O
ano passado, durante a entrega dos diplomas na prestigiada escola de
comunicação Le Celsa, ligada à universidade da Sorbonne, o seu presidente terá
pedido modéstia aos diplomados citando Flaubert: “Diplôme: signe de science. Ne
prouve rien.”
Apadrinhava
este evento Nicolas de Tavernost, presidente do grande grupo francês de
audiovisual e multimédia “M6”, que deu alguns conselhos aos jovens que iam
entrar na vida profissional: trabalhar, obstinar-se, falar uma língua
estrangeira. E depois acrescentou: “Sejam bem-educados.”
Li
isto no verão de 2014, numa crónica do “Le Figaro Magazine” e fiquei a pensar
neste conselho sui generis.
E
com base nos entraves com que ultrapassei na vida profissional, cheguei à
conclusão que a recomendação não é descabida:
Já
repararam que os problemas surgem mais vezes por uma questão de atitude que de
aptitude?
Se
a boa-educação nunca foi óbvia, hoje ainda é menos, já que o desmazelo
vulgarizou-se e o ensino nacional deixou de “educar”.
A
ausência de educação vê-se na rua, na escola, na televisão, nos locais de
trabalho. A linguagem e pensamento grosseiros imperam.
Herança
de 68, da crise nas famílias e do individualismo?
Nos
anos 80, poucos defendiam a boa educação. Esta falta de interesse surgiu com um
novo tipo de vida aceleradíssima, com o culto da performance, com o espirito de
competição…
Em
Portugal, um dos reflexos dos anos 80 foram as manifestações estudantis de
1994, em que milhares de jovens manifestantes tiveram um comportamento
inqualificável, insultando e mostrando o rabo. Na altura foi uma novidade.
Foi
quando o jornalista Jorge Vicente Silva usou a polémica e excessiva expressão:
“geração rasca”.
Esses
estudantes dos anos 80 e 90 são hoje adultos com responsabilidades e a verdade
é que muitos tiveram direito a passagens administrativas, fomentando-se a
irresponsabilidade. Se acrescentarmos a isso que alguns dos seus pais os
educaram com laxismo, negligência, ausência de valores e sem lhes transmitirem
os princípios da liberdade responsável, o resultado não é famoso, já que sem
moral e sem ética, muitos destes adultos praticam a mentira, manipulação e abusam
da impunidade moral, vivendo apenas para os seus interesses.
O
mundo da finança, das empresas, da política e o Estado estão cheio deles, como
infelizmente se tem visto nos últimos anos.
A
classe média, que cresceu a um ritmo alucinante nas últimas décadas, ansiosa,
como é natural, de ter tudo o que os seus antepassados nunca tiveram, endeusou
o consumo e as aparências, tratando todos os outros como números, não reparando
que eles próprios se estavam a tornar num número para os demais.
A
vulgarização acabou por ir forçando barreiras e mesmo os mais resistentes
acabaram por adaptar-se. Passou tudo a ser banal e quase nada sobressai.
Veja-se
em Espanha, o tratamento por “tu”, que se começou timidamente a utilizar em
Valencia nos anos 40 e que está hoje totalmente aceite. Se no princípio dos
anos 80 ainda havia alguma hesitação, sendo-se algumas vezes tratado por tu e
outras vezes por “usted”, hoje o “tu cá, tu lá” é prática comum.
Em
resumo: Educação, saber-estar, savoir-vivre e savoir-faire, caíram em desuso.
No
entanto, mesmo que as novas tecnologias tenham alterado ainda mais a relação
com a boa-educação, não deixa de ser verdade que desde há uns anos para cá recomeçou-se
a dar-lhe importância.
Ainda
bem que muitos gestores, incluindo alguns portugueses, já perceberam que
contratar profissionais bem-educados só traz vantagens. Ser educado é mais uma
competência. Rara.
Parece
que também a geração com menos de 30 anos começa a achar que é grave faltar ao
respeito a um professor. Pequenos indícios que começam a mostrar recetividade à
boa-educação.
Em
França começam a surgir muitos cursos de formação, dados por empresas como a
Adecco, que ensinam aos profissionais como estar à mesa, a exprimir-se correctamente,
a escrever sem erros…
Mas
o que é ser bem-educado?
Antes
de mais é um sinal de respeito e consideração pelos outros e por si próprio. A
seguir é arte de dizer tudo, mas como deve ser, nas circunstâncias apropriadas
e com as palavras adequadas.
E
depois é saber regras de etiqueta, para se sentir à vontade em qualquer meio
social ou ocasião e não causar desconforto aos outros.
Muito
disto aprende-se, mas a maior parte tem a ver com sensibilidade e bom senso.
Bom
exemplo de que a boa-educação só traz vantagens profissionais, é a aristocracia
em França. Não são mais que 0,2% da população francesa, mas se olharmos para as
grandes empresas cotadas no CAC 40, vemos que muitos dos presidentes das
grandes empresas pertencem a esta minoria social. AXA, Saint Gobain, Carrefour,
Fimalac, Aéroport de Paris, são algumas das empresas que dirigem. Destes faz
parte o barão Nicolas Bellet de Tavernost, presidente do grupo M6, o tal que deu
o conselho: Sejam bem-educados.
Percebe-se
que sabia do que estava a falar. Homme du monde e de sucesso, cultiva a
discrição. Sabe que os seus estudos, aliados a uma excelente educação familiar,
deram-lhe um savoir-faire que é a chave do seu sucesso. Honra, respeito pela
palavra dada, sentido de responsabilidade, honestidade, entreajuda, são
qualidades que fazem parte do seu código de conduta.
Em
Portugal também temos alguns, mas para evitar polémica destaco apenas um por
trabalhar no estrangeiro. O competentíssimo António Mota de Sousa Horta Osório
a quem o governo inglês incumbiu de salvar o banco Lloyds e que em 2014 já
obteve um resultado líquido de mais de dois mil milhões de Euros.
Estes
homens “educados” não são ingénuos, nem “meninos de coro”, mas têm em comum
inteligência, cultura, altos estudos, excelente educação, pensamentos bem
estruturados, respeito pelo outro e cultivam as relações sociais.
Cristina
Marques Fernandes, autora do livro “Manual de Protocolo Empresarial”,
completaria o parágrafo anterior dizendo como já escreveu: “Alguns acham que
saber estar é um comportamento inatingível e maçador, prerrogativa de uma
minoria privilegiada pelo estatuto social ou pela fortuna. Outros, julgo eu
mais sensatos, sabem que o saber estar é uma postura que deve ser assumida por
cada um, não só na vida social como, sobretudo, na vida profissional, onde o
percurso académico e a experiência podem já não ser garantia de colocação e/ou
sucesso.”
Infelizmente,
é consensual que os clientes são “reis” e os fornecedores para continuarem a
vender “engolem bastantes sapos”. Cada vez mais. Mas quando os próprios
fornecedores e colegas de trabalho também se tornam difíceis e obstinados não
respondendo aos e-mail’s e telefonemas, aí temos um problema grave e global de
má-educação em que todos perdem.
E
se todos perdem há que mudar tudo.
Assim,
voltando às novas tecnologias que têm alterado ainda mais a relação com a
boa-educação, é natural que os conselhos sejam dirigidos aos mais novos -
utilizadores compulsivos das novas tecnologias - que estão a começar o seu
percurso profissional e que podem representar a mudança desde o primeiro dia de
trabalho.
Sim,
ser bem-educado acaba por compensar já que traz grande satisfação e benefícios.
Quem é que não gosta de ter um interlocutor atento, cordial e educado? Essa
atitude é muitas vezes retribuída.
Privilegiar
as reuniões e os contactos pessoais. É aí que se avaliam os outros e que surgem
ideias e soluções. Não em 2 linhas de um e-mail.
Receber
as pessoas, responder aos e-mail’s, atender os telefones, ou assim que possível
devolver as chamadas, são simples atitudes com um efeito tão imediatamente
positivo que motivam a ir mais longe na procura da boa-educação.
E
para os que não conseguem ver vantagem em ser educados para com todos, mas
apenas para os que lhe trazem benefícios, recordo a fábula “O leão e o rato” de
La Fontaine, em que o leão não comeu o rato, que por sua vez veio a salvar a
vida do leão. Não devemos ter a arrogância de subestimar os outros. Somos
frequentemente ajudados pelos “mais pequenos”.
Il faut autant qu’on peut
obliger tout le monde:
On a souvent besoin d’un
plus petit que soi.
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joão s. mexia alves |