DE MAGISTRO
(DO MESTRE)
CAPÍTULO
VII
RESUMO
DOS CAPÍTULOS ANTERIORES
000/2
– Com isso ficou
estabelecido que: ou se mostram sinais com sinais ou, com sinais, indicam-se
coisas que o não são; ou então, sem sinais podemos mostrar as coisas que
podemos fazer depois de interrogados. Desses três casos, consideramos e
discutimos com mais detalhes o primeiro. Por esta discussão, ficou esclarecido
que existem sinais que não podem, por seu turno, receber significado pelos
sinais que eles significam, como ocorre no caso do quadrissílabo “coniunctio” (conjunção); ao passo que
existem outros que o podem, como no caso de “sinal”, e entendemos que significa
também “palavra”, pois sinal e palavra são dois sinais e duas palavras (sinal-palavra,
palavra-sinal). Neste caso em que os sinais têm significado mútuo, demonstramos
também que uns não têm o mesmo valor, outros o têm igual, e outros finalmente
são idênticos.
Assim, quando pronunciamos o
dissílabo “sinal”, certamente nos referimos a todos os sinais que podem indicar
ou significar uma coisa; mas, se dizemos “palavra”, esta não se refere a todos
os sinais, mas apenas aos que se pronunciam articulando a voz. Donde ficou
claro que embora “palavra” seja indicada com um sinal, e “sinal” (signun) com “palavra” (verbum); isto é; estas duas sílabas por
aquelas e aquelas por estas – todavia, “sinal” vale mais que “palavra”, porque
aquelas duas sílabas (sinal) têm sentido mais amplo que estas (palavras). Porém
“palavra” em geral e “nome” em geral, têm o mesmo valor. Pelo raciocínio, vimos
que todas as partes da oração também são nomes, sendo que a todas podemos
substituir pelo pronome e de todas podemos dizer que “nomeiam” algo, e todas
elas formam, se lhe acrescentarmos o verbo, uma proposição ou um enunciado
completo. Mas, apesar de “nome” e “palavra” terem o mesmo valor, pois tudo o que
é “palavra” é “nome”, entretanto não são idênticos.
Observamos, na nossa
discussão, com muita probabilidade, que a razão por que se diz “verba” (palavras) difere da outra por
que se diz “nomina” (nomes). “Verba” diz respeito à percussão (verberatio) do ouvido, e “nomina” ao conhecimento (commemoratio: notio, noscere) do
espírito; por isso, é correcto dizer qual é o “nome” desta coisa desejando
gravá-la na memória, e não usamos, ao contrário, “palavra”.
Entre os sinais que não têm
o mesmo valor, mas são completamente idênticos, diferenciando-se só pelo som
das letras, encontramos “nomen”
(nome) e ónoma (nome).
Quanto a esse género de
sinais com significado recíproco, entendi que não encontramos nenhum sinal que,
além de significar os outros, não significasse também a si mesmo.
Eis tudo o que pude
recordar. Tu, que, nesta discussão, apenas falaste sabendo e tendo a certeza,
poderás avaliar se meu resumo está correcto e ordenado.
CAPÍTULO
VIII
NÃO
SE DISCUTEM INUTILMENTE ESTAS QUESTÕES.
ASSIM,
PARA RESPONDER ÀQUELE QUE INTERROGA,
DEVEMOS
DIRIGIR A MENTE,
DEPOIS
DE PERCEBER OS SINAIS,
ÀS
COISAS QUE ESTES SIGNIFICAM
AGOSTINHO
– Certamente resumiste com
acerto tudo o que eu queria, e devo admitir que estas argumentações me parecem
mais claras agora do que quando, disputando nas nossas indagações, as tirávamos
de não sei que esconderijos. Contudo, aonde quero levar-te por meio de tantas
voltas e rodeios é difícil dizer neste momento. Talvez julgues que foi mero
divertimento, ou que nos afastamos das coisas sérias com questões menores,
buscando nisso, quando muito, uma utilidade por pequena e medíocre que seja;
ora, se estas discussões tivessem que gerar algo de grande ou importante, seria
bom que o soubesses agora, ou, ao menos, ter disto um vislumbre.
Todavia, eu gostaria que,
antes de mais nada, não julgasses eu ter feito contigo uma brincadeira inoportuna;
embora às vezes usando de tom jocoso, a minha brincadeira jamais deverá ser
tida como infantil, pois eu nunca visei bens pequenos ou medíocres. No entanto,
se te dissesse que era precisamente a eterna bem-aventurança para onde, com a
ajuda de Deus, isto é, da própria verdade, pretendia conduzir-te com passos
pequenos, ajustados ao nosso pé vacilante, recearia parecer ridículo por ter
começado com um caminho tão longo, não em consideração às próprias coisas que
são significativas, mas aos sinais. Espero que me perdoes, portanto, se quis
fazer contigo uma espécie de prelúdio, não para brincar, e sim para treinar a
agilidade e a agudeza da mente, que nos facultarão mais tarde não só suportar,
mas também amar a luz e o calor daquela região da vida bem-aventurada.
ADEODATO
– Continua por esta senda,
pois eu não julgaria desprezível ou de pouco valor qualquer coisa que digas ou
faças.
AGOSTINHO
– Então, continuemos!
Retomemos aquela parte da
nossa discussão sobre os sinais que não significam outros sinais, aquelas
coisas que chamamos “significáveis”.
Em primeiro lugar, diz-me se “homem é homem”.
ADEODATO
– Agora, na verdade, não sei
se estás brincando.
AGOSTINHO
– Porquê?
ADEODATO
– Porque me estás
perguntando se o “homem” é diferente de “homem”.
AGOSTINHO
– E julgarias também que
estou a zombar de ti se te perguntasse se a primeira sílaba deste nome é mesmo
“ho” e a segunda “mem”?
ADEODATO
– Certamente.
AGOSTINHO
– Mas negarás que estas duas
sílabas dêem “homem”?
ADEODATO
– E como negar?
AGOSTINHO
– Pergunto, pois, se és o
mesmo que estas duas sílabas unidas.
ADEODATO
– De maneira alguma. Porém
percebo agora onde queres chegar.
AGOSTINHO
– Fala, então, uma vez que
não crês tratar-se de zombaria.
ADEODATO
– Julgas, talvez, que se
possa concluir que não sou “homem”?
AGOSTINHO
– Mas diz-me, não pensas o
mesmo, já que concordaste ser verdade tudo o que foi dito e de onde se tira
essa conclusão?
ADEODATO
– Não vou manifestar o meu
pensamento antes de ouvir de ti qual a intenção da pergunta “se é homem é
homem”; te referias às duas sílabas ou ao seu significado?
AGOSTINHO
– Antes, responde-me qual o
sentido em que tomaste a minha pergunta: pois, se é ambígua, devias precaver-te
e não responder antes de ter certeza quanto ao sentido da minha pergunta.
ADEODATO
– E porque me seria
obstáculo esta ambiguidade, uma vez que respondi num sentindo e no outro?
Naturalmente que homem é homem, e estas duas sílabas nada mais são do que duas sílabas,
e o que elas significam nada mais é do que é (homem).
AGOSTINHO
– Brilhante a tua resposta:
mas por que tomaste nos dois sentidos apenas (o que se diz) “homem” e não as
demais coisas de que falamos?
ADEODATO
– E de que modo poderia me
persuadir de que não tomei assim das outras?
AGOSTINHO
– Se tivesses tomado apenas
a minha primeira pergunta só no aspecto do som das sílabas, não me terias
respondido nada, pois até poderia parecer-te que nada houvesse indagado; mas,
como fiz repercutir no teu ouvido três palavras, uma das quais repeti no meio,
dizendo:
“utrum homo homo sit” (se homem é homem), tu tomaste a primeira e a
segunda palavra não conforme os mesmos sinais, mas pelo que elas significam,
coisa evidenciada pelo simples facto de que te ocorreu de imediato dever
responder à minha pergunta com rapidez e desembaraço.
ADEODATO
– Dizes a verdade.
(Revisão
de versão portuguesa por ama)