Páscoa
Evangelho:
Jo 20, 11-18
11 Entretanto, Maria
estava da parte de fora do sepulcro a chorar. Enquanto chorava, inclinou-se
para o sepulcro 12 e viu dois anjos vestidos de branco, sentados no
lugar onde fora posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés. 13
Eles disseram-lhe: «Mulher, porque choras?». Respondeu-lhes: «Porque levaram o
meu Senhor e não sei onde O puseram». 14 Ditas estas palavras,
voltou-se para trás e viu Jesus de pé, mas não sabia que era Jesus. 15
Jesus disse-lhe: «Mulher, porque choras? A quem procuras?». Ela, julgando que
era o hortelão, disse-Lhe: «Senhor, se tu O levaste, diz-me onde O puseste; eu
irei buscá-l'O». 16 Jesus disse-lhe: «Maria!». Ela, voltando-se,
disse-Lhe em hebreu: «Rabboni!», 17 Jesus disse-lhe: «Não Me retenhas,
porque ainda não subi para Meu Pai; mas vai a Meus irmãos e diz-lhes que subo
para Meu Pai e vosso Pai, para Meu Deus e vosso Deus». 18 Foi Maria
Madalena anunciar aos discípulos: «Vi o Senhor!», e as coisas que Ele lhe
disse.
Comentário:
Quando não
sabemos onde está o Senhor invade-nos tal tristeza que não podemos deixar de
chorar amargamente a sua perda.
Procurado com os olhos do corpo é muito possível que não Se deixe ver porque o
que na verdade deseja é que O procuremos com os olhos da alma e com o coração
pleno de confiança e amor.
Então, sim, vê-lo-emos sem disfarces nem véus, expectante, solicito, acolhedor
e a alegria e a paz invadirão a nossa alma e as nossas lágrimas de dor passarão
a ser lágrimas de alegria
(ama, comentário sobre Jo 20,
11-18, 2014.04.22)
Leitura espiritual
SANTO
AGOSTINHO – CONFISSÕES
LIVRO
OITAVO
CAPÍTULO
IV
A
conversão dos grandes
Vamos pois, Senhor, mãos à
obra! Desperta-nos, chama-nos, inflama-nos, arrebata-nos; derrama as tuas
doçuras, encanta-nos: amemos, corramos!
Não é verdade que muitos
voltam a ti, saindo de um abismo de cegueira mais profundo que o de Vitorino, e
se aproximam de ti, e são iluminados pela tua luz, junto da qual recebem o poder
de se fazerem teus filhos?
Mas se estes são menos
conhecidos pelo mundo dos homens, mesmo os que os conhecem se alegram menos;
mas quando a alegria é partilhada por muitos, ainda é maior em cada um, porque
se aquece e inflama de uns para os outros.
Ademais, os que são
conhecidos de muitos, arrastam à salvação muitos outros, e caminham adiante
seguidos dos que os imitam. Por isso, grande é a alegria dos que os precederam,
por que não se regozijam só consigo.
Mas, longe de mim pensar
que no teu tabernáculo são mais aceites os ricos que os pobres, e os nobres
mais do que os plebeus, porque escolheste os fracos segundo o mundo para confundir
os fortes; o que é vil e desprezível segundo o mundo, a que não é nada, para
aniquilar o que é.
Contudo, o menor dos teus
apóstolos, por cuja boca pronunciaste essas palavras, quando as suas armas
abateram o orgulhoso procônsul Paulo, sujeitando-o ao leve jugo de teu Cristo e
fizeram dele um súbdito do grande Rei, quis, parar comemorar tão grande
triunfo, mudar seu nome de Saulo pelo de Paulo. De facto, o adversário é mais
completamente vencido naquilo em que tinha maior domínio e por meio do que
retém maior número de sequazes. Ora, o inimigo domina com mais força os
soberbos pela nobreza de seu nome e, graças a estes, número maior pelo
prestígio da sua autoridade.
Assim, na medida em que o
coração de Vitorino era tido como fortaleza inexpugnável antes ocupada pelo demónio,
e a sua língua como dardo poderoso e agudo, que tantas vezes havia dado a morte
às almas, tanto mais copiosamente deviam exultar os teus filhos, ao verem que o
nosso Rei agrilhoara o forte, e que os seus vasos roubados, eram agora
purificados e destinados à tua honra, convertendo-se em instrumentos úteis ao
Senhor para toda obra boa.
CAPÍTULO
V
As
duas vontades
Mal teu servo Simpliciano
me contou a conversão de Vitorino, ardi no desejo de imitá-lo; aliás, era esta
a finalidade da narração de Simpliciano. Depois acrescentou que nos tempos do imperador
Juliano, uma lei proibia aos cristãos ensinar literatura e oratória, e Vitorino,
dócil à lei, preferiu abandonar a escola de palradores a abandonar o teu Verbo,
que torna eloquentes as línguas dos meninos. Não só me pareceu corajoso como
afortunado, por ter encontrado ocasião de se consagrar por ti. Por isso eu
suspirava, acorrentado não com os ferros de uma vontade estranha, mas por minha
férrea vontade.
O inimigo dominava o meu
querer, e dele forjava uma corrente com a qual me mantinha cativo. Da vontade
perversa nasce a paixão, e desta satisfeita procede o hábito, e do hábito não contrariado
provém a necessidade, e com estes anéis enlaçados entre si – por isso lhes
chamei corrente – me mantinha preso em dura servidão. A nova vontade, que
despontava em mim, de te servir sem interesse, de me alegrar em ti, ó meu Deus,
única alegria verdadeira, ainda não era capaz de vencer a vontade antiga e
inveterada. Deste modo as minhas duas vontades, a velha e a nova, a carnal e a
espiritual, lutavam entre si e, nessa luta, dilaceravam-me a alma.
Entendi, por experiência
própria, o que havia lido: a carne tem desejos contra o espírito, e o espírito
contra a carne. Eu vivia ambos ao mesmo tempo, embora mais o que aprovava em mim
do que o que em mim desaprovava. Com efeito, nesta última parte de mim eu era
passivo e constrangido, mais do que activo e livre.
E, contudo, o hábito que
se impunha contra mim vinha de mim mesmo, pois fora voluntariamente que eu
chegara onde não queria. E quem poderia protestar legitimamente, se um castigo
justo segue o pecador?
Eu já não tinha aquela
desculpa, com a qual me persuadia de que, se ainda não desprezava o mundo para
te servir, era porque não tinha visão clara da verdade, uma vez que agora já a
conhecia de modo indiscutível. Mas, ainda apegado à terra, recusava-me a
combater nas tuas fileiras, e temia ver-me livre dos meus laços, quando devia
temer estar atado por eles.
Assim, sentia-me docemente
oprimido pelo peso do mundo, como num sonho, e os pensamentos com que meditava
em ti eram semelhantes aos esforços dos que desejam despertar, mas, vencidos
pela sonolência, voltam dormir. Não há ninguém que queira dormir sempre, e
segundo dita o bom senso, é melhor estar desperto que dormir. Contudo, às vezes
retarda-se o despertar, quando o torpor torna os membros pesados, e, mesmo a
contragosto, continua-se a dormir mesmo depois de chegada a hora de despertar.
Assim eu estava certo que era melhor entregar-me ao teu amor que ceder à minha
paixão. O primeiro agradava-me, dominava-me; o segundo encantava-me, prendia-me.
Já não tinha o que
responder quando me dizias: “Desperta, ó tu que dormes, levanta-te de entre os
mortos, e Cristo te há-de iluminar”. E quando por todos os meios me mostrava a
verdade do que dizias, e de que eu estava convencido, não tinha absolutamente
nada para responder, senão umas palavras preguiçosas e sonolentas: Um
momento... Depois... Um pouquinho mais...
Mas este pouquinho não
tinha fim, e este momento ia-se prolongando.
Em vão me deleitava na tua
lei, segundo o homem interior, porque em meus membros outra lei combatia a lei
do meu espírito, mantendo-me cativo sob a lei do pecado que estavas nos meus membros. Com efeito, a lei do pecado é a
violência do hábito, pelo qual a alma é arrastada e presa, mesmo contra sua
vontade, merecidamente porém, pois se deixa arrastar por vontade própria. Pobre
de mim! Quem poderia libertar-me deste corpo de morte senão a tua graça, por Cristo,
nosso Senhor?
(Revisão
de versão portuguesa por ama)