São Josemaria Escrivá
Amigos de Deus
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O
sentido da liberdade
Nunca poderemos entender perfeitamente a
liberdade de Jesus Cristo, imensa - infinita - como o Seu amor.
Mas
o tesouro preciosíssimo do Seu generoso holocausto deve levar-nos a pensar:
porque me deste, Senhor, este privilégio com que sou capaz de seguir os teus
passos, mas também de Te ofender?
Acabamos,
assim, por calibrar o recto uso da liberdade, se se inclina para o bem; e a sua
errada orientação, quando, com essa faculdade, o homem se esquece, se afasta do
Amor dos amores.
A
liberdade pessoal - que defendo e defenderei sempre com todas as minhas forças
- leva-me a perguntar com uma segurança convicta e também consciente da minha
própria fraqueza: que esperas de mim, Senhor, para o fazer voluntariamente?
O próprio Cristo nos responde: Veritas liberabit vos; a verdade
far-vos-á livres.
Que verdade é esta, que inicia e consuma o
caminho da liberdade em toda a nossa vida?
Resumi-la-ei com a alegria e com a certeza
que provêm da relação de Deus com as suas criaturas: saber que saímos das mãos
de Deus, que somos objecto da predilecção da Santíssima Trindade, que somos
filhos de um Pai tão grande.
Peço
ao meu Senhor que nos decidamos a apercebermo-nos disso, a saboreá-lo dia após
dia: assim actuaremos como pessoas livres.
Não
esqueçamos: quem não sabe que é filho de Deus desconhece a sua verdade mais
íntima e carece, na sua actuação, do domínio e do senhorio próprios dos que
amam Nosso Senhor, sobre todas as coisas.
Persuadamo-nos de que para ganhar o Céu
temos de nos empenhar livremente, com uma decisão plena, constante e
voluntária.
Mas
a liberdade não se basta a si mesma: necessita de um norte, de uma orientação.
A
alma não pode andar sem ninguém que a dirija; e para isso foi redimida de modo
que tenha por Rei Cristo, cujo jugo é suave e a carga leve (Mt 11, 30), e não o diabo, cujo jugo é
pesado.
Não nos deixemos enganar pelos que se
conformam com uma triste vozearia: liberdade! liberdade!
Muitas vezes, nesse mesmo clamor,
esconde-se uma trágica servidão: porque a escolha que prefere o erro não
liberta; o único que liberta é Cristo, pois só Ele é o Caminho, a Verdade e a
Vida.
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Perguntemo-nos de novo, na presença de
Deus: Senhor, para que nos deste este poder?
Porque depositaste em nós esta faculdade de
Te escolher ou de Te rejeitar?
Tu desejas que usemos acertadamente esta
nossa capacidade. Senhor, que queres que eu faça?
A resposta é diáfana e precisa: amarás o
Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e com toda a tua
mente.
Vêem?
A liberdade adquire o seu sentido autêntico
quando se exerce ao serviço da verdade que resgata, quando se gasta a procurar
o amor infinito de Deus, que nos desata de todas as escravidões. Aumentam cada
vez mais os meus desejos de anunciar em altos brados esta insondável riqueza do
cristão: a liberdade da glória dos filhos de Deus!
Nisso
se resume a boa vontade que nos ensina a seguir o bem, depois de o distinguir
do mal.
Gostaria que meditássemos num ponto
fundamental que nos situa perante a responsabilidade da nossa consciência.
Ninguém
pode escolher por nós: eis o grau supremo da dignidade dos homens: que, por si
mesmos e não por outros, se dirijam para o bem.
Muitos
de nós herdámos dos nossos pais a fé católica e, por graça de Deus, quando
recém-nascidos recebemos o Baptismo, começou na alma a vida sobrenatural.
Mas
temos de renovar ao longo da nossa existência - e mesmo ao longo de cada dia -
a determinação de amar a Deus sobre todas as coisas.
É
cristão, digo, verdadeiro cristão, aquele que se submete ao império do único
Verbo de Deus, sem impor condições a esse acatamento, disposto a resistir à
tentação diabólica com a mesma atitude de Cristo: Adorarás o Senhor teu Deus e
só a Ele servirás.
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Liberdade
e entrega
O amor de Deus é ciumento; não fica
satisfeito, se nos apresentarmos com condições no encontro marcado: espera com
impaciência que nos entreguemos totalmente, que não guardemos no coração
recantos escuros, onde o gozo e a alegria da graça e dos dons sobrenaturais não
consigam chegar.
Talvez pensem: responder sim a esse Amor
exclusivo não é, porventura, perder a liberdade?
Com a ajuda de Nosso Senhor, que preside à
nossa oração, com a sua luz, espero que este tema fique ainda mais definido
para vós e para mim.
Cada
um de nós sabe por experiência que, algumas vezes, seguir Cristo Nosso Senhor
implica dor e fadiga.
Negar
esta realidade significaria não se ter encontrado com Deus.
A
alma apaixonada sabe que essa dor é uma impressão passageira e bem depressa
descobre que o seu peso é leve e a sua carga suave, porque Ele a leva às
costas, tal como se abraçou ao madeiro quando estava em jogo a nossa felicidade
eterna.
Mas
há homens que não entendem, que se revoltam contra o Criador - uma rebelião
impotente, mesquinha, triste -, que repetem cegamente a queixa inútil que o
Salmo regista: Quebremos os seus laços! Para longe de nós o seu jugo.
Resistem
a realizar, com silêncio heróico, com naturalidade, sem brilho e sem
lamentações, o trabalho duro de cada dia.
Não
compreendem que a Vontade divina, mesmo quando se apresenta com matizes de dor,
de exigências que ferem, coincide exactamente com a liberdade, que só reside em
Deus e nos seus desígnios.
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São almas que fazem barricadas com a
liberdade.
A minha liberdade, a minha liberdade!
Têm-na e não a seguem; olham-na e põem-na
como um ídolo de barro dentro do seu entendimento mesquinho.
É isso liberdade?
Que aproveitam dessa riqueza sem um
compromisso sério, que oriente toda a existência?
Um tal comportamento opõe-se à categoria
própria, à nobreza, da pessoa humana.
Falta
a rota, o caminho claro que oriente os seus passos na terra; essas almas -
decerto já as encontraram, como eu - depressa se deixarão arrastar pela vaidade
pueril, pela presunção egoísta, pela sensualidade.
A sua liberdade mostra-se estéril ou produz
frutos ridículos, mesmo do ponto de vista humano.
Quem
não escolhe - com plena liberdade! - uma norma recta de conduta, ver-se-á
manipulado por outros cedo ou tarde, viverá na indolência - como um parasita -
sujeito ao que os outros determinarem. Prestar-se-á a ser cirandado por
qualquer vento e outros resolverão sempre por ele.
São
nuvens sem água que os ventos levam de um lado para o outro, árvores outonais,
sem fruto; duas vezes mortas, sem raízes, ainda que se encubram, numa contínua
tagarelice, com paliativos que tentam disfarçar a sua falta de carácter, de
valentia e de honradez.
"Mas a mim ninguém me coage!",
repetem obstinadamente.
Ninguém?
Todos coagem essa liberdade ilusória, que
não se arrisca a aceitar com responsabilidade as consequências de actuações
livres e pessoais.
Onde
não há amor de Deus, produz-se um vazio do exercício individual e responsável
da liberdade: apesar das aparências, tudo neles é coacção.
O
indeciso, o irresoluto é como matéria plástica à mercê das circunstâncias;
qualquer pessoa o molda de acordo com o seu capricho e moldam-no também, em
primeiro lugar, as paixões e as piores tendências da natureza ferida pelo
pecado.
(cont)