Tempo comum XXX Semana
Evangelho: Lc 13 22-30
22 Ia pelas cidades e aldeias ensinando, e caminhando
para Jerusalém. 23 Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que
se salvam?». Ele respondeu-lhes: 24 «Esforçai-vos por entrar pela
porta estreita, porque vos digo que muitos procurarão entrar e não conseguirão.
25 Quando o pai de família tiver entrado e fechado a porta, vós,
estando fora, começareis a bater à porta, dizendo: Senhor, abre-nos. Ele vos
responderá: Não sei donde sois. 26 Então começareis a dizer: Comemos
e bebemos em tua presença, tu ensinaste nas nossas praças. 27 Ele
vos dirá: Não sei donde sois; “afastai-vos de mim vós todos os que praticais a
iniquidade”. 28 Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes
Abraão, Isaac, Jacob, e todos os profetas no reino de Deus, e vós serdes
expulsos para fora. 29 Virão muitos do Oriente e do Ocidente, do
Norte e do Sul, e se sentarão à mesa do reino de Deus. 30 Então
haverá últimos que serão os primeiros, e primeiros que serão os últimos».
Comentário:
Com
palavras minhas, retiro da pregação do P. Jesus Gomez Pablos, na recolecção de
hoje, a ‘explicação’ do versículo 30:
Ser
o ‘primeiro’ quer dizer servir como se fosse o último.
O
serviço aos outros, empenhado, amigo, solidário, coloca-nos em primeiro lugar
aos olhos de Deus.
(ama, comentário sobre Lc 13, 22-30, 2013.08.25)
Leitura espiritual
HISTÓRIA DE UMA ALMA
Santa Teresinha do Menino Jesus
Manuscrito "A" - Parte II
…/2
Tinha meus oito anos e meio, quando
Leônia deixou o internato, e tomei o lugar dela na Abadia. Ouvi dizer, muitas
vezes, que o tempo passado em colégio é o melhor e o mais doce da vida. Para
mim, não foi assim. Os cinco anos que ali passei foram os mais tristonhos da
minha vida. Não tivesse comigo minha querida Celina, ali não poderia ter ficado
um mês sequer, sem cair doente... A pobre florzinha estava habituada a lançar
suas débeis raízes em terra de escol, feita sob medida para ela. Parecia-lhe,
também, muito desagradável viver entre flores de toda espécie, com raízes
frequentemente pouco delicadas, e ver-se na obrigação de procurar em terra
comum a seiva necessária para sua subsistência! ...
Vós, porém, me instruístes tão bem,
minha querida Mãe, que chegando ao internato era a mais adiantada das crianças
de minha idade. Entrei em classe de alunas todas superiores a mim em tamanho.
Uma delas, com seus 13 a 14 anos, era pouco inteligente, mas sabia, contudo,
impor-se às colegas e às próprias mestras. Vendo-me tão nova, quase sempre a
primeira da classe e estimada de todas as religiosas, sentiu por certo inveja,
cousa muito perdoável em aluna interna, e fez-me pagar de mil modos os meus
pequenos bons êxitos...
Com minha índole tímida e delicada,
não sabia como defender-me e limitava-me a chorar sem dizer nada, não me
queixando, nem sequer a vós, daquilo que padecia. Não tinha, contudo, bastante
virtude para me sobrepor a tais misérias da vida, e meu pobre coraçãozinho
sofria deveras. ... Por sorte minha, todas as tardes retornava ao lar paterno,
e então meu coração expandia-se. Pulava aos joelhos do meu Rei, a quem dizia as
notas que tinha recebido, e o seu beijo fazia-me esquecer todas as minhas
mágoas... Com que alvoroço não anunciei o resultado de minha primeira
composição (composição de História Sagrada). Faltou-me um só ponto para a nota
máxima, pois não soubera o nome do pai de Moisés. Era, portanto, a primeira e
tirei uma bela condecoração de prata. Papai deu-me em recompensa uma linda
moedinha de quatro soldos. Coloquei-a num estojo que ficou destinado a receber
nova moeda, sempre da mesma importância, quase todas as quinta-feiras... (Do
mesmo estojo ia tirar, quando em algumas festas queria contribuir do meu bolso
na coleta de esmolas, quer para a propagação da fé, quer para outras obras
congêneres). Encantada com o bom êxito de sua pupila, Paulina deu-lhe de
presente um lindo arco de brincar, com o fito de encorajá-la a continuar bem
estudiosa. A pobrezinha tinha real necessidade das alegrias de família, sem as
quais a vida de colégio lhe seria árdua demais.
Quinta-feira de tarde, não havia
aulas. Não era, porém, como as folgas dadas por Paulina. Não ficava no mirante
com Papai. Tinha que brincar, não com minha Celina, o que me agradava, quando
sozinha com ela, mas em companhia de minhas priminhas e das meninas Maudelonde.
Era para mim verdadeira mortificação, pois não sabia brincar, como as demais crianças.
Não era companheira agradável. No entanto, sem o conseguir, fazia todo o meu
possível para imitar as outras. Sentia muito tédio, principalmente quando tinha
que passar toda a tarde a dançar quadrilhas. A única cousa do meu gosto era ir
ao Jardim da Estrela. Então, eu era a primeira em tudo, colhendo muitas flores,
e, por saber encontrar as mais bonitas, provocava a inveja de minhas
coleguinhas...
O que também me agradava, era ficar
por acaso a sós com Mariazinha. Por já não contar com Celina Maudelonde que a
levava a jogos comuns, deixava-me livre escolha, e eu escolhia então um jogo
inteiramente novo. Maria e Teresa passam a ser duas solitárias, que não
dispunham senão de uma mísera choupana, de um pequeno trigal, e de alguns
legumes para cultivar. A vida delas corria numa contemplação contínua; quer
dizer, uma das solitárias substituía a outra na oração quando era preciso
cuidar da vida ativa. Tudo se fazia num acordo, num silêncio, em moldes tão
religiosos, que raiava à perfeição. Quando titia vinha buscar-nos a passeio,
nosso jogo continuava até na rua. As duas solitárias rezavam juntas o terço,
valendo-se dos dedos, a fim de não exibir sua devoção ao público indiscreto. Um
dia, entretanto, a mais jovem solitária distraiu-se. Tendo recebido um bolo
para o lanche, antes de comer fez um grande sinal-da-cruz, o que provocou o
riso de todos os profanos do século...
Maria e eu tínhamos sempre os mesmos
palpites. Os próprios gostos afinavam-se tão harmoniosamente que, certa vez,
nossa união de vontades passou da conta. Ao voltarmos uma tarde da Abadia,
disse à Maria: "Conduze-me, que vou fechar os olhos". - "Eu
também quero fechá-los", respondeu-me. Dito e feito. Sem discutir, cada
qual pôs em obra sua vontade... Estávamos na calçada, não havíamos de temer os
carros. Depois de passear assim por alguns minutos, tendo apreciado as delícias
de andar sem ver, as duas tontinhas caíram juntas sobre umas caixas colocadas à
porta de uma loja. Melhor, derrubaram-nas. Muito encolerizado, saiu o
negociante para pegar sua mercadoria. As duas ceguinhas voluntárias se
levantaram por si mesmas em boas condições, e corriam a passos largos, com
olhos esbugalhados, enquanto ouviam as justas reprimendas de Joana, que ficara
tão zangada quanto o negociante!... Por isso, para nos punir, resolveu
separar-nos uma da outra. E daquele dia em diante Maria e Celina iam juntas,
enquanto eu caminhava com Joana. Isto pôs fim à nossa grande união de vontade.
Não foi um mal para as mais velhas, que nunca entravam em acordo e discutiam
durante todo o trajeto do caminho. Desta forma a paz foi completa.
Nada disse ainda a respeito do meu
relacionamento íntimo com Celina. Oh! se fosse preciso narrar tudo, não
acabaria nunca...
Em Lisieux, inverteram-se os papéis.
Celina tornara-se uma criança terrivelmente arteira e buliçosa, enquanto Teresa
já não passava de uma menininha muito tratável, mas choramingas a mais não
poder... Isto não impedia que Celina e Teresa crescessem cada vez mais em sua
mútua afeição. De vez em quando, havia algumas pequenas discussões, sem maiores
consequências, e no fundo elas sempre se entendiam. Posso afiançar que minha
querida maninha jamais me causou desgosto, mas foi para comigo como que um raio
de sol, sempre a alegrar-me e a consolar-me... Quem descreveria a intrepidez
com que tomava minha defesa na Abadia, quando me acusavam?... Tão grande era
seu cuidado pela minha saúde, que por vezes me importunava. O que não me
enfadava era observá-la, quando brincava. Punha em certa ordem todo o magote de
nossas bonequinhas, e dava-lhes aula como uma mestra competente. Só que dava um
jeito de serem suas filhas sempre bem comportadas, enquanto que as minhas eram,
muitas vezes, expulsas da classe, por mau comportamento... Falava-me de todas
as cousas novas que vinha aprendendo na classe, o que muito me entretinha,
considerando-a um poço de ciência.
Haviam-me apelidado "filhinha de
Celina". Por isso, quando ela estava descontente comigo, seu maior sinal
de aborrecimento era declarar-me: "Já não és minha filhinha. Acabou-se.
Disso nunca esquecerei. . . " Então só me restava chorar como Madalena,
suplicando-lhe ainda me considerasse sua filhinha. Logo me abraçava e
prometia-me de já não se lembrar de nada... Para me consolar, tomava uma de
suas bonecas e dizia-lhe: "Minha querida, dá um abraço em tua tia".
Certa ocasião, a boneca foi tão ardorosa em abraçar-me com carinho, que me
enfiou os dois bracinhos pelo nariz... Celina, que não o fizera de caso
pensado, olhava espantada... para mim com a boneca suspensa ao nariz. A tia não
levou muito tempo em se desfazer dos abraços por demais carinhosos de sua
sobrinha, e desatou a rir, gostosamente, de tão singular aventura.
O mais divertido era ver-nos comprar
juntas os nossos presentes de boas-festas no bazar. Cuidávamos de ficar escondidas
uma da outra. Dispondo de 10 soldos para gastar, precisávamos pelo menos de 5
ou 6 objetos diferentes, e tratava-se de ver quem compraria as cousas mais
bonitas. Encantadas com nossas aquisições, aguardávamos com impaciência o
primeiro dia do ano, a fim de oferecermos, uma à outra, nossos grandiosos
presentes. Quem acordasse antes da outra, apressava-se em lhe desejar feliz ano
novo, e logo nos dávamos uma à outra os presentes de boas-festas. Cada qual de
nós ficava extasiada com as preciosidades, que se vendiam por 10 soldos!...
Estes mimos nos causavam quase tanto
prazer quanto os lindos presentes de boas-festas que vinham de Titio. Isto,
aliás, era apenas o começo das alegrias.. Naquele dia, vestíamo-nos num
instante, e cada qual se punha à espreita para saltar ao pescoço de Papai. Logo
que ele saísse do quarto, eram gritos de alegria por toda a casa, e nosso bom
Paizinho mostrava-se feliz por nos ver tão contentes ... Os presentes de boas
festas que Maria e Paulina davam às suas filhinhas, não eram de grande valor,
mas também lhes proporcionavam grande alegria... Oh! naquela idade não éramos
enfaradas. Nossa alma expandia-se em toda a sua frescura, como uma flor que é
feliz por receber o orvalho da manhã... a mesma aragem balouçava nossas corolas,
e o que para uma fosse motivo de alegria ou de mágoa, sê-lo-ia ao mesmo tempo
também para a outra. Com efeito, nossas alegrias eram em comum. Bem o percebi
no belo dia da primeira Comunhão de minha querida Celina. Só tendo sete anos,
ainda não frequentava a Abadia, mas conservei no coração a gratíssima lembrança
da preparação que vós, minha querida Mãe, ministrastes à Celina. Todas as
tardes, vós a tomáveis aos joelhos, e com ela conversáveis sobre o grande ato
que ia praticar. Eu cá escutava, muito desejosa de preparar-me também, mas
frequentemente me dizíeis que fosse embora, por ser ainda muito pequena. Sentia
então um desgosto muito grande, pensando comigo que quatro anos não eram demais
como preparação para receber o Bom Deus...
Uma noite, escutei-vos falar que,
feita a primeira Comunhão, se devia começar vida nova. Resolvi, imediatamente,
a não esperar por esse dia, mas começá-la ao mesmo tempo que Celina... Nunca
sentira tanto que a amava, como vim a senti-lo durante seu retiro de três dias.
Pela primeira vez na vida, estava longe dela e não dormia em sua cama... No
primeiro dia, esquecida de que não ia voltar, guardei uma mão-cheia de cerejas
para as comer com ela. Quando percebi que não chegava, fiquei muito pesarosa.
Papai consolou-me com a declaração de que no dia seguinte me levaria até a
Abadia para visitar minha Celina, e que eu lhe daria outra mão-cheia de
cerejas! ... O dia da Primeira Comunhão de Celina deixou-me uma impressão semelhante
à que tive na minha própria. Ao despertar de manhã, sozinha, na cama grande,
senti-me inundada de alegria. "É hoje! ... Chegou o grande dia..."
Não me cansava de repetir estas palavras. Parecia-me que era eu quem ia fazer
minha Primeira Comunhão. Creio ter recebido grandes graças nesse dia, e
considero-o como um dos mais belos de minha vida...
Voltei um pouco a fim de recordar essa
deliciosa e suave passagem. Devo, agora, falar da dolorosa provação que veio
partir o coração de Teresinha, quando Jesus lhe arrebatou a querida mamãe, a
sua Paulina, tão afectuosamente amada! ...
Um dia dissera à Paulina que queria
ser solitária, partir com ela para um deserto longínquo. Deu-me por resposta
que meu desejo era também o seu, e que esperaria até que eu fosse bastante
grande para a partida. Isto, sem dúvida, não fora dito seriamente, mas Teresinha
tinha-o levado a sério. Por conseguinte, qual não foi sua dor ao ouvir, um dia,
sua querida Paulina falar com Maria de sua próxima entrada no Carmelo... Não
sabia o que era Carmelo, mas entendia que Paulina me deixaria para entrar em
convento. Entendia que não esperaria por mim, e que eu perderia minha segunda
Mãe! ... Oh! Como descrever a angústia do meu coração?... Compreendi num instante
o que era a vida. Até ali não a tinha visto tão tristonha, mas então se me deparou
em toda a sua realidade. Vi que não era senão sofrimento e separação contínua.
Bem amargas as lágrimas que derramei, pois ainda não compreendia o gozo do
sacrifício. Era fraca, tão fraca, que tomo por grande graça ter podido suportar
uma provação que parecia colocar-se muito acima de minhas forças... Se ficasse
sabendo, aos poucos, da partida de minha querida Paulina, talvez meu sofrimento
não fora tanto. Mas, tê-lo sabido de surpresa foi como se uma espada se me
cravasse no coração.
Sempre me lembrarei, minha querida
Mãe, com que ternura me consolastes. Depois, explicastes-me a vida do Carmelo,
que me pareceu muito bonita! Rememorando tudo o que me dissestes, senti dentro
de mim ser o Carmelo o deserto onde o Bom Deus queria que fosse também esconder-me...
Senti-o com tanta veemência que não tive a mínima dúvida no coração. Não era um
devaneio de criança que se deixa levar, mas a certeza de um chamado divino.
Queria eu ir para o Carmelo, não por causa de Paulina, mas por Jesus
tão-somente... Pensei muitas coisas que se não podem exprimir por palavras, mas
que me deixaram grande paz na alma...
No dia seguinte, confiei meu segredo à
Paulina. Tomando meus desejos como vontade do Céu, disse-me que eu iria logo
com ela visitar a Madre Priora do Carmelo, e precisava dizer-lhe o que o Bom
Deus me fazia sentir ... Escolheu-se um domingo para a solene visita. Grande
foi meu acanhamento, ao saber que Maria G. ficaria junto a mim, por ser eu
muito pequena para visitar as Carmelitas. Entretanto, precisava descobrir um
meio de estar sozinha. Eis a ideia que me ocorreu. Disse à Maria que, tendo o
privilégio de visitar a Madre Priora, devíamos ser muito atenciosas e
delicadas. Por isso, tínhamos de confiar-lhe nossos segredos. Portanto, cada
qual, por sua vez, sairia um instante e deixaria a outra sozinha. Maria
acreditou no que eu dizia, e a despeito de sua relutância em confiar segredos
que não possuía, permanecemos, uma após outra, sozinha junto à nossa Madre.
Tendo ouvido minhas grandes confidências, essa boa Madre acreditou em minha
vocação. Declarou-me, todavia, que não eram recebidas postulantes de nove anos,
e seria preciso aguardar meus dezasseis anos... Resignei-me, não obstante meu
vivo desejo de entrar o mais cedo possível, e de fazer minha Primeira Comunhão
no dia que Paulina tomasse o hábito... No mesmo dia, pela segunda vez, recebi
louvores. Tinha vindo ver-me a Irmã Teresa de Santo Agostinho e não cansava de
repetir que eu era engraçadinha... Minha intenção não era ir ao Carmelo para
receber elogios, por isso, depois de sair, não parava de repetir ao Bom Deus
que era única e exclusivamente por Ele que queria ser carmelita.
Procurei aproveitar bastante da minha
Paulina querida durante as poucas semanas que ainda ficou no mundo. Todos os
dias, Celina e eu comprávamos para ela, bolo e bombons, pensando que dentro em
pouco já não os comeria. Estávamos sempre ao seu lado, e não lhe dávamos um
minuto de sossego. Chegou, afinal, o dia 2 de Outubro, dia de lágrimas e de
bênçãos, quando Jesus colheu a primeira de suas flores, que devia ser a mãe
daquelas que poucos anos depois viriam unir-se de novo a ela.
Vejo ainda o lugar, onde recebi o
derradeiro beijo de Paulina. Em seguida, Titia levou-nos todas para a missa,
enquanto Papai subia a montanha do Carmelo para oferecer seu primeiro
sacrifício... Toda a família se debulhava em lágrimas, de sorte que as pessoas,
vendo-nos entrar na igreja, olhavam-nos com espanto. Mas isto importava-me
pouco e não me impedia de chorar. Creio que, se tudo desmoronasse em redor de mim,
não teria tomado nenhum conhecimento. Contemplava o belo céu azul, e ficava
surpresa de que o Sol luzisse com tanto esplendor, enquanto minha alma
submergia em tristeza!...
(cont.)