|
Tempo de Páscoa
|
Evangelho: Jo 15,
1-8
1 «Eu sou a videira
verdadeira, e Meu Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim,
Ele o cortará; e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós
já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e
Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não
permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou
a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim,
será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no
fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em
vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado
Meu Pai: Em que vós deis muito fruto e sejais Meus discípulos.
Comentário:
Todos compreendem estas imagens usadas por Cristo. Não e necessário ser
agricultor para saber que um ramo qualquer separado do tronco não serve para
nada e acaba por secar.
E, a razão de tal acontecer também e compreendida por todos: o ramo vive
enquanto recebe a seiva que corre no tronco.
Separados de Cristo, a Sua Palavra, que é a seiva que alimenta a vida,
deixa de correr em nós, alimentar a nossa alma e, o resultado é o mesmo, mortos
espiritualmente, não servimos para nada.
(ama, comentário sobre Jo 15, 1-8,
2013.07.23)
|
Temas |
Meditações sobre a Ressurreição
3. MEDO E ESPERANÇA
O
medo dos Apóstolos, depois da Paixão
Os
Evangelhos de São Lucas e São João mostram ao vivo, com detalhes cheios de
sugestão, o estado de ânimo dos Apóstolos, ao anoitecer do dia da Páscoa,
quando eram cada vez mais intensos – e confusos – os rumores dos que diziam que
tinham visto Jesus vivo (Cf. Lc 24,36-49 e Jo 20,19-23).
Jesus
ressuscitado acabava de estar com os discípulos de Emaús. Estes, quando Jesus
os deixou, voltaram correndo, afogueados, a Jerusalém – ao Cenáculo – para
contar a todos a grande notícia: como O tinham encontrado no caminho e como O
haviam reconhecido ao partir o pão (Cf. Lc 24,35).
Os
Apóstolos (todos, menos Judas, já morto, e Tomé, que estava ausente), e mais
alguns discípulos – mulheres e homens -, acolheram-nos agitados, alegres e,
paradoxalmente, ainda perplexos. Já eram vários os que falavam de que Cristo
vivia – Ressuscitou, diziam, e apareceu a Simão! -; já se lhes ia acendendo no
coração, como uma chama vacilante, a esperança, mas o sentimento dominante da
maioria ainda era o medo. E é sobre este medo que agora vamos meditar. Pode
dar-nos luzes boas, a nós que também conhecemos esta chama vacilante que oscila
entre o medo e a esperança.
O
que nos conta o Evangelho? São João, falando desse fim de tarde do Domingo da
Páscoa, começa por dizer que, ao anoitecer do mesmo dia, que era o primeiro da
semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por
medo dos judeus (Jo 20,19). Esta é a primeira coisa que comenta, para nos
situar no ambiente: estavam trancados no Cenáculo, naquele quarto de cima (Cf.
Lc 22,12) onde Jesus instituíra a Eucaristia, porque tinham medo: temiam, e com
razão, que os mesmos que tinham acabado com Jesus quisessem acabar com eles,
seus discípulos. Quem não teria medo de sofrer a mesma sorte do Mestre, odiado,
perseguido e crucificado?
A
verdade é que todos nós, nas mesmas circunstâncias, sentiríamos a mesma coisa.
Mas, por mais que compreendamos e desculpemos os discípulos, não devemos
esquecer que esse medo surgiu e cresceu sobre um vácuo de esperança, uma falha
que poderia não ter existido, e que, por isso, desagradou a Nosso Senhor. Se
não fosse assim, Jesus teria sido injusto ao recriminar, primeiro aos de Emaús
e depois a todos eles, o facto de terem sido obtusos e lentos em crer no que
Ele próprio lhes dissera pelo menos três vezes, bem claramente: que era
necessário que o Filho do Homem padecesse muitas coisas (Mc 8,31), que era
necessário que fosse levado à morte e que ressuscitasse ao terceiro dia (Lc
9,22).
Por
que estais perturbados?
São
Lucas, por sua vez, diz que, enquanto os de Emaús ainda falavam com os demais
no Cenáculo – estando as portas bem trancadas -, Jesus apresentou-se no meio
deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!”. Perturbados e atemorizados (o
medo continuava), pensaram estar vendo um espírito (tão longe estavam de ter
certeza da Ressurreição). Mas Ele disse-lhes: “Por que estais perturbados e por
que surgem tais dúvidas nos vossos corações?” (Lc 24,36-38).
Como
é humano o Evangelho! Como num filme realista, mostra-nos os pobres Apóstolos
aturdidos pela surpresa inaudita de verem Jesus no meio deles. Era algo tão
fantástico, que lhes parecia impossível, e tremiam de medo de que não fosse
verdade, de que seus sonhos tornassem a cair outra vez no chão, despedaçados,
como lhes acontecera nas horas trágicas da Paixão.
Por
isso, Jesus, cheio de carinho e de compaixão por aquelas crianças-grandes, meio
perdidas, deu-lhes provas capazes de “arrasar” quaisquer dúvidas, para que
vissem que tudo era verdade e abrissem as portas da alma, para que nela entrasse
a alegria. ”Por que surgem – disse-lhes – tais dúvidas nos vossos corações?
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Apalpai e vede, que um
espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho”. Dizendo isto,
mostrou-lhes as mãos e os pés (Lc 24,38-40).
E
eles, vendo-o, tiveram uma reação tão humana! Como a da mãe, que recupera o
filho que julgava perdido, e, de tão feliz, nem consegue acreditar que aquilo
seja verdade; custa-lhe crer que possa haver neste mundo uma alegria tão grande!
Diz o Evangelho: E, como, na sua alegria, não queriam acreditar, de tão
assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: “Tendes aí alguma coisa que se
coma?” Então, ofereceram-lhe um pedaço de peixe assado; e, tomando-o, comeu
diante deles (Lc 24,41-43).
É
maravilhosa esta cena. Ver Cristo glorioso comendo um pedaço de peixe assado na
frente de todos! Como olharia para eles, enquanto comia! Como eles o olhariam
embasbacados, vendo-o comer! Não falta nesta cena aquela ponta de alegria
bem-humorada que caracteriza Jesus após a Ressurreição. Como Jesus é humano! E
como é divino, na grandeza do seu Amor!
O
medo bom e o medo mau
Vale
a pena aprofundarmos um pouco no que esta cena da Ressurreição nos sugere a
respeito do medo e da esperança. Quem conhece o Evangelho, sabe que Jesus falou
várias vezes aos Apóstolos sobre o medo. Poderíamos lembrar várias passagens.
Talvez
a mais interessante, porém, seja aquela em que Jesus deu aos Apóstolos uma bela
lição, para que aprendessem a “temer” direito, a temer “bem”, coisa que não é
nada fácil. Porque se pode ter um medo bom ou um medo mau, um medo certo ou um medo
errado. Essa lição deu-a Jesus numa ocasião em que estava falando da
Providência de Deus nosso Pai. Explicou-lhes, então, com carinho: Digo-vos a
vós, meus amigos: não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disso não
podem fazer mais nada. Eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que,
depois de matar, tem o poder de lançar no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a
este (Lc 12,4-5).
A
seguir, tranquilizou-os, dando-lhes a certeza de que podiam esperar tudo da
bondade de Deus, de tal modo que a esperança vencesse sempre o temor: Não se
vendem cinco pardais por dois vinténs? E, entretanto, nem um só deles passa
despercebido diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos
contados. Não temais, pois. Vós valeis mais do que muitos pássaros (Lc 2,6-7).
É
importante não perder de vista os “dois medos” de que Jesus fala: o que um
filho de Deus não deve ter e o que todos devemos ter.
Há
uma coisa comum a todos os medos: o receio de perder algo que amamos. Santo
Tomás de Aquino, com muita acuidade, diz que “todo o temor nasce do amor”. E
Santo Agostinho, mais poético, diz que o medo é “o amor em fuga” (o amor que
quer fugir daquilo que lhe pode roubar o seu bem, ou seja, aquilo que ama).
Assim, quem ama o dinheiro e acha que é o maior bem da sua vida, tem pavor de
perder o dinheiro. Quem ama muito a esposa ou o marido e os filhos – seu maior
bem na terra -, treme de medo de perdê-los. E quem ama a Deus sobre todas as
coisas teme mais do que tudo perdê-lo eternamente (este é o santo temor de
Deus).
Quer
dizer que os nossos medos são como que a sombra dos nossos amores. Se eu
descubro o que é que mais temo perder, perceberei o que mais amo na vida. Isto
faz lembrar aquele delicioso braço-de-ferro que se deu entre São Luís, rei da
França, e o chefe do seu exército, Joinville, senescal da Champagne, contado
por este último na sua crónica biográfica sobre o santo rei.
São
Luís disse certa vez a Joinville que preferia cem vezes mais ficar leproso a
cometer um só pecado mortal. Joinville, muito franco e desbocado, retrucou
dizendo que preferia cometer cem pecados mortais antes que ficar leproso. E São
Luís ficou tão aflito que naquela noite não dormiu e, no dia seguinte, chamou
Joinville e, muito mansamente, fez-lhe ver que a lepra acaba quando morre o
corpo, mas que o pecado mortal pode acompanhar a alma no inferno por toda a
eternidade.
É
exactamente neste sentido que Jesus nos diz que não temamos o que nos pode
fazer perder os bens efémeros, e, pelo contrário, temamos o que nos pode fazer
perder os bens eternos.
Os
bens efémeros e os bens eternos
Normalmente,
nós fazemos o contrário do que Jesus nos ensina. Horroriza-nos a perder a saúde
corporal, mas não nos horroriza perder a saúde espiritual (o pecado mortal, que
tanto preocupava São Luís da França). Os pais, com frequência, fazem como
Joinville; pensam que, para o filho, é cem vezes pior o risco de não entrar na
faculdade do que o risco de não entrar no Céu. Por isso, acham importantíssimo
que estudem horas e horas – o que está certo –, mas não ligam se os filhos não
dedicam a Deus sequer a hora semanal da Missa, e não se confessam nem uma vez
por ano, e não levam nem um pouquinho a sério o sexto e o nono mandamento da
Lei de Deus.
E,
no entanto, os bens efémeros sempre nos deixam o coração angustiado, porque,
mesmo quando parecem mais seguros, inquieta-nos o medo de perdê-los, uma vez
que todos eles são bens que mudam ou podem mudar (por exemplo, a fortuna ou a
amizade), que morrem ou podem morrer (amigos, parentes, nós próprios), que
enganam ou podem enganar (qualquer ser humano, pecador como nós, pode
iludir-nos), que frustram ou podem frustrar (como muito sonhos conquistados que
depois nos decepcionam)… Por isso, é loucura pôr neles todas as esperanças da
vida!
Todos
sabemos – apesar de preferir-mos não pensar – que a doença, o desemprego, a
falência, a perseguição, a morte, toda sorte de “contrariedades” e “desgraças”
podem roubar-nos esses bens. Mas esquecemos que ninguém – a não ser nós mesmos
– pode roubar-nos os bens eternos, se
nos esforçamos por viver no amor de Deus. Quem nos separará do amor de Cristo?
– dizia São Paulo, num santo desafio. – A tribulação? A perseguição? A fome? A
nudez? O perigo? A espada? (...) Mas, em todas essas coisas somos mais que
vencedores pela virtude daquele que nos amou. E conclui dizendo que não existe
poder nem força nos céus, na terra e nos abismos que nos possa separar do amor
de Deus em Cristo Jesus Senhor nosso (Cf. Rom 8,35-39). Só o nosso pecado!
É
um grande cântico à esperança de São Paulo! Foi desse teor o que entoaram os
mártires, espoliados e desenganados de tudo na terra, mas que caminhavam para a
morte cantando, com a esperança de receberem o abraço eterno de Deus.
Entendemos
o que são os “bens eternos”?
Vamos
pensar um pouco mais, e descobriremos um panorama ainda mais belo. Comecemos
perguntando-nos: quais são os bens eternos?
Numa
primeira resposta, imediata, diríamos: a Vida eterna, o Céu, que é a visão e a
posse amorosa de Deus – supremo Bem e soma de todos os bens – para sempre. E
talvez acrescentássemos que também são bens eternos as coisas que nos
santificam e nos encaminham para o Céu, como a oração, as Confissões e
Comunhões bem-feitas, os sacrifícios e penitências oferecidos a Deus com
sinceridade e devoção.
Tudo
isso é verdade, mas, se ficássemos só nisso, não acabaríamos de entender o que
Cristo nos ensinou. Neste sentido, são muito esclarecedoras as seguintes
palavras de Jesus: Não junteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a
traça corroem, onde os ladrões furam e roubam. Juntai para vós tesouros no Céu,
onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e os ladrões não escavam nem
roubam (Mt 6,19-20).
Cristo
fala-nos de ir juntando, ao longo da vida, muitos tesouros no céu, que jamais
nos serão roubados, que não serão efémeros, mas eternos. E, quais são esses
tesouros? Todos os nossos pensamentos, palavras, acções, iniciativas,
empreendimentos, trabalhos, divertimentos, conversas, alegrias, etc, etc, que –
praticados por nós com a alma em estado de graça – estiverem de acordo com a
vontade de Deus, e forem marcados pela rectidão e, sobretudo, pelo amor a Deus
e ao próximo.
É
muito esclarecedor o que Jesus diz sobre o grande valor que pode ter um simples
copo de água: Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca
a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá
a sua recompensa (Mt 10,42). Quer dizer que tudo o que for bom e recto, tudo o
que não for egoísta, por pequeno que seja, se é vivido com amor (a Deus e aos
nossos irmãos) passa a ser um bem eterno, que a morte não poderá levar. Jesus
frisa especialmente as boas obras, as obras de misericórdia feitas em favor dos
necessitados: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber
[...] Todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a
mim o fizestes. É bonito perceber que, vivendo assim, agindo retamente, com
coração grande, tornamos eterno pelo amor tudo o que fazemos!
De
facto, se vivêssemos deste modo, que medo poderíamos ter? É inevitável,
certamente, o medo psicológico instintivo (pura reacção emocional), que nos
acomete diante de um perigo, um assalto, uma doença grave, uma incerteza… Mas o
cristão pode superar esse temor graças à virtude da esperança, coisa que o
descrente não pode fazer. Pode superar isso, porque a esperança cristã (virtude
teologal) nos garante, com absoluta certeza, duas coisas:
Primeira,
que Deus é tão bom que faz concorrer tudo para o bem daqueles que o amam (Rom
8,28), absolutamente tudo.
Segunda,
que, se lhe formos fiéis, o sorriso de Cristo nos estará aguardando, por assim
dizer, junto da porta escancarada da casa do Pai, para nos oferecer uma
felicidade indestrutível, eterna, um Amor sem fundo e sem fim. Eu vou
preparar-vos um lugar… Quero que onde estou, estejais vós comigo… Vinde,
benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a
criação do mundo (Cf. Jo 14,2-4; Jo 17,24; Mat 25,34).
Aconteça
o que acontecer, pois, se tivermos fé, esperança e amor (ou seja, se formos
cristãos), perceberemos que Jesus está sempre ao nosso lado e sempre nos diz: A
paz esteja convosco; sou Eu, não tenhais medo (Cf. Lc 24,36.38-39).
É
lógico, portanto, que, ao meditarmos sobre o mistério da Páscoa, demos graças a
Jesus porque, com a Sua Ressurreição, conquistou para nós a vitória sobre o
medo, porque substituiu o nosso medo pela grande esperança, essa belíssima
virtude, que é o perfume e o incentivo da alma dos que ainda caminhamos na
terra rumo à Casa do Pai.