Questão
31: Da concepção do Salvador quanto à matéria de que o Seu corpo foi concebido
Art.
3 — Se a genealogia de Cristo foi bem discriminada pelos Evangelistas.
O terceiro discute-se assim. — Parece que a
genealogia de Cristo não foi bem discriminada pelos Evangelistas.
1. — Pois, diz a Escritura, de Cristo:
Quem contará a sua geração? Logo, não
se devia contar a geração de Cristo.
2. Demais. — É impossível um mesmo
homem ter dois pais. Ora, Mateus diz, que Jacob gerou a José, esposo de Maria;
e Lucas, por seu lado, que José era filho de Heli. Logo, escreveu um o
contrário do outro.
3. Demais. — Mateus e Lucas fazem
relações diversas. Assim, Mateus, no princípio do livro, começando de Abraão e
descendo até José, enumera quarenta e duas gerações. Lucas, por seu lado,
depois do babtismo de Cristo, refere a geração de Cristo, começando por ele e,
levando o número das gerações até Deus, conta setenta e sete gerações,
computando os extremos. Logo, parece que discriminam mal a geração de Cristo.
4. Demais. — Na Escritura lê-se, que
Jorão gerou Ocosias: a quem sucedeu o filho Joás; a este, o seu filho Amásias;
depois, reinou o filho deste, Azarias; chamado Osias: a quem sucedeu Joatan,
seu filho. Mateus, porém, diz que Jorão gerou Osias. Logo, parece mal
discriminada uma geração de Cristo, que omite, no meio, três reis.
5. Demais. — Todos os assinalados na
geração de Cristo tiveram pais e mães; e muitos deles, também irmãos. Ora,
Mateus, na geração de Cristo, enumera só três mães, a saber, Tamar, Rut e a
esposa de Urias. Como irmãos designa Judas e Jeconias, e além deles, Fares e
Zarâo. Ora, Lucas não menciona nenhum desses. Logo, parece que os Evangelistas
discriminaram mal a genealogia de Cristo.
Mas, em contrário, a autoridade da
Escritura.
Como diz o Apóstolo, toda a Escritura é divinamente inspirada.
Ora, as coisas divinas realizam-se de maneira ordenadíssima, segundo ainda o
Apóstolo: As causas de Deus são ordenadas.
Donde, a genealogia de Cristo foi bem discriminada pelos Evangelistas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO.
— Como ensina Jerónimo, Isaías refere-se à geração da divindade de Cristo. Ao
passo que Mateus narra a geração de Cristo segundo a humanidade; não, certamente,
explicando o modo da Encarnação, que é inefável também; mas, enumerando os pais
de que Cristo procedeu segundo a carne.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Essa objecção,
suscitada por Juliano o Apóstata, recebeu soluções diversas. Assim, alguns,
como Gregório Nazianzeno opinam, que ambos os Evangelistas enumeram o mesmo
personagem, Jacob e Heli, mas com dois nomes diferentes. - O que não é
admissível, porque Mateus enumera Salomão um dos filhos de David; ao passo que
Lucas enumera outro, que é Natan, os quais consta terem sido irmãos, segundo a
Escritura.
Por isso, outros disseram, que Mateus
nos dá a verdadeira genealogia de Cristo; ao passo que a de Lucas é putativa, e
o começar assim – Jesus era, como se julgava, filho de José. Pois, havia alguns
judeus, que por causa dos pecados dos reis de Judá, criam que Cristo nasceria
de David, não mediante os reis, mas por uma linhagem privada. Outros, porém,
disseram que Mateus numerou os pais carnais; ao passo que Lucas, os
espirituais, isto é, os varões justos, denominados pais pela honestidade da sua
vida.
Segundo outra opinião, responde-se que
não devemos pensar que Lucas chama a José filho de Heli, mas sim, que diz terem
sido Heli e José pais de Cristo, descendente diversamente de David. Por isso
diz que Cristo era, como se julgava, Filho de José, e que também o próprio
Cristo foi filho de Reli; quase como se dissesse que Cristo pela mesma razão
por que é chamado filho de José pode ser também cognominado filho de Heli e de
todos os reis descendentes da raça de Davdi. Assim, diz o Apóstolo: de quem,
isto é, dos judeus, descende também segundo a carne.
Mas Agostinho, resolve essa
dificuldade de três modos, dizendo: Há três vias seguidas singularmente pelos
Evangelistas. — Ou então um Evangelista designa o pai que realmente gerou a
José, ao passo que o outro designou-lhe o avô materno ou um dos seus mais
próximos parentes. Ou um era o pai natural de José e o outro pai adoptivo. —
Ou, segundo o costume dos Judeus, quando um homem morria sem deixar filhos, um
dos seus próximos tomava-lhe a mulher, sendo o filho que ele engendrasse
imputado ao morto. O que também constitui um certo género de adoção legal, como
o próprio Agostinho o afirma. E esta última via é a mais verdadeira, que também
Jerónimo apresenta; e Eusébio Cesariense refere o historiador Júlio Africano e
preconiza. Assim, dizem que Matan e Melqui procriaram em tempos diversos, da
mesma esposa, chamada Esta, um filho chamado Jacob. Porque Matan, descendente
de Salomão, foi quem primeiro a tomou por mulher e morreu deixando um filho
chamado Jacob. Mas depois da morte de Matan, como a lei não proibia a viúva
casar com outro homem, Melqui, também da mesma tribo, por Matan, embora não da
mesma família, tomou como esposa a viúva de Matan, da qual também houve um
filho chamado Reli. Donde vem que, nascidos de pais diferentes, Jacob e Heli
eram irmãos uterinos. Desses, um, Jacob, tendo casado, por disposição da lei,
com a viúva de seu irmão Heli, morto sem filhos, gerou a José, na verdade e
naturalmente filho seu, tornado porém, pelo preceito da lei, filho de Heli. Por
isso diz Mateus que Jacob gerou a José; enquanto Lucas, descrevendo a geração
legal, não usa, na sua genealogia, o verbo gerar. Embora, porém, Damasceno diga
que a Santa Virgem Maria era parente de José, por este descender de Heli,
considerado como seu pai, e isto porque ele a faz descender de Heli, devemos
contudo crer que ela também descendia de Salomão de algum modo, mediante os
antepassados da enumeração de Mateus que narra a geração carnal de Cristo;
sobretudo que Ambrósio diz ter Cristo descendido da raça de Jeconias.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz
Agostinho, o desígnio de Mateus era fazer conhecer a pessoa real de Cristo, ao
passo que Lucas, a sua pessoa sacerdotal. Por isso, a genealogia de Mateus
indica que N. S. J. Cristo assumiu os nossos pecados, tendo assumido a
semelhança da carne do pecado, pela sua origem carnal. Ao passo que a
genealogia de Lucas significa que os nossos pecados foram delidos pelo
sacrifício de Cristo. Por isso a genealogia de Mateus enumera os descendentes,
e a de Lucas, os ascendentes. - Também por isso é que Mateus desce de David,
passando por Salomão, em cuja mãe David pecou; ao passo que Lucas sobe até David,
por Matan, porque foi por um profeta desse nome que Deus perdoou o pecado de
David. - Donde vem ainda que, querendo Mateus significar que Cristo desceu até à
nossa mortalidade, mencionou, desde o início, no seu Evangelho, as gerações
desde Abraão, até José, em ordem descendente, até a natividade de Cristo. Ao
passo que Lucas começa a enumerar as gerações, não do início, mas do baptismo
de Cristo, e não em ordem descendente, mas ascendente, querendo assim frisar
que Cristo foi o sacerdote da expiação dos pecados e por isso invocou o
testemunho de João, quando este disse: Eis
o que tira os pecados do mundo. E, na ordem ascendente, Lucas passou por
Abraão e chegou a Deus com o qual fomos reconciliados depois de purificados e
expiados. - E com razão também, na sua genealogia, Lucas indicou a ordem de adopção,
pois, esta nos torna filhos de Deus; ao passo que pela geração carnal o Filho
de Deus foi feito filho do homem. E suficientemente demonstrou que, quando
disse ser José filho de Heli, não quis com isso considerá-lo como gerado por
Heli, mas, como adoptado por este; pois, também disse que Adão foi filho de
Deus, embora fosse feito por Deus.
Quanto ao número quadragenário,
refere-se ao tempo da vida presente, por causa das quatro partes do mundo, onde
transcorre a nossa vida mortal, guiados por Cristo nosso rei. Pois, quarenta
contém quatro vezes dez; e este último número, por sua vez, resulta da adição
dos números que vão de um a quatro. Mas também o número denário podia referir-se
ao Decálogo; e o quaternário, à vida presente, ou ainda aos quatro Evangelhos,
pelos quais Cristo reina em nós. Por isso Mateus, a fim de louvar a pessoa real
de Cristo, enumerou quarenta personagens, exceptuando Cristo. Mas isto deve
entender-se assim, se o Jeconias enumerado no fim do segundo quaternário e no
princípio do terceiro é o mesmo personagem. Conforme Santo Agostinho, essa
dupla menção de Jeconias significa que por ele, quando do cativeiro de Babilónia,
fez-se um êxodo para as nações estrangeiras; o que também prefigurava Cristo,
que passou dos povos circuncisos para os incircuncisos. Mas Jerónimo diz, que
houve dois Joaquins, isto é, Jeconias, a saber, o pai e o filho; ambos os quais
foram incluídos na geração de Cristo, para que constasse a distinção das
gerações, que o Evangelista divide em três séries de catorze. O que sobe a
quarenta e duas pessoas. Número esse que também se adapta à santa Igreja. Pois,
quarenta e dois é formado de seis, que significa o labor da vida quotidiana, e
do número sete, que significa o repouso da vida futura; pois, seis vezes sete
são quarenta e dois. E também o número catorze, resultante da soma de dez e de
quatro, é susceptível do mesmo simbolismo atribuído ao número quarenta, cujo
total é o produto da multiplicação dos mesmos números quatro e dez.
Quanto ao número, de que se serve
Lucas, das gerações até Cristo, ele representa a totalidade dos pecados. Pois,
o número dez, como o número da Justiça, manifesta-se nos dez preceitos da lei.
Ora, o pecado é a transgressão da lei. E o número que vai além de dez ou o
transgride é o número onze. Quanto ao número sete, ele significa a totalidade,
porque o tempo se consumou totalmente com o número dos sete dias. Ora, como
sete vezes onze são setenta e sete, esse total significa a universalidade dos
pecados, que Cristo define.
RESPOSTA À QUARTA. — Como diz Jerónimo,
por o rei Jorão se ter aliado à família da impíssima Jezabel, por isso a sua
memória foi suprimida até a terceira geração, a fim de que ela não aparecesse
na genealogia sagrada da natividade. E assim, como diz Crisóstomo, tão grande
foi a bênção derramada sobre Jehu, por ter exercido vingança sobre a casa de
Acab e de Jezabel, como foi grande a maldição sobre a casa de Jorão, por causa
da filha do iníquo Acab e Jezabel; e seus filhos foram eliminados do número dos
reis até a quarta geração, como se lê na Escritura: Vingarei a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração. E ainda devemos atender a que também os outros reis, enumerados na
genealogia de Cristo, foram pecadores; mas a impiedade deles não foi
continuada. Assim, como diz um autor, Salomão foi mantido como rei, pelos
méritos de seu pai; Roboão, pelos méritos de Osa, filho de Abias e seu neto.
Pelo contrário, a impiedade dos três reis em questão perdurou até o fim.
RESPOSTA À QUINTA. — Como diz Jerónimo,
a genealogia do Salvador não enumera nenhuma das santas mulheres, mas só as
censuradas na Escritura; porque aquele que veio por causa dos pecadores devia,
nascendo de pecadoras, delir os pecados de todos. Por isso é mencionada Tamar,
censurada por causa das suas relações com o cunhado; e Raab, que foi meretriz;
e Rut, que era alienígena; e Bersabé, mulher de Urias, que foi adúltera. A
qual, porém, não é designada com o seu nome próprio, mas com o nome de seu
marido. Quer por causa do seu pecado, pois praticou conscientemente o adultério
e o homicídio; quer também para, com a nomeação do marido, fazer memória do
pecado de David. - E como Lucas visava designar a Cristo como expiador dos
pecados, não faz menção dessas mulheres. - Faz menção porém dos irmãos de
Judas, para mostrar que pertenciam ao povo de Deus, embora Ismael, irmão de
Isaac, e Esaú, irmão de Jacob, fossem separados do povo de Deus, e por isso não
se faz menção deles na genealogia de Cristo. E também para excluir o orgulho da
nobreza. Pois, muitos dos irmãos de Judas nasceram de escravos; mas todos foram
a um tempo Patriarcas e chefes de tribos. - Quanto a Farés e a Zarão, foram
simultaneamente nomeados, como diz Ambrósio, como símbolos das duas vidas que
vivem os povos – uma, segundo a lei, significa da por Zarão; outra, segundo a
fé, significada por Farés. - Quanto aos irmãos de Jeconias, são mencionados
porque todos reinaram em tempos diversos; o que não se deu com os outros reis.
Ou porque foi semelhante a iniquidade e a miséria deles.
Nota:
Revisão da versão portuguesa por ama.