Tempo comum XXXI Semana
Todos os Santos
Evangelho:
Mt 5, 1-12
1 Vendo Jesus aquelas multidões, subiu a um monte e, tendo-Se sentado,
aproximaram-se d'Ele os discípulos. 2 E pôs-Se a falar e ensinava-os,
dizendo: 3 «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o
Reino dos Céus. 4 «Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados. 5 «Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra. 6
«Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7
«Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8
«Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9
«Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10
«Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque deles é
o Reino dos Céus. 11 «Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem,
vos perseguirem, e disserem falsamente toda a espécie de mal contra vós por
causa de Mim. 12 Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa
recompensa nos céus, pois também assim perseguiram os profetas que viveram
antes de vós.
Comentário:
Quantas vezes nos detemos a considerar esta passagem
do Evangelho tentando enquadrar-nos na “lista” enumerada por Jesus!
E fazemos bem porque se acaso não encontramos o nosso
lugar, um que nos corresponda, então impõe-se fazer sem demora uma profunda
revisão de vida.
(ama, comentário sobre Mt 5 1-12
2014.11.01)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Temas actuais do cristianismo
Entrevista
realizada por Pilar Salcedo, publicada em Telva (Madrid), em 1 de Fevereiro de
1968 e reproduzida em Mundo Cristiano (Madrid) em 1 de Março do mesmo ano.
(cont)
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Sabemos
que esta sua doutrina sobre o matrimónio como caminho de santidade não é uma
novidade na sua pregação. Já em 1934, quando escreveu Considerações
Espirituais, insistia em que era preciso ver o matrimónio como uma vocação.
Mas, neste livro e depois em Caminho, escreveu também que o matrimónio é para
os soldados e não para o estado-maior de Cristo. Poder-nos-ia explicar como se
conciliam estes dois aspectos?
No
espírito e na vida do Opus Dei, nunca houve impedimento algum para conciliar
estes dois aspectos. Além disso, convém recordar que a maior excelência do
celibato - por motivos espirituais - não é uma opinião teológica pessoal, mas
doutrina de fé da Igreja.
Quando
eu escrevi aquelas frases, lá pela década de 30, no ambiente católico - na vida
pastoral concreta - havia tendência para promover a busca da perfeição cristã
dos jovens, fazendo-os apreciar unicamente o valor sobrenatural da virgindade e
deixando na sombra o valor do matrimónio cristão como outro caminho de
santidade.
Normalmente,
nos centros de ensino, não se costumava formar a juventude de modo a que
apreciasse, como merece, a dignidade do matrimónio. Mesmo agora, é frequente,
nos exercícios espirituais que se costumam dar aos alunos quando estão nos
últimos anos dos estudos secundários, oferecer-lhes mais elementos para considerar
a sua possível vocação religiosa do que a sua, também possível, orientação para
o matrimónio. E não falta - ainda que seja cada vez menos - quem menospreze a
vida conjugal, mostrando-a aos jovens como algo que a Igreja simplesmente
tolera, como se a formação de um lar impedisse de aspirar seriamente à
santidade.
No
Opus Dei, temos procedido sempre de outro modo e - mostrando muito claramente a
razão de ser e a excelência do celibato apostólico - temos indicado sempre o
matrimónio como caminho divino na Terra.
A
mim não me assusta o amor humano, o amor santo dos meus pais, de que o Senhor
se valeu para me dar a vida. A esse amor, abençoo-o com ambas as mãos. Os
cônjuges são os ministros e a própria matéria do sacramento do Matrimónio, como
o pão e o vinho são a matéria da Eucaristia. Por isso gosto de todas as canções
ao amor limpo dos homens, que são para mim coplas de amor humano ao divino. E,
ao mesmo tempo, digo sempre que aqueles que seguem o caminho vocacional do
celibato apostólico não são solteirões que não compreendem ou não apreciam o
amor; pelo contrário, as suas vidas explicam-se pela realidade desse Amor
divino - gosto de o escrever com maiúscula - que é a própria essência de toda a
vocação cristã.
Não
há qualquer contradição entre ter este apreço pela vocação matrimonial e
compreender a maior excelência da vocação para o celibato propter regnum
coelorum (Mat. 19, 12), por amor do Reino dos Céus. Estou convencido de que, se
procurar conhecer, aceitar e amar a doutrina da Igreja; e qualquer cristão
entenderá perfeitamente como estas duas coisas são compatíveis se procurar
conhecer, aceitar e amar o ensinamento da Igreja. E se também procurar
conhecer, aceitar e amar a sua própria vocação pessoal. Quer dizer, se tiver fé
e viver da fé.
Quando
eu escrevia que o matrimónio é para os soldados, não fazia mais do que
descrever o que sucedeu sempre na Igreja. Como se sabe, os Bispos - que formam
o Colégio Episcopal, que tem por cabeça o Papa e governam com ele toda a Igreja
- são escolhidos dentre os que vivem o celibato. Isto mesmo acontece nas
Igrejas orientais, onde se admitem os presbíteros casados. Além disso, é fácil
de compreender e verificar que os não casados têm, de facto, maior liberdade de
coração e de movimentos para se dedicarem estavelmente a dirigir e manter
empresas apostólicas, mesmo no apostolado dos leigos. Isto não quer dizer que
os outros leigos não possam fazer ou não façam de facto um apostolado
esplêndido e de primeira importância. Quer dizer somente que há diversidade de
funções, diversas dedicações em lugares de diferente responsabilidade.
Num
exército - e só isso queria exprimir a comparação - os soldados são tão
necessários como o estado-maior e podem ser mais heróicos e merecer mais glória.
Em resumo: há diversas tarefas e todas são importantes e dignas. O que
sobretudo interessa é a correspondência de cada um à sua própria vocação. O
mais perfeito para cada um - sempre e exclusivamente - é fazer a vontade de
Deus.
Por
isso, um cristão que procura santificar-se no estado matrimonial e é consciente
da grandeza da sua própria vocação, sente espontaneamente uma especial
veneração e um profundo afecto pelos que são chamados ao celibato apostólico; e
quando algum dos seus filhos, pela graça do Senhor, empreende esse caminho,
alegra-se sinceramente. E acaba por amar mais ainda a sua própria vocação
matrimonial que permitiu oferecer a Jesus Cristo - o grande Amor de todos,
solteiros ou casados - os frutos do seu amor humano.
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Muitos
casais vêem-se desorientados a respeito do número de filhos, por causa dos
conselhos que recebem, inclusivamente de alguns sacerdotes. Que aconselharia
aos casais na presença de tanta confusão?
Os
que perturbam dessa maneira as consciências esquecem que a vida é sagrada e
tornam-se merecedores das duras censuras do Senhor contra os cegos que guiam
outros cegos, contra os que não querem entrar no Reino dos Céus e não deixam
sequer entrar os outros. Não julgo as suas intenções e até estou certo de que
muitos dão tais conselhos guiados pela compaixão e pelo desejo de solucionar
situações difíceis; mas não posso ocultar o profundo desgosto que me causa esse
trabalho destruidor - em muitos casos diabólico - de quem não só não dá boa
doutrina, como a corrompe.
Não
esqueçam os esposos, ao ouvir conselhos e recomendações nessa matéria, que o
que importa é conhecer o que Deus quer. Quando há sinceridade - rectidão - e um
mínimo de formação cristã, a consciência sabe descobrir a vontade de Deus,
nisto como em tudo o mais. Porque pode suceder que se esteja a procurar um
conselho que favoreça o próprio egoísmo, que cale, precisamente, com a sua pretensa
autoridade, o clamor da própria alma e, inclusive, que se vá mudando de
conselheiro, até encontrar o mais benévolo. Além do mais, isto é uma atitude
farisaica, indigna de um filho de Deus.
O
conselho de outro cristão, e especialmente - em questões morais ou de fé - o
conselho do sacerdote, é uma ajuda poderosa para reconhecer o que Deus nos pede
numa circunstância determinada; mas o conselho não elimina a responsabilidade
pessoal. É cada um de nós que tem de decidir em última análise, e é
pessoalmente que havemos de dar contas a Deus das nossas decisões.
Acima
dos conselhos privados está a lei de Deus contida na Sagrada Escritura e que o
Magistério da Igreja - assistido pelo Espírito Santo - guarda e propõe. Quando
os conselhos particulares contradizem a Palavra de Deus tal como o Magistério a
ensina, temos de afastar-nos decididamente desses conselhos erróneos. A quem
procede com esta rectidão, Deus ajudá-lo-á com a sua graça, inspirando-lhe o
que deve fazer e, quando o necessitar, levando-o a encontrar um sacerdote que
saiba conduzir a sua alma por caminhos rectos e limpos, ainda que algumas vezes
sejam difíceis.
O
exercício da direcção espiritual não deve orientar-se no sentido de fabricar
criaturas carecidas de juízo próprio, que se limitam a executar materialmente o
que outrem lhes disse; pelo contrário, a direcção espiritual deve tender a
formar pessoas de critério. E o critério pressupõe maturidade, firmeza de
convicções, conhecimento suficiente da doutrina, delicadeza de espírito,
educação da vontade.
É
importante que os esposos adquiram o sentido claro da dignidade da sua vocação,
saibam que foram chamados por Deus para atingir também o amor divino através do
amor humano, que foram escolhidos, desde a eternidade, para cooperar com o
poder criador de Deus, pela procriação e depois pela educação dos filhos, que o
Senhor lhes pede que façam, do seu lar e de toda a sua vida familiar, um testemunho
de todas as virtudes cristãs.
O
matrimónio - não me cansarei nunca de o repetir - é um caminho divino, grande e
maravilhoso e, como tudo o que é divino em nós, tem manifestações concretas de
correspondência à graça, de generosidade, de entrega, de serviço. O egoísmo, em
qualquer das suas formas, opõe-se a esse amor de Deus que deve imperar na nossa
vida. Este é um ponto fundamental que é preciso ter muito presente a propósito
do matrimónio e do número de filhos.
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Há
mulheres que, tendo já bastantes filhos, não se atrevem a comunicar a chegada
de mais um aos seus parentes e amigos. Temem as críticas daqueles que pensam
que, existindo a pílula, a família numerosa é um atraso. Evidentemente, nas
circunstâncias actuais, pode-se tornar difícil manter uma família com muitos
filhos. Que nos pode dizer sobre isto?
Abençoo
os pais que, recebendo com alegria a missão que Deus lhes confia, têm muitos
filhos. Convido os casais a não estancarem as fontes da vida, a terem sentido
sobrenatural e coragem para manter uma família numerosa, se Deus lha mandar.
Quando
louvo a família numerosa, não me refiro à que é consequência de relações
meramente fisiológicas, mas à que é fruto do exercício das virtudes cristãs, à
que tem um alto sentido da dignidade da pessoa, à que sabe que dar filhos a
Deus não consiste só em gerá-los para a vida natural, mas que exigem também uma
longa tarefa educadora: dar-lhes a vida é a primeira coisa, mas não é tudo.
Pode
haver casos concretos em que a vontade de Deus - manifestada pelos meios
ordinários - esteja precisamente em que uma família seja pequena. Mas são
criminosas, anticristãs e infra-humanas, as teorias que fazem da limitação da
natalidade um ideal ou um dever universal ou simplesmente geral.
Seria
adulterar e perverter a doutrina cristã, querer apoiar-se num pretenso espírito
pós-conciliar para ir contra a família numerosa. O Concílio Vaticano II
proclamou que entre os cônjuges, que assim cumprem a missão que lhes foi
confiada por Deus, são dignos de menção muito especial os que, de comum acordo
e reflectidamente, se decidem com magnanimidade a aceitar e a educar dignamente
uma prole mais numerosa (Const. past. Gaudium et spes, n.º 50). E Paulo VI,
numa alocução pronunciada em 12 de Fevereiro de 1966, comentava: que o Concílio
Vaticano II, recentemente concluído, difunda nos esposos cristãos o espírito de
generosidade para dilatarem o novo Povo de Deus... Recordem sempre que essa
dilatação do Reino de Deus e as possibilidades de penetração da Igreja na humanidade
para levar a salvação - a eterna e a terrena - estão confiadas também à sua
generosidade.
O
número não é por si só decisivo. Ter muitos ou poucos filhos não é suficiente
para que uma família seja mais ou menos cristã. O que importa é a rectidão com
que se vive a vida matrimonial. O verdadeiro amor mútuo transcende a comunidade
de marido e mulher e estende-se aos seus frutos naturais, os filhos. O egoísmo,
pelo contrário, acaba por rebaixar esse amor à simples satisfação do instinto,
e destrói a relação que une pais e filhos. Dificilmente haverá quem se sinta
bom filho - verdadeiro filho - de seus pais, se puder vir a pensar que veio ao
mundo contra a vontade deles, que não nasceu de um amor limpo, mas de uma
imprevisão ou de um erro de cálculo.
Dizia
eu que, por si só, o número de filhos não é determinante. Contudo, vejo com
clareza que os ataques às famílias numerosas provêm da falta de fé, são produto
de um ambiente social incapaz de compreender a generosidade, um ambiente que
tende a encobrir o egoísmo e certas práticas inconfessáveis com motivos
aparentemente altruístas. Dá-se o paradoxo de que os países onde se faz mais propaganda
do controlo da natalidade - e a partir dos quais se impõe a sua prática a
outros países - são precisamente aqueles que alcançaram um nível de vida mais
elevado. Talvez se pudessem tomar a sério os seus argumentos de carácter
económico e social, se esses mesmos argumentos os levassem a renunciar a uma
parte da opulência de que gozam, a favor dessas pessoas necessitadas. Enquanto
o não fizerem, torna-se difícil não pensar que, na realidade, o que determina
esses argumentos é o hedonismo e uma ambição de domínio político e de
neocolonialismo demográfico.
Não
ignoro os grandes problemas que afligem a humanidade, nem as dificuldades
concretas com que pode deparar uma família determinada. Penso nisto com
frequência e enche-se de piedade o coração de pai que, como cristão e como
sacerdote, tenho obrigação de ter. Mas não é lícito procurar a solução por
esses caminhos.
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Não
compreendo que haja católicos - e, muito menos, sacerdotes - que, desde há
anos, com tranquilidade de consciência, aconselhem o uso da pílula para evitar
a concepção: porque não se podem desconhecer, com uma triste sem-cerimónia, os
ensinamentos pontifícios. Nem devem alegar - como fazem com incrível leviandade
- que o Papa, quando não fala ex cathedra, é um simples doutor privado sujeito
a erro. É já arrogância desmedida julgar que o Papa se engana e eles não.
Mas
esquecem, além disso, que o Sumo Pontífice não é só doutor - infalível, quando
expressamente o declara - mas que também é o Supremo Legislador. E, neste caso,
o que o actual Pontífice Paulo VI dispôs de maneira inequívoca foi que, neste
assunto tão delicado, se devem seguir obrigatoriamente - porque continuam de pé
- todas as disposições do santo Pontífice Pio XII, de veneranda memória; e que
Pio XIl só permitiu alguns processos naturais - não a pílula - para evitar a
concepção em casos isolados e difíceis. Aconselhar o contrário é, portanto, uma
desobediência grave ao Santo Padre, em matéria grave.
Poderia
escrever um grosso volume sobre as consequências desastrosas de toda a ordem
que arrasta consigo o uso desses ou outros meios contra a concepção: destruição
do amor conjugal - o marido e a mulher não se olham como esposos, mas como
cúmplices -, infelicidade, infidelidades, desequilíbrios espirituais e mentais,
prejuízos inumeráveis para os filhos, perda da paz matrimonial... Mas não o
considero necessário. Prefiro limitar-me a obedecer ao Papa. Se alguma vez o
Sumo Pontífice dissesse que o uso de um determinado medicamento para evitar a
concepção era lícito, eu acomodar-me-ia a tudo o que o Santo Padre dissesse e,
segundo as normas pontifícias e as da teologia moral, examinando em cada caso
os perigos evidentes a que acabo de aludir, daria a cada um, em consequência, o
meu conselho.
E
havia de ter sempre em conta que quem há-de salvar este mundo concreto em que
vivemos não são os que pretendem narcotizar a vida do espírito e reduzir tudo a
questões económicas ou de bem-estar material, mas os que sabem que a norma
moral está em função do destino eterno do homem; os que têm fé em Deus e
arrostam generosamente com as exigências dessa fé, difundindo entre aqueles que
os rodeiam o sentido transcendente da nossa vida na Terra.
É
esta certeza que deve levar, não a fomentar a evasão, mas a procurar com
eficácia que todos tenham os meios materiais convenientes, que haja trabalho
para todos, que ninguém se encontre injustamente limitado na sua vida familiar
e social.
(cont)