CAPÍTULO IV
«ELE É O VERDADEIRO DEUS E A VIDA ETERNA»
Divindade de Cristo e anúncio da
eternidade
3. Passar
do dogma para a vida
5. Nostalgia da eternidade!
Dizia eu que a eternidade
não é para os crentes somente uma nostalgia do ”Totalmente Outro”. E, no
entanto, ela é isso também.
Não é que eu acredite na
preexistência das almas e que caímos depois do tempo, após termos vivido antes
da eternidade como pensavam Platão e Orígenes.
Falo aqui de nostalgia no
sentido em que nós fomos criados para a eternidade e trazemos no coração o
natural anseio pela eternidade e é por isso que o nosso coração se inquieta e
fica insatisfeito enquanto não repousa nela.
Aquilo que Stº Agostinho
dizia da felicidade, podemos nós dizê-lo também da eternidade:
«Onde terei conhecido eu a
eternidade se tanto a recordo e desejo?» [i].
A que estado fica reduzido o
homem, se se lhe retira a eternidade do coração e da mente?
Altera-se-lhe a natureza, no
sentido forte do termo, se é verdade como diz a própria filosofia, que o homem
“é um ser finito, capaz de infinito”.
Se se negar o eterno no
homem, então deve-se exclamar, como Nacbeth depois de ter morto o rei:
“Não há nada de sério na
vida mortal, é tudo um artifício; a glória e a honra morreram; o vinha da vida
foi derramado” [ii].
Mas creio que se pode falar
de nostalgia de eternidade também num sentido mais simples e concreto.
Quem é que, ao recordar os
anos da sua juventude, se não lembra de um momento ou de uma circunstância da
vida em que teve como como que um certo vislumbre da eternidade, mesmo que
porventura não consiga agora reconstituir esse momento?
Lembro-me de um momento
desses da minha vida.
Era eu ainda bastante jovem.
Era Verão e cheio de calor tinha-me deitado de costas na relva.
O meu olhar fora atraído
pelo céu azul, o qual era atravessado somente por uma ou outra nuvem muito
branca E eu dava largas à minha imaginação:
‘O que é que existe para lá
daquela abóboda azul? E mais acima? E aina mais acima?’
E, assim, em ondas
sucessivas, a minha mente elevava-se para
o infinito e perdia-se, como quem fixando o sol, fica deslumbrado e não
enxerga mais nada. O infinito do espaço fazia reviver o infinito do tempo.
‘Que significa – dizia para
mim mesmo – a eternidade? Sempre, nunca, sempre, nunca! Mil anos passados são
somente o começo; milhões e biliões de anos são ainda só o começo’.
De novo, a minha mente se
perdia, mas era uma sensação agradável
que me fazia crescer.
Compreendia aquilo que o
poeta Giacomo Leopardi escreve no seu livro “O Infinito”:
“É suave para mim naufragar
neste mar”.
Eu percebia aquilo que o
poeta queria dizer quando fala dos “intermináveis espaços e silêncios
sobre-humanos” que chegam à mente. Posso agora dizer aos jovens:
‘Parai, estendei-vos vós
também, se necessário, sobre a relva e lançai o vosso olhar, com calma, para o
céu. Não queirais procurar o calafrio do infinito noutro lugar, como a droga,
onde só há engano e morte.
Existe uma outra maneira,
bem diferente para sair dos “limites” e se experimentar a emoção genuína da
eternidade.
Procurai o infinito nas
alturas e não cá em baixo.
Procurai-o acima e não
abaixo de vós’.
Eu sei o que é que muitas
vezes nos impede de falar assim, e qual é a dúvida que tira aos crentes essa
“franqueza”.
O peso da eternidade poderá
ser desmedido e maior que o peso das amarguras; mas nós carregamos a nossa cruz
no tempo e não na eternidade; caminhamos na fé, não na visão, como diz o
Apóstolo [iii].
Na verdade, não temos nada
para opor aos atractivos das coisas visíveis a não ser a esperança das coisas
invisíveis; nada temos para opor ao prazer senão a promessa da vida eterna.
“Queremos ser felizes nesta
carne e é tão doce esta vida” – diziam já os contemporâneos de Stº Agostinho.
Mas é este, precisamente, o
erro que nós, crentes, temos de banir.
De facto, não é verdade que
a eternidade cá em baixo seja somente uma promessa e uma esperança.
É também uma presença e uma
experiência!
Lembremos aqui o que
aprendemos sobre o dogma cristológico.
Em Cristo, «a vida eterna
que estava com o Pai fez-se visível». Nós – diz João – ouvimo-la, vimo-la com
os nossos olhos, contemplámo-la, tocámo-la com as nossas mãos [iv].
Com Cristo, Verbo Encarnado,
a eternidade irrompeu no tempo, e nós experimentamo-la todas as vezes que
cremos, porque aquele que crê «possui já a vida eterna» [v]; todas
as vezes que na Eucaristia, recebemos o Corpo de Cristo; todas as vezes que
ouvimos, de Jesus, «as palavras de vida eterna» [vi].
É uma experiência provisória
e imperfeita, mas verdadeira e suficiente para nos dar a certeza de que a
eternidade existe verdadeiramente, de que o tempo não é tudo.
(cont)
rainiero cantalamessa, Pregador da Casa Pontifícia.
[i] Cfr. Stº Agostinho, Confissões, X, 21
[ii] W. Shakespeare, Macbeth, II
act. Cena 3