26/09/2014

É curto o nosso tempo para amar

Um filho de Deus não tem medo da vida nem medo da morte, porque o fundamento da sua vida espiritual é o sentido da filiação divina: Deus é meu Pai, pensa, e é o Autor de todo o bem, é toda a Bondade. – Mas tu e eu procedemos, de verdade, como filhos de Deus? (Forja, 987)

Para nós, cristãos, a fugacidade do caminho terreno deve incitar-nos a aproveitar melhor o tempo, não a temer Nosso Senhor, e muito menos a olhar a morte como um final desastroso. Um ano que termina – já foi dito de mil modos, mais ou menos poéticos – com a graça e a misericórdia de Deus, é mais um passo que nos aproxima do Céu, nossa Pátria definitiva.
Ao pensar nesta realidade, compreendo perfeitamente aquela exclamação que S. Paulo escreve aos de Corinto: tempus breve est!, que breve é a nossa passagem pela terra! Para um cristão coerente, estas palavras soam, no mais íntimo do seu coração, como uma censura à falta de generosidade e como um convite constante a ser leal. Realmente é curto o nosso tempo para amar, para dar, para desagravar. Não é justo, portanto, que o malbaratemos, nem que atiremos irresponsavelmente este tesouro pela janela fora. Não podemos desperdiçar esta etapa do mundo que Deus confia a cada um de nós.
(…) Há-de chegar também para nós esse dia, que será o último e não nos causa medo. Confiando firmemente na graça de Deus, estamos dispostos desde este momento, com generosidade, com fortaleza, pondo amor nas pequenas coisas, a acudir a esse encontro com o Senhor, levando as lâmpadas acesas, porque nos espera a grande festa do Céu. (Amigos de Deus, 39–40)



Temas para meditar - 248


Filiação divina



A nossa filiação divina, iniciada já pela acção da graça na alma, será consumada pela glorificação do corpo (...), de forma que assim como a nossa alma foi redimida pelo pecado, assim o nosso corpo será redimido da corrupção da morte.



(s. tomás de aquinoComentário sobre à Carta aos Romanos, 8, 5)

Jesus Cristo e a Igreja (54 perguntas) - 35

O que aconteceu na Última Ceia?

As horas que precederam a Paixão e Morte de Jesus ficaram gravadas com singular força na memória e no coração daqueles que estiveram com Ele. Por isso, nos escritos do Novo Testamento se conservam bastantes detalhes acerca do que Jesus fez e disse na sua última ceia. Segundo J. Jeremias é um dos episódios da sua vida melhor testemunhados.

Nessa ocasião Jesus estava sozinho com os doze Apóstolos (Mt 26, 20; Mc 14, 17.20; Lc 22, 14). Não o acompanhavam nem Maria, sua mãe, nem as santas mulheres.
Segundo o relato de São João, ao começar, num gesto carregado de significado, Jesus lava os pés aos seus discípulos dando assim exemplo humilde de serviço (Jo 13, 1-20). A seguir tem lugar um dos episódios mais dramáticos dessa reunião: Jesus anuncia que um deles o vai atraiçoar, e eles ficam a olhar uns para os outros com surpresa perante essas palavras de Jesus, que de modo delicado assinala Judas (Mt 26, 20-25; Mc 14, 17-21; Lc 22, 21-23 e Jo 13, 21-22).

Na própria celebração da ceia, o facto mais surpreendente foi a instituição da Eucaristia. Do sucedido nesse momento conservam-se quatro relatos – os três dos sinópticos (Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22, 14-20) e o de São Paulo (1 Co 11, 23-26) – muito parecidos entre si. Tratam-se em todos os casos de narrações de apenas uns poucos versículos, nas quais se recordam os gestos e as palavras de Jesus que deram lugar ao Sacramento e que constituem o núcleo do novo rito: “Depois tomou um pão, deu graças, partiu-o e deu-lho, dizendo: «Isto é o Meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de Mim»“ (Lc 22, 19 e par.).
São palavras que expressam a radical novidade do que estava a suceder nessa ceia de Jesus com os seus Apóstolos, relativamente às ceias habituais. Jesus na sua Última Ceia não entregou pão aos que estavam com ele à volta da mesa, mas uma realidade distinta sob a aparência de pão: «Isto é o meu corpo». E transmitiu aos Apóstolos que estavam ali o poder necessário para fazer o que Ele fez naquela ocasião: «Fazei isto em minha memória».

No final da ceia sucedeu também algo de singular relevância: “Depois da ceia fez o mesmo com o cálice, dizendo: «Este cálice é a nova Aliança no Meu sangue, que é derramado por vós»“ (Lc 22, 20 e par.).
Os Apóstolos compreenderam que se antes tinham assistido à entrega do seu corpo sob as aparências do pão, agora lhes dava a beber o seu sangue num cálice.
Deste modo, a tradição cristã percebeu na recordação da entrega por separado do seu corpo e do seu sangue um sinal eficaz do sacrifício que, poucas horas depois, haveria de consumar-se na cruz.

Além disso, durante todo esse tempo, Jesus ia falando com afecto deixando no coração dos Apóstolos as suas últimas palavras. No evangelho de São João conserva-se a recordação dessa longa e entranhável sobremesa. Nesses momentos se situa o mandamento novo, cujo cumprimento será o sinal distintivo do cristão: “Dou-vos um mandamento novo: Que vos ameis uns aos outros. Assim como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisto conhecerão todos que sois Meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 34-35).

© www.opusdei.org - Textos elaborados por uma equipa de professores de Teologia da Universidade de Navarra, dirigida por Francisco Varo.


Evang., Coment. Leit. Espiritual (Enc. Immortale Dei)

Tempo comum XXV Semana

Evangelho: Lc 9, 18-22

18 Aconteceu que, estando a orar só, se encontravam com Ele os Seus discípulos. Jesus interrogou-os: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». 19 Responderam e disseram: «Uns dizem que és João Baptista, outros que Elias, outros que ressuscitou um dos antigos profetas». 20 Ele disse-lhes: «E vós quem dizeis que sou Eu?». Pedro, respondendo, disse: «O Cristo de Deus». 21 Mas Ele, em tom severo, mandou que não o dissessem a ninguém, 22 acrescentando: «É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, que seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas, que seja morto e ressuscite ao terceiro dia. 23 Depois, dirigindo-Se a todos disse: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias, e siga-Me. 24 Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25 Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz dano a si? 26 Porque quem se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na Sua majestade e na de Seu Pai e dos santos anjos.

Comentário:

É preciso perder a vida para a salvar?

Estranha “sentença”, esta que o Senhor nos dá!

A vida, a verdadeira vida, é a que está de acordo com a vida divina porque, filhos de Deus, como somos, não podemos viver de outro modo: como Deus quer, procurando fazer, em tudo, a Sua vontade santa.

(ama, V. Moura, comentário sobre Lc 9, 18-22, 2013.09.27)


Leitura espiritual


Documentos do Magistério
CARTA ENCÍCLICA
IMMORTALE DEI
DO SUMO PONTIFÍCE PAPA LEÃO XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE A CONSTITUIÇÃO CRISTÃ
DOS ESTADOS

14. Porquanto o Filho único de Deus estabeleceu na terra uma sociedade a que chamamos a Igreja, e encarregou-a de continuar através de todas as idades a missão sublime e divina que Ele mesmo recebera de seu Pai.
“Assim como meu Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20, 21). “E eis que eu estou convosco até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Do mesmo modo, pois, que Jesus Cristo veio à terra a fim de que os homens “tivessem a vida e a tivessem mais abundantemente” (Jo 10, 10), assim também a Igreja propõe-se como fim a salvação eterna das almas; e, nesse intuito, é tal a sua constituição que ela abrange na sua extensão a humanidade inteira e não é circunscrita por limite algum nem de temo, nem de lugar. “Pregai o Evangelho a toda criatura” (Mt 16, 15).

15. A essa imensa multidão de homens o próprio Deus deu chefes com o poder de governá-los. À testa deles propôs um só de quem quis fazer o maior e o maior seguro mestre da verdade, e a quem confiou as chaves do reino dos céus. “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (Mt 16, 19). “Apascenta meus cordeiros... apascenta minhas ovelhas” (Jo 21, 16-17). “Roguei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça” (Lc 22, 32).

16. Se bem que composta de homens como a sociedade civil, essa sociedade da Igreja, quer pelo fim que lhe foi designado, quer pelos meios que lhe servem para atingi-lo, é sobrenatural e espiritual.
Distingue-se, pois, e difere da sociedade civil.
Além disso, e isto é da maior importância, constitui ela uma sociedade juridicamente perfeita no seu género, porque, pela expressa vontade e pela graça do seu Fundador, possui em si e de per si todos os recursos necessários à sua existência e acção.
Como o fim a que a Igreja tende é de muito o mais nobre de todos, assim também o seu poder prevalece sobre todos os outros poderes, e de modo algum pode ser inferior ou sujeita ao poder civil.
Efectivamente, Jesus Cristo deu plenos poderes aos seus apóstolos na esfera das coisas sagradas, juntando-lhes tanto a faculdade de fazer verdadeiras leis como o duplo poder que dela decorre, de julgar e de punir.
“Todo poder me foi dado no céu e na terra; ide pois, ensinai todas as nações...ensinando-as a observar tudo o que eu vos prescrevi” (Mt 28, 18-20). E ainda: “Tende cuidado de punir toda desobediência” (2 Cor 10, 6). Demais: “Serei mais severo em virtude do poder que o Senhor me deu para a edificação e não para a ruína” (2 Cor 13, 10).
À Igreja, pois, e não ao Estado, é que pertence guiar os homens para as coisas celestes, e a ela é que Deus deu o mandato de conhecer e de decidir de tudo o que concerne à religião; de ensinar todas as nações, de estender a tão longe quanto possível as fronteiras do nome cristão; em suma, de administrar livremente e a seu inteiro talante os interesses cristãos.

17. Essa autoridade perfeita em si e só de si mesma dependente, de há muito tempo atacada por uma filosofia aduladora dos príncipes, a Igreja nunca cessou de reivindicá-la, nem de exercê-la publicamente.
Os primeiros de todos os seus paladinos foram os Apóstolos, que, impedidos pelos príncipes da Sinagoga de difundirem o Evangelho, respondiam com firmeza: “Devemos obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5, 29).
Foi ela que os Padres da Igreja se aplicaram a defender por sólidas razões quando tiveram ensejo, e que os Pontífices romanos nunca deixaram de reivindicar com uma constância invencível contra os seus agressores.

18. Bem mais, tem ela tido por si, em princípio e de facto, o assentimento dos príncipes e dos chefes de Estados, que, nas suas negociações e transações, enviando e recebendo embaixadas e permutando outros bons ofícios, têm constantemente agido com a Igreja como com uma potência soberana e legítima.
Por isto, não é sem uma disposição particular da Providência de Deus que essa autoridade foi munida de um principado civil, como da melhor salvaguarda da sua independência.

19. Deus dividiu, pois, o governo do género humano entre dois poderes: o poder eclesiástico e o poder civil; àquele preposto às coisas divinas, este às coisas humanas.
Cada uma delas no seu género é soberana; cada uma está encerrada em limites perfeitamente determinados, e traçados em conformidade com a sua natureza e com o seu fim especial.
Há, pois, como que uma esfera circunscrita em que cada uma exerce a sua acção “iure próprio”.
Todavia, exercendo-se a autoridade delas sobre os mesmos súditos, pode suceder que uma só e mesma coisa, posto que a título diferente, mas no entanto uma só e mesma coisa, incida na jurisdição e no juízo de um e de outro poder.
Era, pois, digno da Sábia Providência de Deus, que as estabeleceu ambas, traçar-lhes a sua trilha e a sua relação entre si. “OS poderes que existem foram dispostos por Deus” (Rom 13, 1).
Se assim não fora, muitas vezes nasceriam causas de funestas contenções e conflitos e muitas vezes o homem deveria hesitar, perplexo, como em face de um duplo caminho, sem saber o que fazer, em consequência das ordens contrárias de dois poderes cujo jugo em consciência ele não pode sacudir. Sumamente repugnaria responsabilizar por essa desordem a sabedoria e a bondade de Deus, que, no governo do mundo físico, todavia de ordem bem inferior, temperou tão bem umas pelas outras as forças e as causas naturais, e as fez harmonizar-se de maneira tão admirável, que nenhuma delas molesta as outras, e todas, num conjunto perfeito, conspiram para a finalidade a que tende o universo.
Necessário é, pois, que haja entre os dois poderes um sistema de relações bem ordenado, não sem analogia com aquele que, no homem, constitui a união da alma com o corpo.
Não se pode fazer uma justa ideia da natureza e da força dessas relações senão considerando, como dissemos, a natureza de cada um dos dois poderes, e levando em conta a excelência e a nobreza dos seus fins, visto que um tem por fim próximo e especial ocupar-se dos interesses terrenos, e o outro proporcionar os bens celestes e eternos.

20. Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das almas e ao culto de Deus, seja pela sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja.
Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Tempos ocorrem às vezes, em que prevalecem outros modos de assegurar a concórdia e de garantir a paz e a liberdade; é quando os chefes de Estado e os Sumos Pontífices se põem de acordo por um tratado sobre algum ponto particular.
Em tais circunstâncias, a Igreja dá provas evidentes da sua caridade materna, levando tão longe quanto possível a indulgência e a condescendência.

21. Tal é, consoante o esboço sumário que havemos traçado, a organização cristã da sociedade civil, e essa teoria não é nem temerária nem arbitrária, mas deduz-se dos princípios mais elevados e mais certos, confirmados pela própria razão natural.
Essa constituição da sociedade política não tem nada que possa parecer pouco digno ou inconveniente para a dignidade dos príncipes. Longe de tirar o que quer que seja aos direitos da majestade, pelo contrário, torna-os mais estáveis e mais augustos.
Muito mais: se olharmos isso mais de perto, reconheceremos nessa constituição uma grande perfeição que falta nos outros sistemas políticos; e ela produziria certamente frutos excelentes e variados se ao menos cada poder ficasse nas suas atribuições e pusesse todos os seus desvelos em cumprir o ofício e a tarefa que lhes foram determinados.

22. Com efeito, na constituição do Estado, tal como a acabamos de expor, o divino e o humano são delimitados numa ordem conveniente; os direitos dos cidadãos são assegurados e colocados sob a proteção das mesmas leis divinas, naturais e humanas; os deveres de cada um, são tão sabiamente traçados quanto prudentemente salvaguardada lhes é a observância.
Todos os homens, nesse encaminhamento incerto e penoso para a cidade eterna, sabem que têm ao seu serviço guias seguros para conduzi-los à meta, e auxiliares para atingi-la.
Sabem, do mesmo modo, que outros chefes lhes foram dados para obter e conservar a segurança, os bens e as outras vantagens dessa vida.

23. A sociedade doméstica acha a sua solidez necessária na santidade do vínculo conjugal, uno e indissolúvel; os direitos e os deveres dos esposos são regulados com toda a justiça e equidade; a honra devida à mulher é salvaguardada; a autoridade do marido modela-se pela autoridade de Deus, o pátrio poder é temperado pelas atenções devidas à esposa e aos filhos; enfim, está perfeitamente provido para a proteção, para o bem-estar e para a educação desses últimos.

24. Na ordem política e civil, as leis têm por fim o bem comum, ditadas não pela vontade e pelo juízo enganador da multidão, mas pela verdade e pela justiça.
A autoridade dos príncipes reveste uma espécie de carácter mais sagrado do que humano, e é contida de maneira a não se afastar da justiça, nem exceder o seu poder.
A obediência dos súditos corre em paralelo com a honra e a dignidade, porque não é uma sujeição de homem a homem, mas uma submissão à vontade de Deus, que reina por meio de homens.
Uma vez isso reconhecido e aceite, daí resulta claramente ser um dever de justiça respeitar a majestade dos príncipes, ser submisso com fidelidade constante ao poder político, evitar as sedições e observar religiosamente a constituição do Estado.

(cont)

(revisão da versão portuguesa por ama)