03/01/2018

Leitura espiritual

Jesus Cristo o Santo de Deus

CAPÍTULO I

«SEMELHANTE A NÓS EM TUDO, EXCEPTO NO PECADO»

A santidade da humanidade de Cristo

3. «Tu solus Sanctus»

A liturgia da Igreja convida-nos à contemplação desta santidade de Cristo, quando, no «Glória», dirigindo-se a Ele em oração, exclama: «Tu solus Sanctus!», só Tu és Santo.
«Só» deve entender-se, não no seio da Trindade.
Só Tu és o totalmente e plenamente santo, o verdadeiro «Santo dos Santos» [i]
É precisamente pela Sua santidade que Jesus constitui o vértice absoluto de toda a verdade e da História.
Pascal formulou o célebre princípio das três ordens ou planos da realidade:
A ordem dos corpos ou da matéria;
A ordem do espírito ou da inteligência,
E a ordem da santidade.

Há uma distância infinita, qualitativa, a separar a ordem da inteligência da ordem da matéria, mas há uma distância «infinitamente mais infinita» que separa a ordem da santidade da ordem da inteligência, porque aquela está acima da natureza.
Os génios que pertencem à ordem da inteligência, não precisam das grandezas carnais e materiais; essas grandezas não lhes vêm acrescentar maiores faculdades.
Também os santos, que pertencem à ordem da caridade, «não precisam das grandezas carnais e intelectuais, as quais não lhes aumentam nem diminuem as boas qualidades.
Eles são apreciados por Deus e pelos anjos, não por pessoas e mentes estranhas: a eles só Deus basta».
Assim sucede com o Santo dos Santos, Jesus Cristo.
«Jesus, sem riquezas e sem sinal algum de ciência, está na Sua própria ordem de santidade.
E não fez inventos, não reinou; pelo contrário, foi humilde, paciente, santo, santo para Deus, terrível para o demónio, sem pecado...
A Nosso Senhor Jesus Cristo, teria sido inútil, para resplandecer no Seu reino de santidade, vir ao mundo como um rei; pelo contrário, veio com o esplendor próprio da Sua ordem» [ii]
Jesus não é somente o vértice da ordem de santidade, mas também a sua fonte, porque é dele que emana historicamente toda a santidade dos Santos e da Igreja.
A santidade de Cristo é o reflexo da própria santidade de Deus, a Sua manifestação visível, a Sua imagem.
Os Padres atribuem a Cristo o título de «imagem da bondade de Deus» [iii] dado à sabedoria [iv]
Aquilo que a epístola aos Hebreus diz de Cristo em relação à glória e à substância do Pai, tem a ver também em relação à Sua santidade:
«O Filho é a irradiação e a marca da Sua santidade» [v]
A própria exclamação «Tu solus Sanctus», que a Igreja dirige a Cristo, é a mesma que, no Apocalipse, é dirigida a Deus:
«Quem Te não temerá, é Senhor, e quem não glorificará o Teu nome? Porque só Tu és Santo» [vi]

«Santo», Qadosh, é a mais excelsa denominação de Deus que existe na Bíblia.
Nada nos consegue dar a ideia de Deus como a proximidade e a percepção da Sua santidade.
A impressão mais forte com que o profeta Isaías ficou após a sua visão de Deus, foi a da Sua santidade, proclamada pelos Serafins com as palavras:
«Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos» [vii]
Também em relação a Jesus acontecia algo semelhante.

O termo bíblico Qadosh sugere a ideia de separação, de diversidade.
Deus é Santo porque é o «Totalmente Outro», a respeito de tudo aquilo que o homem pode pensar e fazer.
È o Absoluto, no sentido originário de ab-solutus, isto é, separado de tudo e à parte de tudo.
É o Transcendente, no sentido de que está para além das nossas categorias.
Mas tudo isto deve ser entendido no sentido não só metafísico como moral, isto é, naquilo que diz respeito não somente à essência, mas, sobretudo, às obras de Deus.
Santos ou Justos são chamados, na Bíblia, sobretudo os desígnios de Deus, as Sua obras e os Seus caminhos. [viii]
Todavia, santo não é um conceito principalmente negativo que indica separação ou ausência de mal e de mistura em Deus, mas sim um conceito sumamente positivo.
Indica uma «pura plenitude».
Em nós, a «plenitude» nunca condiz com a «pureza».
Uma contradiz a outra.
A nossa pureza é obtida sempre «por artes de correcção», isto é, purificando-nos, tirando o mal das nossas acções.
Em Deus e no homem Jesus de Nazaré, não se passa assim,
A plenitude e a pureza coexistem juntamente e constituem a suma «simplicidade» e a santidade de Deus.
A Bíblia exprime este conceito, dizendo que a Deus «nada pode ser acrescentado e nada tirado» [ix]
Como suma pureza que é, nada Lhe deve ser tirado; e como suma plenitude, nada Lhe pode ser acrescentado.

Neste sentido, a santidade de Cristo, como pura plenitude, coincide com a Sua beleza.
Contemplar a santidade de Jesus é contemplar, ao mesmo tempo, a Sua inefável beleza.
Alguns ícones orientais de Cristo Senhor e Pancreator, como por exemplo o de Rubley, parecem exprimir plasticamente a ideia do Deus que é «majestoso em santidade» [x]

Nos Evangelhos encontramos frequentemente o sentimento de bondade e santidade de Jesus expresso mediante o conceito de beleza.
«Fez todas as coisas de forma bela (kalós)», dizem dele as multidões. [xi]
O próprio Jesus define-se a Si mesmo como o «belo (kalós) Pastor» e diz ter mostrado aos homens muitas obras belas (kalá). [xii]
Pedro, no Tabor, exclamou:
«Senhor, é belo (kalós) para nós ficarmos aqui». [xiii]

A palavra belo, assim como a palavra santo, significam, na Bíblia, tudo aquilo que está relacionado com Deus.
São Gregório Nisseno escreveu:
«Excepto Tu, ninguém me parece belo, és o único verdadeiramente belo. E não és somente belo; Tu és a própria essência eterna e pessoal da beleza» [xiv]
Dostoiewsky, que tinha tentado representar numa sua personagem o ideal de uma beleza feita de bondade, sem todavia o ter conseguido inteiramente, escrevia numa carta:
«No mundo só existe um ser absolutamente belo, o Cristo, mas a aparição deste ser infinitamente belo é certamente um infinito milagre» [xv]
Também a Igreja exprime esta sensação de beleza que se sente na presença de Cristo e fá-lo dirigindo-lhe a exclamação do salmo:
«Tu és o mais belo dos filhos dos homens!» [xvi]
«Veio com o esplendor próprio da Sua ordem» [xvii]

(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.





[i] Dn 9.240
[ii] B. Pascal, Pensamentos. 793 Brunsvic.
[iii] Sb 7, 26
[iv] Cfr. orígenes, In Ioh. Evang. XIII, 36 (pg 14,461)
[v] Hb 1,3
[vi] Ap 15,4
[vii] Is 6,3
[viii] Dt 32,4; Dn 3,27; Ap 16,7
[ix] Eclo 42,21
[x] Ex 15,11
[xi] Jo 10, 11.32
[xii] Jo 10,111.32
[xiii] Mt 17,4
[xiv] S. Gregório Nisseno, In Cant. Hom. IV (Pg 44,836)
[xv] F. Dostoiewsky, Carta à sobrinha Sonja Ivánova, in O Idiota, Milão, 1982, p. XII.
[xvi] L 45,2
[xvii] B. Pascal, Pensamentos. 793 Brunsvic.

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