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A tarde chegava rapidamente ao fim.
Era Inverno, e por isso mesmo, muito cedo o Sol baixava por
entre as árvores.
Estava cansada, muito cansada!
Tinha passado todo o dia à beira da estrada, à espera, numa
vida em que se tinha embrenhado e a envergonhava, mas da qual não arranjava
forças para sair.
E diziam que a prostituição era uma vida fácil!
Pior ainda, pois tinha que à noite ir para aquele bar, fazer
de conta que estava bem-disposta e gostava daquela vida!
Reconhecia que o enorme cansaço que sentia era muito mais
psíquico, do que físico.
Há tempos que a ideia de sair daquela vida, era um constante
pensamento, que em todos os momentos lhe tirava o descanso e o pouco bem-estar
que ainda pudesse sentir.
Lembrava-se bem do namoro com aquele rapaz, que parecia ter
tudo o necessário para acabar num feliz casamento. Depois engravidou, e
começaram as complicações.
Ele apresentou-lhe aquele “amigo” e quando deu por si estava
num bar a beber taças de suposto “champagne”, com homens que não conhecia. Daí
até ao sexo pago foi um instante!
Vá lá, tinha resistido ao aborto, e aquela filha que estava
em casa, era agora a sua única razão de viver.
Ao princípio tudo pareceu fácil, e até se convenceu que não
fazia mal nenhum a ninguém, nem a ela própria. Já que tinha aquele corpo,
aproveitava-o para ganhar dinheiro e depois …
Depois haveria de sair daquela vida.
Tantas promessas daquele patife!
Era preciso agora ganhar dinheiro, dizia ele, e depois
quando tivessem um “pé-de-meia”, partiriam para outras paragens onde não os
conhecessem, e haviam de viver felizes.
Mas não era possível fazer nenhuma poupança, porque ele
tirava-lhe tudo o que trazia para casa, para gastar com os amigos. E quando o
que trazia deixou de chegar para tudo o que ele queria, começou a obriga-la a
ir para a estrada, onde ainda se sentia mais aviltada e destruída.
Há já há algum tempo que sentia vergonha de si própria e
agora que os anos iam passando preocupava-se muito mais com o futuro da sua
filha, e com o facto de um dia ela poder saber o que era a sua vida.
Veio-lhe à memória a casa dos seus pais.
Não era gente com dinheiro, mas era gente de amor e
lembrava-se bem do carinho com que a tratavam, (era filha única), e dos
exaustivos conselhos do seu pai acerca daquele namorado que, dizia ele, não
prestava para nada. Mas a juventude que julga tudo saber, tinha-a levado a sair
de casa para seguir o seu grande amor!
Grande amor???
Se pudesse agora ver-se livre dele, seria o melhor presente
de Natal que alguém lhe podia dar, porque, lembrou-se, era dia 24 de Dezembro,
véspera de Natal, a noite dos presentes em casa dos seus pais.
Uma tristeza profunda estremeceu-a!
Não, não iria passar mais esta noite de Natal naquele bar,
vivendo aquela vida!
Tomou uma decisão e disse para si mesma: Vou passar por casa
à hora que ele não está, (deixo um recado com uma desculpa qualquer), pego na
menina, e vou passar a noite de Natal a casa dos meus pais, pois tenho a
certeza de que me hão-de receber.
Tomada a decisão, pareceu-lhe sentir um alívio imenso no
cansaço que a assolava.
Chegou a casa, tomou um banho rápido, desejando que mais do
que o corpo, lhe fosse lavada a “alma” para se poder encontrar com os seus
pais. Escreveu uma qualquer desculpa num papel, pegou na filha e saiu
rapidamente para a casa da sua infância, que ficava numa terra muito próxima.
Passado pouco tempo já batia à porta da casa onde tinha
crescido e brincado com tanta felicidade. A porta abriu-se, e, ao espanto
inicial, sucederam-se quatro braços que a apertavam e esmagavam de amor!
Já na sala começou a ensaiar um discurso de desculpas, de
justificação, mas os seus pais disseram-lhe com carinho para se calar, sentar
no sofá, pôr os pés em cima da mesa pequena e descansar, porque se tinham
apercebido do seu enorme cansaço.
Pegaram na neta e foram para o quarto ao lado.
Ela sentiu-se num casulo de amor!
Um calor inexplicável fazia-se sentir no seu coração e ela
fechou os olhos desejando que aquele momento nunca mais acabasse.
Sem saber como, viu-se de repente no meio da praça da sua
terra e muita gente à sua volta, gesticulando e gritando.
Percebeu que a insultavam, lhe chamavam prostituta e que a
queriam expulsar da sua terra.
Cheia de medo e vergonha, as lágrimas corriam-lhe pela cara
abaixo.
Viu então um homem que se destacou do meio de toda aquela
gente, e com uma voz cheia de força, mas de carinho também, disse: Aquele que
de vocês que nunca errou ou cometeu nenhum mal, pegue no braço dela e leve-a
até aos limites aqui da terra.
E ao dizer isto, aquele homem olhava-os nos olhos,
firmemente.
Lentamente deixaram de se ouvir gritos, todos aqueles homens
e mulheres baixaram as cabeças e começaram a sair da praça, em silêncio.
Então o homem aproximou-se dela, enxugou-lhe as lágrimas com
os seus dedos e disse-lhe:
Pelos vistos ninguém te expulsou! Também eu não te expulso,
antes te abraço! Vai à tua vida, mas muda-a enquanto podes!
Pareceu-lhe que o homem lhe pegava no braço, mas quando
acordou percebeu que era o seu pai que delicadamente lhe dizia: Anda, vem
comer, a ceia de Natal está na mesa!
Lembrou-se da catequese em criança e da passagem bíblica em
que queriam apedrejar a mulher adúltera, e percebeu que num sonho Deus lhe
tinha “falado”, e dado uma nova oportunidade para a sua vida.
Tinha finalmente a força de que necessitava para pôr fim
àquela vida!
Soube naquele momento que tudo tinha mudado e que não
voltaria a fazer da sua vida a desgraça que até então vivia.
E alegrou-se, por ela, pela sua filha, pelos seus pais.
Feliz aproximou-se da mesa e a sua mãe disse-lhe: Como
estavas a dormir, foi a tua filha que colocou o Menino Jesus no presépio.
Olhou para os seus pais com todo o carinho de que era capaz,
pegou na sua filha ao colo e disse:
O Menino Jesus já não está no presépio. Está no meu coração!
Marinha Grande 10 de Dezembro de 2012
Joaquim Mexia Alves
Joaquim Mexia Alves
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