Tempo comum XVI Semana
Evangelho:
Mt 12, 38-42
38 Então replicaram-Lhe alguns dos escribas e fariseus, dizendo:
«Mestre, nós desejávamos ver algum prodígio Teu». 39 Ele respondeu-lhes:
«Esta geração má e adúltera pede um prodígio, mas não lhe será dado outro
prodígio senão o prodígio do profeta Jonas. 40 Porque, assim como
Jonas esteve no ventre da baleia três dias e três noites, assim estará o Filho
do Homem três dias e três noites no seio da terra. 41 Os habitantes
de Nínive se levantarão no dia do juízo contra esta geração, e a condenarão,
porque se converteram com a pregação de Jonas. Ora aqui está Quem é mais do que
Jonas. 42 A rainha do Meio-Dia levantar-se-á no dia do juízo contra
esta geração e a condenará, porque veio dos confins da terra para ouvir a
sabedoria de Salomão. Ora aqui está Quem é mais do que Salomão.
Comentário:
Não pode haver
maior clareza nas palavras de Jesus:
Ele, a
Misericórdia Infinita anuncia a condenação da geração do Seu tempo.
Não a condena, Ele, mas anuncia-lhes que se
condenam a eles próprios se persistirem naquela cegueira voluntária.
E o que vale para os homens daquele tempo
vale para todos os homens de todos os tempos!
(AMA, comentário sobre Mt 12, 38-42, 2010.07.20)
Leitura espiritual
São Josemaria Escrivá
Amigos
de Deus
151
Os
paus pintados de vermelho
Ficaram bem gravados na minha cabeça de
menino aqueles sinais que, nas montanhas da minha terra, colocavam nas bermas
dos caminhos.
Chamaram-me
a atenção uns paus altos, geralmente pintados de vermelho.
Explicaram-me
então que, quando a neve cai e cobre os caminhos, sementeiras e pastos,
bosques, rochedos e barrancos, essas estacas saltam à vista como pontos de
referência seguros.
E
assim toda a gente sabe sempre por onde vai o caminho.
Na vida interior acontece uma coisa
parecida.
Há
primaveras e verões, mas também chegam os invernos, dias sem sol e noites órfãs
de lua.
Não
podemos permitir que a intimidade com Jesus Cristo dependa do nosso estado de
espírito ou das mudanças do nosso carácter.
Essas
atitudes são sinal de egoísmo, de comodismo e, evidentemente, não se coadunam
com o amor.
Por isso, nos momentos de nevão e de
borrasca, algumas práticas de piedade sólidas, nada sentimentais, bem
arreigadas e ajustadas às circunstâncias próprias de cada um, serão como os
tais paus pintados de vermelho, que continuam a marcar-nos o rumo, até que o
Senhor decida que brilhe de novo o sol, se derreta o gelo e o coração volte a
vibrar, inflamado com um fogo que, na realidade, nunca esteve apagado - foi
apenas um rescaldo oculto pela cinza de uma temporada de provação, de menos
empenho ou de reduzido sacrifício.
152
Não oculto que, ao longo destes anos, houve
quem viesse ter comigo e me dissesse, compungido pela dor: Padre, não sei o que
se passa comigo, sinto--me cansado e frio; a minha piedade, que dantes era tão
segura e simples, parece-me uma comédia...
Pois
aos que passam por essa situação e a todos vós respondo: uma comédia?
Magnífico!
O
Senhor está a brincar connosco como um pai com os filhos.
Lê-se na Escritura: Iudens in orbe terrarum, que Ele brinca em toda a superfície da
terra.
Mas
Deus não nos abandona, porque imediatamente acrescenta: deliciæ meæ esse cum filiis hominum, a minha delícia é estar com os
filhos dos homens.
O
Senhor brinca connosco.
E
quando nos parecer que estamos a representar uma comédia, por nos sentirmos
gelados e apáticos, quando estivermos aborrecidos e sem vontade de fazer nada,
quando nos custar cumprir o nosso dever e alcançar as metas espirituais que nos
tínhamos proposto, é altura de pensar que Deus brinca connosco e espera então
que saibamos representar a nossa comédia com galhardia.
Não me importo de vos contar que, em
algumas ocasiões, o Senhor me concedeu muitas graças, mas que geralmente vou a
contrapelo.
Prossigo
o meu plano de vida, não porque me agrade, mas porque devo fazê-lo por Amor.
Mas,
Padre, pode-se representar uma comédia diante de Deus?
Não
será uma hipocrisia?
Não
te inquietes, pois chegou para ti o momento de entrares numa comédia humana que
tem um espectador divino.
Persevera,
pois o Pai, o Filho e o Espírito Santo assistem a essa tua comédia.
Faz
tudo por amor de Deus, para lhe agradar, mesmo que te custe.
Que bonito é ser jogral de Deus!
Como
é belo representar essa comédia por Amor, com sacrifício, sem nenhuma
satisfação pessoal, para agradar ao nosso Pai Deus, que brinca connosco!
Põe-te
diante do Senhor e diz-lhe confiadamente: não me apetece nada fazer isto, mas
oferecê-lo-ei por Ti.
E
ocupa-te a sério desse trabalho, ainda que penses que é uma comédia.
Abençoada
comédia!
Garanto-te
que não se trata de hipocrisia, porque os hipócritas, para os seus fingimentos,
necessitam de público.
Pelo
contrário, os espectadores desta nossa comédia, deixa-me repetir-to, são o Pai,
o Filho e o Espírito Santo; a Virgem Santíssima, S. José e todos os Anjos e
Santos do Céu.
Na
nossa vida interior não há outro espectáculo senão esse: é Cristo que passa quasi in occulto, ocultamente.
153
Iubilate
Deo.
Exsultate Deo adiutori
nostro.
Louvai
a Deus.
Exultai
de alegria no Senhor, nossa única ajuda.
Jesus,
quem não compreende isto, não conhece nada de amores, nem de pecados, nem mesmo
de misérias!
Eu
sou um pobre homem e entendo de pecados, de amores e de misérias.
Sabeis
o que é elevar-se até ao coração de Deus?
Compreendeis
o que é uma alma pôr-se diante do Senhor, abrir-lhe o coração e contar-lhe as
suas queixas?
Eu
queixo-me, por exemplo, quando leva para junto d'Ele gente nova, que ainda o
poderia servir e amar muitos anos na terra, porque não consigo compreender
isso.
Mas
são gemidos de confiança, pois sei que, se me afastasse dos braços de Deus,
logo a seguir tropeçaria.
Por
isso, acrescento imediatamente, devagar, enquanto aceito os desígnios do Céu:
faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e
amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. Amen. Amen.
Este é o modo de proceder que nos ensina o
Evangelho, a habilidade mais santa e a fonte de eficácia no apostolado; este é
o manancial do nosso amor e da nossa paz de filhos de Deus, a via pela qual
podemos transmitir aos homens carinho e serenidade.
Só
assim conseguiremos acabar os nossos dias no Amor, tendo santificado o nosso
trabalho, procurando aí a felicidade escondida das coisas de Deus.
Conduzir-nos-emos
com a santa desvergonha das crianças e rejeitaremos a vergonha - a hipocrisia -
dos adultos, que receiam voltar para o Pai, depois do fracasso de uma queda.
Termino com a saudação do Senhor que se lê
hoje no Santo Evangelho: pax vobis!
A
paz seja convosco...
E
encheram-se de alegria os discípulos, ao ver o Senhor, esse Senhor que nos
acompanha até ao Pai.
154
Aqui estamos, consummati in unum, em unidade de petição e de intenções, dispostos
a começar este tempo de conversa com o Senhor com renovado desejo de sermos
instrumentos eficazes nas suas mãos.
Diante
de Jesus Sacramentado - como gosto de fazer um acto de fé explícita na presença
real do Senhor na Eucaristia! - fomentai nos vossos corações o desejo de
transmitir, pela vossa oração, um impulso fortíssimo que chegue a todos os
lugares da terra, até ao último recanto do planeta, onde houver alguém gastando
a sua existência ao serviço de Deus e das almas.
Com
efeito, graças à inefável realidade da Comunhão dos Santos, somos solidários -
cooperadores, diz S. João - na tarefa de difundir a verdade e a paz do Senhor.
É lógico que pensemos no nosso modo de
imitar o Mestre; que nos detenhamos a reflectir sobre isso, para aprendermos
directamente da vida do Senhor algumas das virtudes que devem resplandecer na
nossa conduta, se aspiramos deveras a estender o reinado de Cristo.
155
A
prudência, virtude necessária
Na passagem do Evangelho de S. Mateus da
missa de hoje, lemos: tunc abeuntes
pharisæi, consilium inierunt ut caperent eum in sermone, reuniram-se os
fariseus a fim de combinarem entre si como poderiam apanhar Jesus nas suas
palavras.
Não
esqueçais que este sistema, próprio dos hipócritas, continua a ser táctica
corrente no nosso tempo.
Julgo
que a erva má dos fariseus nunca se extinguirá do mundo; tem gozado sempre de
uma prodigiosa fecundidade.
Talvez
o Senhor permita que ela cresça para nos tornar prudentes, a nós, seus filhos,
porque a virtude da prudência é imprescindível para quem quer que tenha de dar
critério, de fortalecer, de corrigir, de animar, de alentar os outros.
Aliás,
qualquer cristão deve actuar em relação aos que o rodeiam precisamente assim,
como apóstolo, aproveitando as circunstâncias do seu trabalho quotidiano.
Levanto neste momento o coração a Deus e
peço, por mediação da Virgem Santíssima - que está na Igreja, mas sobre a
Igreja: entre Cristo e a Igreja, para proteger, reinar e ser Mãe dos homens,
como o é de Jesus, Senhor Nosso-; peço que conceda a prudência a todos nós, mas
especialmente àqueles que, metidos na torrente circulatória da sociedade,
desejam trabalhar por Deus.
Realmente,
convém-nos aprender a ser prudentes.
156
Continua o episódio evangélico: e enviaram
discípulos seus (dos fariseus) juntamente com alguns herodianos, que lhe
disseram: Mestre.... vede com que intenção retorcida lhe chamam Mestre;
fingem-se admiradores e amigos, dão-lhe um tratamento reservado à autoridade de
quem se espera receber ensinamentos.
Magister, scimus quia
verax es, sabemos que és verdadeiro...
Que
astúcia tão infame!
Já
vistes maior duplicidade?
Andai
por este mundo com cuidado.
Não
sejais desconfiados; mas deveis sentir sobre os vossos ombros - recordando a
imagem do Bom Pastor que aparece nas catacumbas - o peso dessa ovelha, que não
é uma alma apenas, mas a Igreja inteira, a Humanidade inteira.
Ao mesmo tempo que aceitais com brio esta
responsabilidade, haveis de ser audazes e haveis de ser prudentes para defender
e proclamar os direitos de Deus.
E
então, pela integridade do vosso comportamento, muitos vos considerarão e vos
chamarão mestres, sem vós o pretenderdes, pois não procuramos a glória terrena.
Mas
não estranheis se, entre tantos que se aproximam de vós, se infiltrarem alguns
que só pretendem adular-vos.
Gravai
nas vossas almas o que me tendes ouvido repetidas vezes: nem as calúnias, nem
as murmurações, nem os respeitos humanos, nem o que dirão, nem muito menos os
louvores hipócritas nos hão-de impedir jamais de cumprir o nosso dever.
(cont)