11/03/2015

Evangelho, coment. L esp. (Exort. Apost. Evangelli gaudium)

Tempo de Quaresma III Semana

Evangelho: Mt 5 17-19

17 «Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim para os abolir, mas sim para cumprir. 18 Porque em verdade vos digo: antes passarão o céu e a terra, que passe uma só letra ou um só traço da Lei, sem que tudo seja cumprido. 19 Aquele, pois, que violar um destes mandamentos mesmo dos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será considerado o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas o que os guardar e ensinar, esse será considerado grande no Reino dos Céus.

Comentário:

O versículo 19 deste texto é lapidar e não deixa qualquer margem a dúvidas.
Ninguém pode dar o que não tem ou transmitir o que não sabe.
A necessidade de estudar – a fundo – a Doutrina Cristã é um imperativo para todo o cristão porque, tendo a obrigação de ser apóstolo, só adquirindo uma sólida formação doutrinal poderá cumprir o mandato de Cristo.

(ama, comentário sobre Mt 5, 17-19, 2013.06.12)

Leitura espiritual


EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO

Todos somos discípulos missionários

119. Em todos os baptizados, desde o primeiro ao último, actua a força santificadora do Espírito que impele a evangelizar. O povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o torna infalível «in credendo», ou seja, ao crer, não pode enganar-se, ainda que não encontre palavras para explicar a sua fé. O Espírito guia-o na verdade e condu-lo à salvação.[i] Como parte do seu mistério de amor pela humanidade, Deus dota a totalidade dos fiéis com um instinto da fé – o sensus fidei – que os ajuda a discernir o que vem realmente de Deus. A presença do Espírito confere aos cristãos uma certa conaturalidade com as realidades divinas e uma sabedoria que lhes permite captá-las intuitivamente, embora não possuam os meios adequados para expressá-las com precisão.

120. Em virtude do Baptismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário[ii]. Cada um dos baptizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito activo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas acções. A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos baptizados. Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe dêem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários». Se não estivermos convencidos disto, olhemos para os primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamando cheios de alegria: «Encontrámos o Messias»[iii]. A Samaritana, logo que terminou o seu diálogo com Jesus, tornou-se missionária, e muitos samaritanos acreditaram em Jesus «devido às palavras da mulher»[iv]. Também São Paulo, depois do seu encontro com Jesus Cristo, «começou imediatamente a proclamar (…) que Jesus era o Filho de Deus»[v]. Porque esperamos nós?

 121. Certamente todos somos chamados a crescer como evangelizadores. Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho. Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente; isto não significa que devemos renunciar à missão evangelizadora, mas encontrar o modo de comunicar Jesus que corresponda à situação em que vivemos. Seja como for, todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer. O testemunho de fé, que todo o cristão é chamado a oferecer, implica dizer como São Paulo: «Não que já o tenha alcançado ou já seja perfeito; mas corro para ver se o alcanço, (…) lançando-me para o que vem à frente»[vi]. A força evangelizadora da piedade popular

122. Da mesma forma, podemos pensar que os diferentes povos, nos quais foi inculturado o Evangelho, são sujeitos colectivos activos, agentes da evangelização. Assim é, porque cada povo é o criador da sua cultura e o protagonista da sua história. A cultura é algo de dinâmico, que um povo recria constantemente, e cada geração transmite à seguinte um conjunto de atitudes relativas às diversas situações existenciais, que esta nova geração deve reelaborar face aos próprios desafios. O ser humano «é simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido».[vii] Quando o Evangelho se inculturou num povo, no seu processo de transmissão cultural também transmite a fé de maneira sempre nova; daí a importância da evangelização entendida como inculturação. Cada porção do povo de Deus, ao traduzir na vida o dom de Deus segundo a sua índole própria, dá testemunho da fé recebida e enriquece-a com novas expressões que falam por si. Pode dizer-se que «o povo se evangeliza continuamente a si mesmo».[viii] Aqui ganha importância a piedade popular, verdadeira expressão da actividade missionária espontânea do povo de Deus. Trata-se de uma realidade em permanente desenvolvimento, cujo protagonista é o Espírito Santo.[ix]

123. Na piedade popular, pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e continua a transmitir-se. Vista por vezes com desconfiança, a piedade popular foi objecto de revalorização nas décadas posteriores ao Concílio. Quem deu um impulso decisivo nesta direcção, foi Paulo VI na sua Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. Nela explica que a piedade popular «traduz em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar»[x] e «torna as pessoas capazes para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé».[xi] Já mais perto dos nossos dias, Bento XVI, na América Latina, assinalou que se trata de um «precioso tesouro da Igreja Católica» e que nela «aparece a alma dos povos latino-americanos».[xii]

124. No Documento de Aparecida, descrevem-se as riquezas que o Espírito Santo explicita na piedade popular por sua iniciativa gratuita. Naquele amado Continente, onde uma multidão imensa de cristãos exprime a sua fé através da piedade popular, os Bispos chamam-na também «espiritualidade popular» ou «mística popular».[xiii] Trata-se de uma verdadeira «espiritualidade encarnada na cultura dos simples».[xiv] Não é vazia de conteúdos, mas descobre-os e exprime-os mais pela via simbólica do que pelo uso da razão instrumental e, no acto de fé, acentua mais o credere in Deum que o credere Deum.[xv]  É «uma maneira legítima de viver a fé, um modo de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionários»;[xvi] comporta a graça da missionariedade, do sair de si e do peregrinar: «O caminhar juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade popular, levando também os filhos ou convidando a outras pessoas, é em si mesmo um gesto evangelizador».[xvii] Não coarctemos nem pretendamos controlar esta força missionária!

125. Para compreender esta necessidade, é preciso abordá-la com o olhar do Bom Pastor, que não procura julgar mas amar. Só a partir da conaturalidade afectiva que dá o amor é que podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos, especialmente nos pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado. Quem ama o povo fiel de Deus, não pode ver estas acções unicamente como uma busca natural da divindade; são a manifestação duma vida teologal animada pela acção do Espírito Santo, que foi derramado em nossos cora- ções[xviii].

126. Na piedade popular, por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito Santo. Ao contrário, somos chamados a encorajá-la e fortalecê-la para aprofundar o processo de inculturação, que é uma realidade nunca acabada. As expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização. 

De pessoa a pessoa

127. Hoje que a Igreja deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação informal que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho.

128. Nesta pregação, sempre respeitosa e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois desta conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela leitura de algum versículo ou de modo narrativo, mas sempre recordando o anúncio fundamental: o amor pessoal de Deus que Se fez homem, entregou-Se a Si mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade. É o anúncio que se partilha com uma atitude humilde e testemunhal de quem sempre sabe aprender, com a consciência de que esta mensagem é tão rica e profunda que sempre nos ultrapassa. Umas vezes exprime-se de maneira mais directa, outras através dum testemunho pessoal, uma história, um gesto, ou outra forma que o próprio Espírito Santo possa suscitar numa circunstância concreta. Se parecer prudente e houver condições, é bom que este encontro fraterno e missionário conclua com uma breve oração que se relacione com as preocupações que a pessoa manifestou. Assim ela sentirá mais claramente que foi ouvida e interpretada, que a sua situação foi posta nas mãos de Deus, e reconhecerá que a Palavra de Deus fala realmente à sua própria vida.

129. Contudo não se deve pensar que o anúncio evangélico tenha de ser transmitido sempre com determinadas fórmulas pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam um conteúdo absolutamente invariável. Transmite-se com formas tão diversas que seria impossível descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito colectivo é o povo de Deus com seus gestos e sinais inumeráveis. Por conseguinte, se o Evangelho se encarnou numa cultura, já não se comunica apenas através do anúncio de pessoa a pessoa. Isto deve fazer- -nos pensar que, nos países onde o cristianismo é minoria, para além de animar cada baptizado a anunciar o Evangelho, as Igrejas particulares hão-de promover activamente formas, pelo menos incipientes, de inculturação. Enfim, o que se deve procurar é que a pregação do Evangelho, expressa com categorias próprias da cultura onde é anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura. Embora estes processos sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado. Se deixamos que as dúvidas e os medos sufoquem toda a ousadia, é possível que, em vez de sermos criativos, nos deixemos simplesmente ficar cómodos sem provocar qualquer avanço e, neste caso, não seremos participantes dos processos históricos com a nossa cooperação, mas simplesmente espectadores duma estagnação estéril da Igreja.

Carismas ao serviço da comunhão evangelizadora

130. O Espírito Santo enriquece toda a Igreja evangelizadora também com diferentes carismas. São dons para renovar e edificar a Igreja.[xix] Não se trata de um património fechado, entregue a um grupo para que o guarde; mas são presentes do Espírito integrados no corpo eclesial, atraídos para o centro que é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador. Um sinal claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de se integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos. Uma verdadeira novidade suscitada pelo Espírito não precisa de fazer sombra sobre outras espiritualidades e dons para se afirmar a si mesma. Quanto mais um carisma dirigir o seu olhar para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial será o seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um carisma se revela autêntica e misteriosamente fecundo. Se vive este desafio, a Igreja pode ser um modelo para a paz no mundo.

131. As diferenças entre as pessoas e as comunidades por vezes são incómodas, mas o Espírito Santo, que suscita esta diversidade, de tudo pode tirar algo de bom e transformá-lo em dinamismo evangelizador que actua por atracção. A diversidade deve ser sempre conciliada com a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a diversidade, a pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade. Ao invés, quando somos nós que pretendemos a diversidade e nos fechamos em nossos particularismos, em nossos exclusivismos, provocamos a divisão; e, por outro lado, quando somos nós que queremos construir a unidade com os nossos planos humanos, acabamos por impor a uniformidade, a homologação. Isto não ajuda a missão da Igreja.

Cultura, pensamento e educação

132. O anúncio às culturas implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e académicas. É o encontro entre a fé, a razão e as ciências, que visa desenvolver um novo discurso sobre a credibilidade, uma apologética original[xx] que ajude a criar as predisposições para que o Evangelho seja escutado por todos. Quando algumas categorias da razão e das ciências são acolhidas no anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de evangelização; é a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo.

133. Uma vez que não basta a preocupação do evangelizador por chegar a cada pessoa, mas o Evangelho também se anuncia às culturas no seu conjunto, a teologia – e não só a teologia pastoral – em diálogo com outras ciências e experiências humanas tem grande importância para pensar como fazer chegar a proposta do Evangelho à variedade dos contextos culturais e dos destinatários.[xxi] A Igreja, comprometida na evangelização, aprecia e encoraja o carisma dos teólogos e o seu esforço na investigação teológica, que promove o diálogo com o mundo da cultura e da ciência. Faço apelo aos teólogos para que cumpram este serviço como parte da missão salvífica da Igreja. Mas, para isso, é necessário que tenham a peito a finalidade evangelizadora da Igreja e da própria teologia, e não se contentem com uma teologia de gabinete.

134. As universidades são um âmbito privilegiado para pensar e desenvolver este compromisso de evangelização de modo interdisciplinar e inclusivo. As escolas católicas, que sempre procuram conjugar a tarefa educacional com o anúncio explícito do Evangelho, constituem uma contribuição muito válida para a evangelização da cultura, mesmo em países e cidades onde uma situação adversa nos incentiva a usar a nossa criatividade para se encontrar os caminhos adequados.[xxii]

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)

Notas:



[i] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.
[ii] cf. Mt 28, 19
[iii] Jo 1, 41
[iv] Jo 4, 39
[v] Act 9, 20
[vi] Fl 3, 12-13
[vii] João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 71: AAS 91 (1999), 60.
[viii] III Conferência Geral do Episcopado Latino- -americano e do Caribe, Documento de Puebla (23 de Março de 1979), 450; cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino- -americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 264.
[ix] Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 21: AAS 92 (2000), 482-484
[x] N.º 48: AAS 68 (1976), 38.
[xi] 101 Ibid., 48: o. c., 38.
[xii] Discurso na Sessão inaugural da V Conferência geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe (13 de Maio de 2007), 1: AAS 99 (2007), 446-447
[xiii] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 262.
[xiv] Ibid., 263.
[xv] Cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae II-II, q. 2, a. 2.
[xvi] V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 264.
[xvii] Ibid., 264
[xviii] cf. Rm 5, 5
[xix] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.106
[xx] Cf. Propositio 17.107
[xxi] Cf. Propositio 30.
[xxii] Cf. Propositio 27. 

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