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Tempo de Páscoa
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Evangelho:
Jo 14, 21-26
21 Aquele que aceita os Meus
mandamentos e os guarda, esse é que Me ama; e aquele que Me ama, será amado por
Meu Pai, e Eu o amarei, e Me manifestarei a ele». 22 Judas, não o Iscariotes,
disse-Lhe: «Senhor, qual é a causa por que Te hás-de manifestar a nós e não ao
mundo?». 23 Jesus respondeu-lhe: «Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra e
Meu Pai o amará, e Nós viremos a ele, e faremos nele a Nossa morada. 24 Quem
não Me ama não observa as Minhas palavras. E a palavra que ouvistes não é
Minha, mas do Pai que Me enviou. 25 «Disse-vos estas coisas, estando convosco.
26 Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em Meu nome, vos
ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos disse.
Comentário:
A pergunta de S. Judas
parece decisiva para compreendermos muitas coisas a respeito de Jesus Cristo e
da Sua missão redentora.
Talvez nos tenhamos
perguntado alguma vez porque é que Jesus reservava para os Apóstolos a
revelação mais clara e compreensível sobre a Sua Pessoa e a Sua Missão.
A resposta do Mestre a
Judas é conclusiva:
Por muito que nos seja
explicado e evidenciado se, não tivermos amor Jesus, não entenderemos nem
aceitaremos; mas, pelo contrário, se Lhe tivermos amor, então o Espírito Santo
nos dará as luzes necessárias para entender tudo aquilo que as nossas
limitações não nos permitem alcançar.
(ama, Comentário sobre Jo 14, 21-26,
Fevereiro de 2009)
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Temas |
Meditações sobre a Ressurreição
1. O VAZIO DO CORAÇÃO SEM
DEUS
Lágrimas
ao amanhecer
Quando
o Domingo de Páscoa começava a clarear, um grande silêncio envolvia o
descampado onde se encontrava o túmulo de Jesus. Só duas coisas poderiam chamar
ali a atenção de um passante solitário: uma grande pedra circular – que servira
para fechar verticalmente a entrada do sepulcro – fora rolada e estava posta a
um lado; e perto da entrada escancarada, uma mulher, em pé, soluçava baixinho,
com um leve estremecer de ombros, de modo que os primeiros raios de sol faziam
cintilar as lágrimas que lhe escorriam pelas faces. Era Maria Madalena.
Entretanto
– lemos no Evangelho de São João –, Maria conservava-se do lado de fora, perto
do sepulcro, e chorava (Jo 20,11). Era a segunda vez, naquele amanhecer de Domingo,
que Maria ia até ao sepulcro de Jesus, incansável no seu empenho por prestar uma última homenagem a Nosso Senhor,
depois da Sua paixão e morte. Ajudada
por outras santas mulheres, queria ungir-lhe o corpo – que na sexta-feira santa
só tinham podido ungir às pressas e de modo incompleto – com os aromas que
haviam preparado.
Foi
assim que Maria Madalena chegou ao túmulo juntamente com Maria, mãe de Tiago e
Salomé, suas amigas. Estas últimas – conta São Marcos – fugiram, trêmulas e
amedrontadas (Mc 16,8), ao verem que o sepulcro estava vazio. Maria, porém, foi
correndo à procura de Pedro e João, para lhes dizer, quase sem fôlego: Tiraram
o Senhor do sepulcro, e não sabemos onde o puseram (Jo 20,2).
Há
espanto geral. Recuperados do primeiro susto, os dois Apóstolos saem em
disparada e ela vai atrás. Quando chegam ao túmulo, entram, e ficam perplexos
ao ver que, além de estar vazio, os panos com que tinham amortalhado o cadáver
de Jesus permaneciam intactos, com o mesmo formato que tinham quando envolviam
o corpo de Cristo, só que agora espalmados, como se o corpo do Senhor os
tivesse atravessado, esvaziando-os sem sequer tocá-los; e o sudário que lhe
cobrira a cabeça estava cuidadosamente enrolado, também intacto, a um lado.
Pedro e João, emocionados e perplexos, sentiram as pernas tremer e o coração
rebentar, e voltaram correndo ao Cenáculo para avisar os outros. Maria, porém,
não arredou pé de lá. Não queria ir-se embora. Queria encontrar Jesus, queria
honrá-lo com carinho, mesmo que fosse apenas um pobre cadáver dilacerado. Por
isso estacou ali, imóvel, chorando.
As
suas lágrimas silenciosas eram a expressão do seu amor. São Gregório Magno, o
grande Papa do século sexto, tem um comentário muito bonito a este respeito: “E
nós temos que pensar – diz ele – na força tão grande do amor que inflamava a
alma daquela mulher, que não se afastava do sepulcro do Senhor, mesmo quando os
apóstolos dele já voltavam. Buscava a quem não encontrava; chorava procurando-o
e, consumindo-se no fogo do seu amor, ardia no desejo de encontrar aquele que
imaginava roubado. E assim aconteceu que só ela o viu, a única que ficou
procurando… Começou a buscar, e não O encontrou; perseverou no seu querer, e
achou-o; de tal forma cresceram os seus desejos, e tanto se dilataram, que
acabaram alcançando o que buscavam”.
Quando
meditamos em tudo o que nos conta dessa mulher o santo Evangelho, percebemos que
a vida de Maria Madalena poderia ser definida assim: o Amor com maiúscula, ou
seja, o Amor de Deus, procurou-a e salvou-a; ela correspondeu a esse Amor e não
se cansou, por sua vez, de procurá-lo, de modo que toda a sua vida foi uma
busca ardente e um aprofundamento nesse divino Amor, como o foi a vida de
muitos grandes santos… Mas tem havido tantas confusões, tantas mentiras e
interpretações esquisitas sobre o amor de Maria Madalena, que vale a pena
lembrar a sua verdadeira história.
Quem
era a mulher de Magdala?
Na
realidade, trata-se de uma confusão que – na maior boa-fé, aliás – dura há
séculos. Para começar, é muito importante lembrar quem não era Maria Madalena.
Os melhores comentaristas do Evangelho, já desde os tempos de Santo Agostinho,
alertam-nos para que não a confundamos com outras duas mulheres do Evangelho.
Uma é aquela pecadora pública que certa vez banhou os pés de Jesus com lágrimas
de arrependimento e os ungiu com bálsamo (cf. Lc 7,37 ss.); e a outra é Maria
de Betânia, a irmã menor – pura e singela – de Marta e Lázaro, que também
derramou perfume sobre a cabeça e os pés de Jesus pouco antes da Paixão, num
gesto de fina cortesia, muito oriental (Jo 12,3).
Além
deste esclarecimento, é interessante frisar que o Evangelho nunca disse que Maria
Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida leviana. Aliás, afirma de
facto algo muito pior. Diz que Jesus tinha expulsado dela sete demónios (Lc
8,2). Isto é muito sério. Bem sabemos que o número sete – na linguagem bíblica
– significa muitos, uma multidão. Pois é isto que dela nos diz São Lucas.
É,
sem dúvida, algo terrível. Só o podemos compreender se tivermos consciência de
que o demónio – como ensina a Bíblia – é, acima de tudo, o pai da mentira, do
orgulho e do ódio. Como deve ter sido espantosa a vida dessa pobre mulher! Um
poço de ódio, de raiva, de desconfiança, de mentira, de rancor… Pode haver
sofrimento maior? Um verdadeiro inferno! Uma mulher incapaz de amar, incapaz de
alegrar-se, incapaz de vibrar com a verdade, de admirar a beleza e de saborear
o bem; incapaz de perdoar, incapaz de sorrir com carinho para os outros…!
Porque um coração afastado de Deus e entregue ao diabo – ao pecado – é como um
poço escuro e fundo. Lá não pode penetrar um raio de luz divina. A pessoa chega
a tornar-se incapaz de acreditar que o amor, a beleza e a bondade existam. Só
conhece as trevas em que se afunda…
A
tristeza no fundo do coração
Esse
“poço escuro”, essas “trevas”, são o retrato da tristeza que há hoje em dia no
fundo de muitos corações. Corações eternamente insatisfeitos, pessoas que podem
cantar, gritar, possuir, experimentar, dançar, agitar-se, embriagar-se de
álcool, sexo, drogas e emoções radicais, mas que por dentro estão sombriamente
vazias. Vivem instaladas no “coração das trevas”. E, mesmo sem o saberem,
procuram, procuram. Percebem que lhes falta o essencial, algo que passaram a
vida buscando sem encontrar. Sentem-se como alguém que se esfalfou tentando
apanhar a água da fonte com um recipiente furado. Atormenta-as, então, uma ânsia
de infinito que as queima por dentro, mas que nenhum tesouro do mundo e nenhuma
loucura do mundo e nenhum prazer do mundo conseguem satisfazer… Pode dizer-se
que estão torturadas por uma esperança distorcida, por um infinito desejo de
felicidade, que corre expectante atrás do vazio. É lógico que essa esperança
distorcida termine no desespero. O fundo do fundo da vida delas é a ausência…,
é o vazio…, e morrem sem saber porquê nunca foram felizes.
E,
no entanto, o porquê é claro: elas sofrem da ausência de Deus! Essas pessoas –
como Madalena antes de encontrar Jesus – não sabem que o seu mísero coração
está gritando aquelas palavras de um poema de Tagore: “Tenho necessidade de Ti,
só de Ti! Deixa que o meu coração o repita sem cansar-se. Os outros desejos que
dia e noite me envolvem, no fundo, são falsos e vazios. Assim como a noite
esconde na sua escuridão a súplica da luz, na escuridão da minha inconsciência
ressoa este grito: «Tenho necessidade de Ti, só de Ti!». Assim como a
tempestade está procurando a paz, mesmo quando golpeia a paz com toda a sua
força, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: «Tenho necessidade
só de Ti!»”
O
encontro que tudo mudou
Assim
estava Maria Madalena, quando um belo dia – de surpresa – Jesus foi buscá-la.
Não conhecemos os detalhes. Só sabemos que Jesus teve compaixão dela, e
expulsou dela sete demónios, como recordávamos acima. Dá para imaginar o que
deve ter sentido aquela alma, ao encontrar-se livre do Maligno e inundada pelo
dom da graça, conduzida por Jesus à descoberta deslumbrante de Deus? Que deve
ter sentido quando experimentou – quiçá pela primeira vez na vida – a pureza e
a grandeza do Amor, pois, como diz São João, Deus é Amor (1 Jo 4,8).
Encontrar
Deus, na pessoa de Cristo, foi como sair da asfixia do poço e, de repente,
“respirar”, absorver Deus até ao fundo da alma, como uma aragem do Céu que a
criava de novo. Madalena passou a ser uma mulher que, pela primeira vez na
vida, se apercebeu de como é bela a criação, todas as criaturas, transfiguradas
pelo olhar e a presença do Salvador. O seu coração transformou-se numa brasa
incandescente, inflamada pelo Amor que se derrama do Céu sobre o mundo através
do Coração de Jesus.
É
natural que, a partir do dia em que o antigo coração das trevas foi inundado
pela fé, pela esperança e pelo amor, começasse a seguir Jesus e a servi-lo, com
uma dedicação abnegada e total, como conta o Evangelho, juntamente com outras
santas mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir daquele momento, a razão –
toda a razão – da sua existência. Servir Jesus passou a ser para ela um puro
amor, que cumulava de plenitude e sentido o seu pensar, sonhar e viver.
Por
isso, quando a avalanche das brutalidades da Paixão, o ódio implacável dos
inimigos, desabou sobre Cristo e O reduziu a um cadáver ensanguentado na Cruz,
Maria Madalena – grudada à Mãe do Salvador – agarrou-se à Cruz como quem se
agarra à vida. Viver sem Jesus era para ela – como para todos os corações que
de verdade encontraram Cristo – a vertigem de um vazio de morte. Essa é a
Madalena que vemos chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a razão de que só
pense em buscar o meu Senhor (Jo 20,13).
O
reencontro da vida
Enquanto
estava assim, desolada, o Evangelho descreve-nos uma cena deliciosa: Chorando,
inclinou-se para olhar dentro do sepulcro. Viu dois anjos vestidos de branco…
Eles perguntaram-lhe: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “Porque levaram
o meu Senhor, e não sei onde o puseram” (Jo 20,13). A Madalena suplicante, toda
“procura”, encarnava nesses momentos aquelas palavras do profeta Isaías: A
minha alma desejou-Te, meu Deus, durante a noite e, dentro de mim, o meu
espírito procurava-Te (Is 26,9). Assim buscava Jesus.
O
Evangelho continua, e dá-nos alegria acompanhá-lo: Ditas estas palavras,
voltou-se para trás e viu Jesus em pé, mas não o reconheceu. Perguntou-lhe
Jesus: “Mulher, por que choras? Quem procuras?”
(Jo 20,15). Comove-nos ver Jesus ressuscitado, Jesus em pessoa, indo ao
encontro daquela pobre criatura, como o pai que desfruta por dentro ao pensar
na surpresa maravilhosa que preparou para o filho. E é muito bonito perceber –
para quem conhece e medita o Evangelho – que, depois da Ressurreição, Jesus se
mostra mais humano ainda, se possível, do que quando andava com os seus pelos
caminhos da Galileia e da Judeia. Torna-se mais próximo, afectuoso, acessível.
E aparece com uma nova carga de alegria: “diverte-se”, por assim dizer,
alegrando os seus amigos com atitudes cheias de “bom humor”, de um divino e
delicioso bom humor.
Para
captar isso, basta continuar a acompanhar esse diálogo do Senhor com Madalena.
Quem procuras? pergunta-lhe Jesus -, e ela, supondo que fosse o jardineiro,
respondeu: “Senhor, se tu o tiraste, diz-me onde o puseste, e eu o irei
buscar”. Cristo não quer prolongar mais a aflição, e manifesta-se abertamente:
Disse-lhe Jesus: “Maria!” O Evangelho aqui balbucia, só sabe repetir a
exclamação que saiu daquela Maria estremecida de gozo, com os olhos arregalados
e o coração prestes a explodir: Voltando-se ela, exclamou em hebraico: Raboni!”,
que quer dizer “Mestre!”… Nesse exacto momento, Jesus olha-a com ternura e
“nomeia-a” Sua primeira mensageira da fé, da alegria da Ressurreição: Não Me retenhas… Vai aos meus irmãos e diz-lhes:
Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus. Maria Madalena correu
(nesse dia, realmente, não parou de correr…) para anunciar aos discípulos que
tinha visto o Senhor e contou o que Ele lhe tinha falado (Jo 20,15-18).
A
partir desse momento, para Madalena a vida voltava a ser Vida, com maiúscula. O
futuro era radiante: o reencontro com Jesus encheu de novo o vazio da alma com
a luz cálida e inextinguível da esperança.
A
chegarmos a este ponto, será bom reflectir e perguntar-nos: “Será que, pensando
nos vazios que com frequência eu sinto, a lição da Madalena não me diz nada?”
Todo o vazio, toda amargura, é uma ausência: a ausência de Deus. Pode ser a
terrível ausência provocada pelo pecado, pelos sete demónios, mas pode ser
também a ausência de uma alma boa que perde Deus de vista, fica morna na fé, e
acha então muitas tristezas inexplicáveis que a atormentam e que têm uma
perfeita explicação: são a ausência do “amor” de Deus na alma, são a frieza de
quem tem Jesus ao lado (sempre está ao nosso lado, sempre nos procura, como fez
com Madalena) e não o enxerga, são a amargura esquizofrênica de quem se queixa
de Deus, justamente na hora em que Deus mais a ajuda… Como Madalena, que
pensava que Jesus (aquele Jesus que não reconheceu) lhe tinha roubado Jesus…
Não acontece algo disto connosco?
Sim,
acontece. Diante de muitas dificuldades, lutas ou cruzes que Deus nos envia
para nosso bem, pensamos tolamente que Deus nos abandonou ou Se afastou de nós.
Que retirou a Sua mão e não nos ajuda com a Sua graça. E é quando está mais
próximo.
Gravemos
bem a lição das lágrimas e do júbilo de Maria Madalena. Convençamo-nos,
profundamente, de que toda a tristeza, toda a amargura, toda a revolta, no
fundo, é uma ausência de Deus (maligna ou benigna, mas nunca boa). Por isso,
decidamo-nos a procurar Deus, a procurar Jesus com toda a nossa alma, como
Madalena: com a mesma determinação com que ela O procurou. –”Onde está?” –
diremos a nós mesmos – e responderemos com a decisão de aumentar o nosso
aprofundamento na fé, a nossa leitura e meditação do Evangelho e das riquezas
da doutrina cristã… E, se nos perguntarmos: – “Como achá-lo?”, deveremos
responder: – “Como Madalena, que busca, pergunta, procura e não pára até
encontrá-lo, ou seja, como Jesus nos ensinou: rezando, pedindo, orando sem
cessar, pois a Sua promessa não falha: Eu vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; buscai
e achareis; batei e abrir-vos-ão.