CARTA ENCÍCLICA
HAURIETIS AQUAS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, PRIMAZES,
ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O CULTO DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
I
FUNDAMENTOS
E PREFIGURAÇÕES
DO
CULTO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
NO
ANTIGO TESTAMENTO
3) O amor de Deus, motivo
dominante do culto ao Santíssimo Coração de Jesus, no Antigo Testamento
17.
Com todo esse amor, terníssimo, indulgente e longânime mesmo quando se indigna
pelas repetidas infidelidades do povo de Israel, Deus nunca chega a repudiá-lo
definitivamente; mostra-se, sim, veemente e sublime; mas, contudo, em
substância isso não passa do prelúdio daquela inflamadíssima caridade que o
Redentor prometido havia de mostrar a todos com o seu amantíssimo coração, e
que ia ser o modelo do nosso amor e a pedra angular da nova aliança.
Porque,
em verdade, só aquele que é o Unigénito do Pai e o Verbo feito carne
"cheio de graça e de verdade"[1],
tendo descido até aos homens oprimidos de inúmeros pecados e misérias, podia
fazer brotar da Sua natureza humana, unida hipostaticamente à Sua Pessoa Divina,
"um manancial de água viva" que regasse copiosamente a terra árida da
humanidade, transformando-a em florido e fértil jardim.
E
essa obra admirável que o amor misericordioso e eterno de Deus devia realizar,
de certo modo já parece prenunciá-la o profeta Jeremias com estas palavras:
"Amei-te
com amor eterno; por isso atrai-te a mim cheio de misericórdia... Eis vêm dias,
afirma o Senhor, em que pactuarei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma
aliança nova: este será o pacto que eu concertarei com a casa de Israel depois
daqueles dias, declara o Senhor: Porei minha lei no interior dele e
escrevê-la-ei no seu coração, e serei o seu Deus e eles serão o Meu povo...;
porque perdoarei a sua culpa e não mais Me lembrarei dos seus pecados" [2].
II
LEGITIMIDADE
DO CULTO AO SANTÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS
SEGUNDO
A DOUTRINA
DO
NOVO TESTAMENTO E DA TRADIÇÃO
1)
O amor de Deus no mistério da encarnação redentora segundo o Evangelho
18.
Mas somente pelo Evangelho chegamos a conhecer com perfeita clareza que a nova
aliança estipulada entre Deus e a humanidade – aliança da qual a pactuada por
Moisés entre o povo e Deus foi somente uma prefiguração simbólica, e o
vaticínio de Jeremias mera predição – é aquela que o Verbo encarnado
estabeleceu e levou à prática merecendo-nos a graça divina.
Esta
aliança é incomparavelmente mais nobre e mais sólida, porque, a diferença da precedente,
não foi sancionada com sangue de cabritos e novilhos, mas com o sangue
sacrossanto daquele que esses animais pacíficos e privados de razão,
prefiguravam:
"O Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo" [3].
Porque
a aliança cristã, ainda mais do que a antiga, manifesta-se claramente como um
pacto, não inspirado em sentimentos de servidão, não fundado no temor, mas
apoiado na amizade que deve reinar nas relações entre pai e filhos, sendo
alimentada e consolidada por uma mais generosa distribuição da graça divina e
da verdade, conforme a sentença do evangelho de João:
"Da sua plenitude todos nós participamos, e
recebemos uma graça por outra graça. Porque a lei foi dada por Moisés, mas a
graça foi trazida por Jesus Cristo" [4].
19.
Introduzidos, por essas palavras do "discípulo amado que durante a ceia
reclinara a cabeça sobre o peito de Jesus" [5],
no próprio mistério da infinita caridade do Verbo encarnado, é coisa digna,
justa, recta e salutar que nos detenhamos um pouco, veneráveis irmãos, na contemplação
de tão suave mistério, a fim de, iluminados pela luz que sobre ele projectam as
páginas do Evangelho, podermos também nós experimentar o feliz cumprimento do
voto que o Apóstolo formulava escrevendo aos fiéis de Éfeso:
"Habite Cristo, pela fé, nos vossos corações,
vós que estais arraigados e cimentados em caridade, para que possais
compreender com todos os santos qual é a largura e comprimento, a altura e
profundidade deste mistério, e conhecer também o amor de Cristo a nós, o qual
sobrepuja todo conhecimento, para que sejais plenamente cumulados de todos os
dons de Deus"[6] .
PIO PP. XII.
(Revisão da versão
portuguesa por AMA)
Notas:
[3] cf. Jo 1, 29; Hb 9,
18-28; 10, 1-17