A
sepultura do corpo de Jesus
Depois
de três horas de agonia Jesus morreu. Os Evangelistas narram que o Céu
escureceu enquanto o Senhor esteve pendenete da Cruz, e aconteceram coisas
extraordinárias, pois era o Filho de Deus Quem morria. O véu do Templo
rasgou-se de cima abaixo. (Cfr. Mat 27, 51), significando que com a
morte de Cristo tinha caducado o culto da Antiga Aliança.; agora, o culto
agradável a Deus, presta-se através da Humanidade de Cristo, que É Sacerdote e
Vítima.
A
tarde de Sexta-Feira avançava e era necessário retirar os corpos; não podiam
ficar ali no Sábado. Antes que luzisse aprimera estrela no firmamento deviam
estar sepultados. Como era a Parasceve (o dia da preparação da Páscoa) para que
os corpos não ficasse na cruz, “pois aquele Sábado era um dia grande, os
judeus pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e os retirassem”. (Cfr.
Heb 9, 1-14) Este enviou uns soldados que quebraram as pernas dos
ladrões, para que morressem mais rapidamente. Jesus já estava morto, mas «um
dos soldados, abriu-Lhe o lado com a lança, e logo brotou sangue e água». (Jo
19, 31) Este acontecimento, além do facto histórico que São João
presenciou, tem um significado profundo. Santo Agostinho e a tradição cristã
veem brotar os Sacramentos e a própria
Igreja do lado aberto de Jesus: “Ali se abria a porta da vida, de onde
manaram os sacramentos da Igreja, sem os quais não se entra na vida verdadeira…”
(Santo Agostinho, Comentário ao Evangelho de São João, 120, 2) “A
Igreja cresce visivelmente pelo poder de Deus. O seu começo e crescimento estão
simbolizados no sangue e na água que emanaram do lado aberto de Cristo
Crucificado” (Conc. Vaticano II, Const. Lumen Gentium, 3) A
morte de Cristo significou a vida sobrenatural que recebemos através da Igreja.
Esta
ferida, que chega ao coração e o trespassa, é uma ferida de superabundância do
amor que se acrescenta ás outras. É uma fora de expressar o que nenhuma palavra
consegue dizer. Maria, compreende e sofre, como Corredentora. O seu Filho já
não pode sentir. Ela sim. E assim, a Profecia de Simeão acaba de se cumprir até
ao fim: «uma espada trespassará a tua alma.» (Lc 2, 35)
Desceram,
com carinho e veneração, Cristo da cruz, e depositaram-No com todo o cuidado
nos braços da Sua Mãe. Ainda que o Seu corpo seja uma pura chaga, o Seu rosto
está sereno e cheio de majestade. Contemplemos Jesus de vagar e com piedade,
como O contemplaria a Santíssima Virgem. Não só nos resgatou do pecado e da
morte, como nos ensinou a cumprir a Vontade de Deus por cima de todos os planos
pessoais, a viver desprendidos de tudo, a saber perdoar quando o que ofende nem
sequer se arrepende, a saber desculpar os outros, a ser apóstolos até ao
momento da morte, a sofrer sem queixas estéreis, a querer aos homens ainda que
se esteja padecendo por culpa deles… “Não estorves a obra do Paráclito:
une-te a Cristo, para te purificares, e sente, com Ele, os insultos,as
cuspidelas e os bofetões…, e os espinhos, e o peso da cruz…, e os ferros
rompendo a tua carne, e as ânsias de uma morte no desamparo… E mete-te no lado
aberto de Nosso Senhor até encontrar abrigo seguro no Seu Coração chagado”.
(São Josemaria, Caminho, 58) Ali encontraremos a paz. “Ó que boa
coisa é estar é estar com JesusCristo crucificado! Quero fazer n’Ele três
moradas: uma, nos pés; outra, nas mãos, e outra, perpétua, no Seu precioso
lado. Aqui quero sossegar e descansar, e dormir e orar. Aqui falarei ao Seu
coração e me há-de conceder quanto Lhe pedir. Ótão amáveis cagas do nosso
piedoso Redentor! Nelas vivo, e dos seus manjares me sustento”. (Oração
de São Boaventura citada por Frei Luís de Granada, Vida de Jesus Cristo,
Madrid 1975, 221-222)
Em
que Chaga refugiar-me, Senhor?
Na
do Teu peito?
Sim,
é a minha preferida. Ficar ali, em descanso, junto ao Teu Coração.
Mas
não ouso! Parece-me demais!
Nas
das Tuas Mãos?
Na
Chaga da Mão Direita… essa mão com que abençoas e tocas os doentes?
Mas
não ouso! Parece-me demais!
Na
Chaga da Mão Esquerda… a mão que segura o caminhante que titubeia na senda da
salvação?
Mas
não ouso! Parece-me demais!
Nas
dos Teus Pés?
Na
Chaga do Pé Direito… em que apoias todo o Teu peso quando Te levantas no
Caminho do Gólgota?
Mas
não ouso! Parece-me demais!
Na
Chaga do Pé Esquerdo… com que sacodes o pó contra os que Te rejeitam?
Sim…
ouso refugiar-me aqui.
Assim
tomarei parte na defesa do Teu Santo Nome tão ofendido!
E…
aqui fico, feliz e contente por ter encontrado refúgio e protecção. Faço Desta
Chaga o meu berço onde quero adormecer e acordar todos os dias que me
concederes viver. (AMA, 2020)
“Meditação
do Papa Bento XVI” (Veneração do Santo Sudário) Domingo, 2 de Maio de 2010
“Queridos
amigos! Para mim, este é um momento muito esperado. Estive diante do Santo
Sudário noutras ocasiões, mas desta vez vivo esta peregrinação e esta reflexão
com intensidade particular: talvez porque o passar dos anos me torna ainda mais
sensível à mensagem deste extraordinário Ícone; talvez, diria sobretudo, porque
estou aqui como Sucessor de Pedro e trago no meu coração toda a Igreja, aliás,
toda a humanidade. Dou graças a Deus pelo dom desta peregrinação e também pela
oportunidade de partilhar convosco uma breve meditação, que me foi sugerida pelo
subtítulo desta solene Ostensão: "O mistério do Sábado Santo".
Pode-se dizer que o Sudário é o Ícone deste mistério, o Ícone do Sábado Santo.
De facto, é um lençol sepulcral, que envolveu o corpo de um homem crucificado
totalmente correspondente a quanto os Evangelhos nos dizem de Jesus, o qual,
crucificado por volta do meio-dia, expirou aproximadamente às três da tarde. Ao
anoitecer, porque era Parasceve, isto é a vigília do Sábado solene de Páscoa,
José de Arimateia, um rico e competente membro do Sinédrio, pediu corajosamente
a Pôncio Pilatos para poder sepultar Jesus no seu sepulcro novo, que tinha sido
escavado na rocha a pouca distância do Gólgota. Ao obter a autorização, comprou
um lençol e, deposto o corpo de Jesus da cruz, envolveu-o com o lençol e
colocou-o naquele túmulo (cf. Mc 15, 42-46). Assim refere o
Evangelho de Marcos, e com ele concordam os outros Evangelistas. A partir
daquele momento, Jesus permaneceu no sepulcro até ao alvorecer do dia seguinte
que era Sábado, e o Sudário de Turim oferece-nos a imagem de como era o Seu
corpo estendido no túmulo durante aquele tempo, que foi breve cronologicamente
(cerca de um dia e meio), mas imenso, infinito no seu valor e significado. O
Sábado Santo é o dia do escondimento de Deus, como se lê numa antiga Homilia:
"O que aconteceu? Hoje sobre a terra há um grande silêncio, grande
silêncio e solidão. Grande silêncio porque o Rei dorme... Deus morreu na carne
e desceu para abalar o reino dos infernos" (Homilia sobre o Sábado
Santo, pg 43, 439). No Credo, nós professamos que Jesus Cristo "padeceu
sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos
mortos; ressuscitou ao terceiro dia". Queridos irmãos, no nosso tempo,
especialmente depois de ter atravessado o século passado, a humanidade
tornou-se particularmente sensível ao mistério do Sábado Santo. O escondimento
de Deus faz parte da espiritualidade do homem contemporâneo, de maneira
existencial, quase inconsciente, como um vazio no coração que se foi alargando
cada vez mais. No final do século XIX, Nietzsche escreveu: "Deus está
morto! E quem O matou fomos nós!". Esta célebre expressão, observando
bem, é tomada quase ao pé da letra da tradição cristã, frequentemente a
repetimos na Via-Sacra, talvez sem nos darmos conta plenamente do que dizemos.
Depois de duas guerras mundiais, os lager e os gulag, Hiroshima
e Nagasaki, a nossa época tornou-se um Sábado Santo em medida cada vez
maior: a escuridão desse dia interpela todos os que se questionam sobre a vida,
de modo particular interpela a nós, crentes. Também nós somos responsáveis por
esta escuridão. E, no entanto, a morte do Filho de Deus, de Jesus de Nazaré tem
um aspecto oposto, totalmente positivo, fonte de consolação e de esperança.
Isto faz-me pensar no facto de que o Santo Sudário se comporta como um
documento "fotográfico", dotado de um "positivo" e de um
"negativo". Com efeito, é exactamente assim: o mistério mais obscuro
da fé, ao mesmo tempo, é o sinal mais luminoso de uma esperança que não tem
confim. O Sábado Santo é a "terra de ninguém" entre a morte e a
ressurreição, mas nesta "terra de ninguém" entrou Um, o Único, que a
atravessou com os sinais da Sua Paixão pelo homem: "Passio Christi.
Passio hominis". O Sudário fala-nos precisamente deste momento, está a
testemunhar aquele intervalo único e irrepetível na história da humanidade e do
universo, no qual Deus, em Jesus Cristo, partilhou não só o nosso morrer, mas
inclusive o nosso permanecer na morte. A solidariedade mais radical. Naquele
"tempo-além-do-tempo" Jesus Cristo "desceu à mansão dos
mortos". O que significa esta expressão? Quer dizer que Deus, feito homem,
chegou até ao ponto de entrar na solidão extrema e absoluta do homem, onde não
chega raio de amor algum, onde reina o abandono total sem palavra de conforto
alguma: "mansão dos mortos". Jesus Cristo, permanecendo na morte,
ultrapassou a porta desta solidão última para nos guiar também a nós a
ultrapassá-la com Ele. Todos nós sentimos algumas vezes uma sensação
assustadora de abandono, e o que mais nos assusta é precisamente isto, como
quando somos crianças, temos medo de estar sozinhos no escuro e só a presença
de uma pessoa que nos ama pode dar-nos segurança. Aconteceu exactamente isto no
Sábado Santo: no reino da morte ressoou a voz de Deus. Sucedeu o impensável: ou
seja, que o Amor penetrou "na mansão dos mortos": também no escuro
extremo da solidão humana mais absoluta nós podemos escutar uma voz que nos
chama e encontrar alguém que nos pega pela mão e nos conduz para fora. O ser
humano vive porque é amado e pode amar; e se até no espaço da morte penetrou o
amor, então também lá chegou a vida. Na hora da extrema solidão nunca estaremos
sozinhos: "Passio Christi. Passio hominis". Este é o mistério
do Sábado Santo! Exactamente do escuro da morte do Filho de Deus brilhou a luz
de uma esperança nova: a luz da Ressurreição. E eis que, parece-me, olhando
para este Santo Lençol com os olhos da fé se perceba algo desta luz. Com
efeito, o Sudário foi imerso naquela escuridão profunda, mas ao mesmo tempo é
luminoso; e eu penso que se milhões e milhões de pessoas vêm venerá-lo – sem
contar quantos o contemplam através das imagens – é porque nele não veem só a
escuridão, mas também a luz; não tanto a derrota da vida e do amor, mas ao
contrário, a vitória, a vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio;
veem a morte de Jesus mas entreveem a sua Ressurreição; agora a vida pulsa no
seio da morte, porque lá inabita o amor. Este é o poder do Sudário: do rosto
deste "Homem do sofrimento", que traz em si a paixão do homem de todos
os tempos e lugares, também as nossas paixões, os nossos sofrimentos, as nossas
dificuldades, os nossos pecados – "Passio Christi. Passio hominis"
– promana uma solene majestade, um senhorio paradoxal. Este rosto, estas mãos e
estes pés, este lado, todo este corpo fala, ele próprio é uma palavra que
podemos escutar no silêncio. De que modo fala o Sudário? Fala com o sangue, e o
sangue é a vida! O Sudário é um Ícone escrito com o sangue; sangue de um homem
flagelado, coroado de espinhos, crucificado e ferido no lado direito. A imagem
impressa no Sudário é a de um morto, mas o sangue fala da sua vida. Cada traço
de sangue fala de amor e de vida. Especialmente a mancha abundante próxima do
lado, feita de sangue e água derramados abundantemente de uma grande ferida
causada por um golpe de lança romana, aquele sangue e aquela água falam de
vida. É como uma fonte que murmura no silêncio, e nós podemos ouvi-la, podemos
escutá-la, no silêncio do Sábado Santo. Queridos amigos, louvemos sempre o
Senhor pelo Seu amor fiel e misericordioso. Partindo deste lugar santo, levemos
nos olhos a imagem do Sudário, levemos no coração esta palavra de amor e
louvemos a Deus com uma vida plena de fé, de esperança e de caridade.
Obrigado.”
Madrugada
de Sábado Santo
Acabei de ver o filme da Paixão de Cristo [1]; absolutamente nada me impede dizer que chorei lágrimas verdadeiras que brotaram expontâneamente de um coração apertado e contrito.
Um coração esmagado pela crueza das imagens que não obstante contarem acontecimentos que, todos os cristãos muito bem conhecemos, devem ficar muito aquém da realidade.
Alguém poderá aduzir que será talvez uma atitude des-necessária, a violência e horror das cenas são por demais “chocantes”.
Contraporei dizendo que, bem ao contrário, todos os cristãos deveríamos tê-las gravadas no nosso espírito – gravadas a fogo para que não se apaguem – e, muito possivelmente a sua lembrança nos impeça de ceder a tentações e misérias.
Os homens têm uma capacidade de sofrimento extraordinária que muitos não conhecem ou rejeitam. É lógico: ninguém gosta de sofrer.
Jesus Cristo também não sofreu por gostar do sofrimento mas sim porque era necessário que sofresse para poder salvar-nos definitivamente.
Sim, o Seu sofrimento, a Sua Paixão dolorosíssima e a Sua Morte ignominiosa deve-se a todos os homens de todos os tempos, dos que já passaram, do presente, e dos que estão para vir.
O pecado é uma ofensa de tal magnitude que só o perdão da Cruz o pode resgatar.
E, as minhas lágrimas, que são, sem dúvida de dor e pena, são também de alegria e acções de graças porque Jesus Cristo me salvou, me perdoou e me deu um Caminho, me mostrou a Verdade e concedeu a Vida.
Sim, Ele é O Caminho que convém andar, a Verdade que importa conhecer e a Vida que interessa viver.
(ama, 2016)