Tempo de Quaresma III Semana
Evangelho:
Mt 5 17-19
17 «Não julgueis que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim para os
abolir, mas sim para cumprir. 18 Porque em verdade vos digo: antes
passarão o céu e a terra, que passe uma só letra ou um só traço da Lei, sem que
tudo seja cumprido. 19 Aquele, pois, que violar um destes
mandamentos mesmo dos mais pequenos, e ensinar assim aos homens, será
considerado o mais pequeno no Reino dos Céus. Mas o que os guardar e ensinar,
esse será considerado grande no Reino dos Céus.
Comentário:
O versículo 19 deste texto é lapidar e não deixa
qualquer margem a dúvidas.
Ninguém pode dar o que não tem ou transmitir o que não
sabe.
A necessidade de estudar – a fundo – a Doutrina Cristã
é um imperativo para todo o cristão porque, tendo a obrigação de ser apóstolo,
só adquirindo uma sólida formação doutrinal poderá cumprir o mandato de Cristo.
(ama, comentário sobre Mt 5, 17-19, 2013.06.12)
Leitura espiritual
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS
PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS SOBRE O ANÚNCIO
Todos
somos discípulos missionários
119. Em todos os
baptizados, desde o primeiro ao último, actua a força santificadora do Espírito
que impele a evangelizar. O povo de Deus é santo em virtude desta unção, que o
torna infalível «in credendo», ou seja, ao crer, não pode enganar-se, ainda que
não encontre palavras para explicar a sua fé. O Espírito guia-o na verdade e
condu-lo à salvação.[i]
Como parte do seu mistério de amor pela humanidade, Deus dota a totalidade dos
fiéis com um instinto da fé – o sensus fidei – que os ajuda a discernir o que vem
realmente de Deus. A presença do Espírito confere aos cristãos uma certa conaturalidade
com as realidades divinas e uma sabedoria que lhes permite captá-las
intuitivamente, embora não possuam os meios adequados para expressá-las com
precisão.
120. Em virtude do
Baptismo recebido, cada membro do povo de Deus tornou-se discípulo missionário[ii].
Cada um dos baptizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau
de instrução da sua fé, é um sujeito activo de evangelização, e seria
inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados
enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas acções. A nova
evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos baptizados.
Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém
renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa
experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito
tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe dêem
muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que
se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos
«discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários».
Se não estivermos convencidos disto, olhemos para os primeiros discípulos, que
logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamando cheios de
alegria: «Encontrámos o Messias»[iii].
A Samaritana, logo que terminou o seu diálogo com Jesus, tornou-se missionária,
e muitos samaritanos acreditaram em Jesus «devido às palavras da mulher»[iv].
Também São Paulo, depois do seu encontro com Jesus Cristo, «começou imediatamente
a proclamar (…) que Jesus era o Filho de Deus»[v].
Porque esperamos nós?
121. Certamente todos somos chamados a crescer
como evangelizadores. Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um
aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho. Neste
sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente; isto
não significa que devemos renunciar à missão evangelizadora, mas encontrar o
modo de comunicar Jesus que corresponda à situação em que vivemos. Seja como
for, todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor
salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua
proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O teu
coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que
descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves
comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo
contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na
mediocridade, mas continuarmos a crescer. O testemunho de fé, que todo o
cristão é chamado a oferecer, implica dizer como São Paulo: «Não que já o tenha
alcançado ou já seja perfeito; mas corro para ver se o alcanço, (…) lançando-me
para o que vem à frente»[vi].
A força evangelizadora da piedade popular
122. Da mesma forma,
podemos pensar que os diferentes povos, nos quais foi inculturado o Evangelho,
são sujeitos colectivos activos, agentes da evangelização. Assim é, porque cada
povo é o criador da sua cultura e o protagonista da sua história. A cultura é
algo de dinâmico, que um povo recria constantemente, e cada geração transmite à
seguinte um conjunto de atitudes relativas às diversas situações existenciais,
que esta nova geração deve reelaborar face aos próprios desafios. O ser humano
«é simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido».[vii]
Quando o Evangelho se inculturou num povo, no seu processo de transmissão
cultural também transmite a fé de maneira sempre nova; daí a importância da
evangelização entendida como inculturação. Cada porção do povo de Deus, ao traduzir
na vida o dom de Deus segundo a sua índole própria, dá testemunho da fé
recebida e enriquece-a com novas expressões que falam por si. Pode dizer-se que
«o povo se evangeliza continuamente a si mesmo».[viii]
Aqui ganha importância a piedade popular, verdadeira expressão da actividade
missionária espontânea do povo de Deus. Trata-se de uma realidade em permanente
desenvolvimento, cujo protagonista é o Espírito Santo.[ix]
123. Na piedade popular,
pode-se captar a modalidade em que a fé recebida se encarnou numa cultura e
continua a transmitir-se. Vista por vezes com desconfiança, a piedade popular
foi objecto de revalorização nas décadas posteriores ao Concílio. Quem deu um
impulso decisivo nesta direcção, foi Paulo VI na sua Exortação Apostólica
Evangelii Nuntiandi. Nela explica que a piedade popular «traduz em si uma certa
sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar»[x]
e «torna as pessoas capazes para terem rasgos de generosidade e predispõe-nas
para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé».[xi]
Já mais perto dos nossos dias, Bento XVI, na América Latina, assinalou que se
trata de um «precioso tesouro da Igreja Católica» e que nela «aparece a alma
dos povos latino-americanos».[xii]
124. No Documento de
Aparecida, descrevem-se as riquezas que o Espírito Santo explicita na piedade
popular por sua iniciativa gratuita. Naquele amado Continente, onde uma
multidão imensa de cristãos exprime a sua fé através da piedade popular, os
Bispos chamam-na também «espiritualidade popular» ou «mística popular».[xiii]
Trata-se de uma verdadeira «espiritualidade encarnada na cultura dos simples».[xiv]
Não é vazia de conteúdos, mas descobre-os e exprime-os mais pela via simbólica
do que pelo uso da razão instrumental e, no acto de fé, acentua mais o credere
in Deum que o credere Deum.[xv] É «uma maneira legítima de viver a fé, um
modo de se sentir parte da Igreja e uma forma de ser missionários»;[xvi]
comporta a graça da missionariedade, do sair de si e do peregrinar: «O caminhar
juntos para os santuários e o participar em outras manifestações da piedade
popular, levando também os filhos ou convidando a outras pessoas, é em si mesmo
um gesto evangelizador».[xvii]
Não coarctemos nem pretendamos controlar esta força missionária!
125. Para compreender esta
necessidade, é preciso abordá-la com o olhar do Bom Pastor, que não procura
julgar mas amar. Só a partir da conaturalidade afectiva que dá o amor é que
podemos apreciar a vida teologal presente na piedade dos povos cristãos,
especialmente nos pobres. Penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente,
que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou
na carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa
humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo
crucificado. Quem ama o povo fiel de Deus, não pode ver estas acções unicamente
como uma busca natural da divindade; são a manifestação duma vida teologal animada
pela acção do Espírito Santo, que foi derramado em nossos cora- ções[xviii].
126. Na piedade popular,
por ser fruto do Evangelho inculturado, subjaz uma força activamente
evangelizadora que não podemos subestimar: seria ignorar a obra do Espírito
Santo. Ao contrário, somos chamados a encorajá-la e fortalecê-la para
aprofundar o processo de inculturação, que é uma realidade nunca acabada. As
expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe
ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na
hora de pensar a nova evangelização.
De pessoa a pessoa
127. Hoje que a Igreja
deseja viver uma profunda renovação missionária, há uma forma de pregação que
nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas
com quem se encontra, tanto aos mais íntimos como aos desconhecidos. É a pregação
informal que se pode realizar durante uma conversa, e é também a que realiza um
missionário quando visita um lar. Ser discípulo significa ter a disposição
permanente de levar aos outros o amor de Jesus; e isto sucede espontaneamente
em qualquer lugar: na rua, na praça, no trabalho, num caminho.
128. Nesta pregação,
sempre respeitosa e amável, o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a
outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as
preocupações com os seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração.
Só depois desta conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra, seja pela
leitura de algum versículo ou de modo narrativo, mas sempre recordando o
anúncio fundamental: o amor pessoal de Deus que Se fez homem, entregou-Se a Si
mesmo por nós e, vivo, oferece a sua salvação e a sua amizade. É o anúncio que
se partilha com uma atitude humilde e testemunhal de quem sempre sabe aprender,
com a consciência de que esta mensagem é tão rica e profunda que sempre nos
ultrapassa. Umas vezes exprime-se de maneira mais directa, outras através dum
testemunho pessoal, uma história, um gesto, ou outra forma que o próprio
Espírito Santo possa suscitar numa circunstância concreta. Se parecer prudente
e houver condições, é bom que este encontro fraterno e missionário conclua com
uma breve oração que se relacione com as preocupações que a pessoa manifestou.
Assim ela sentirá mais claramente que foi ouvida e interpretada, que a sua
situação foi posta nas mãos de Deus, e reconhecerá que a Palavra de Deus fala
realmente à sua própria vida.
129. Contudo não se deve
pensar que o anúncio evangélico tenha de ser transmitido sempre com
determinadas fórmulas pré-estabelecidas ou com palavras concretas que exprimam
um conteúdo absolutamente invariável. Transmite-se com formas tão diversas que
seria impossível descrevê-las ou catalogá-las, e cujo sujeito colectivo é o
povo de Deus com seus gestos e sinais inumeráveis. Por conseguinte, se o
Evangelho se encarnou numa cultura, já não se comunica apenas através do anúncio
de pessoa a pessoa. Isto deve fazer- -nos pensar que, nos países onde o
cristianismo é minoria, para além de animar cada baptizado a anunciar o
Evangelho, as Igrejas particulares hão-de promover activamente formas, pelo
menos incipientes, de inculturação. Enfim, o que se deve procurar é que a
pregação do Evangelho, expressa com categorias próprias da cultura onde é
anunciado, provoque uma nova síntese com essa cultura. Embora estes processos
sejam sempre lentos, às vezes o medo paralisa-nos demasiado. Se deixamos que as
dúvidas e os medos sufoquem toda a ousadia, é possível que, em vez de sermos
criativos, nos deixemos simplesmente ficar cómodos sem provocar qualquer avanço
e, neste caso, não seremos participantes dos processos históricos com a nossa cooperação,
mas simplesmente espectadores duma estagnação estéril da Igreja.
Carismas
ao serviço da comunhão evangelizadora
130. O Espírito Santo
enriquece toda a Igreja evangelizadora também com diferentes carismas. São dons
para renovar e edificar a Igreja.[xix]
Não se trata de um património fechado, entregue a um grupo para que o guarde;
mas são presentes do Espírito integrados no corpo eclesial, atraídos para o
centro que é Cristo, donde são canalizados num impulso evangelizador. Um sinal
claro da autenticidade dum carisma é a sua eclesialidade, a sua capacidade de
se integrar harmoniosamente na vida do povo santo de Deus para o bem de todos.
Uma verdadeira novidade suscitada pelo Espírito não precisa de fazer sombra
sobre outras espiritualidades e dons para se afirmar a si mesma. Quanto mais um
carisma dirigir o seu olhar para o coração do Evangelho, tanto mais eclesial
será o seu exercício. É na comunhão, mesmo que seja fadigosa, que um carisma se
revela autêntica e misteriosamente fecundo. Se vive este desafio, a Igreja pode
ser um modelo para a paz no mundo.
131. As diferenças entre
as pessoas e as comunidades por vezes são incómodas, mas o Espírito Santo, que
suscita esta diversidade, de tudo pode tirar algo de bom e transformá-lo em
dinamismo evangelizador que actua por atracção. A diversidade deve ser sempre
conciliada com a ajuda do Espírito Santo; só Ele pode suscitar a diversidade, a
pluralidade, a multiplicidade e, ao mesmo tempo, realizar a unidade. Ao invés,
quando somos nós que pretendemos a diversidade e nos fechamos em nossos
particularismos, em nossos exclusivismos, provocamos a divisão; e, por outro
lado, quando somos nós que queremos construir a unidade com os nossos planos
humanos, acabamos por impor a uniformidade, a homologação. Isto não ajuda a
missão da Igreja.
Cultura,
pensamento e educação
132. O anúncio às culturas
implica também um anúncio às culturas profissionais, científicas e académicas.
É o encontro entre a fé, a razão e as ciências, que visa desenvolver um novo
discurso sobre a credibilidade, uma apologética original[xx]
que ajude a criar as predisposições para que o Evangelho seja escutado por
todos. Quando algumas categorias da razão e das ciências são acolhidas no
anúncio da mensagem, tais categorias tornam-se instrumentos de evangelização; é
a água transformada em vinho. É aquilo que, uma vez assumido, não só é
redimido, mas torna-se instrumento do Espírito para iluminar e renovar o mundo.
133. Uma vez que não basta
a preocupação do evangelizador por chegar a cada pessoa, mas o Evangelho também
se anuncia às culturas no seu conjunto, a teologia – e não só a teologia
pastoral – em diálogo com outras ciências e experiências humanas tem grande
importância para pensar como fazer chegar a proposta do Evangelho à variedade
dos contextos culturais e dos destinatários.[xxi]
A Igreja, comprometida na evangelização, aprecia e encoraja o carisma dos
teólogos e o seu esforço na investigação teológica, que promove o diálogo com o
mundo da cultura e da ciência. Faço apelo aos teólogos para que cumpram este
serviço como parte da missão salvífica da Igreja. Mas, para isso, é necessário
que tenham a peito a finalidade evangelizadora da Igreja e da própria teologia,
e não se contentem com uma teologia de gabinete.
134. As universidades são
um âmbito privilegiado para pensar e desenvolver este compromisso de
evangelização de modo interdisciplinar e inclusivo. As escolas católicas, que
sempre procuram conjugar a tarefa educacional com o anúncio explícito do
Evangelho, constituem uma contribuição muito válida para a evangelização da
cultura, mesmo em países e cidades onde uma situação adversa nos incentiva a
usar a nossa criatividade para se encontrar os caminhos adequados.[xxii]
(cont)
(Revisão
da versão portuguesa por ama)
Notas:
[i] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.
[ii] cf. Mt 28, 19
[iii] Jo 1, 41
[iv] Jo 4, 39
[v] Act 9, 20
[vi] Fl 3, 12-13
[vii] João Paulo II,
Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 71: AAS 91 (1999), 60.
[viii] III Conferência
Geral do Episcopado Latino- -americano e do Caribe, Documento de Puebla (23 de
Março de 1979), 450; cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino- -americano e
do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho de 2007), 264.
[ix] Cf. João Paulo II,
Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999), 21: AAS 92
(2000), 482-484
[x] N.º 48: AAS 68
(1976), 38.
[xi] 101 Ibid., 48: o.
c., 38.
[xii] Discurso na Sessão
inaugural da V Conferência geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe (13
de Maio de 2007), 1: AAS 99 (2007), 446-447
[xiii] V Conferência Geral
do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho
de 2007), 262.
[xiv] Ibid., 263.
[xv] Cf. São Tomás de
Aquino, Summa theologiae II-II, q. 2, a. 2.
[xvi] V Conferência Geral
do Episcopado Latino-americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29 de Junho
de 2007), 264.
[xvii] Ibid., 264
[xviii] cf. Rm 5, 5
[xix] Cf. Conc. Ecum.
Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium, 12.106
[xx] Cf. Propositio
17.107
[xxi] Cf. Propositio 30.
[xxii] Cf. Propositio 27.
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