Conhecer-se
Dissertar sobre este tema coloca imediatamente uma
questão óbvia: quem sou eu?
Daqui parte-se para um dilema que se apresenta como
inevitável: sou quem sou ou quem pretendo ser, ou, talvez de outro ângulo:
actuo de acordo ou desvio-me como pretendo?
Pode - e talvez seja - mera especulação filosófica muito conveniente para
mascarar a realidade. Não estar absolutamente satisfeito com o que se faz
parece-me normal e saudável exactamente porque desperta o desejo de melhoria
ou, a convicção de não se fazer quanto realmente está ao nosso alcance fazer.
Quem sou eu?
Magna questão cuja resposta tem forçosamente de assentar num profundo e sincero
sentimento de humildade sem o qual esta surgirá sempre ou evasiva e incompleta
ou, pelo menos, sem grande mérito.
Penso que a resposta não está disponível imediatamente como se estivesse
escondida no âmago mais íntimo da nossa idiossincrasia mas, antes, levará a um
exercício constante e automático de exame pessoal.
Exame, digo, despido, de emoção ou condicionalismo seja qual for mas animado de
uma decidida vontade lógica e simples de análise sem temer as consequências que
o "desfecho " ou resultado possam significar.
Quando acima falei em "exercício automático" quis significar
exactamente isso: criar o hábito de análise imediata subsequente ao que se
pensou, disse ou fez.
O exame é assim um acto contínuo e as correções que se mostrem necessárias mais
fáceis de levar a cabo.
Em resumo: caminharemos decidida e seguramente para uma melhoria pessoal e
estaremos muito mais próximos de saber quem, de facto, somos.
Qualquer coisa, escrito, ideia, acto, afirmação... o que for emanado
do ser humano tem, pelo menos, duas interpretações, duas reacções, dois
impactos.
Evidentemente que se conta com o primeiro, isto é, daquele que pensou,
disse, fez ou concluiu.
Depois haverá os outros em que dificilmente se encontrarão
coincidentes resultados.
A razão parece simples: não há duas pessoas iguais... absolutamente
iguais logo, a sua reacção tende a ser diferente.
Isto que parece óbvio tanto que dispensaria mais elucubrações é maior
riqueza ou o bem mais notável do ser humano o que no fundo o distingue do
irracional.
A idiossincrasia de cada ser está intimamente associada ao progresso
da sociedade porque, esta, não é um "bloco" uniforme e indivisível
mas sim um conjunto mais ou menos equilibrado de várias idiossincrasias que
concorrem para um mesmo resultado: a variedade pluriforme da sociedade humana.
Gregário por natureza o ser humano não se confunde nem se deixa absorver
pelo conjunto antes concorre e contribui com o que lhe é próprio para o que é
comum.
Tantas vezes se tenta algo diferente do habitual daquilo que ao longo dos
dias vamos construindo, às vezes laboriosamente forçado ou não e não
conseguimos encontrar o "fio condutor" que nos leve onde não
programamos ir mas que ambicionados chegar.
E quem tem por hábito, sina ou feitio escrever sente de forma muito radical
por vezes um como que bloqueio inexplicável não conseguindo
"arrancar" de dentro de si mesmo o que sente necessidade de expor
mas, como não sabe bem o que é, estálhe ausente e foge do seu controlo.
Escrever por escrever pode se bom e até saudável. Sem esforço, deixando as
palavras fluírem livremente acaba por se envolver num processo quase automático
de escalpelização íntima como que uma catarse que tem de incluir um esforço
muito concreto de não se deixar cair na autocomiseração, no
"esmagamento" do "eu" sempre uma forma fácil de dar
guarida ao amorpróprio e orgulho e tentar manter o pensamento lógico e
saudável.
Escrever sobre si mesmo não é nem fácil nem difícil se se segue uma regra
simples: escrever para si mesmo sem a preocupação ou desejo que outros venham a
ler o escrito.
Aliás, penso que só deste modo a escrita tem autenticidade concreta porque
se por detrás dela se encontra algum por ténue ou indefinido que seja
desejo ou intento de ser lido, é praticamente impossível fugir ao uso da
máscara ou disfarce da realidade.
Sem querer, talvez, ése levado pelo desejo de parecer inteligente,
original, interessante mas, depois, ao
rever o escrito, ficase com um sentimento bem amargo por vezes de inutilidade.
O "truque" está numa fórmula muito simples: escrevi o que me
apeteceu!
Esta conclusão que não se pretende transformar em corolário, resolve muitos
dilemas futuros, como, por exemplo, concluir: já escrevi isto! Não vale a pena
repetir!
E, daqui, pode surgir uma nova ideia que leve a uma elaboração diferente de
um tema já rebuscado.
Parece-me aceitável esta conclusão.
(ama, Reflexões, Cascais, 2015.09.29)