25/07/2014

A tentação do cansaço

Quero prevenir-te de uma dificuldade que talvez possa aparecer: a tentação do cansaço, do desalento. – Não está ainda fresca a recordação de uma vida – a tua – sem rumo, sem meta, sem graça, que a luz de Deus e a tua entrega encaminharam e encheram de alegria? Não troques disparatadamente isto por aquilo. (Forja, 286)

Se notas que não podes, seja por que motivo for, diz-lhe, abandonando-te nele: – Senhor, confio em ti, abandono-me em Ti, mas ajuda a minha debilidade!

E cheio de confiança, repete-lhe: – Olha para mim, Jesus, sou um trapo sujo; a experiência da minha vida é tão triste, não mereço ser teu filho. Di-lo...; e di-lo muitas vezes.

Não tardarás em ouvir a sua voz: "Ne timeas!". – Não temas! Ou também: "Surge et ambula!". – Levanta-te e caminha! (Forja, 287)

Comentavas-me, ainda indeciso: – Como se notam essas alturas em que Nosso Senhor me pede mais!

Só me veio à cabeça lembrar-te: – Asseguravas-me que só querias identificar-te com Ele, porque resistes então?(Forja, 288)


Oxalá saibas cumprir esse propósito que tiraste: "Cada dia morrer um pouco para mim mesmo". (Forja, 289)

Pequena agenda do cristão

Sexta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)







Propósito:
Contenção; alguma privação; ser humilde.


Senhor: Ajuda-me a ser contido, a privar-me de algo por pouco que seja, a ser humilde. Sou formado por este barro duro e seco que é o meu carácter, mas não Te importes, Senhor, não Te importes com este barro que não vale nada. Parte-o, esfrangalha-o nas Tuas mãos amorosas e, estou certo, daí sairá algo que se possa - que Tu possas - aproveitar. Não dês importância à minha prosápia, à minha vaidade, ao meu desejo incontido de protagonismo e evidência. Não sei nada, não posso nada, não tenho nada, não valho nada, não sou absolutamente nada.

Lembrar-me:
Filiação divina.

Ser Teu filho Senhor! De tal modo desejo que esta realidade tome posse de mim, que me entrego totalmente nas Tuas mãos amorosas de Pai misericordioso, e embora não saiba bem para que me queres, para que queres como filho a alguém como eu, entrego-me confiante que me conheces profundamente, com todos os meus defeitos e pequenas virtudes e é assim, e não de outro modo, que me queres ao pé de Ti. Não me afastes, Senhor. Eu sei que Tu não me afastarás nunca. Peço-Te que não permitas que alguma vez, nem por breves instantes, seja eu a afastar-me de Ti.

Pequeno exame:
Cumpri o propósito que me propus ontem?




Temas para meditar - 185

Moralidade


Se a virtude tivesse de ser imediatamente recompensada com um favor temporal, a virtude seria um bom negócio, a abstenção do pecado, um hábil empréstimo. Seria o fim de toda a moralidade: procuraríamos o bem-estar, nunca amaríamos o bem.


(georges chevrotJesus e a Samaritana, Éfeso, 1956, pg. 77)

Tratado da lei 64

Questão 102: Das causas dos preceitos cerimoniais.

Art. 4 — Se se pode dar razão suficiente das cerimnias da lei antiga relativas às coisas sagradas.

(Ad Coloss., cap. II, lect. IV; Ad Hebr., cap. IX,lect. I).

O quarto discute-se assim. — Parece que das cerimónias da lei antiga, relativas às coisas sagradas, não se pode dar razão suficiente.

1. — Pois, diz Paulo (At 17, 24): Deus, que fez o mundo, e tudo o que nele há, sendo ele o Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos pelos homens. Logo, a lei antiga institui inconvenientemente, para o culto de Deus, o tabernáculo ou templo.

2. Demais. — A estrutura da lei antiga não foi mudada senão por Cristo. — Ora, o tabernáculo designava a estrutura dessa lei. Logo, não devia ser mudado pela edificação de nenhum templo.

3. Demais. — A lei divina deve sobretudo induzir os homens ao culto divino. Ora, para se desenvolver do culto divino é necessário fazerem-se muitos altares e templos, como claramente se vê na lei nova. Logo, mesmo no regime da lei antiga, não devia haver só um templo ou tabernáculo, mas muitos.

4. Demais. — O tabernáculo ou templo ordenava-se ao culto de Deus. Ora, em Deus devemos venerar sobretudo a unidade e a simplicidade. Logo, não era conveniente que o tabernáculo ou templo se distinguisse por alguns véus.

5. Demais. — A virtude do primeiro motor, que é Deus, manifesta-se primeiro na parte do Oriente, onde começa o primeiro movimento. Ora, o tabernáculo foi instituído para a adoração de Deus. Logo, devia estar voltado mais para o Oriente que para o Ocidente.

6. Demais. — O Senhor mandou (Ex 20, 4) não se fizesse imagem de escultura, nem figura alguma. Logo, inconvenientemente se esculpiram, no tabernáculo ou templo, imagens de querubins. Semelhantemente, aí se viam, sem causa racional, a arca, o propiciatório, o candelabro, a mesa e o altar duplo.

7. Demais. — O Senhor mandou (Ex 20, 24): Far-me-eis um altar de terra. — E ainda (Ex 20, 26): Não subirás por degraus ao meu altar. Logo, inconvenientemente se mandou, depois, fazer um altar de madeira, ouro ou cobre, e de tanta altura, que só por degraus se podia subir a ele. Pois, diz a Escritura (Ex 27, 1-2): Farás também um altar de pau setim, o qual terá cinco côvados ao cumprimento e outros tantos de largura, e terá três côvados de alto, e o cobrirás de cobre. E (Ex 30, 1-3): Farás um altar de madeira de setim para queimar os perfumes. E o cobrirás de ouro puríssimo.

8. Demais. — Nas obras de Deus nada deve ser supérfluo, porque nem nas da natureza isso se dá. Ora, a um tabernáculo ou casa basta uma coberta. Logo, era inconveniente se lhe sobreporem muitas cobertas, a saber: cortinas, cobertas de pele de cabra, peles de carneiro tintas de vermelho e peles tintas de roxo.

9. Demais. — A consagração exterior significava a interior, cujo sujeito é a alma. Logo, o tabernáculo era consagrado inconvenientemente e os seus vasos, que eram corpos inanimados.

10. Demais. — A Escritura diz (Sl 33, 2): Bendirei o Senhor em todo o tempo; o seu louvor será sempre na minha boca. Ora, as solenidades são instituídas para louvar a Deus. Logo, não era conveniente estatuírem-se certos dias para realizar as solenidades. — De tudo isso resulta, que as cerimónias das coisas sagradas não tinham causas convenientes.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb 8, 4): os que oferecem os dons segundo a lei servem de modelo e sombra das coisas celestiais; como foi respondido a Moisés quando estava para acabar o tabernáculo: Olha, disse, faze todas as coisas conforme o modelo que te foi mostrado no monte. Ora, é muito racional o que representa a imagem das coisas celestes. Logo, as cerimónias das coisas sagradas tinham causa racional.

Todo o culto externo de Deus ordena-se principalmente para os homens o reverenciarem. Ora, é próprio do afecto humano reverenciar menos o que é comum e sem distinção particular; e prestar mais reverência e admiração ao que tem alguma excelência e se distingue do comum. E daí vem ter o costume humano estabelecido, que os reis e os príncipes, que devem ser reverenciados pelos súbditos, sejam ornados de vestes mais preciosas e também possuam habitações mais amplas e mais belas. E por isso, era necessário que fossem ordenados ao culto de Deus, alguns tempos especiais, um tabernáculo especial, vasos especiais e ministros especiais, para assim provocarem o espírito dos homens à maior reverência d'Ele. — Semelhantemente, como já dissemos (a. 2; q. 100, a. 12; q. 101, a. 2), a estrutura da lei antiga tinha por fim figurar o mistério de Cristo. Ora, é forçoso que seja algo de determinado aquilo que deve figurar alguma coisa; de modo que representa uma semelhança dela. Donde, também era necessário se observassem algumas disposições especiais concernentes ao culto de Deus.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O culto de Deus implica duas condições: o Deus adorado e os homens que o adoram. Ora, Deus, que é adorado, não se encerra em nenhum lugar material e por isso, não era preciso que lhe construísse um tabernáculo especial ou um templo. Ao contrário, os homens que o adoram, são seres corpóreos; e, por causa deles, era necessário que se construísse um tabernáculo especial ou um templo, para o culto de Deus. E isto por duas razões. — A primeira, que os homens, reunidos nesse lugar, com o pensamento de serem destinados a adorar a Deus, o fizessem com maior reverência. — A segunda, que a disposição desse templo ou do tabernáculo significasse algo de condescende com a excelência da divindade ou humanidade de Cristo. E é o que diz Salomão (1 Rs 8, 27): se o céu e céu dos céus te não podem compreender, quanto menos esta casa que eu edifiquei? E, em seguida acrescenta (1 Rs 8, 29-30): os teus olhos estejam abertos de noite e de dia sobre esta casa da qual disseste: O meu nome estará nela; para ouvires a oração do teu servo e do teu povo de Israel. Donde é claro, que a casa do santuário não foi instituída para compreender a Deus, como se nela habitasse localmente; mas para que aí habitasse o nome de Deus. Isto é, para que o conhecimento de Deus se manifestasse pelo que se aí fazia e dizia; e para, pela reverência ao lugar, as orações se tornarem mais dignas de serem ouvidas, pela devoção dos que oravam.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A estrutura da lei antiga, quanto ao seu cumprimento, não foi mudada antes de Cristo; mas só por Cristo isso se fez. Foi mudada, porém, quanto à condição do povo que ela regia. Pois, primeiro, esteve no deserto, sem morada certa; depois, teve várias guerras com as nações vizinhas; ultimamente, no tempo de Davi e de Salomão, viveu tempos tranquilos. E então foi, pela primeira vez, edificado o templo no lugar designado por Abraão, por indicação divina, para se aí fazerem as imolações. Pois, como diz a Escritura (Gn 22, 2), o Senhor mandou a Abraão que oferecesse o seu filho em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrar; e depois disse (Gn 22, 14), que pós por nome aquele lugar: O Senhor vê, quase, por previsão de Deus, fosse aquele lugar escolhido para o culto divino. Pelo que diz a Escritura (Dt 12, 5-6): Vireis ao lugar que o Senhor vosso Deus escolher e oferecereis os vossos holocaustos e vítimas. Ora, esse lugar, para a edificação do templo, não devia ser designado antes do tempo predito, por duas razões dadas pelo Rabbi Moisés. A primeira, para que os gentios se não apropriassem desse lugar. A segunda, para que não o destruíssem. A terceira enfim, para que qualquer das tribos não pretendesse tê-lo como seu lote, donde nascessem demandas e litígios. Por isso, não se devia edificar o templo enquanto não houvesse um rei, capaz de impedir esses litígios. E, antes dessa edificação, ordenava-se ao culto de Deus um tabernáculo portátil por diversos lugares, quase ainda não existente um lugar determinado para o culto divino. E esta é a razão literal da diversidade do tabernáculo e do templo. — A razão figurada pode ser que essas duas coisas significavam um duplo estado. O tabernáculo, que era mutável, significa o regime da vida presente também mutável. O templo, por seu lado, fixo e permanente, o regime da vida futura, absolutamente invariável. E por isto, na edificação do templo, diz a Escritura, que não se ouvia o som de martelo nem machado, para significar que toda actividade perturbadora era estranha ao estado futuro. Ou, o tabernáculo significava o regime da lei antiga; e o templo, construído por Salomão, o da lei nova. Donde, na construção do tabernáculo, só os judeus trabalharam; ao passo que, na do templo, cooperavam também os tírios e sidónios, que eram gentios.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão da unidade do templo ou do tabernáculo pode ser literal e figurada. — A literal era a exclusão da idolatria; porque os gentios atribuíam diversos templos aos vários deuses. Donde, para que se radicasse no espírito dos homens a fé na unidade divina, quis Deus que se lhe oferecesse sacrifício só num lugar. Além disso, para assim mostrar que o culto material não lhe é em si mesmo aceite. Pelo que, impedia que se oferecessem sacrifícios a cada passo e em toda parte. Ao contrário, o culto da lei nova, em cujo sacrifício está contida a graça espiritual, é, em si mesmo, aceite por Deus. Por isso, a lei nova admite a multiplicação dos altares e dos templos. Quanto ao pertencente ao culto espiritual de Deus, que consistia na doutrina da lei e dos profetas, havia ainda, na lei antiga, diversos lugares determinados, chamados sinagogas, em que o povo se reunia para louvar a Deus. Assim, se chamam também agora igrejas os lugares em que para louvá-Lo, se congrega o povo cristão. Donde, a nossa Igreja tomou o lugar do templo e da sinagoga; porque, sendo o seu sacrifício espiritual, não distinguimos agora o lugar do sacrifício do lugar da doutrina. — A razão figurada pode ser, que o templo e o tabernáculo significam a unidade da Igreja, militante, ou triunfante.

RESPOSTA À QUARTA. — Assim como a unidade do templo ou do tabernáculo representam a de Deus ou da Igreja, assim também, a distinção entre um e outro representa a distinção entre as coisas sujeitas a Deus, e que nos elevam a venerá-Lo. Pois, distinguiam-se no tabernáculo duas partes: a ocidental chamada o Santo dos Santos; e a oriental, chamada Santo. E, enfim, ante ele, havia o átrio.

Ora, esta distinção fundava-se em dupla razão. — Uma, pela qual o tabernáculo se ordenava ao culto de Deus. E assim, as diversas partes do mundo estavam figuradas nas duas partes do tabernáculo. Pois, a chamada Santo dos Santos simbolizava o mundo superior, que é o das substâncias espirituais; e a chamada Santo, o mundo corpóreo. Donde, o Santo se separava do Santo dos Santos por um véu, pintado de quatro cores, símbolos dos quatro elementos. Essas eram: o bisso, símbolo da terra, porque o bisso, i. é, o linho nasce da terra; a púrpura, símbolo da água, porque a cor purpúrea era feita de certas conchas que se encontram no mar; o jacinto, que significava o ar, que tem cor de ouro; e a escarlata duas vezes tinta, que designava o fogo. E isto era assim porque a matéria dos quatro elementos é um impedimento que nos vela as substâncias incorpóreas. Donde, no tabernáculo interior, i. é, no Santo dos Santos, só entrava o sumo-sacerdote, e uma só vez no ano, para significar que a perfeição final do homem é a entrada no mundo espiritual. No tabernáculo exterior, i. é, no Santo, o sacerdote entrava todos os dias, não porém o povo, que tinha acesso só ao átrio. Porque as coisas corpóreas o povo pode percebê-las, mas as razões internas delas só os sapientes, reflectindo, podem atingi-las. Quanto à razão figurada, o tabernáculo exterior, chamado Santo simboliza o regime da lei antiga, como diz o Apóstolo (Heb 9, 6 ss). Porque nele entravam sempre os sacerdotes para cumprirem o ofício de sacrificar. Enquanto o tabernáculo interior, chamado Santo dos Santos significa a glória celeste, ou também o regime espiritual da lei nova, que é um quase começo da glória futura, estado, em que Cristo nos introduziu. E era figurado pela entrada só do sumo-sacerdote, uma vez no ano, no Santo dos Santos. — O véu, por seu lado, significava a ocultação dos sacrifícios antigos; e era ornado de quatro cores significativas. O bisso, símbolo da pureza da carne; a púrpura, dos sofrimentos que os santos padeceram por Deus; a escarlata duas vezes tinta, da dupla caridade para com Deus e o próximo; o jacinto, da meditação celeste. — Mas o povo e os sacerdotes tinham relações diferentes com a lei antiga. Pois, aquele assistia aos sacrifícios corporais que se ofereciam no átrio; ao passo que os sacerdotes meditavam na essência deles, com fé mais explícita nos mistérios de Cristo. Por isso entravam no tabernáculo exterior, que também estava separado do átrio por um véu, porque algumas coisas, sobre o mistério de Cristo eram veladas ao povo e conhecidas dos sacerdotes. Mas não lhes eram plenamente reveladas, como depois, no Novo Testamento, conforme a Escritura (Ef 3, 5).

RESPOSTA À QUINTA. — Os judeus adoravam com a cara voltada para o ocidente; o que foi introduzido na lei para excluir a idolatria, pois, todos os gentios, em reverência ao sol, adoravam voltados para o oriente. Donde o dizer a Escritura (Ez 8, 16), que alguns tinham as costas voltadas para o templo do Senhor e as caras viradas para o oriente, e adoravam o sol nascendo. E era para excluir isso, que o tabernáculo tinha o Santo dos Santos voltado para o ocidente, para o adorarem voltados para esse ponto. — Quanto à razão figurada, pode ser que a estrutura do antigo tabernáculo se ordenava a significar a morte de Cristo, figurada pelo ocaso, conforme a Escritura (Sl 67, 5): Aquele que sobe sobre o ocidente, o Senhor é o seu nome.

RESPOSTA À SEXTA. — Pode dar-se uma razão literal e, outra, figurada do que se continha no tabernáculo. — A literal é relativa ao culto divino. Ora, como já dissemos (ad 4), o tabernáculo interior, chamado Santo dos Santos, significa o mundo superior das substâncias espirituais. Por isso, esse tabernáculo continha três coisas: a arca do testamento, na qual havia uma urna de ouro, que continha o maná, e a vara de Aarão, que tinha florescido, e as tábuas do testamento, nas quais estavam escritos os dez preceitos do decálogo. — E essa arca estava situada entre dois querubins, olhando um para outro. — Sobre a arca havia uma tábua, chamada propiciatório, apoiada nas azas dos querubins, como se fosse levada por eles, e levando a imaginar que essa tábua fosse o assento de Deus. E se chamava propiciatório, querendo significar que Deus, daí, se tornava propício ao povo, pelas preces do sumo-sacerdote. E era conduzido pelos querubins, como sendo os que seguem a Deus. Quanto à arca do testamento, era um como escabelo de quem estava sentado no propiciatório.

Ora, essas três coisas simbolizam três outras existentes no referido mundo superior. — Deus, que está acima de todas as coisas e é incompreensível a todas as criaturas. E por isso, não punham nenhuma figura que lhe representasse a invisibilidade, mas sim, a do seu assento, porque concebemos criatura enquanto sujeita a Deus, como o assento a quem se assenta. — Há também, nesse mundo superior, substâncias espirituais chamadas anjos. E estes eram simbolizados pelos dois querubins, olhando um para o outro, para designar a concórdia dos anjos entre si, conforme a Escritura (Jó 25, 2): aquele que mantém a concórdia nas alturas. Também não havia um só querubim, para que se designasse a multidão dos espíritos celestes, e se impedisse o culto deles àqueles a quem foi ordenado adorassem um só Deus. — Além disso, nesse mundo inteligível, estão de certo modo, encerradas as razões eternas do que fazemos neste mundo, assim como as razões dos efeitos estão encerradas nas suas causas, e, no artífice, as das coisas artificiadas. O que é simbolizado pela arca, que continha três coisas representativas das três coisas humanas de maior valor, a saber: a sabedoria, simbolizada nas tábuas do testamento; o poder governamental, na vara de Aarão; e a vida, representada pelo maná, que foi o sustento dela. Ou ainda, essas três coisas significam os três atributos de Deus: as tábuas, a sabedoria; a vara, o poder; o maná, a bondade, quer pela sua doçura, quer porque Deus o deu ao seu povo, por misericórdia, sendo, por isso, conservado, em memória dessa misericórdia.

Essas três coisas também estão figuradas na visão de Isaías. Viu ele o Senhor sentado num sólio excelso e elevado, assistido de Serafins, e o templo cheio da glória de Deus. Por isso, clamavam os Serafins: Cheia está toda a terra da sua glória (Is 6, 1-3). E assim, as imagens dos Serafins não foram aí postas para receberem culto, o que era proibido pelo primeiro preceito da lei, mas como sinal de ministério, conforme dissemos.

Por seu lado, o tabernáculo exterior, significativo do século presente, também continha três coisas: o altar do timiama, posto directamente contra a arca; a mesa da proposição, na qual se punham os doze pães, colocada na parte norte; e o candelabro, na parte sul.

E essas três coisas são consideradas como correspondentes às três encerradas na arca, representando, mas mais manifestamente, o mesmo que elas. Pois é necessário que seja, das razões eternas das coisas, dada mais clara manifestação da existência que têm na mente divina e dos anjos, para poderem os sábios conhecê-las, sábios simbolizados nos sacerdotes que entram no tabernáculo. — Por isso, o candelabro designa como em sinal sensível, a sabedoria, expressa nas tábuas por palavras inteligíveis. — O altar do timiama, o ofício dos sacerdotes, a quem pertence trazer o povo para Deus; o que também é significado pela vara. Pois, nesse altar se queimava o timiama do bom odor, que significa a santidade do povo, agradável a Deus; porque, como diz a Escritura (Ap 8, 3), o fumo dos aromas exprime as justificações dos santos. A dignidade sacerdotal é significada, na arca, pela vara, e no tabernáculo exterior, pelo altar do timiama. Porque o sacerdote é o mediador entre Deus e o povo, que governa por poder divino, simbolizado pela vara; e oferecia a Deus, quase no altar do timiama, o fruto do seu governo, i. é, a santidade do povo. — A mesa, bem como o maná, significam o sustento temporal da vida; mas o que estava naquela era um alimento mais comum e grosseiro, ao passo que o maná era mais suave e delicado. O candelabro estava convenientemente colocado na parte austral, e a mesa, na aquilonar; porque aquela é a parte direita do mundo, ao passo que esta é a esquerda, como diz Aristóteles. A sabedoria pertencia à parte direita, assim como os outros bens espirituais; enquanto a nutrição temporal, à esquerda, conforme a Escritura (Pr 3, 16): Na sua esquerda, as riquezas e a glória. Enfim, o poder sacerdotal é um meio-termo entre as coisas temporais e a sabedoria espiritual, pois por ela é dispensada a sabedoria espiritual e as coisas temporais.

Mas também se pode dar dessas coisas outra razão, mais literal. — Na arca estavam contidas as tábuas da lei, para impedir o seu esquecimento; donde o dizer a Escritura (Ex 24, 12): dar-te-ei duas tábuas de pedra e a lei e os mandamentos, que eu escrevi para ensinares os filhos de Israel. — A vara de Aarão estava aí colocada para reprimir a dissensão entre o povo e o sacerdócio do mesmo, conforme a Escritura (Nm 17, 10): Torna a levar a vara de Aarão para o tabernáculo do testemunho, para se guardar ali em memória dos rebeldes filhos de Israel. — O maná era conservado na arca, para comemorar o benefício que Deus fez aos filhos de Israel no deserto, e por isso, diz a Escritura (Ex 16, 32): Enche um gomor dele e guarde-se para todas as gerações futuras, para que saibam qual foi o manjar com que eu vos sustentei no deserto. ­— O candelabro foi instituído para a honorificência do tabernáculo; pois importa à magnificência da casa o ser bem iluminada. Tinha sete ramos, como diz Josefo, para significar os sete planetas, que iluminam todo o mundo. E foi colocado na parte austral, porque dela é que se movem os planetas, em relação a nós. — O altar, do timiama foi instituído para que no tabernáculo houvesse sempre o fumo do bom odor, quer para veneração do tabernáculo, quer também para remédio contra o mau cheiro, que necessariamente resultava do sangue derramado e da imolação dos animais. Pois, o fétido é desprezado como vil; ao passo que todos apreciam muito o que tem bom odor. — A mesa foi posta para significar que os sacerdotes, servidores do templo, deviam alimentar-se nele. Por isso, só eles podiam comer dos doze pães superpostos na mesa, em memória das doze tribos, conforme se lê na Escritura (Mt 12, 4). E não estava colocada directamente no meio, diante do propiciatório, para excluir o rito da idolatria. Porque os gentios, nos sacrifícios à lua, colocavam a mesa em frente do ídolo da lua; donde o dizer a Escritura (Jr 7, 18): as mulheres misturam a manteiga para fazerem tortas à rainha do céu. — O átrio, fora do tabernáculo, continha o altar dos holocaustos, onde se ofereciam a Deus, em sacrifício, das coisas pertencentes ao povo. E por isso, este podia ficar no átrio, e oferecia os seus bens a Deus, pelas mãos dos sacerdotes. Mas só os sacerdotes, a quem competia oferecer o povo a Deus, é que podiam ter acesso ao altar interior, no qual era oferecida a devoção e a santidade do povo. E esse altar estava colocado no átrio, fora do tabernáculo, para impedir o culto da idolatria; pois os gentios levantavam altares, dentro dos templos, para imolar aos ídolos. Quanto à razão figurada de todas essas coisas, pode ser descoberta na relação do tabernáculo com Cristo, a quem figura. Donde, devemos considerar que, para designar a imperfeição das figuras legais, instituíram-se, no templo, diversas figuras significativas de Cristo. — Assim, é significado pelo propiciatório, porque ele é a propiciação pelos nossos pecados, como diz a Escritura (1 Jo 2, 2). E era conveniente que o propiciatório fosse levado pelos Querubins, porque de Cristo foi escrito (Heb 1, 6): E todos os anjos de Deus o adorem. — Também a arca significa Cristo, porque, assim como era construída de pau setim, assim, o corpo de Cristo é composto de membros puríssimos. Era dourada, porque Cristo é cheio de sabedoria e caridade, simbolizadas pelo ouro. Dentro da arca havia uma urna de ouro, isto é, a alma santa, que encerra o maná, i. é, toda a plenitude da divindade. E ainda nela estava a vara, i. é, o poder sacerdotal, porque Cristo foi constituído pontífice eterno. Também nelas estavam as tábuas do testamento, para significar que Cristo mesmo é legislador. — Demais, Cristo é simbolizado pelo candelabro, porque, ele próprio o disse (Jo 8, 12): Eu sou a luz do mundo. As sete lâmpadas significam os sete dons do Espírito Santo. — É também simbolizado pela mesa, porque Ele é o alimento espiritual, conforme a Escritura (Jo 6, 41-51): Eu sou o pão vivo; os doze pães significam os doze apóstolos ou a sua doutrina. Ou então, o candelabro e a mesa podem significar a doutrina e a fé da Igreja, que ilumina e refaz ao mesmo tempo. Também Cristo é simbolizado no duplo altar, o dos holocaustos e o do timiama. Porque, por Ele, devemos oferecer a Deus todas as obras virtuosas, tanto aquelas pelas quais mortificamos a carne, como que oferecidas no altar dos holocaustos; como as que, com maior perfeição da mente, pelos desejos espirituais dos perfeitos, oferecemos a Deus em Cristo, como que no altar do timiama, conforme a Escritura (Heb 13, 15): Ofereçamos, pois, por ele a Deus sem cessar sacrifício de louvor.

RESPOSTA À SÉTIMA. — O Senhor mandou que se construísse um altar onde se deviam oferecer os sacrifícios e os dons, em honra de Deus e para sustento dos ministros, que serviam no tabernáculo. E sobre a construção desse altar, o Senhor deu duplo preceito.

Um, no princípio da lei, quando mandou que fizessem um altar de terra, ou ao menos, de pedras não lavradas; e demais, que não fizessem um altar elevado onde devessem subir por degraus. E isto para detestarem o culto da idolatria. Pois os gentios construíam aos ídolos altares ornados e altos, onde acreditavam haver algo da santidade e da divindade. Razão pela qual também o Senhor mandou (Ex 20, 24 ss): Não plantarás bosque nem árvore alguma ao pé do altar do Senhor teu Deus; porque os idólatras costumavam sacrificar debaixo das árvores, por causa da amenidade do lugar e da sombra. — E destes preceitos também há uma razão figurada. Pois, em Cristo, que é o nosso altar, devemos admitir a verdadeira natureza da carne, quanto à sua humanidade — e isso significa o construir um altar de terra; e também, quanto à divindade, devemos admitir nele a igualdade com o Pai — e isso significa o não subir por degraus ao altar. E nem devemos, ao lado de Cristo, admitir a doutrina dos gentios, que provoca a lascívia.

Feito porém o tabernáculo em honra de Deus, não eram para temer tais ocasiões de idolatria. Por isso, o Senhor mandou se fizesse, para os holocaustos, um altar de bronze, que estivesse patente a todo o povo; e de ouro, o altar do timiama, que só os sacerdotes viam. Assim, não era tanta a preciosidade do bronze, que provocasse o povo a alguma idolatria.

Mas, a Escritura dá como razão do preceito (Ex 20, 26) — não subirás por degraus ao meu altar — o que logo acrescenta: para que se não descubra a tua torpeza. Donde, devemos considerar que também isso foi instituído para excluir a idolatria; pois, nos sacrifícios a Priapo, os gentios descobriam as partes pudendas. Mas depois, foi ordenado aos sacerdotes que usassem calções que lhes cobrissem essas partes. E, assim, sem perigo, podia ser determinada uma altura tal do altar que, para oferecer os sacrifícios, a ele subissem por uns degraus de madeira, não permanentes, mas trazidos na hora do sacrifício.

RESPOSTA À OITAVA. — O corpo do tabernáculo constava de umas tábuas erectas no sentido do comprimento, cobertas por dentro de umas cortinas de quatro cores variadas, o saber, de bisso retorcido, de cor de jacinto, de púrpura e de escarlata tinta duas vezes. Mas, essas cortinas cobriam só os lados do tabernáculo. No teto do mesmo havia uma coberta de peles tintas de roxo; e, sobre esta, outra de peles de carneiro tintas de vermelho; e por cima uma terceira, de umas peles de cabra, que cobriam, não só o teto do tabernáculo, mas desciam até a terra e cobriam, exteriormente, as tábuas do mesmo.

Ora, desta coberta, a razão literal, em comum, era servir de ornato e protecção do tabernáculo, de modo que este fosse reverenciado. Em especial, porém, segundo alguns, as cortinas designam o céu sidéreo, cheio de diversas e variegadas estrelas. As peles de cabra, as águas que estão sobre o firmamento; as tintas de vermelho, o céu empíreo, em que estão os anjos; as tintas de roxo, o céu da santa Trindade.

A razão figurada dessas coisas é a seguinte. As tábuas, de que o tabernáculo era construído, significavam os fiéis de Cristo, de que é a Igreja construída. O tabernáculo era coberto por dentro por tábuas de quatro cores, porque os fiéis são ornados interiormente de quatro virtudes. Pois, como diz a Glosa, o bisso retorcido significa a carne resplendente pela castidade; o jacinto, a mente desejosa das coisas celestes; a púrpura, a carne sujeita ao sofrimento; a escarlata tinta duas vezes, a mente refulgente entre os sofrimentos por amor de Deus e o amor do próximo. As cobertas do teto designam os prelados e os doutores, que devem brilhar pela vida repassada das coisas celestes, o que é simbolizado pelas peles de cor de jacinto; pela prontidão para o martírio, simbolizado pelas de escarlata tintas duas vezes; pela austeridade de vida e a paciência nas adversidades, simbolizado pelas de cabra, que estavam expostas aos ventos e às chuvas, como diz a Glosa.

RESPOSTA À NONA. — A santificação do tabernáculo e dos seus vasos tem uma causa literal, que era fazer com que fossem tidos na maior reverência, como destinados que eram ao culto divino por essa consagração. — A razão figurada é que essa santificação significa a espiritual, do tabernáculo vivo, i. é, dos fiéis, que constituem a Igreja de Cristo.

RESPOSTA À DÉCIMA. — Na lei antiga havia sete solenidades temporais e uma contínua, como se pode coligir da Escritura (Nm 28; 29). — Havia uma festividade quase contínua, porque todos os dias, de manhã e de tarde, era imolado o cordeiro. E essa contínua festividade de um sacrifício perene representa a perpetuidade da beatitude divina.

Das festas temporais, a primeira era a que se renovava em cada semana. E essa era a solenidade do Sábado, celebrada em memória da criação das coisas, como já se disse. — Outra a que se repetia cada mês, era a da Neomenia, celebrada para comemorar a obra do governo divino. Pois, as coisas do nosso mundo inferior variam principalmente conforme o movimento da lua. Por isso, celebrava-se essa festa na lua nova; e não no plenilúnio, para evitar o culto dos idólatras, que, nesse tempo, prestavam à lua. — E como esses dois referidos benefícios são comuns a todo o género humano, essas festas repetiam-se mais frequentemente.

As outras cinco festas celebravam-se uma vez por ano, e nelas se rememoravam os benefícios especialmente feitos ao povo judeu. — Assim, celebrava-se a festa da Fase, no primeiro mês, para comemorar o benefício da libertação do Egito. — A de Pentecostes, depois de cinquenta dias, para rememorar o benefício da lei que lhes foi dada.

As outras três festas eram celebradas no sétimo mês, que, como o sétimo dia, era quase inteiramente solene, para os judeus. — Assim, no primeiro dia do sétimo mês, havia a festa das Trombetas, em memória da liberação de Isaac, quando Abraão encontrou o carneiro preso pelos chifres, o qual representavam pelas cornetas em que buzinavam. — E era a festa das Trombetas um quase convite para se prepararem para a festa seguinte, celebrada no décimo dia. Era essa a da Expiação, em memória do benefício de Deus se ter tornado propício ao povo, a pedido de Moisés, depois do pecado da adoração do bezerro. — A seguir, celebravam a da Scenopegia, i. é, dos Tabernáculos, durante sete dias, para comemorar o benefício da divina protecção, guiando-os pelo deserto, onde habitaram em tabernáculos. Por isso, nesse dia, deviam tomar o fruto da árvore mais formosa, i. é, do limoeiro; e uma árvore de densas folhas, i. é, a murta, cujas folhas são odoríferas; e folhas de palmeira; e salgueiros da torrente, que conservam por muito tempo o verdor. Tudo isso se encontra na terra da promissão, e era para significar que Deus os conduziu através da terra árida do deserto, para uma terra deliciosa. — No oitavo dia celebrava-se outra festa, a da Congregação e do Ajuntamento, em que se recebia do povo o necessário para as despesas com o culto divino. E significava a união do povo e a paz concedida na terra da promissão.

As razões figuradas dessas festas são as seguintes. O sacrifício perene do cordeiro figura a perpetuidade de Cristo, que é o Cordeiro de Deus, conforme a Escritura (Heb 13, 8): Jesus Cristo era ontem e é hoje; o mesmo será também por todos os séculos. — O Sábado designa a réquie espiritual, que Cristo nos deu, como se lê na Escritura (Heb 4). — A Neoménia, começo da lua nova, significa a iluminação da primitiva Igreja por Cristo, quando pregava e fazia milagres. — A festa de Pentecostes simboliza a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos. — A das Trombetas, a pregação dos Apóstolos. — A da Expiação, a purificação dos pecados do povo cristão. — A dos Tabernáculos, a peregrinação dos cristãos neste mundo, onde passam progredindo nas virtudes. — A da Congregação e do Ajuntamento, a congregação dos fiéis no reino celeste; e por isso essa festa era considerada santíssima. E essas três festas eram contínuas, umas em relação às outras; porque é necessário que progridam na virtude os que expiaram os vícios, até chegarem à visão de Deus, como diz a Escritura (Sl 83, 8).

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho e comentário, Leit. Espiritual (Cong para a Doutrina da Fé - Inst sobre respeito da vida humana e procriação,)


Tempo comum XVI Semana


São Tiago – Apóstolo

Evangelho: Mt 20, 20-28

20 Então, aproximou-se d'Ele a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos, prostrando-se, para Lhe fazer um pedido. 21 Ele disse-lhe: «Que queres?». Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos se sentem no Teu reino, um à Tua direita e outro à Tua esquerda». 22 Jesus disse: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu hei-de beber?». Eles responderam-Lhe: «Podemos». 23 Disse-lhes: «Efectivamente haveis de beber o Meu cálice, mas, quanto a sentar-se à Minha direita ou à Minha esquerda, não pertence a Mim concedê-lo; será para aqueles para quem está reservado por Meu Pai». 24 Os outros dez, ouvindo isto, indignaram-se contra os dois irmãos. 25 Mas Jesus chamou-os e disse-lhes: «Vós sabeis que os príncipes das nações as subjugam e que os grandes as governam com autoridade. 26 Não seja assim entre vós, mas todo aquele que quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo, 27 e quem quiser ser entre vós o primeiro, seja vosso escravo. 28 Assim como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida para resgate de todos».

Comentário:


O que uma mãe não faz pelos seus filhos!
Sem receio de pedir o impossível, medo, até, do ridículo da petição, a mãe pede, solicita, implora o que pensa pode contribuir para o bem, a felicidade do filho.

Imaginemos como a nossa Mãe do Céu que, conhecendo as nossas fragilidades e carências, não há-de interceder por nós junto do seu Filho.
E, Ele, não resiste aos apelos da Sua a Mãe Santíssima e, não por nosso mérito, que não temos, mas pela sua intercessão, dar-nos-á o que possamos precisar.

(ama, comentário sobre Mt 20, 20-28, 2013.07.25)

Leitura espiritual


Documentos do Magistério

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUÇÃO SOBRE O RESPEITO
À VIDA HUMANA NASCENTE
E A DIGNIDADE DA PROCRIAÇÃO

RESPOSTA A ALGUMAS QUESTÕES ACTUAIS

 PREÂMBULO

A Congregação para a Doutrina da Fé foi interpelada por diversas Conferências episcopais e, individualmente, por bispos, teólogos, médicos e cientistas, acerca da conformidade com os princípios da moral católica das técnicas biomédicas que consentem intervir na fase inicial da vida do ser humano e nos próprios processos da procriação. Fruto de ampla consulta e, em particular, de uma atenta avaliação das declarações de episcopados, a presente Instrução não pretende propor novamente todo o ensinamento da Igreja acerca da dignidade da vida humana nascente e da procriação. É seu desejo oferecer, à luz da precedente doutrina do Magistério, respostas específicas às principais interrogações que se levantam a esse respeito.

A exposição está organizada do seguinte modo: uma introdução recordará os princípios fundamentais de caráter antropológico e moral necessários para uma adequada avaliação dos problemas e para a elaboração das respostas a tais questões; a primeira parte terá como tema o respeito pelo ser humano a partir do primeiro momento da sua existência; a segunda parte abordará as questões morais suscitadas pelas intervenções da técnica na procriação humana; na terceira parte serão oferecidas algumas orientações quanto às relações que sobrevêm entre lei moral e lei civil, a propósito do respeito devido aos embriões e fetos humanos, 1* com relação à legitimidade das técnicas de procriação artificial.

INTRODUÇÃO

1. PESQUISA BIOMÉDICA E ENSINAMENTO DA IGREJA

O dom da vida que Deus Criador e Pai confiou ao homem, exige que este tome consciência do seu valor inestimável e assuma a responsabilidade do mesmo: este princípio fundamental deve ser posto no centro da reflexão, a fim de esclarecer e resolver os problemas morais suscitados pelas intervenções artificiais na vida nascente e nos processos da procriação.

Graças ao progresso das ciências biológicas e médicas, o homem pode dispor de recursos terapêuticos sempre mais eficazes, mas pode adquirir também novos poderes sobre a vida humana em seu próprio início e nos seus primeiros estágios, com consequências imprevisíveis. Hoje, diversas técnicas permitem uma intervenção não apenas para assistir mas também para dominar os processos da procriação. Tais técnicas podem consentir ao homem «tomar nas mãos o próprio destino», mas expõem-no também «à tentação de ultrapassar os limites de um domínio razoável sobre a natureza». 1 Por mais que possam constituir um progresso a serviço do homem, elas comportam também graves riscos. Desta forma, um urgente apelo é expresso por parte de muitos, a fim de que, nas intervenções sobre a procriação, sejam salvaguardados os valores e os direitos da pessoa humana. Os pedidos de esclarecimento e de orientação provêm não apenas dos fiéis, mas também da parte de todos aqueles que, de algum modo, reconhecem que a Igreja, «perita em humanidade», 2 tem uma missão a serviço da «civilização do amor» 3 e da vida.

Não é em nome de uma particular competência no campo das ciências experimentais que o Magistério da Igreja intervém. Após ter levado em consideração os dados da pesquisa e da técnica, em virtude da própria missão evangélica e do seu dever apostólico, ele pretende propor a doutrina moral correspondente à dignidade da pessoa e à sua vocação integral, expondo os critérios de juízo moral sobre as aplicações da pesquisa científica e da técnica, particularmente naquilo que diz respeito à vida humana e aos seus inícios. Tais critérios são o respeito, a defesa e a promoção do homem, o seu «direito primário e fundamenta » à vida, 4 a sua dignidade de pessoa, dotada de uma alma espiritual, de responsabilidade moral 5 e chamada à comunhão beatífica com Deus.

Também neste campo, a intervenção da Igreja se inspira no amor que ela deve ao homem, ajudando-o a reconhecer e respeitar os seus direitos e os seus deveres. Tal amor alimenta-se nas fontes da caridade de Cristo: contemplando o mistério do Verbo Encarnado, a Igreja conhece também o «mistério do homem»; 6 anunciando o Evangelho da salvação, revela ao homem a sua dignidade e convida-o a descobrir plenamente a sua verdade. Assim, a Igreja repropõe a lei divina, realizando uma obra de verdade e de libertação.

Com efeito, é por bondade — para indicar o caminho da vida — que Deus dá ao homem os seus mandamentos e a graça de observá-los; como é também por bondade — para ajudá-los a perseverar no mesmo caminho — que Deus sempre oferece a todos os homens o seu perdão. Cristo tem compaixão de nossas fraquezas: Ele é nosso Criador e nosso Redentor. Que o seu Espírito abra os ânimos ao dom da paz de Deus e à compreensão dos seus preceitos.

2. CIÊNCIA E TÉCNICA A SERVIÇO DA PESSOA HUMANA

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: «homem e mulher ele os criou» (Gn 1, 27), confiando-lhes a missão de «dominar a terra» (Gn 1, 28). Tanto a pesquisa científica de base como a aplicada constituem uma significativa expressão deste senhorio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica, preciosos recursos do homem quando são postos a seu serviço e promovem o seu desenvolvimento integral em benefício de todos, não podem indicar sozinhos o sentido da existência e do progresso humano. Sendo ordenadas ao homem, de quem recebem origem e incremento, é na pessoa e em seus valores morais que vão buscar a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites.

Seria, portanto, ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e das suas aplicações; por outro lado, não se pode deduzir os critérios de orientação somente da eficiência técnica, da utilidade que podem trazer a alguns em prejuízo de outros ou, pior ainda, das ideologias dominantes. A ciência e a técnica, portanto, por seu próprio significado intrínseco, exigem o respeito incondicionado aos critérios fundamentais da moralidade: isto é, devem estar a serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, segundo o plano e a vontade de Deus. 7

O rápido desenvolvimento das descobertas tecnológicas torna mais urgente esta exigência de respeito aos critérios mencionados: sem a consciência, a ciência só pode conduzir à ruína do homem. «A nossa época, mais do que nos séculos passados, precisa desta sabedoria para que todas as novidades descobertas pelo homem se tornem mais humanas. Realmente estará em perigo a sorte futura do mundo se não surgirem homens mais sábios» 8

3. ANTROPOLOGIA E INTERVENÇÕES NO CAMPO BIO-MÉDICO

Quais critérios morais devem ser aplicados para esclarecer os problemas hoje suscitados no âmbito da biomédica? A resposta a esta pergunta supõe uma adequada concepção da natureza da pessoa humana na sua dimensão corpórea.

Com efeito, somente seguindo a sua verdadeira natureza é que a pessoa humana pode realizar-se como «totalidade unificada»: 9 ora, esta natureza é simultaneamente corporal e espiritual. Por força da sua união substancial com uma alma espiritual, o corpo humano não pode ser considerado apenas como um conjunto de tecidos, órgãos e funções, nem pode ser avaliado com o mesmo critério do corpo dos animais. Ele é parte constitutiva da pessoa que através dele se manifesta e se exprime.

A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e os deveres que se fundamentam na natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Portanto, ela não pode ser concebida como uma normatividade simplesmente biológica, mas deve ser definida como a ordem racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a sua vida e os seus atos e, em particular, a usar do próprio corpo e a dele dispor. 10

De tais princípios, pode-se tirar uma primeira consequência: uma intervenção no corpo humano não atinge apenas tecidos, órgãos e suas funções, mas envolve também, em diversos níveis, a própria pessoa; ela comporta, pois, um significado e uma responsabilidade morais, de modo implícito talvez, porém real. João Paulo II reafirmava-o, com vigor, à Associação médica mundial: «Toda a pessoa humana, na sua singularidade irrepetível, não é constituída apenas pelo espírito mas também pelo corpo; assim, no corpo e através do corpo atinge-se a pessoa mesma, na sua realidade concreta. Respeitar a dignidade do homem comporta, por conseguinte, salvaguardar esta identidade do homem corpore et anima unus, como afirmava o Concílio Vaticano II (Const. Gaudium et Spes, n. 14, 1). É sobre a base desta visão antropológica que devem ser encontrados os critérios fundamentais para as decisões a tomar, quando se trata de intervenções não estritamente terapêuticas, por exemplo, aquelas que visam a melhoria da condição biológica humana». 11

A biologia e a medicina, em suas aplicações, concorrem para o bem integral da vida humana quando vêm em auxílio da pessoa atingido pela doença e enfermidade, no respeito à sua dignidade de criatura do Deus. Nenhum biólogo ou médico pode razoavelmente pretender, por força da sua competência científica, decidir sobre a origem e o destino dos homens. Esta doutrina deve ser aplicada, de modo particular, no âmbito da sexualidade e da procriação, no qual o homem e a mulher atuam os valores fundamentais do amor e da vida.

Deus, que é amor e vida, inscreveu no homem e na mulher a vocação a uma participação especial no seu mistério de comunhão pessoa e na sua obra de Criador e Pai. 12 Por isso o matrimónio possui bens e valores específicos de união e de procriação que não se podem compara com os que existem nas formas inferiores de vida. Tais valores e significados de ordem pessoal determinam, do ponto de vista moral, o sentido e os limites das intervenções artificiais na procriação e na origem da vida humana. Estas intervenções não devem ser recusadas pelo fato de serem artificiais. Como tais, elas demonstram as possibilidades da arte médica. Sob o aspecto moral, porém, devem ser avaliadas com referência à dignidade da pessoa humana, chamada a realizar a vocação divina ao dom do amor e ao dom da vida.

(cont.)
_________________________________________
Notas:

1* Os termos «zigoto», «pre-embrião», «embrião» e « eto» podem indicar, na terminologia da biologia, estágios sucessivos do desenvolvimento de um ser humano. A presente Instrução usa livremente estes termos, atribuindo-lhes uma idêntica relevância ética, para indicar o fruto, visível ou não, da geração humana, desde o primeiro momento da sua existência até o nascimento. A razão de tal uso será esclarecida no texto (cf. I, 1).
1 João Paulo II, Discurso aos participantes do 81. Congresso da Sociedade Italiana de Medicina Interna e do 82. Congresso da Sociedade Italiana de Cirurgia Geral, 27 de outubro de 1980: AAS 72 (1980) 1126.
2 Paulo VI, Discurso à Assembleia Geral das Nações Unidas, 4 de outubro de 1965: AAS 57 (1965) 878; Encicl. Populorum Progressio, 13: AAS 59 (1967) 263.
3 Paulo VI, Homilia durante a Missa de encerramento do Ano Santo, 25 de dezembro de 1975: AAS 68 (1976) 145; João Paulo II, Encicl. Dives in Misericordia, 30: AAS 72 (1980) 1224.
4 João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 390.
5 Cf. Declar. Dignitatis Humanae, 2.
6 Const. past. Gaudium et Spes, 22; João Paulo II, Encicl. Redemptor Hominis, 8: AAS 71 (1979) 270-272.
7 Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 35.
8 Const. past. Gaudium et Spes, 15; cf. também Paulo VI, Encicl. Populorum Progressio, 20: AAS 59 (1967) 267; João Paulo II, Encicl. Redemptor Hominis, 15: AAS 71 (1979) 286-289; Exort. Apost. Familiaris Consortio, 8: AAS 74 (1982) 89.
9  João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris Consortio, 11: AAS 74 (1982) 92.
10 Cf. Paulo VI, Encicl. Humanae Vitae, 10: AAS 60 (1968) 487-488.
11 João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 393.
12 Cf. João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris Consortio, 11: AAS 74 (1982) 91-92 cf. também Const. Past. Gaudium et Spes, 50.