Tempo comum XXIX Semana
Evangelho:
Lc 12, 54-59
54 Dizia também às
multidões: «Quando vós vedes uma nuvem levantar-se no poente, logo dizeis: Aí
vem chuva; e assim sucede. 55 E quando sentis soprar o vento do sul,
dizeis: Haverá calor; e assim sucede. 56 Hipócritas, sabeis
distinguir os aspectos da terra e do céu; como, pois, não sabeis reconhecer o
tempo presente? 57 E porque não discernis também por vós mesmos o
que é justo? 58 Quando, pois, fores com o teu adversário ao
magistrado, faz o possível por fazer as pazes com ele pelo caminho, para que
não suceda que te leve ao juiz, e o juiz te entregue ao guarda, e o guarda te
meta na cadeia. 59 Digo-te que não sairás de lá, enquanto não
pagares até o último centavo».
Comentário:
O tema da justiça é, para
Jesus, uma constante na Sua pregação. Com efeito, dadas as circunstâncias da
época, aqueles que tinham por obrigação guiar o Povo de Deus pelo caminho
certo, esquivavam-se eles próprios, não poucas vezes, a praticar o que
ensinavam.
A justiça é uma virtude
indispensável a cada um para consigo próprio e de cada um para com os outros.
Ser justo – como se chamava aos
santos no Antigo Testamento – é principalmente ter uma unidade de vida
correspondente à responsabilidade que se tem.
Quanto mais responsabilidade, mais
justo se deve ser.
Temos, na Doutrina da Igreja, todos
os auxílios necessários para praticar a justiça, conhecer a Doutrina, é pois,
essencial para cumprir os Mandamentos da Lei de Deus, eles próprios, emanação
da Justiça Soberana de Deus.
(ama,
comentário sobre Lc 12, 54-58, Maio de 2009)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Temas actuais do cristianismo
67 (cont)
Como
consequência do fim exclusivamente divino da Obra, o seu espírito é um espírito
de liberdade, de amor à liberdade pessoal de todos os homens.
E
como esse amor à liberdade é sincero e não um mero enunciado teórico, amamos a
necessária consequência da liberdade: quer dizer, o pluralismo.
No
Opus Dei, o pluralismo é querido e amado, não simplesmente tolerado, e de modo
algum dificultado.
Quando
observo entre os sócios da Obra tantas ideias diversas, tantas atitudes
distintas - a respeito das questões políticas económicas, sociais ou
artísticas, etc. - esse espectáculo dá-me muita alegria, porque é sinal de que
tudo funciona diante de Deus como deve ser.
Unidade
espiritual e variedade nas coisas temporais são compatíveis quando não reina o
fanatismo e a intolerância e, sobretudo, quando se vive de fé e se sabe que
nós, os homens, estamos unidos não por meros laços de simpatia ou de interesse,
mas pela acção de um mesmo Espírito, que, fazendo-nos irmãos de Cristo, nos
conduz a Deus Pai.
Um
verdadeiro cristão nunca pensa que a unidade na fé, a fidelidade ao Magistério
e à Tradição da Igreja e a preocupação por fazer chegar aos outros o anúncio
salvador de Cristo, estejam em contraste com a variedade de atitudes nas coisas
que Deus deixou, como se costuma dizer, à livre discussão dos homens.
Mais,
tem plena consciência de que essa variedade faz parte do plano divino, é
querida por Deus, que distribui os seus dons e as suas luzes como quer.
O
cristão deve amar os outros e portanto respeitar as opiniões contrárias às suas
e conviver com plena fraternidade com aqueles que pensam de outro modo.
Precisamente
porque os sócios da Obra se formaram segundo este espírito, é impossível que
alguém pense aproveitar-se do facto de pertencer ao Opus Dei para conseguir vantagens
pessoais, ou para tentar impor aos outros opções políticas ou culturais: porque
os outras não lho tolerariam e o levariam a mudar de atitude ou a deixar a
Obra.
Este
é um ponto no qual ninguém no Opus Dei poderá permitir nunca o menor desvio,
porque deve defender não só a sua liberdade pessoal como também a natureza
sobrenatural da actividade a que se entregou.
Penso,
por isso, que a liberdade e a responsabilidade pessoais são a melhor garantia
da finalidade sobrenatural da Obra de Deus.
58
pergunta:
O
Opus Dei ocupa um papel de primeiro plano no processo moderno de evolução do
laicado; por isso gostaríamos de lhe perguntar, antes de mais nada, quais são,
na sua opinião, as características mais notáveis deste processo.
resposta:
Sempre
pensei que a característica fundamental do processo de evolução do laicado é a
consciencialização da dignidade da vocação cristã.
A
chamada de Deus, o carácter baptismal e a graça, fazem com que cada cristão
possa e deva encarnar plenamente a fé.
Cada
cristão deve ser alter Christus, ipse
Christus, presente entre os homens.
O
Santo Padre disse-o de maneira inequívoca: “É necessário voltar a dar toda a
importância ao facto de ter recebido o sagrado baptismo, quer dizer, de ter
sido enxertado, mediante esse sacramento, no Corpo Místico de Cristo, que é a
Igreja. (...) Ser cristão, ter recebido o baptismo, não deve ser considerado
como coisa indiferente e sem valor, antes deve marcar profunda e ditosamente a
consciência de todos os baptizados” [i].
59
Isto
traz consigo uma visão mais profunda da Igreja, como comunidade formada por
todos os fiéis, de modo que todos somos solidários duma mesma missão, que cada
um deve realizar segundo as suas circunstâncias pessoais.
Os
leigos, graças aos impulsos do Espírito Santo, são cada vez mais conscientes de
serem Igreja, de possuírem uma missão específica, sublime e necessária, uma vez
que foi querida por Deus.
E
sabem que essa missão depende da sua própria condição de cristãos, não
necessariamente de um mandato da Hierarquia, embora seja evidente que deverão
realizá-la em união com a Hierarquia eclesiástica e segundo os ensinamentos do
Magistério: sem união com o Corpo episcopal e com a sua cabeça, o Romano
Pontífice, não pode haver, para um católico, união com Cristo.
O
modo de os leigos contribuírem para a santidade e para o apostolado da Igreja
consiste na acção livre e responsável no seio das estruturas temporais, aí
levando o fermento da mensagem cristã.
O
testemunho de vida cristã, a palavra que ilumina em nome de Deus e a acção
responsável, para servir os outros, contribuindo para a resolução de problemas
comuns, são outras tantas manifestações dessa presença através da qual o
cristão corrente cumpre a sua missão divina.
Há
muitos anos, desde a própria data da fundação do Opus Dei, que medito e tenho
feito meditar umas palavras de Cristo que nos relata S. João: et ego, si exaltatus fuero a terra, omnia
traham ad meipsum [ii].
Cristo,
morrendo na Cruz, atrai a Si a criação inteira, e, em seu nome, os cristãos,
trabalhando no meio do mundo, hão-de reconciliar todas as coisas com Deus,
colocando Cristo no cume de todas as actividades humanas.
Gostaria
de acrescentar que, juntamente com esta consciencialização dos leigos, se está
a produzir um desenvolvimento análogo da sensibilidade dos pastores: eles
reparam no que tem de específico a vocação laical, que deve ser promovida e
favorecida mediante uma pastoral que leve a descobrir no meio do Povo de Deus o
carisma da santidade e do apostolado, nas infinitas e diversíssimas formas nas
quais Deus o concede.
Esta
nova pastoral é muito exigente mas, em minha opinião, absolutamente necessária.
Requer
o dom sobrenatural do discernimento de espíritos, a sensibilidade para as
coisas de Deus, a humildade de não impor as próprias preferências e de servir o
que Deus promove nas almas.
Numa
palavra: o amor à legítima liberdade dos filhos de Deus, que encontram Cristo e
são feitos portadores de Cristo, percorrendo caminhos muito diversos entre si,
mas todos igualmente divinos.
Um
dos maiores perigos que hoje ameaçam a Igreja poderia ser precisamente o de não
reconhecer essas exigências divinas da liberdade cristã e, deixando-se levar
por falsas razões de eficácia, pretender impor uma uniformidade aos cristãos.
Na
raiz dessa atitude há algo não apenas legítimo, como, até, louvável: o desejo
de que a Igreja dê um testemunho tal, que comova o mundo moderno.
Todavia,
receio bem que o caminho seja errado e leve, por um lado, a comprometer a
Hierarquia em questões temporais, caindo num clericalismo diferente mas tão
nefasto como o dos séculos passados; e, por outro, a isolar os leigos, os
cristãos correntes, do mundo em que vivem, para os converter em porta-vozes de
decisões ou ideias concebidas fora desse mundo.
Parece-me
que a nós, sacerdotes, se nos pede a humildade de aprender a não estar na moda,
de sermos realmente servos dos servos de Deus - lembrando-nos daquela
exclamação do Baptista: illum oportet
crescere, me autem mínui [iii],
convém que Cristo cresça e que eu diminua - para que os cristãos correntes, os
leigos, tornem Cristo presente em todos os ambientes da sociedade.
A
missão de dar doutrina, de ajudar a penetrar nas exigências pessoais e sociais
do Evangelho, de levar a discernir os sinais dos tempos é e será sempre uma das
funções fundamentais do sacerdote. Mas todo o TRABALHO sacerdotal deve ser
realizado dentro do maior respeito pela legítima liberdade das consciências:
cada homem deve responder livremente a Deus.
Quanto
ao resto, todos os católicos, além dessa ajuda do sacerdote, têm também luzes
próprias que recebem de Deus, graça de estado para levar a cabo a missão
específica que, como homens e como cristãos, receberam.
Quem
pensa que, para que a voz de Cristo se faça ouvir no mundo de hoje, é
necessário que o clero fale ou se faça sempre presente, ainda não compreendeu
bem a dignidade da vocação divina de todos e de cada um dos fiéis cristãos.
60
pergunta:
Nestas
circunstâncias, qual a função que o Opus Dei desempenhou e desempenha?
Que
relações de colaboração mantêm os sócios com outras organizações que trabalham
neste campo?
resposta:
Não
me pertence a mim fazer um juízo histórico sobre o que, pela graça de Deus, o
Opus Dei tem feito.
Devo
apenas afirmar que a finalidade a que o Opus Dei aspira é favorecer a procura
da santidade e o exercício do apostolado por parte dos cristãos que vivem no
meio do mundo, qualquer que seja o seu estado ou condição.
A
Obra nasceu para contribuir para que esses cristãos, inseridos no tecido da
sociedade civil - com a sua família, os seus amigos, o seu trabalho
profissional, as suas aspirações nobres - compreendam que a sua vida, tal como
é, pode ser ocasião de um encontro com Cristo: quer dizer, que é um caminho de
santidade e de apostolado. Cristo está presente em qualquer actividade humana
honesta: a vida de um cristão corrente - que talvez a alguns pareça vulgar e
mesquinha - pode e deve ser uma vida santa e santificante.
Por
outras palavras: para seguir Cristo, para servir a Igreja, para ajudar os
outros homens a reconhecerem o seu destino eterno, não é indispensável
abandonar o mundo ou afastar-se dele, nem sequer é preciso dedicar-se a uma
actividade eclesiástica; a condição necessária e suficiente é cumprir a missão
que Deus encomendou a cada um, no lugar e no ambiente queridos pela sua
Providência.
E
como a maior parte dos cristãos recebe de Deus a missão de santificar o mundo a
partir de dentro, permanecendo no meio das estruturas temporais, o Opus Dei dedica-se
a fazer-lhes descobrir essa missão divina, mostrando-lhes que a vocação humana
- a vocação profissional, familiar e social - não se opõe à vocação
sobrenatural: antes pelo contrário, forma parte integrante dela.
Entrevista realizada por Enrico Zuppi
e António Fugardi, publicada em L'Osservatore della Domenica (Cidade do
Vaticano) nos dias 19 e 26 de Maio e 2 de Junho de 1968
(cont)
[i] (Encíclica Ecclesiam
Suam, parte 1)