Ouvimos
por aí a muita gente frases deste tipo:
Eu
tenho muita fé que Deus me vai dar o que eu lhe peço!
Quer
dizer então que aquela “fé” se baseia em Deus dar aquilo que alguém Lhe pede,
segundo a vontade, segundo os planos daquele que pede.
O
que significa também, que se tal pedido não for concedido, a “fé” deixa de
existir, porque ela se firma na obtenção do que se pede, e não na “capacidade”
de Deus conhecer o que é melhor para aquele que pede, e, sabendo que a
satisfação desse pedido não serve ao impetrante, não satisfazer tal pedido.
Tenhamos
em conta a mesma frase, mas proferida de outro modo:
Eu
tenho fé em Deus, e acredito que Ele me concederá o que Lhe peço, se for de Sua
vontade.
Poder-se-á
dizer que é uma questão de semântica, mas na realidade vai muito mais longe do
que a semântica, pois revela posturas completamente diferentes perante Deus e
perante a fé em Deus.
Se
a minha “fé” se baseia naquilo que Deus me dá ou pode dar, então a minha “fé” é
uma espécie de “comércio”, ou seja, Deus dá-me o que eu peço e eu acredito
n’Ele, ou então, se não me dá, é vã a minha “fé”, ou seja, a minha “fé” deixa
de existir porque não tem sentido, visto que aquilo em que acreditava não
aconteceu.
Esta
“fé” nada tem de transcendente, nada tem de dom de Deus, porque se firma apenas
nas coisas materiais, palpáveis, que eu posso dominar e das quais me posso
servir a meu belo prazer.
Esta
“fé” é uma relação que se autodestrói, porque se fixa apenas naquilo que posso
obter daquele em que acredito, e não no todo que Ele é, e como tal, falhado o
objectivo da “fé” por não obter o que pretendo, falha também o acreditar n’Aquele
que é “objecto” da “fé”.
Então,
se a minha “fé” é esta acima descrita, toda a confiança e esperança colocada
naquele de quem quero obter o que pretendo, morre, ao não me ser concedido o
que pretendo, e a minha vida, que vivia dessa relação assente numa “fé
parcial”, torna-se desesperada porque já não tem nada em que acreditar, em que
confiar, em que esperar.
A
Fé, dom de Deus, não se ocupa do que pode obter do próprio Deus, mas sim, ocupa-se
em acreditar e viver esse acreditar em Deus Revelado aos homens, porque sabe
também que tudo o que realmente precisa e é bom para a sua vida, lhe virá por
acréscimo, por força da confiança e da esperança no Deus a Quem nada é
impossível e tudo conhece.
Porque
a Fé ilumina o pedido, (peço segundo a vontade de Deus), e iluminando o pedido,
ilumina a aceitação da resposta de Deus, mesmo que ela não seja conforme os
meus desejos, porque faz nascer no meu coração a certeza de que, se tal não me
foi concedido, é porque não era o melhor para a minha vida e, assim, Deus que
me ama com amor infinito, cuidou de me proteger do que me podia fazer mal.
E
esta Fé, (a única e verdadeira Fé), leva-me a uma relação tão única, pessoal e
intima com Deus, que, mesmo nos momentos mais difíceis, mesmo nos momentos em
que nada me é concedido, mesmo nos momentos em que Deus parece muito longe, a
aceitação de tudo é uma constante certeza de fazer a vontade de Deus, (E dizia:
«Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o
que Eu quero, e sim o que Tu queres.» Mc 14,36), e assim sendo, saber
intimamente que Ele nunca me abandona.
Por
isso mesmo esses momentos não são nunca um fim, mas um eterno recomeço na
procura da Sua vontade.
Por
isso a confiança e a esperança não morrem, mas são sempre vivas, porque Ele faz
novas todas as coisas, («Eu renovo todas as coisas.»Ap 21,5), e se são sempre
novas, também a vida é abundante e cheia de sentido, porque vive no sentido da
Fé.
E,
por força da Fé, que leva à confiança e à esperança em Deus, essa aceitação
nunca é passiva, estática, mas sim activa e dinâmica, e como tal luta para
obter, segundo a vontade de Deus, tudo o que necessita para ter a vida e «vida
em abundância Jo 10,10».
E
assim também, por força dessa dinâmica, nasce a necessidade interior de
testemunhar a Fé, para que no amor a Deus, que é vivido também necessariamente
no amor aos outros, os outros possam perceber como a Fé transforma a vida e lhe
dá sentido, abrindo-se assim também eles ao Dom de Deus.
Assim
como nos exorta o Papa Bento XVI, na Carta
Apostólica “Porta da Fé”:
«Por conseguinte,
só acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de
adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas
mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em
Deus.» Porta Fidei 7
«Simultaneamente
esperamos que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade.
Descobrir novamente os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada e
reflectir sobre o próprio acto com que se crê, é um compromisso que cada crente
deve assumir, sobretudo neste Ano.» Porta Fidei 9
Marinha
Grande, 30 de Outubro de 2012