Questão
102: Das causas dos preceitos cerimoniais.
Art.
4 — Se se pode dar razão suficiente das cerimnias da lei antiga relativas às
coisas sagradas.
(Ad Coloss., cap. II, lect. IV; Ad
Hebr., cap. IX,lect. I).
O quarto discute-se assim. — Parece
que das cerimónias da lei antiga, relativas às coisas sagradas, não se pode dar
razão suficiente.
1. — Pois, diz Paulo (At 17, 24):
Deus, que fez o mundo, e tudo o que nele há, sendo ele o Senhor do céu e da
terra, não habita em templos feitos pelos homens. Logo, a lei antiga institui
inconvenientemente, para o culto de Deus, o tabernáculo ou templo.
2. Demais. — A estrutura da lei antiga
não foi mudada senão por Cristo. — Ora, o tabernáculo designava a estrutura
dessa lei. Logo, não devia ser mudado pela edificação de nenhum templo.
3. Demais. — A lei divina deve
sobretudo induzir os homens ao culto divino. Ora, para se desenvolver do culto
divino é necessário fazerem-se muitos altares e templos, como claramente se vê
na lei nova. Logo, mesmo no regime da lei antiga, não devia haver só um templo
ou tabernáculo, mas muitos.
4. Demais. — O tabernáculo ou templo
ordenava-se ao culto de Deus. Ora, em Deus devemos venerar sobretudo a unidade
e a simplicidade. Logo, não era conveniente que o tabernáculo ou templo se
distinguisse por alguns véus.
5. Demais. — A virtude do primeiro
motor, que é Deus, manifesta-se primeiro na parte do Oriente, onde começa o
primeiro movimento. Ora, o tabernáculo foi instituído para a adoração de Deus.
Logo, devia estar voltado mais para o Oriente que para o Ocidente.
6. Demais. — O Senhor mandou (Ex 20,
4) não se fizesse imagem de escultura, nem figura alguma. Logo,
inconvenientemente se esculpiram, no tabernáculo ou templo, imagens de
querubins. Semelhantemente, aí se viam, sem causa racional, a arca, o
propiciatório, o candelabro, a mesa e o altar duplo.
7. Demais. — O Senhor mandou (Ex 20,
24): Far-me-eis um altar de terra. — E ainda (Ex 20, 26): Não subirás por
degraus ao meu altar. Logo, inconvenientemente se mandou, depois, fazer um
altar de madeira, ouro ou cobre, e de tanta altura, que só por degraus se podia
subir a ele. Pois, diz a Escritura (Ex 27, 1-2): Farás também um altar de pau
setim, o qual terá cinco côvados ao cumprimento e outros tantos de largura, e
terá três côvados de alto, e o cobrirás de cobre. E (Ex 30, 1-3): Farás um
altar de madeira de setim para queimar os perfumes. E o cobrirás de ouro
puríssimo.
8. Demais. — Nas obras de Deus nada
deve ser supérfluo, porque nem nas da natureza isso se dá. Ora, a um
tabernáculo ou casa basta uma coberta. Logo, era inconveniente se lhe
sobreporem muitas cobertas, a saber: cortinas, cobertas de pele de cabra, peles
de carneiro tintas de vermelho e peles tintas de roxo.
9. Demais. — A consagração exterior
significava a interior, cujo sujeito é a alma. Logo, o tabernáculo era
consagrado inconvenientemente e os seus vasos, que eram corpos inanimados.
10. Demais. — A Escritura diz (Sl 33,
2): Bendirei o Senhor em todo o tempo; o seu louvor será sempre na minha boca.
Ora, as solenidades são instituídas para louvar a Deus. Logo, não era
conveniente estatuírem-se certos dias para realizar as solenidades. — De tudo
isso resulta, que as cerimónias das coisas sagradas não tinham causas convenientes.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo (Heb
8, 4): os que oferecem os dons segundo a lei servem de modelo e sombra das
coisas celestiais; como foi respondido a Moisés quando estava para acabar o
tabernáculo: Olha, disse, faze todas as coisas conforme o modelo que te foi
mostrado no monte. Ora, é muito racional o que representa a imagem das coisas
celestes. Logo, as cerimónias das coisas sagradas tinham causa racional.
Todo o culto externo de
Deus ordena-se principalmente para os homens o reverenciarem. Ora, é próprio do
afecto humano reverenciar menos o que é comum e sem distinção particular; e prestar
mais reverência e admiração ao que tem alguma excelência e se distingue do
comum. E daí vem ter o costume humano estabelecido, que os reis e os príncipes,
que devem ser reverenciados pelos súbditos, sejam ornados de vestes mais
preciosas e também possuam habitações mais amplas e mais belas. E por isso, era
necessário que fossem ordenados ao culto de Deus, alguns tempos especiais, um
tabernáculo especial, vasos especiais e ministros especiais, para assim
provocarem o espírito dos homens à maior reverência d'Ele. — Semelhantemente,
como já dissemos (a. 2; q. 100, a. 12; q. 101, a. 2), a estrutura da lei antiga
tinha por fim figurar o mistério de Cristo. Ora, é forçoso que seja algo de
determinado aquilo que deve figurar alguma coisa; de modo que representa uma
semelhança dela. Donde, também era necessário se observassem algumas
disposições especiais concernentes ao culto de Deus.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— O culto de Deus implica duas condições: o Deus adorado e os homens que o
adoram. Ora, Deus, que é adorado, não se encerra em nenhum lugar material e por
isso, não era preciso que lhe construísse um tabernáculo especial ou um templo.
Ao contrário, os homens que o adoram, são seres corpóreos; e, por causa deles,
era necessário que se construísse um tabernáculo especial ou um templo, para o
culto de Deus. E isto por duas razões. — A primeira, que os homens, reunidos
nesse lugar, com o pensamento de serem destinados a adorar a Deus, o fizessem
com maior reverência. — A segunda, que a disposição desse templo ou do
tabernáculo significasse algo de condescende com a excelência da divindade ou
humanidade de Cristo. E é o que diz Salomão (1 Rs 8, 27): se o céu e céu dos
céus te não podem compreender, quanto menos esta casa que eu edifiquei? E, em
seguida acrescenta (1 Rs 8, 29-30): os teus olhos estejam abertos de noite e de
dia sobre esta casa da qual disseste: O meu nome estará nela; para ouvires a oração
do teu servo e do teu povo de Israel. Donde é claro, que a casa do santuário
não foi instituída para compreender a Deus, como se nela habitasse localmente; mas
para que aí habitasse o nome de Deus. Isto é, para que o conhecimento de Deus
se manifestasse pelo que se aí fazia e dizia; e para, pela reverência ao lugar,
as orações se tornarem mais dignas de serem ouvidas, pela devoção dos que oravam.
RESPOSTA À SEGUNDA. — A estrutura da
lei antiga, quanto ao seu cumprimento, não foi mudada antes de Cristo; mas só
por Cristo isso se fez. Foi mudada, porém, quanto à condição do povo que ela
regia. Pois, primeiro, esteve no deserto, sem morada certa; depois, teve várias
guerras com as nações vizinhas; ultimamente, no tempo de Davi e de Salomão, viveu
tempos tranquilos. E então foi, pela primeira vez, edificado o templo no lugar
designado por Abraão, por indicação divina, para se aí fazerem as imolações.
Pois, como diz a Escritura (Gn 22, 2), o Senhor mandou a Abraão que oferecesse
o seu filho em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrar; e depois disse
(Gn 22, 14), que pós por nome aquele lugar: O Senhor vê, quase, por previsão de
Deus, fosse aquele lugar escolhido para o culto divino. Pelo que diz a
Escritura (Dt 12, 5-6): Vireis ao lugar que o Senhor vosso Deus escolher e
oferecereis os vossos holocaustos e vítimas. Ora, esse lugar, para a edificação
do templo, não devia ser designado antes do tempo predito, por duas razões
dadas pelo Rabbi Moisés. A primeira, para que os gentios se não apropriassem
desse lugar. A segunda, para que não o destruíssem. A terceira enfim, para que
qualquer das tribos não pretendesse tê-lo como seu lote, donde nascessem
demandas e litígios. Por isso, não se devia edificar o templo enquanto não
houvesse um rei, capaz de impedir esses litígios. E, antes dessa edificação,
ordenava-se ao culto de Deus um tabernáculo portátil por diversos lugares,
quase ainda não existente um lugar determinado para o culto divino. E esta é a
razão literal da diversidade do tabernáculo e do templo. — A razão figurada
pode ser que essas duas coisas significavam um duplo estado. O tabernáculo, que
era mutável, significa o regime da vida presente também mutável. O templo, por
seu lado, fixo e permanente, o regime da vida futura, absolutamente invariável.
E por isto, na edificação do templo, diz a Escritura, que não se ouvia o som de
martelo nem machado, para significar que toda actividade perturbadora era
estranha ao estado futuro. Ou, o tabernáculo significava o regime da lei
antiga; e o templo, construído por Salomão, o da lei nova. Donde, na construção
do tabernáculo, só os judeus trabalharam; ao passo que, na do templo,
cooperavam também os tírios e sidónios, que eram gentios.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A razão da unidade
do templo ou do tabernáculo pode ser literal e figurada. — A literal era a
exclusão da idolatria; porque os gentios atribuíam diversos templos aos vários
deuses. Donde, para que se radicasse no espírito dos homens a fé na unidade
divina, quis Deus que se lhe oferecesse sacrifício só num lugar. Além disso,
para assim mostrar que o culto material não lhe é em si mesmo aceite. Pelo que,
impedia que se oferecessem sacrifícios a cada passo e em toda parte. Ao
contrário, o culto da lei nova, em cujo sacrifício está contida a graça espiritual,
é, em si mesmo, aceite por Deus. Por isso, a lei nova admite a multiplicação
dos altares e dos templos. Quanto ao pertencente ao culto espiritual de Deus,
que consistia na doutrina da lei e dos profetas, havia ainda, na lei antiga,
diversos lugares determinados, chamados sinagogas, em que o povo se reunia para
louvar a Deus. Assim, se chamam também agora igrejas os lugares em que para
louvá-Lo, se congrega o povo cristão. Donde, a nossa Igreja tomou o lugar do
templo e da sinagoga; porque, sendo o seu sacrifício espiritual, não
distinguimos agora o lugar do sacrifício do lugar da doutrina. — A razão
figurada pode ser, que o templo e o tabernáculo significam a unidade da Igreja,
militante, ou triunfante.
RESPOSTA À QUARTA. — Assim como a
unidade do templo ou do tabernáculo representam a de Deus ou da Igreja, assim
também, a distinção entre um e outro representa a distinção entre as coisas
sujeitas a Deus, e que nos elevam a venerá-Lo. Pois, distinguiam-se no
tabernáculo duas partes: a ocidental chamada o Santo dos Santos; e a oriental,
chamada Santo. E, enfim, ante ele, havia o átrio.
Ora, esta distinção fundava-se em
dupla razão. — Uma, pela qual o tabernáculo se ordenava ao culto de Deus. E
assim, as diversas partes do mundo estavam figuradas nas duas partes do
tabernáculo. Pois, a chamada Santo dos Santos simbolizava o mundo superior, que
é o das substâncias espirituais; e a chamada Santo, o mundo corpóreo. Donde, o
Santo se separava do Santo dos Santos por um véu, pintado de quatro cores,
símbolos dos quatro elementos. Essas eram: o bisso, símbolo da terra, porque o
bisso, i. é, o linho nasce da terra; a púrpura, símbolo da água, porque a cor
purpúrea era feita de certas conchas que se encontram no mar; o jacinto, que
significava o ar, que tem cor de ouro; e a escarlata duas vezes tinta, que
designava o fogo. E isto era assim porque a matéria dos quatro elementos é um
impedimento que nos vela as substâncias incorpóreas. Donde, no tabernáculo
interior, i. é, no Santo dos Santos, só entrava o sumo-sacerdote, e uma só vez
no ano, para significar que a perfeição final do homem é a entrada no mundo
espiritual. No tabernáculo exterior, i. é, no Santo, o sacerdote entrava todos
os dias, não porém o povo, que tinha acesso só ao átrio. Porque as coisas
corpóreas o povo pode percebê-las, mas as razões internas delas só os
sapientes, reflectindo, podem atingi-las. Quanto à razão figurada, o
tabernáculo exterior, chamado Santo simboliza o regime da lei antiga, como diz
o Apóstolo (Heb 9, 6 ss). Porque nele entravam sempre os sacerdotes para
cumprirem o ofício de sacrificar. Enquanto o tabernáculo interior, chamado
Santo dos Santos significa a glória celeste, ou também o regime espiritual da
lei nova, que é um quase começo da glória futura, estado, em que Cristo nos
introduziu. E era figurado pela entrada só do sumo-sacerdote, uma vez no ano,
no Santo dos Santos. — O véu, por seu lado, significava a ocultação dos
sacrifícios antigos; e era ornado de quatro cores significativas. O bisso,
símbolo da pureza da carne; a púrpura, dos sofrimentos que os santos padeceram
por Deus; a escarlata duas vezes tinta, da dupla caridade para com Deus e o
próximo; o jacinto, da meditação celeste. — Mas o povo e os sacerdotes tinham
relações diferentes com a lei antiga. Pois, aquele assistia aos sacrifícios
corporais que se ofereciam no átrio; ao passo que os sacerdotes meditavam na
essência deles, com fé mais explícita nos mistérios de Cristo. Por isso
entravam no tabernáculo exterior, que também estava separado do átrio por um
véu, porque algumas coisas, sobre o mistério de Cristo eram veladas ao povo e
conhecidas dos sacerdotes. Mas não lhes eram plenamente reveladas, como depois,
no Novo Testamento, conforme a Escritura (Ef 3, 5).
RESPOSTA À QUINTA. — Os judeus
adoravam com a cara voltada para o ocidente; o que foi introduzido na lei para
excluir a idolatria, pois, todos os gentios, em reverência ao sol, adoravam
voltados para o oriente. Donde o dizer a Escritura (Ez 8, 16), que alguns
tinham as costas voltadas para o templo do Senhor e as caras viradas para o
oriente, e adoravam o sol nascendo. E era para excluir isso, que o tabernáculo
tinha o Santo dos Santos voltado para o ocidente, para o adorarem voltados para
esse ponto. — Quanto à razão figurada, pode ser que a estrutura do antigo
tabernáculo se ordenava a significar a morte de Cristo, figurada pelo ocaso,
conforme a Escritura (Sl 67, 5): Aquele que sobe sobre o ocidente, o Senhor é o
seu nome.
RESPOSTA À SEXTA. — Pode dar-se uma
razão literal e, outra, figurada do que se continha no tabernáculo. — A literal
é relativa ao culto divino. Ora, como já dissemos (ad 4), o tabernáculo
interior, chamado Santo dos Santos, significa o mundo superior das substâncias
espirituais. Por isso, esse tabernáculo continha três coisas: a arca do
testamento, na qual havia uma urna de ouro, que continha o maná, e a vara de
Aarão, que tinha florescido, e as tábuas do testamento, nas quais estavam escritos
os dez preceitos do decálogo. — E essa arca estava situada entre dois
querubins, olhando um para outro. — Sobre a arca havia uma tábua, chamada
propiciatório, apoiada nas azas dos querubins, como se fosse levada por eles, e
levando a imaginar que essa tábua fosse o assento de Deus. E se chamava
propiciatório, querendo significar que Deus, daí, se tornava propício ao povo,
pelas preces do sumo-sacerdote. E era conduzido pelos querubins, como sendo os
que seguem a Deus. Quanto à arca do testamento, era um como escabelo de quem
estava sentado no propiciatório.
Ora, essas três coisas simbolizam três
outras existentes no referido mundo superior. — Deus, que está acima de todas
as coisas e é incompreensível a todas as criaturas. E por isso, não punham
nenhuma figura que lhe representasse a invisibilidade, mas sim, a do seu
assento, porque concebemos criatura enquanto sujeita a Deus, como o assento a
quem se assenta. — Há também, nesse mundo superior, substâncias espirituais
chamadas anjos. E estes eram simbolizados pelos dois querubins, olhando um para
o outro, para designar a concórdia dos anjos entre si, conforme a Escritura (Jó
25, 2): aquele que mantém a concórdia nas alturas. Também não havia um só
querubim, para que se designasse a multidão dos espíritos celestes, e se
impedisse o culto deles àqueles a quem foi ordenado adorassem um só Deus. — Além
disso, nesse mundo inteligível, estão de certo modo, encerradas as razões
eternas do que fazemos neste mundo, assim como as razões dos efeitos estão
encerradas nas suas causas, e, no artífice, as das coisas artificiadas. O que é
simbolizado pela arca, que continha três coisas representativas das três coisas
humanas de maior valor, a saber: a sabedoria, simbolizada nas tábuas do
testamento; o poder governamental, na vara de Aarão; e a vida, representada
pelo maná, que foi o sustento dela. Ou ainda, essas três coisas significam os
três atributos de Deus: as tábuas, a sabedoria; a vara, o poder; o maná, a bondade,
quer pela sua doçura, quer porque Deus o deu ao seu povo, por misericórdia,
sendo, por isso, conservado, em memória dessa misericórdia.
Essas três coisas também estão figuradas
na visão de Isaías. Viu ele o Senhor sentado num sólio excelso e elevado,
assistido de Serafins, e o templo cheio da glória de Deus. Por isso, clamavam
os Serafins: Cheia está toda a terra da sua glória (Is 6, 1-3). E assim, as
imagens dos Serafins não foram aí postas para receberem culto, o que era
proibido pelo primeiro preceito da lei, mas como sinal de ministério, conforme
dissemos.
Por seu lado, o tabernáculo exterior,
significativo do século presente, também continha três coisas: o altar do
timiama, posto directamente contra a arca; a mesa da proposição, na qual se
punham os doze pães, colocada na parte norte; e o candelabro, na parte sul.
E essas três coisas são consideradas
como correspondentes às três encerradas na arca, representando, mas mais
manifestamente, o mesmo que elas. Pois é necessário que seja, das razões
eternas das coisas, dada mais clara manifestação da existência que têm na mente
divina e dos anjos, para poderem os sábios conhecê-las, sábios simbolizados nos
sacerdotes que entram no tabernáculo. — Por isso, o candelabro designa como em
sinal sensível, a sabedoria, expressa nas tábuas por palavras inteligíveis. — O
altar do timiama, o ofício dos sacerdotes, a quem pertence trazer o povo para
Deus; o que também é significado pela vara. Pois, nesse altar se queimava o
timiama do bom odor, que significa a santidade do povo, agradável a Deus;
porque, como diz a Escritura (Ap 8, 3), o fumo dos aromas exprime as
justificações dos santos. A dignidade sacerdotal é significada, na arca, pela
vara, e no tabernáculo exterior, pelo altar do timiama. Porque o sacerdote é o
mediador entre Deus e o povo, que governa por poder divino, simbolizado pela
vara; e oferecia a Deus, quase no altar do timiama, o fruto do seu governo, i.
é, a santidade do povo. — A mesa, bem como o maná, significam o sustento temporal
da vida; mas o que estava naquela era um alimento mais comum e grosseiro, ao passo
que o maná era mais suave e delicado. O candelabro estava convenientemente
colocado na parte austral, e a mesa, na aquilonar; porque aquela é a parte
direita do mundo, ao passo que esta é a esquerda, como diz Aristóteles. A
sabedoria pertencia à parte direita, assim como os outros bens espirituais;
enquanto a nutrição temporal, à esquerda, conforme a Escritura (Pr 3, 16): Na
sua esquerda, as riquezas e a glória. Enfim, o poder sacerdotal é um meio-termo
entre as coisas temporais e a sabedoria espiritual, pois por ela é dispensada a
sabedoria espiritual e as coisas temporais.
Mas também se pode dar dessas coisas
outra razão, mais literal. — Na arca estavam contidas as tábuas da lei, para
impedir o seu esquecimento; donde o dizer a Escritura (Ex 24, 12): dar-te-ei
duas tábuas de pedra e a lei e os mandamentos, que eu escrevi para ensinares os
filhos de Israel. — A vara de Aarão estava aí colocada para reprimir a
dissensão entre o povo e o sacerdócio do mesmo, conforme a Escritura (Nm 17,
10): Torna a levar a vara de Aarão para o tabernáculo do testemunho, para se
guardar ali em memória dos rebeldes filhos de Israel. — O maná era conservado
na arca, para comemorar o benefício que Deus fez aos filhos de Israel no
deserto, e por isso, diz a Escritura (Ex 16, 32): Enche um gomor dele e
guarde-se para todas as gerações futuras, para que saibam qual foi o manjar com
que eu vos sustentei no deserto. — O candelabro foi instituído para a honorificência
do tabernáculo; pois importa à magnificência da casa o ser bem iluminada. Tinha
sete ramos, como diz Josefo, para significar os sete planetas, que iluminam
todo o mundo. E foi colocado na parte austral, porque dela é que se movem os
planetas, em relação a nós. — O altar, do timiama foi instituído para que no
tabernáculo houvesse sempre o fumo do bom odor, quer para veneração do
tabernáculo, quer também para remédio contra o mau cheiro, que necessariamente
resultava do sangue derramado e da imolação dos animais. Pois, o fétido é
desprezado como vil; ao passo que todos apreciam muito o que tem bom odor. — A
mesa foi posta para significar que os sacerdotes, servidores do templo, deviam alimentar-se
nele. Por isso, só eles podiam comer dos doze pães superpostos na mesa, em
memória das doze tribos, conforme se lê na Escritura (Mt 12, 4). E não estava
colocada directamente no meio, diante do propiciatório, para excluir o rito da
idolatria. Porque os gentios, nos sacrifícios à lua, colocavam a mesa em frente
do ídolo da lua; donde o dizer a Escritura (Jr 7, 18): as mulheres misturam a
manteiga para fazerem tortas à rainha do céu. — O átrio, fora do tabernáculo,
continha o altar dos holocaustos, onde se ofereciam a Deus, em sacrifício, das
coisas pertencentes ao povo. E por isso, este podia ficar no átrio, e oferecia
os seus bens a Deus, pelas mãos dos sacerdotes. Mas só os sacerdotes, a quem
competia oferecer o povo a Deus, é que podiam ter acesso ao altar interior, no
qual era oferecida a devoção e a santidade do povo. E esse altar estava
colocado no átrio, fora do tabernáculo, para impedir o culto da idolatria; pois
os gentios levantavam altares, dentro dos templos, para imolar aos ídolos.
Quanto à razão figurada de todas essas coisas, pode ser descoberta na relação
do tabernáculo com Cristo, a quem figura. Donde, devemos considerar que, para
designar a imperfeição das figuras legais, instituíram-se, no templo, diversas
figuras significativas de Cristo. — Assim, é significado pelo propiciatório,
porque ele é a propiciação pelos nossos pecados, como diz a Escritura (1 Jo 2,
2). E era conveniente que o propiciatório fosse levado pelos Querubins, porque
de Cristo foi escrito (Heb 1, 6): E todos os anjos de Deus o adorem. — Também a
arca significa Cristo, porque, assim como era construída de pau setim, assim, o
corpo de Cristo é composto de membros puríssimos. Era dourada, porque Cristo é
cheio de sabedoria e caridade, simbolizadas pelo ouro. Dentro da arca havia uma
urna de ouro, isto é, a alma santa, que encerra o maná, i. é, toda a plenitude
da divindade. E ainda nela estava a vara, i. é, o poder sacerdotal, porque
Cristo foi constituído pontífice eterno. Também nelas estavam as tábuas do
testamento, para significar que Cristo mesmo é legislador. — Demais, Cristo é
simbolizado pelo candelabro, porque, ele próprio o disse (Jo 8, 12): Eu sou a
luz do mundo. As sete lâmpadas significam os sete dons do Espírito Santo. — É
também simbolizado pela mesa, porque Ele é o alimento espiritual, conforme a
Escritura (Jo 6, 41-51): Eu sou o pão vivo; os doze pães significam os doze
apóstolos ou a sua doutrina. Ou então, o candelabro e a mesa podem significar a
doutrina e a fé da Igreja, que ilumina e refaz ao mesmo tempo. Também Cristo é
simbolizado no duplo altar, o dos holocaustos e o do timiama. Porque, por Ele,
devemos oferecer a Deus todas as obras virtuosas, tanto aquelas pelas quais
mortificamos a carne, como que oferecidas no altar dos holocaustos; como as
que, com maior perfeição da mente, pelos desejos espirituais dos perfeitos,
oferecemos a Deus em Cristo, como que no altar do timiama, conforme a Escritura
(Heb 13, 15): Ofereçamos, pois, por ele a Deus sem cessar sacrifício de louvor.
RESPOSTA À SÉTIMA. — O Senhor mandou que
se construísse um altar onde se deviam oferecer os sacrifícios e os dons, em
honra de Deus e para sustento dos ministros, que serviam no tabernáculo. E
sobre a construção desse altar, o Senhor deu duplo preceito.
Um, no princípio da lei, quando mandou
que fizessem um altar de terra, ou ao menos, de pedras não lavradas; e demais,
que não fizessem um altar elevado onde devessem subir por degraus. E isto para
detestarem o culto da idolatria. Pois os gentios construíam aos ídolos altares
ornados e altos, onde acreditavam haver algo da santidade e da divindade. Razão
pela qual também o Senhor mandou (Ex 20, 24 ss): Não plantarás bosque nem
árvore alguma ao pé do altar do Senhor teu Deus; porque os idólatras costumavam
sacrificar debaixo das árvores, por causa da amenidade do lugar e da sombra. —
E destes preceitos também há uma razão figurada. Pois, em Cristo, que é o nosso
altar, devemos admitir a verdadeira natureza da carne, quanto à sua humanidade
— e isso significa o construir um altar de terra; e também, quanto à divindade,
devemos admitir nele a igualdade com o Pai — e isso significa o não subir por
degraus ao altar. E nem devemos, ao lado de Cristo, admitir a doutrina dos
gentios, que provoca a lascívia.
Feito porém o tabernáculo em honra de
Deus, não eram para temer tais ocasiões de idolatria. Por isso, o Senhor mandou
se fizesse, para os holocaustos, um altar de bronze, que estivesse patente a
todo o povo; e de ouro, o altar do timiama, que só os sacerdotes viam. Assim,
não era tanta a preciosidade do bronze, que provocasse o povo a alguma
idolatria.
Mas, a Escritura dá como razão do
preceito (Ex 20, 26) — não subirás por degraus ao meu altar — o que logo
acrescenta: para que se não descubra a tua torpeza. Donde, devemos considerar
que também isso foi instituído para excluir a idolatria; pois, nos sacrifícios
a Priapo, os gentios descobriam as partes pudendas. Mas depois, foi ordenado
aos sacerdotes que usassem calções que lhes cobrissem essas partes. E, assim,
sem perigo, podia ser determinada uma altura tal do altar que, para oferecer os
sacrifícios, a ele subissem por uns degraus de madeira, não permanentes, mas
trazidos na hora do sacrifício.
RESPOSTA À OITAVA. — O corpo do
tabernáculo constava de umas tábuas erectas no sentido do comprimento, cobertas
por dentro de umas cortinas de quatro cores variadas, o saber, de bisso
retorcido, de cor de jacinto, de púrpura e de escarlata tinta duas vezes. Mas,
essas cortinas cobriam só os lados do tabernáculo. No teto do mesmo havia uma
coberta de peles tintas de roxo; e, sobre esta, outra de peles de carneiro
tintas de vermelho; e por cima uma terceira, de umas peles de cabra, que
cobriam, não só o teto do tabernáculo, mas desciam até a terra e cobriam,
exteriormente, as tábuas do mesmo.
Ora, desta coberta, a razão literal,
em comum, era servir de ornato e protecção do tabernáculo, de modo que este
fosse reverenciado. Em especial, porém, segundo alguns, as cortinas designam o
céu sidéreo, cheio de diversas e variegadas estrelas. As peles de cabra, as
águas que estão sobre o firmamento; as tintas de vermelho, o céu empíreo, em
que estão os anjos; as tintas de roxo, o céu da santa Trindade.
A razão figurada dessas coisas é a
seguinte. As tábuas, de que o tabernáculo era construído, significavam os fiéis
de Cristo, de que é a Igreja construída. O tabernáculo era coberto por dentro por
tábuas de quatro cores, porque os fiéis são ornados interiormente de quatro virtudes.
Pois, como diz a Glosa, o bisso retorcido significa a carne resplendente pela
castidade; o jacinto, a mente desejosa das coisas celestes; a púrpura, a carne
sujeita ao sofrimento; a escarlata tinta duas vezes, a mente refulgente entre
os sofrimentos por amor de Deus e o amor do próximo. As cobertas do teto
designam os prelados e os doutores, que devem brilhar pela vida repassada das
coisas celestes, o que é simbolizado pelas peles de cor de jacinto; pela prontidão
para o martírio, simbolizado pelas de escarlata tintas duas vezes; pela
austeridade de vida e a paciência nas adversidades, simbolizado pelas de cabra,
que estavam expostas aos ventos e às chuvas, como diz a Glosa.
RESPOSTA À NONA. — A santificação do
tabernáculo e dos seus vasos tem uma causa literal, que era fazer com que
fossem tidos na maior reverência, como destinados que eram ao culto divino por
essa consagração. — A razão figurada é que essa santificação significa a
espiritual, do tabernáculo vivo, i. é, dos fiéis, que constituem a Igreja de
Cristo.
RESPOSTA À DÉCIMA. — Na lei antiga
havia sete solenidades temporais e uma contínua, como se pode coligir da
Escritura (Nm 28; 29). — Havia uma festividade quase contínua, porque todos os
dias, de manhã e de tarde, era imolado o cordeiro. E essa contínua festividade
de um sacrifício perene representa a perpetuidade da beatitude divina.
Das festas temporais, a primeira era a
que se renovava em cada semana. E essa era a solenidade do Sábado, celebrada em
memória da criação das coisas, como já se disse. — Outra a que se repetia cada
mês, era a da Neomenia, celebrada para comemorar a obra do governo divino.
Pois, as coisas do nosso mundo inferior variam principalmente conforme o
movimento da lua. Por isso, celebrava-se essa festa na lua nova; e não no
plenilúnio, para evitar o culto dos idólatras, que, nesse tempo, prestavam à
lua. — E como esses dois referidos benefícios são comuns a todo o género
humano, essas festas repetiam-se mais frequentemente.
As outras cinco festas celebravam-se
uma vez por ano, e nelas se rememoravam os benefícios especialmente feitos ao
povo judeu. — Assim, celebrava-se a festa da Fase, no primeiro mês, para comemorar
o benefício da libertação do Egito. — A de Pentecostes, depois de cinquenta
dias, para rememorar o benefício da lei que lhes foi dada.
As outras três festas eram celebradas
no sétimo mês, que, como o sétimo dia, era quase inteiramente solene, para os
judeus. — Assim, no primeiro dia do sétimo mês, havia a festa das Trombetas, em
memória da liberação de Isaac, quando Abraão encontrou o carneiro preso pelos
chifres, o qual representavam pelas cornetas em que buzinavam. — E era a festa
das Trombetas um quase convite para se prepararem para a festa seguinte, celebrada
no décimo dia. Era essa a da Expiação, em memória do benefício de Deus se ter
tornado propício ao povo, a pedido de Moisés, depois do pecado da adoração do
bezerro. — A seguir, celebravam a da Scenopegia, i. é, dos Tabernáculos,
durante sete dias, para comemorar o benefício da divina protecção, guiando-os
pelo deserto, onde habitaram em tabernáculos. Por isso, nesse dia, deviam tomar
o fruto da árvore mais formosa, i. é, do limoeiro; e uma árvore de densas
folhas, i. é, a murta, cujas folhas são odoríferas; e folhas de palmeira; e
salgueiros da torrente, que conservam por muito tempo o verdor. Tudo isso se
encontra na terra da promissão, e era para significar que Deus os conduziu através
da terra árida do deserto, para uma terra deliciosa. — No oitavo dia
celebrava-se outra festa, a da Congregação e do Ajuntamento, em que se recebia
do povo o necessário para as despesas com o culto divino. E significava a união
do povo e a paz concedida na terra da promissão.
As razões figuradas dessas festas são as
seguintes. O sacrifício perene do cordeiro figura a perpetuidade de Cristo, que
é o Cordeiro de Deus, conforme a Escritura (Heb 13, 8): Jesus Cristo era ontem
e é hoje; o mesmo será também por todos os séculos. — O Sábado designa a réquie
espiritual, que Cristo nos deu, como se lê na Escritura (Heb 4). — A Neoménia,
começo da lua nova, significa a iluminação da primitiva Igreja por Cristo,
quando pregava e fazia milagres. — A festa de Pentecostes simboliza a descida
do Espírito Santo sobre os Apóstolos. — A das Trombetas, a pregação dos
Apóstolos. — A da Expiação, a purificação dos pecados do povo cristão. — A dos
Tabernáculos, a peregrinação dos cristãos neste mundo, onde passam progredindo
nas virtudes. — A da Congregação e do Ajuntamento, a congregação dos fiéis no
reino celeste; e por isso essa festa era considerada santíssima. E essas três
festas eram contínuas, umas em relação às outras; porque é necessário que progridam
na virtude os que expiaram os vícios, até chegarem à visão de Deus, como diz a
Escritura (Sl 83, 8).
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.