Evangelho:
Lc 9, 18-22
18 Aconteceu que,
estando a orar só, se encontravam com Ele os Seus discípulos. Jesus
interrogou-os: «Quem dizem as multidões que Eu sou?». 19 Responderam
e disseram: «Uns dizem que és João Baptista, outros que Elias, outros que
ressuscitou um dos antigos profetas». 20 Ele disse-lhes: «E vós quem
dizeis que sou Eu?». Pedro, respondendo, disse: «O Cristo de Deus». 21
Mas Ele, em tom severo, mandou que não o dissessem a ninguém, 22
acrescentando: «É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, que
seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas,
que seja morto e ressuscite ao terceiro dia. 23 Depois, dirigindo-Se
a todos disse: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz todos os dias, e siga-Me. 24 Porque quem quiser salvar a sua
vida, a perderá; e quem perder a sua vida por causa de Mim, salvá-la-á. 25
Que aproveita ao homem ganhar todo o mundo, se se perde a si mesmo ou se faz
dano a si? 26 Porque quem se envergonhar de Mim e das Minhas
palavras, também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier na Sua
majestade e na de Seu Pai e dos santos anjos.
Comentário:
É
preciso perder a vida para a salvar?
Estranha
“sentença”, esta que o Senhor nos dá!
A
vida, a verdadeira vida, é a que está de acordo com a vida divina porque,
filhos de Deus, como somos, não podemos viver de outro modo: como Deus quer,
procurando fazer, em tudo, a Sua vontade santa.
(ama, V. Moura, comentário sobre Lc 9, 18-22, 2013.09.27)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
CARTA ENCÍCLICA
IMMORTALE DEI
DO SUMO PONTIFÍCE PAPA LEÃO XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE A CONSTITUIÇÃO CRISTÃ
DOS ESTADOS
14.
Porquanto o Filho único de Deus estabeleceu na terra uma sociedade a que
chamamos a Igreja, e encarregou-a de continuar através de todas as idades a
missão sublime e divina que Ele mesmo recebera de seu Pai.
“Assim
como meu Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20, 21). “E eis que eu estou convosco
até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Do mesmo modo, pois, que Jesus
Cristo veio à terra a fim de que os homens “tivessem a vida e a tivessem mais
abundantemente” (Jo 10, 10), assim também a Igreja propõe-se como fim a
salvação eterna das almas; e, nesse intuito, é tal a sua constituição que ela
abrange na sua extensão a humanidade inteira e não é circunscrita por limite
algum nem de temo, nem de lugar. “Pregai o Evangelho a toda criatura” (Mt 16,
15).
15.
A essa imensa multidão de homens o próprio Deus deu chefes com o poder de
governá-los. À testa deles propôs um só de quem quis fazer o maior e o maior
seguro mestre da verdade, e a quem confiou as chaves do reino dos céus.
“Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (Mt 16, 19). “Apascenta meus
cordeiros... apascenta minhas ovelhas” (Jo 21, 16-17). “Roguei por ti, a fim de
que tua fé não desfaleça” (Lc 22, 32).
16.
Se bem que composta de homens como a sociedade civil, essa sociedade da Igreja,
quer pelo fim que lhe foi designado, quer pelos meios que lhe servem para
atingi-lo, é sobrenatural e espiritual.
Distingue-se,
pois, e difere da sociedade civil.
Além
disso, e isto é da maior importância, constitui ela uma sociedade juridicamente
perfeita no seu género, porque, pela expressa vontade e pela graça do seu
Fundador, possui em si e de per si todos os recursos necessários à sua
existência e acção.
Como
o fim a que a Igreja tende é de muito o mais nobre de todos, assim também o seu
poder prevalece sobre todos os outros poderes, e de modo algum pode ser
inferior ou sujeita ao poder civil.
Efectivamente,
Jesus Cristo deu plenos poderes aos seus apóstolos na esfera das coisas
sagradas, juntando-lhes tanto a faculdade de fazer verdadeiras leis como o
duplo poder que dela decorre, de julgar e de punir.
“Todo
poder me foi dado no céu e na terra; ide pois, ensinai todas as
nações...ensinando-as a observar tudo o que eu vos prescrevi” (Mt 28, 18-20). E
ainda: “Tende cuidado de punir toda desobediência” (2 Cor 10, 6). Demais:
“Serei mais severo em virtude do poder que o Senhor me deu para a edificação e
não para a ruína” (2 Cor 13, 10).
À
Igreja, pois, e não ao Estado, é que pertence guiar os homens para as coisas
celestes, e a ela é que Deus deu o mandato de conhecer e de decidir de tudo o
que concerne à religião; de ensinar todas as nações, de estender a tão longe
quanto possível as fronteiras do nome cristão; em suma, de administrar
livremente e a seu inteiro talante os interesses cristãos.
17.
Essa autoridade perfeita em si e só de si mesma dependente, de há muito tempo
atacada por uma filosofia aduladora dos príncipes, a Igreja nunca cessou de
reivindicá-la, nem de exercê-la publicamente.
Os
primeiros de todos os seus paladinos foram os Apóstolos, que, impedidos pelos
príncipes da Sinagoga de difundirem o Evangelho, respondiam com firmeza:
“Devemos obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5, 29).
Foi
ela que os Padres da Igreja se aplicaram a defender por sólidas razões quando
tiveram ensejo, e que os Pontífices romanos nunca deixaram de reivindicar com
uma constância invencível contra os seus agressores.
18.
Bem mais, tem ela tido por si, em princípio e de facto, o assentimento dos
príncipes e dos chefes de Estados, que, nas suas negociações e transações,
enviando e recebendo embaixadas e permutando outros bons ofícios, têm
constantemente agido com a Igreja como com uma potência soberana e legítima.
Por
isto, não é sem uma disposição particular da Providência de Deus que essa
autoridade foi munida de um principado civil, como da melhor salvaguarda da sua
independência.
19.
Deus dividiu, pois, o governo do género humano entre dois poderes: o poder
eclesiástico e o poder civil; àquele preposto às coisas divinas, este às coisas
humanas.
Cada
uma delas no seu género é soberana; cada uma está encerrada em limites
perfeitamente determinados, e traçados em conformidade com a sua natureza e com
o seu fim especial.
Há,
pois, como que uma esfera circunscrita em que cada uma exerce a sua acção “iure
próprio”.
Todavia,
exercendo-se a autoridade delas sobre os mesmos súditos, pode suceder que uma
só e mesma coisa, posto que a título diferente, mas no entanto uma só e mesma
coisa, incida na jurisdição e no juízo de um e de outro poder.
Era,
pois, digno da Sábia Providência de Deus, que as estabeleceu ambas, traçar-lhes
a sua trilha e a sua relação entre si. “OS poderes que existem foram dispostos
por Deus” (Rom 13, 1).
Se
assim não fora, muitas vezes nasceriam causas de funestas contenções e
conflitos e muitas vezes o homem deveria hesitar, perplexo, como em face de um
duplo caminho, sem saber o que fazer, em consequência das ordens contrárias de
dois poderes cujo jugo em consciência ele não pode sacudir. Sumamente
repugnaria responsabilizar por essa desordem a sabedoria e a bondade de Deus,
que, no governo do mundo físico, todavia de ordem bem inferior, temperou tão
bem umas pelas outras as forças e as causas naturais, e as fez harmonizar-se de
maneira tão admirável, que nenhuma delas molesta as outras, e todas, num
conjunto perfeito, conspiram para a finalidade a que tende o universo.
Necessário
é, pois, que haja entre os dois poderes um sistema de relações bem ordenado,
não sem analogia com aquele que, no homem, constitui a união da alma com o
corpo.
Não
se pode fazer uma justa ideia da natureza e da força dessas relações senão
considerando, como dissemos, a natureza de cada um dos dois poderes, e levando
em conta a excelência e a nobreza dos seus fins, visto que um tem por fim
próximo e especial ocupar-se dos interesses terrenos, e o outro proporcionar os
bens celestes e eternos.
20.
Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o
que é pertinente à salvação das almas e ao culto de Deus, seja pela sua
natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da
Igreja.
Quanto
às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam
submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é
de César e a Deus o que é de Deus.
Tempos
ocorrem às vezes, em que prevalecem outros modos de assegurar a concórdia e de
garantir a paz e a liberdade; é quando os chefes de Estado e os Sumos
Pontífices se põem de acordo por um tratado sobre algum ponto particular.
Em
tais circunstâncias, a Igreja dá provas evidentes da sua caridade materna,
levando tão longe quanto possível a indulgência e a condescendência.
21.
Tal é, consoante o esboço sumário que havemos traçado, a organização cristã da
sociedade civil, e essa teoria não é nem temerária nem arbitrária, mas deduz-se
dos princípios mais elevados e mais certos, confirmados pela própria razão
natural.
Essa
constituição da sociedade política não tem nada que possa parecer pouco digno
ou inconveniente para a dignidade dos príncipes. Longe de tirar o que quer que
seja aos direitos da majestade, pelo contrário, torna-os mais estáveis e mais
augustos.
Muito
mais: se olharmos isso mais de perto, reconheceremos nessa constituição uma
grande perfeição que falta nos outros sistemas políticos; e ela produziria
certamente frutos excelentes e variados se ao menos cada poder ficasse nas suas
atribuições e pusesse todos os seus desvelos em cumprir o ofício e a tarefa que
lhes foram determinados.
22.
Com efeito, na constituição do Estado, tal como a acabamos de expor, o divino e
o humano são delimitados numa ordem conveniente; os direitos dos cidadãos são
assegurados e colocados sob a proteção das mesmas leis divinas, naturais e
humanas; os deveres de cada um, são tão sabiamente traçados quanto
prudentemente salvaguardada lhes é a observância.
Todos
os homens, nesse encaminhamento incerto e penoso para a cidade eterna, sabem
que têm ao seu serviço guias seguros para conduzi-los à meta, e auxiliares para
atingi-la.
Sabem,
do mesmo modo, que outros chefes lhes foram dados para obter e conservar a
segurança, os bens e as outras vantagens dessa vida.
23.
A sociedade doméstica acha a sua solidez necessária na santidade do vínculo
conjugal, uno e indissolúvel; os direitos e os deveres dos esposos são
regulados com toda a justiça e equidade; a honra devida à mulher é
salvaguardada; a autoridade do marido modela-se pela autoridade de Deus, o
pátrio poder é temperado pelas atenções devidas à esposa e aos filhos; enfim,
está perfeitamente provido para a proteção, para o bem-estar e para a educação
desses últimos.
24.
Na ordem política e civil, as leis têm por fim o bem comum, ditadas não pela
vontade e pelo juízo enganador da multidão, mas pela verdade e pela justiça.
A
autoridade dos príncipes reveste uma espécie de carácter mais sagrado do que
humano, e é contida de maneira a não se afastar da justiça, nem exceder o seu
poder.
A
obediência dos súditos corre em paralelo com a honra e a dignidade, porque não
é uma sujeição de homem a homem, mas uma submissão à vontade de Deus, que reina
por meio de homens.
Uma
vez isso reconhecido e aceite, daí resulta claramente ser um dever de justiça
respeitar a majestade dos príncipes, ser submisso com fidelidade constante ao
poder político, evitar as sedições e observar religiosamente a constituição do
Estado.
(cont)
(revisão
da versão portuguesa por ama)
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