral,
cuja consequência é a prepotência do mais forte sobre o mais fraco, não pode
ser acolhida por nenhuma forma legítima de pluralismo, porque mina as próprias
bases da convivência humana”.
4.10
Acontece, porém que, na atual mentalidade predominante, laicista e agnóstica,
em que "tudo é convencional, tudo é negociável" [5],
como dizia João Paulo II, a "prepotência do mais forte sobre o mais
fraco", a imposição ditatorial é inevitável, pela simples razão de que os
mais fortes economicamente, politicamente e "mediaticamente" são os
que dominam os organismos políticos nacionais e internacionais, e impõem, ou
manipulam com dinheiro, a opinião de uma minoria de grupos poderosos, como se
fosse a opinião majoritária do povo.
Por
ex., é um facto que em todas as decisões da ONU e dos seus organismos sobre
família a mulher a natalidade, etc., dominam as poderosas ONGS (dotadas de
bilhões de dólares) do Movimento Gay e do Movimento Feminista (“parenthood”,
"for choice", abortista, antinatalista).
Centenas
de ONGS católicas, ou cristãs de outras denominações, ou simplesmente
defensoras da ética natural, são barradas ou anuladas (e não obtém jamais, como
é lógico, ajudas ou subvenções das poderosas fontes internacionais que
alimentam as outras). Deste modo, vai-se impondo no mundo, de maneira
sistemática e massiva, a ideologia laicista, uma verdadeira ditadura do
relativismo, para usar a expressão de Bento XVI.
4.9
Por isso, e já como conclusão, é natural que, que o n. 570 do Compêndio da Doutrina
Social da Igreja, citando o n. 39 da Exortação apostólica Christifideles laici,
de João Paulo II, frise o seguinte: "Tenha-se presente que, em face das
múltiplas exigências morais fundamentais e irrenunciáveis, o testemunho cristão
deve considerar-se um dever inderrogável que pode chegar ao sacrifício da vida,
ao martírio, em nome da caridade e da dignidade humana”.
Mais
recentemente, Bento XVI, no n. 83 da Exortação Apostólica Sacramentum
Caritatis, de 22/2/2007, reafirma o dever do cristão de dar o “testemunho
público da sua fé”, e acrescenta as seguintes palavras: Isso – o testemunho
público da fé – “vale para todos os baptizados, mas impõe-se com particular
premência a quantos, pela posição social ou política que ocupam, devem tomar
decisões sobre valores fundamentais como o respeito e defesa da vida humana desde
a concepção até a morte natural, a família fundada sobre o Matrimônio entre um homem
e uma mulher, a liberdade de educação dos filhos e a promoção do bem comum em
todas as suas formas. Esses são valores não negociáveis”.
Pe. Francisco Faus
[1]
Pontifício Conselho “Justiça e Paz”,
Compêndio de doutrina social da Igreja, , Ed. Paulinas, São Paulo 2005, n. 571.
[2] João Paulo II, Discurso ao
Corpo Diplomático, 12 de janeiro de 2004. In Compêndio de Doutrina Social da
Igreja, n. 572 3
[3]
Bento XVI, Exortação Apostólica Sacramentum caritatis, de 22/2/2007, n. 834 n. 5714.
[4] João Paulo II, Enc.
Fides et ratio, 14/9/1998, n. 5
[5] João Paulo II, Enc.
Evangelium Vitae, 25/3/1995, n. 20
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