21/05/2014

Ele é bom..., e Ele ama-te

Penas? Contradições por aquele acontecimento ou outro qualquer?... Não vês que é o que o teu Pai-Deus que o quer..., e Ele é bom..., e Ele ama-te – a ti só! – mais que todas as mães do mundo juntas podem amar os seus filhos? (Forja, 929)

Mas não esqueçamos que estar com Jesus é seguramente encontrar-se com a sua Cruz. Quando nos abandonamos nas mãos de Deus, é frequente que Ele permita que saboreemos a dor, a solidão, as contradições, as calúnias, as difamações, os escárnios, por dentro e por fora: porque quer conformar-nos à Sua imagem e semelhança e permite também que nos chamem loucos e que nos tomem por néscios.

É a altura de amar a mortificação passiva que vem – oculta, ou descarada e insolente – quando não a esperamos. Chegam a ferir as ovelhas com as pedras que deviam atirar-se aos lobos: quem segue Cristo experimenta na própria carne que aqueles que o deviam amar se comportam com ele de uma maneira que vai da desconfiança à hostilidade, da suspeita ao ódio. Olham-no com receio, como um mentiroso, porque não acreditam que possa haver relação pessoal com Deus, vida interior; em contrapartida, com o ateu e com o indiferente, geralmente rebeldes e desavergonhados, desfazem-se em amabilidades e compreensão.

E talvez Nosso Senhor permita que o Seu discípulo se veja atacado com a arma, que nunca é honrosa para aquele que a empunha, das injúrias pessoais; com lugares comuns, fruto tendencioso e delituoso de uma propaganda massificada e mentirosa... Porque o bom gosto e a cortesia não são coisas muito comuns.


Assim vai Jesus esculpindo as almas dos Seus, sem deixar de lhes dar interiormente serenidade e alegria, porque eles entendem muito bem que – com cem mentiras juntas – os demónios não são capazes de fazer uma verdade: e grava nas suas vidas a convicção de que só se sentirão bem quando renunciarem à comodidade. (Amigos de Deus, 301)

As sete palavras de Cristo na Cruz 21

Capítulo 4: Explicação textual da segunda palavra: “Amém, Eu te digo: Hoje estarás comigo no paraíso. 3

Quem instruiu o ladrão em mistérios tão profundos? Chama de Senhor esse homem que vê desnudo, ferido, desgraçado, insultado, rebaixado, pendido a uma cruz a seu lado; diz que após sua morte, Ele há de vir com seu reino. Do que podemos inferir que o ladrão não figurou o reino de Cristo como temporal — como o imaginavam os judeus — mas que após sua morte Ele seria Rei para sempre, no Céu. Quem foi o instrutor de segredos tão sagrados e sublimes? Ninguém, decerto, senão o Espírito de Verdade, que o aguardava com suas mais doces bênçãos. Cristo, quando de sua Ressurreição, disse aos apóstolos: “Não era necessário que o Cristo padecesse e entrasse deste modo em Sua Glória?” 8. Entretanto, o ladrão milagrosamente o previu, confessando que o Cristo era Rei no momento mesmo em que o não cercava nenhuma aparência de realeza. Os reis reinam durante a vida e, quando param de viver, param de reinar; o ladrão, sem embargo, proclama em alta voz que o Cristo — por intermédio de Sua morte — herdaria um reino, que é aquele que o Senhor refere nesta parábola: “um homem ilustre foi para um país distante, a fim de ser investido da realeza e depois regressar” 9. Nosso Senhor disse tais palavras pouco tempo antes de sua Paixão, para nos mostrar que, mediante sua morte, iria a um país distante, i. é, para outra vida; ou, em outras palavras, que iria ao Céu, que está mui distante da terra, para receber um reino grande e eterno, mas que voltaria no último dia, recompensando cada homem de acordo com sua conduta na vida, seja com prémio, seja com castigo. Com respeito a esse reino, desta feita, que o Cristo receberia imediatamente após sua morte, o ladrão disse sabiamente: “lembrai-vos de mim quando retornardes com vosso reino”.

são roberto belarmino

(Tradução: Permanência, revisão ama).

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Notas:
8. Lc 24,26.
9. Lc 19,12.


Pequena agenda do cristão


Quarta-Feira

(Coisas muito simples, curtas, objectivas)

Propósito: Simplicidade e modéstia.

Senhor, ajuda-me a ser simples, a despir-me da minha “importância”, a ser contido no meu comportamento e nos meus desejos, deixando-me de quimeras e sonhos de grandeza e proeminência.

Lembrar-me: Do meu Anjo da Guarda.

Senhor, ajuda-me a lembrar-me do meu Anjo da Guarda, que eu não despreze companhia tão excelente. Ele está sempre a meu lado, vela por mim, alegra-se com as minhas alegrias e entristece-se com as minhas faltas.

Anjo da minha Guarda, perdoa-me a falta de correspondência ao teu in-
teresse e protecção, a tua disponibilidade permanente. Perdoa-me ser
tão mesquinho na retribuição de tantos favores recebidos.

Pequeno exame: Cumpri o propósito que me propus ontem?

Temas para meditar 121

Santíssima Virgem


A devoção à Santíssima Virgem é fundamental, porque não há melhor meio de obter as graças de Deus que através da Sua Santa Mãe.



(SÃO Filipe de Neri, Máximas, F.W.Faber, Cromwell Press SN12 8PH, nr. 2-17, trad ama

Evangelho diário, comentário e Leitura espiritual (Meditações sobre a Ressurreição 3)

Tempo de Páscoa

V Semana 

Evangelho: Jo 15, 1-8

1 «Eu sou a videira verdadeira, e Meu Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim, Ele o cortará; e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim, será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado Meu Pai: Em que vós deis muito fruto e sejais Meus discípulos.

Comentário:

Todos compreendem estas imagens usadas por Cristo. Não e necessário ser agricultor para saber que um ramo qualquer separado do tronco não serve para nada e acaba por secar.
E, a razão de tal acontecer também e compreendida por todos: o ramo vive enquanto recebe a seiva que corre no tronco.

Separados de Cristo, a Sua Palavra,  que é a seiva que alimenta a vida, deixa de correr em nós, alimentar a nossa alma e, o resultado é o mesmo, mortos espiritualmente, não servimos para nada.

(ama, comentário sobre Jo 15, 1-8, 2013.07.23)


Leitura espiritual
Temas


Meditações sobre a Ressurreição


3. MEDO E ESPERANÇA

O medo dos Apóstolos, depois da Paixão

Os Evangelhos de São Lucas e São João mostram ao vivo, com detalhes cheios de sugestão, o estado de ânimo dos Apóstolos, ao anoitecer do dia da Páscoa, quando eram cada vez mais intensos – e confusos – os rumores dos que diziam que tinham visto Jesus vivo (Cf. Lc 24,36-49 e Jo 20,19-23).

Jesus ressuscitado acabava de estar com os discípulos de Emaús. Estes, quando Jesus os deixou, voltaram correndo, afogueados, a Jerusalém – ao Cenáculo – para contar a todos a grande notícia: como O tinham encontrado no caminho e como O haviam reconhecido ao partir o pão (Cf. Lc 24,35).

Os Apóstolos (todos, menos Judas, já morto, e Tomé, que estava ausente), e mais alguns discípulos – mulheres e homens -, acolheram-nos agitados, alegres e, paradoxalmente, ainda perplexos. Já eram vários os que falavam de que Cristo vivia – Ressuscitou, diziam, e apareceu a Simão! -; já se lhes ia acendendo no coração, como uma chama vacilante, a esperança, mas o sentimento dominante da maioria ainda era o medo. E é sobre este medo que agora vamos meditar. Pode dar-nos luzes boas, a nós que também conhecemos esta chama vacilante que oscila entre o medo e a esperança.

O que nos conta o Evangelho? São João, falando desse fim de tarde do Domingo da Páscoa, começa por dizer que, ao anoitecer do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus (Jo 20,19). Esta é a primeira coisa que comenta, para nos situar no ambiente: estavam trancados no Cenáculo, naquele quarto de cima (Cf. Lc 22,12) onde Jesus instituíra a Eucaristia, porque tinham medo: temiam, e com razão, que os mesmos que tinham acabado com Jesus quisessem acabar com eles, seus discípulos. Quem não teria medo de sofrer a mesma sorte do Mestre, odiado, perseguido e crucificado?

A verdade é que todos nós, nas mesmas circunstâncias, sentiríamos a mesma coisa. Mas, por mais que compreendamos e desculpemos os discípulos, não devemos esquecer que esse medo surgiu e cresceu sobre um vácuo de esperança, uma falha que poderia não ter existido, e que, por isso, desagradou a Nosso Senhor. Se não fosse assim, Jesus teria sido injusto ao recriminar, primeiro aos de Emaús e depois a todos eles, o facto de terem sido obtusos e lentos em crer no que Ele próprio lhes dissera pelo menos três vezes, bem claramente: que era necessário que o Filho do Homem padecesse muitas coisas (Mc 8,31), que era necessário que fosse levado à morte e que ressuscitasse ao terceiro dia (Lc 9,22).

Por que estais perturbados?

São Lucas, por sua vez, diz que, enquanto os de Emaús ainda falavam com os demais no Cenáculo – estando as portas bem trancadas -, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: “A paz esteja convosco!”. Perturbados e atemorizados (o medo continuava), pensaram estar vendo um espírito (tão longe estavam de ter certeza da Ressurreição). Mas Ele disse-lhes: “Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas nos vossos corações?” (Lc 24,36-38).

Como é humano o Evangelho! Como num filme realista, mostra-nos os pobres Apóstolos aturdidos pela surpresa inaudita de verem Jesus no meio deles. Era algo tão fantástico, que lhes parecia impossível, e tremiam de medo de que não fosse verdade, de que seus sonhos tornassem a cair outra vez no chão, despedaçados, como lhes acontecera nas horas trágicas da Paixão.

Por isso, Jesus, cheio de carinho e de compaixão por aquelas crianças-grandes, meio perdidas, deu-lhes provas capazes de “arrasar” quaisquer dúvidas, para que vissem que tudo era verdade e abrissem as portas da alma, para que nela entrasse a alegria. ”Por que surgem – disse-lhes – tais dúvidas nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho”. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés (Lc 24,38-40).

E eles, vendo-o, tiveram uma reação tão humana! Como a da mãe, que recupera o filho que julgava perdido, e, de tão feliz, nem consegue acreditar que aquilo seja verdade; custa-lhe crer que possa haver neste mundo uma alegria tão grande! Diz o Evangelho: E, como, na sua alegria, não queriam acreditar, de tão assombrados que estavam, Ele perguntou-lhes: “Tendes aí alguma coisa que se coma?” Então, ofereceram-lhe um pedaço de peixe assado; e, tomando-o, comeu diante deles (Lc 24,41-43).

É maravilhosa esta cena. Ver Cristo glorioso comendo um pedaço de peixe assado na frente de todos! Como olharia para eles, enquanto comia! Como eles o olhariam embasbacados, vendo-o comer! Não falta nesta cena aquela ponta de alegria bem-humorada que caracteriza Jesus após a Ressurreição. Como Jesus é humano! E como é divino, na grandeza do seu Amor!

O medo bom e o medo mau

Vale a pena aprofundarmos um pouco no que esta cena da Ressurreição nos sugere a respeito do medo e da esperança. Quem conhece o Evangelho, sabe que Jesus falou várias vezes aos Apóstolos sobre o medo. Poderíamos lembrar várias passagens.

Talvez a mais interessante, porém, seja aquela em que Jesus deu aos Apóstolos uma bela lição, para que aprendessem a “temer” direito, a temer “bem”, coisa que não é nada fácil. Porque se pode ter um medo bom ou um medo mau, um medo certo ou um medo errado. Essa lição deu-a Jesus numa ocasião em que estava falando da Providência de Deus nosso Pai. Explicou-lhes, então, com carinho: Digo-vos a vós, meus amigos: não tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disso não podem fazer mais nada. Eu vos mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a este (Lc 12,4-5).

A seguir, tranquilizou-os, dando-lhes a certeza de que podiam esperar tudo da bondade de Deus, de tal modo que a esperança vencesse sempre o temor: Não se vendem cinco pardais por dois vinténs? E, entretanto, nem um só deles passa despercebido diante de Deus. Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois. Vós valeis mais do que muitos pássaros (Lc 2,6-7).

É importante não perder de vista os “dois medos” de que Jesus fala: o que um filho de Deus não deve ter e o que todos devemos ter.

Há uma coisa comum a todos os medos: o receio de perder algo que amamos. Santo Tomás de Aquino, com muita acuidade, diz que “todo o temor nasce do amor”. E Santo Agostinho, mais poético, diz que o medo é “o amor em fuga” (o amor que quer fugir daquilo que lhe pode roubar o seu bem, ou seja, aquilo que ama). Assim, quem ama o dinheiro e acha que é o maior bem da sua vida, tem pavor de perder o dinheiro. Quem ama muito a esposa ou o marido e os filhos – seu maior bem na terra -, treme de medo de perdê-los. E quem ama a Deus sobre todas as coisas teme mais do que tudo perdê-lo eternamente (este é o santo temor de Deus).

Quer dizer que os nossos medos são como que a sombra dos nossos amores. Se eu descubro o que é que mais temo perder, perceberei o que mais amo na vida. Isto faz lembrar aquele delicioso braço-de-ferro que se deu entre São Luís, rei da França, e o chefe do seu exército, Joinville, senescal da Champagne, contado por este último na sua crónica biográfica sobre o santo rei.

São Luís disse certa vez a Joinville que preferia cem vezes mais ficar leproso a cometer um só pecado mortal. Joinville, muito franco e desbocado, retrucou dizendo que preferia cometer cem pecados mortais antes que ficar leproso. E São Luís ficou tão aflito que naquela noite não dormiu e, no dia seguinte, chamou Joinville e, muito mansamente, fez-lhe ver que a lepra acaba quando morre o corpo, mas que o pecado mortal pode acompanhar a alma no inferno por toda a eternidade.

É exactamente neste sentido que Jesus nos diz que não temamos o que nos pode fazer perder os bens efémeros, e, pelo contrário, temamos o que nos pode fazer perder os bens eternos.

Os bens efémeros e os bens eternos

Normalmente, nós fazemos o contrário do que Jesus nos ensina. Horroriza-nos a perder a saúde corporal, mas não nos horroriza perder a saúde espiritual (o pecado mortal, que tanto preocupava São Luís da França). Os pais, com frequência, fazem como Joinville; pensam que, para o filho, é cem vezes pior o risco de não entrar na faculdade do que o risco de não entrar no Céu. Por isso, acham importantíssimo que estudem horas e horas – o que está certo –, mas não ligam se os filhos não dedicam a Deus sequer a hora semanal da Missa, e não se confessam nem uma vez por ano, e não levam nem um pouquinho a sério o sexto e o nono mandamento da Lei de Deus.

E, no entanto, os bens efémeros sempre nos deixam o coração angustiado, porque, mesmo quando parecem mais seguros, inquieta-nos o medo de perdê-los, uma vez que todos eles são bens que mudam ou podem mudar (por exemplo, a fortuna ou a amizade), que morrem ou podem morrer (amigos, parentes, nós próprios), que enganam ou podem enganar (qualquer ser humano, pecador como nós, pode iludir-nos), que frustram ou podem frustrar (como muito sonhos conquistados que depois nos decepcionam)… Por isso, é loucura pôr neles todas as esperanças da vida!

Todos sabemos – apesar de preferir-mos não pensar – que a doença, o desemprego, a falência, a perseguição, a morte, toda sorte de “contrariedades” e “desgraças” podem roubar-nos esses bens. Mas esquecemos que ninguém – a não ser nós mesmos – pode roubar-nos  os bens eternos, se nos esforçamos por viver no amor de Deus. Quem nos separará do amor de Cristo? – dizia São Paulo, num santo desafio. – A tribulação? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada? (...) Mas, em todas essas coisas somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou. E conclui dizendo que não existe poder nem força nos céus, na terra e nos abismos que nos possa separar do amor de Deus em Cristo Jesus Senhor nosso (Cf. Rom 8,35-39). Só o nosso pecado!

É um grande cântico à esperança de São Paulo! Foi desse teor o que entoaram os mártires, espoliados e desenganados de tudo na terra, mas que caminhavam para a morte cantando, com a esperança de receberem o abraço eterno de Deus.

Entendemos o que são os “bens eternos”?

Vamos pensar um pouco mais, e descobriremos um panorama ainda mais belo. Comecemos perguntando-nos: quais são os bens eternos?

Numa primeira resposta, imediata, diríamos: a Vida eterna, o Céu, que é a visão e a posse amorosa de Deus – supremo Bem e soma de todos os bens – para sempre. E talvez acrescentássemos que também são bens eternos as coisas que nos santificam e nos encaminham para o Céu, como a oração, as Confissões e Comunhões bem-feitas, os sacrifícios e penitências oferecidos a Deus com sinceridade e devoção.

Tudo isso é verdade, mas, se ficássemos só nisso, não acabaríamos de entender o que Cristo nos ensinou. Neste sentido, são muito esclarecedoras as seguintes palavras de Jesus: Não junteis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça corroem, onde os ladrões furam e roubam. Juntai para vós tesouros no Céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e os ladrões não escavam nem roubam (Mt 6,19-20).

Cristo fala-nos de ir juntando, ao longo da vida, muitos tesouros no céu, que jamais nos serão roubados, que não serão efémeros, mas eternos. E, quais são esses tesouros? Todos os nossos pensamentos, palavras, acções, iniciativas, empreendimentos, trabalhos, divertimentos, conversas, alegrias, etc, etc, que – praticados por nós com a alma em estado de graça – estiverem de acordo com a vontade de Deus, e forem marcados pela rectidão e, sobretudo, pelo amor a Deus e ao próximo.

É muito esclarecedor o que Jesus diz sobre o grande valor que pode ter um simples copo de água: Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, por ser meu discípulo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa (Mt 10,42). Quer dizer que tudo o que for bom e recto, tudo o que não for egoísta, por pequeno que seja, se é vivido com amor (a Deus e aos nossos irmãos) passa a ser um bem eterno, que a morte não poderá levar. Jesus frisa especialmente as boas obras, as obras de misericórdia feitas em favor dos necessitados: Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber [...] Todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. É bonito perceber que, vivendo assim, agindo retamente, com coração grande, tornamos eterno pelo amor tudo o que fazemos!

De facto, se vivêssemos deste modo, que medo poderíamos ter? É inevitável, certamente, o medo psicológico instintivo (pura reacção emocional), que nos acomete diante de um perigo, um assalto, uma doença grave, uma incerteza… Mas o cristão pode superar esse temor graças à virtude da esperança, coisa que o descrente não pode fazer. Pode superar isso, porque a esperança cristã (virtude teologal) nos garante, com absoluta certeza, duas coisas:

Primeira, que Deus é tão bom que faz concorrer tudo para o bem daqueles que o amam (Rom 8,28), absolutamente tudo.

Segunda, que, se lhe formos fiéis, o sorriso de Cristo nos estará aguardando, por assim dizer, junto da porta escancarada da casa do Pai, para nos oferecer uma felicidade indestrutível, eterna, um Amor sem fundo e sem fim. Eu vou preparar-vos um lugar… Quero que onde estou, estejais vós comigo… Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo (Cf. Jo 14,2-4; Jo 17,24; Mat 25,34).

Aconteça o que acontecer, pois, se tivermos fé, esperança e amor (ou seja, se formos cristãos), perceberemos que Jesus está sempre ao nosso lado e sempre nos diz: A paz esteja convosco; sou Eu, não tenhais medo (Cf. Lc 24,36.38-39).

É lógico, portanto, que, ao meditarmos sobre o mistério da Páscoa, demos graças a Jesus porque, com a Sua Ressurreição, conquistou para nós a vitória sobre o medo, porque substituiu o nosso medo pela grande esperança, essa belíssima virtude, que é o perfume e o incentivo da alma dos que ainda caminhamos na terra rumo à Casa do Pai.





Tratado dos vícios e pecados 96

Questão 89: Do pecado venial em si mesmo.

Art. 5 — Se os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, são pecados mortais.

(De Malo, q. 7, a. 3; ad 17, a. 8; Quodl. IV, q. 11, a. 2; Ad. Rom., cap. VIII, lect. 1).

O quinto discute-se assim. — Parece que os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, são pecados mortais.

1. — Pois, como diz o Apóstolo (Rm 8, 1), nada de condenação tem os que estão em Jesus Cristo, os quais não andam segundo a carne; referindo-se a concupiscência da sensualidade, como se colhe do que antes disse (Rm 7). Donde, estarem em Jesus Cristo é a causa de não ser condenável a concupiscência dos que não andam segundo a carne, i. e, consentindo naquela. Ora, os infiéis não estão em Jesus Cristo. Logo, a concupiscência neles é condenável e portanto os primeiros movimentos da sensualidade são pecados mortais.

2. Demais. — Anselmo diz: Os que não estão em Cristo, sentindo o estímulo da carne, correm para a condenação, mesmo que não andem segundo a carne. Ora, só o pecado mortal é merecedor de condenação. Logo, como o homem sente a carne pelo movimento primeiro da concupiscência, resulta que o primeiro movimento desta é, nos infiéis, pecado mortal.

3. Demais. — Anselmo diz: O homem foi feito de modo a não dever sentir a concupiscência. Ora, essa condição devida lhe é restaurada pela graça baptismal, que os infiéis não têm. Logo, sempre que um infiel sente a concupiscência, mesmo sem consentir nela, peca mortalmente, agindo contra a condição em que deveria estar.

Mas, em contrário, diz a Escritura (At 10, 34): Deus não faz acepção de pessoas. Logo, o que não se imputa a um por pecado também não se imputa a outro. Ora, os movimentos primeiros da sensualidade não se imputam aos fiéis para, condená-los, logo, nem aos infiéis.

É irracional dizer que os movimentos primeiros da sensualidade, nos infiéis, sejam pecados mortais, se neles não consentirem. O que de dois modos se patenteia. — Primeiro, porque em si mesma a sensualidade não pode ser sujeito do pecado mortal como estabelecemos (q. 79, a. 4). Ora, a natureza dela é a mesma, tanto nos infiéis, como nos fiéis. Donde, o movimento da sensualidade, nos infiéis, não pode ser pecado mortal por si só. — Em segundo lugar, o mesmo resulta do estado do próprio pecador. Pois, nunca a dignidade da pessoa diminui o pecado; antes, o aumenta, como do sobredito se colhe (q. 73, a. 10). Donde, longe de ser o pecado menor, no fiel, que no infiel, é muito maior. Porque os pecados dos infiéis merecem muito mais perdão, por causa da ignorância, conforme a Escritura (1 Tm 1, 13): alcancei a misericórdia de Deus, porque o fiz por ignorância na incredulidade. E os pecados agravam-se pelos sacramentos da graça, segundo (Heb 10, 29): quanto maiores tormentos credes vós que merece o que tiver em conta de profano o sangue do Testamento em que foi santificado?

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O Apóstolo refere-se à condenação devida ao pecado original, de que se livra pela graça de Jesus Cristo, embora permaneça o foco da concupiscência. Donde, o estarem os fiéis sujeitos a esta não é para eles sinal da condenação do pecado original, como o é nos infiéis. E neste mesmo sentido devemos entender o lugar de Anselmo.

Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Pela justiça original no homem era natural a isenção da concupiscência. Donde, não é o pecado actual, mas o original, que se opõe a essa isenção natural.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.