Jesus Cristo o Santo de Deus
CAPÍTULO I
«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO
PECADO»
A santidade da humanidade de Cristo
3. «Tu solus Sanctus»
A
liturgia da Igreja convida-nos à contemplação desta santidade de Cristo,
quando, no «Glória», dirigindo-se a Ele em oração, exclama: «Tu solus Sanctus!», só Tu és Santo.
«Só»
deve entender-se, não no seio da Trindade.
Só
Tu és o totalmente e plenamente santo, o verdadeiro «Santo dos Santos» [i]
É
precisamente pela Sua santidade que Jesus constitui o vértice absoluto de toda
a verdade e da História.
Pascal
formulou o célebre princípio das três ordens ou planos da realidade:
A
ordem dos corpos ou da matéria;
A
ordem do espírito ou da inteligência,
E
a ordem da santidade.
Há
uma distância infinita, qualitativa, a separar a ordem da inteligência da ordem
da matéria, mas há uma distância «infinitamente mais infinita» que separa a
ordem da santidade da ordem da inteligência, porque aquela está acima da
natureza.
Os
génios que pertencem à ordem da inteligência, não precisam das grandezas
carnais e materiais; essas grandezas não lhes vêm acrescentar maiores
faculdades.
Também
os santos, que pertencem à ordem da caridade, «não precisam das grandezas
carnais e intelectuais, as quais não lhes aumentam nem diminuem as boas
qualidades.
Eles
são apreciados por Deus e pelos anjos, não por pessoas e mentes estranhas: a
eles só Deus basta».
Assim
sucede com o Santo dos Santos, Jesus Cristo.
«Jesus,
sem riquezas e sem sinal algum de ciência, está na Sua própria ordem de
santidade.
E
não fez inventos, não reinou; pelo contrário, foi humilde, paciente, santo,
santo para Deus, terrível para o demónio, sem pecado...
A
Nosso Senhor Jesus Cristo, teria sido inútil, para resplandecer no Seu reino de
santidade, vir ao mundo como um rei; pelo contrário, veio com o esplendor
próprio da Sua ordem» [ii]
Jesus
não é somente o vértice da ordem de santidade, mas também a sua fonte, porque é
dele que emana historicamente toda a santidade dos Santos e da Igreja.
A
santidade de Cristo é o reflexo da própria santidade de Deus, a Sua
manifestação visível, a Sua imagem.
Os
Padres atribuem a Cristo o título de «imagem da bondade de Deus» [iii] dado à sabedoria [iv]
Aquilo
que a epístola aos Hebreus diz de Cristo em relação à glória e à substância do Pai,
tem a ver também em relação à Sua santidade:
«O
Filho é a irradiação e a marca da Sua santidade» [v]
A
própria exclamação «Tu solus Sanctus»,
que a Igreja dirige a Cristo, é a mesma que, no Apocalipse, é dirigida a Deus:
«Quem
Te não temerá, é Senhor, e quem não glorificará o Teu nome? Porque só Tu és
Santo» [vi]
«Santo»,
Qadosh, é a mais excelsa denominação
de Deus que existe na Bíblia.
Nada
nos consegue dar a ideia de Deus como a proximidade e a percepção da Sua
santidade.
A
impressão mais forte com que o profeta Isaías ficou após a sua visão de Deus,
foi a da Sua santidade, proclamada pelos Serafins com as palavras:
«Santo,
Santo, Santo é o Senhor dos exércitos» [vii]
Também
em relação a Jesus acontecia algo semelhante.
O
termo bíblico Qadosh sugere a ideia
de separação, de diversidade.
Deus
é Santo porque é o «Totalmente Outro», a respeito de tudo aquilo que o homem
pode pensar e fazer.
È
o Absoluto, no sentido originário de ab-solutus,
isto é, separado de tudo e à parte de tudo.
É
o Transcendente, no sentido de que está para além das nossas categorias.
Mas
tudo isto deve ser entendido no sentido não só metafísico como moral, isto é,
naquilo que diz respeito não somente à essência, mas, sobretudo, às obras de
Deus.
Santos
ou Justos são chamados, na Bíblia, sobretudo os desígnios de Deus, as Sua obras
e os Seus caminhos. [viii]
Todavia,
santo não é um conceito principalmente negativo que indica separação ou
ausência de mal e de mistura em Deus, mas sim um conceito sumamente positivo.
Indica
uma «pura plenitude».
Em
nós, a «plenitude» nunca condiz com a «pureza».
Uma
contradiz a outra.
A
nossa pureza é obtida sempre «por artes de correcção», isto é, purificando-nos,
tirando o mal das nossas acções.
Em
Deus e no homem Jesus de Nazaré, não se passa assim,
A
plenitude e a pureza coexistem juntamente e constituem a suma «simplicidade» e
a santidade de Deus.
A
Bíblia exprime este conceito, dizendo que a Deus «nada pode ser acrescentado e
nada tirado» [ix]
Como
suma pureza que é, nada Lhe deve ser tirado; e como suma plenitude, nada Lhe pode ser acrescentado.
Neste
sentido, a santidade de Cristo, como pura plenitude, coincide com a Sua beleza.
Contemplar
a santidade de Jesus é contemplar, ao mesmo tempo, a Sua inefável beleza.
Alguns
ícones orientais de Cristo Senhor e Pancreator,
como por exemplo o de Rubley, parecem exprimir plasticamente a ideia do Deus
que é «majestoso em santidade» [x]
Nos
Evangelhos encontramos frequentemente o sentimento de bondade e santidade de
Jesus expresso mediante o conceito de beleza.
«Fez
todas as coisas de forma bela (kalós)»,
dizem dele as multidões. [xi]
O
próprio Jesus define-se a Si mesmo como o «belo (kalós) Pastor» e diz ter mostrado aos homens muitas obras belas (kalá). [xii]
Pedro,
no Tabor, exclamou:
«Senhor,
é belo (kalós) para nós ficarmos
aqui». [xiii]
A
palavra belo, assim como a palavra santo, significam, na Bíblia, tudo aquilo
que está relacionado com Deus.
São
Gregório Nisseno escreveu:
«Excepto
Tu, ninguém me parece belo, és o único verdadeiramente belo. E não és somente
belo; Tu és a própria essência eterna e pessoal da beleza» [xiv]
Dostoiewsky,
que tinha tentado representar numa sua personagem o ideal de uma beleza feita
de bondade, sem todavia o ter conseguido inteiramente, escrevia numa carta:
«No
mundo só existe um ser absolutamente belo, o Cristo, mas a aparição deste ser
infinitamente belo é certamente um infinito milagre» [xv]
Também
a Igreja exprime esta sensação de beleza que se sente na presença de Cristo e
fá-lo dirigindo-lhe a exclamação do salmo:
«Tu
és o mais belo dos filhos dos homens!» [xvi]
«Veio
com o esplendor próprio da Sua ordem» [xvii]
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[ii] B. Pascal, Pensamentos. 793 Brunsvic.
[iv] Cfr. orígenes,
In Ioh. Evang. XIII, 36 (pg 14,461)
[viii] Dt 32,4; Dn 3,27; Ap 16,7
[xiv] S. Gregório Nisseno, In Cant. Hom. IV
(Pg 44,836)
[xv] F. Dostoiewsky, Carta à sobrinha Sonja Ivánova, in O Idiota, Milão, 1982, p. XII.
[xvii] B. Pascal, Pensamentos. 793 Brunsvic.