Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho:
Lc 7, 24-50
24 Tendo partido os mensageiros de João,
começou Jesus a dizer à multidão acerca de João: «Que fostes ver ao deserto?
Uma cana agitada pelo vento? 25 Mas que fostes ver? Um homem vestido
com roupas delicadas? Mas os que vestem roupas preciosas e vivem entre delícias
estão nos palácios dos reis. 26 Que fostes ver? Um profeta? Sim, vos
digo Eu, e mais ainda que profeta .27 Este é aquele de quem está
escrito: “Eis que Eu envio o Meu mensageiro à Tua frente, o qual preparará o
Teu caminho diante de Ti”. 28 Porque Eu vos digo: Entre os nascidos
de mulher não há maior profeta que João Baptista; porém, o que é menor no reino
de Deus é maior do que ele». 29 Todo o povo que O ouviu, mesmo os
publicanos, deram glória a Deus, recebendo o baptismo de João. 30 Os
fariseus, porém, e os doutores da lei frustraram o desígnio de Deus a respeito
deles, não se fazendo baptizar por ele. 31 «A quem, pois, compararei
os homens desta geração? A quem são semelhantes? 32 São semelhantes
a essas crianças que estão sentadas na praça, e que falam umas para as outras,
dizendo: Tocámos flauta e vós não dançastes; entoámos música triste, e não
chorastes. 33 Porque veio João Baptista, que não come pão nem bebe
vinho, e dizeis: está possesso do demónio. 34 Veio o Filho do Homem,
que come e bebe, e dizeis: eis um glutão e um bebedor de vinho, amigo de
publicanos e pecadores. 35 Mas a sabedoria foi justificada por todos
os seus filhos». 36 Um dos fariseus pediu-Lhe que fosse comer com
ele. Tendo entrado em casa do fariseu, pôs-Se à mesa.37 Uma mulher,
que era pecadora na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do
fariseu, levou um frasco de alabastro cheio de perfume. 38
Colocando-se a Seus pés, por detrás d'Ele, começou a banhar-Lhe os pés com as
lágrimas, e enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os, e ungia-os
com o perfume. 39 Vendo isto, o fariseu que O tinha convidado, disse
consigo: «Se este fosse profeta, com certeza saberia de que espécie é a mulher
que O toca: uma pecadora». 40 Jesus então tomou a palavra e
disse-lhe: «Simão, tenho uma coisa a dizer-te». Ele disse: «Mestre, fala». 41
«Um credor tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários, o outro
cinquenta. 42 Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos. Qual
deles, pois, o amará mais?». 43 Simão respondeu: «Creio que aquele a
quem perdoou mais». Jesus disse-lhe: «Julgaste bem». 44 Em seguida,
voltando-Se para a mulher, disse a Simão: «Vês esta mulher? Entrei em tua casa
e não Me deste água para os pés; ela com as suas lágrimas banhou os Meus pés, e
enxugou-os com os seus cabelos. 45 Não Me deste o ósculo; porém ela,
desde que entrou, não cessou de beijar os Meus pés. 46 Não ungiste a
Minha cabeça com óleo, porém esta ungiu com perfume os Meus pés. 47
Pelo que te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou.
Mas, aquele a quem menos se perdoa, menos ama». 48 Depois disse à
mulher: «São-te perdoados os pecados». 49 Os convidados começaram a
dizer entre si: «Quem é Este que até perdoa pecados?». 50 Mas Jesus
disse à mulher: «A tua fé te salvou; vai em paz!».
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE FRANCISCO
AO EPISCOPADO, AO CLERO ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS
FIÉIS LEIGOS
SOBRE
O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO MUNDO ACTUAL
Capítulo
III
O ANÚNCIO DO EVANGELHO
II. A homilia
Uma
catequese querigmática e mistagógica
163.
A educação e a catequese estão ao serviço deste crescimento. Já temos à
disposição vários textos do Magistério e subsídios sobre a catequese,
preparados pela Santa Sé e por diversos episcopados. Lembro a Exortação
Apostólica Catechesi Tradendae (1979), o Directório Geral para a Catequese
(1997) e outros documentos cujo conteúdo, sempre actual, não é necessário
repetir aqui. Queria deter-me apenas nalgumas considerações que me parece
oportuno evidenciar.
164.
Voltámos a descobrir que também na catequese tem um papel fundamental o
primeiro anúncio ou querigma, que deve ocupar o centro da actividade
evangelizadora e de toda a tentativa de renovação eclesial. O querigma é
trinitário. É o fogo do Espírito que se dá sob a forma de línguas e nos faz
crer em Jesus Cristo, que, com a sua morte e ressurreição, nos revela e
comunica a misericórdia infinita do Pai. Na boca do catequista, volta a ressoar
sempre o primeiro anúncio: «Jesus Cristo ama-te, deu a sua vida para te salvar,
e agora vive contigo todos os dias para te iluminar, fortalecer, libertar». Ao
designar-se como «primeiro» este anúncio, não significa que o mesmo se situa no
início e que, em seguida, se esquece ou substitui por outros conteúdos que o
superam; é o primeiro em sentido qualitativo, porque é o anúncio principal,
aquele que sempre se tem de voltar a ouvir de diferentes maneiras e aquele que
sempre se tem de voltar a anunciar, duma forma ou doutra, durante a catequese,
em todas as suas etapas e momentos. 126 Por isso, também «o
sacerdote, como a Igreja, deve crescer na consciência da sua permanente
necessidade de ser evangelizado». 127
165.
Não se deve pensar que, na catequese, o querigma é deixado de lado em favor
duma formação supostamente mais «sólida». Nada há de mais sólido, mais
profundo, mais seguro, mais consistente e mais sábio que esse anúncio. Toda a
formação cristã é, primariamente, o aprofundamento do querigma que se vai, cada
vez mais e melhor, fazendo carne, que nunca deixa de iluminar a tarefa
catequética, e permite compreender adequadamente o sentido de qualquer tema que
se desenvolve na catequese. É o anúncio que dá resposta ao anseio de infinito
que existe em todo o coração humano. A centralidade do querigma requer certas
características do anúncio que hoje são necessárias em toda a parte: que
exprima o amor salvífico de Deus como prévio à obrigação moral e religiosa, que
não imponha a verdade mas faça apelo à liberdade, que seja pautado pela
alegria, o estímulo, a vitalidade e uma integralidade harmoniosa que não reduza
a pregação a poucas doutrinas, por vezes mais filosóficas que evangélicas. Isto
exige do evangelizador certas atitudes que ajudam a acolher melhor o anúncio:
proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não
condena.
166.
Outra característica da catequese, que se desenvolveu nas últimas décadas, é a
iniciação mistagógica, 128 que significa essencialmente duas coisas:
a necessária progressividade da experiência formativa na qual intervém toda a
comunidade e uma renovada valorização dos sinais litúrgicos da iniciação
cristã. Muitos manuais e planificações ainda não se deixaram interpelar pela
necessidade duma renovação mistagógica, que poderia assumir formas muito
diferentes de acordo com o discernimento de cada comunidade educativa. O
encontro catequético é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa
sempre duma ambientação adequada e duma motivação atraente, do uso de símbolos
eloquentes, da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração
de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta.
167.
É bom que toda a catequese preste uma especial atenção à «via da beleza (via
pulchritudinis)». 129 Anunciar Cristo significa mostrar que crer
n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz
de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das
provações. Nesta perspectiva, todas as expressões de verdadeira beleza podem
ser reconhecidas como uma senda que ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus.
Não se trata de fomentar um relativismo estético, 130 que pode
obscurecer o vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar
a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer
nele a verdade e a bondade do Ressuscitado. Se nós, como diz Santo Agostinho,
não amamos senão o que é belo, 131 o Filho feito homem, revelação da
beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para Si com laços de amor. Por
isso, torna-se necessário que a formação na via pulchritudinis esteja inserida
na transmissão da fé. É desejável que cada Igreja particular incentive o uso
das artes na sua obra evangelizadora, em continuidade com a riqueza do passado,
mas também na vastidão das suas múltiplas expressões actuais, a fim de
transmitir a fé numa nova «linguagem parabólica». 132 É preciso ter
a coragem de encontrar os novos sinais, os novos símbolos, uma nova carne para
a transmissão da Palavra, as diversas formas de beleza que se manifestam em
diferentes âmbitos culturais, incluindo aquelas modalidades não convencionais
de beleza que podem ser pouco significativas para os evangelizadores, mas tornaram-se
particularmente atraentes para os outros.
168.
Relativamente à proposta moral da catequese, que convida a crescer na
fidelidade ao estilo de vida do Evangelho, é oportuno indicar sempre o bem
desejável, a proposta de vida, de maturidade, de realização, de fecundidade,
sob cuja luz se pode entender a nossa denúncia dos males que a podem obscurecer.
Mais do que como peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que
se comprazem em detectar qualquer perigo ou desvio, é bom que nos possam ver
como mensageiros alegres de propostas altas, guardiões do bem e da beleza que
resplandecem numa vida fiel ao Evangelho.
O
acompanhamento pessoal dos processos de crescimento
169.
Numa civilização paradoxalmente ferida pelo anonimato e, simultaneamente,
obcecada com os detalhes da vida alheia, descaradamente doente de morbosa
curiosidade, a Igreja tem necessidade de um olhar solidário para contemplar,
comover-se e parar diante do outro, tantas vezes quantas forem necessárias.
Neste mundo, os ministros ordenados e os outros agentes de pastoral podem
tornar presente a fragrância da presença solidária de Jesus e o seu olhar
pessoal. A Igreja deverá iniciar os seus membros – sacerdotes, religiosos e
leigos – nesta «arte do acompanhamento», para que todos aprendam a descalçar
sempre as sandálias diante da terra sagrada do outro (cf. Ex 3, 5). Devemos dar
ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e
cheio de compaixão, mas que ao mesmo tempo cure, liberte e anime a amadurecer
na vida cristã.
170.
Embora possa soar óbvio, o acompanhamento espiritual deve conduzir cada vez mais
para Deus, em quem podemos alcançar a verdadeira liberdade. Alguns crêem-se
livres quando caminham à margem de Deus, sem se dar conta que ficam
existencialmente órfãos, desamparados, sem um lar para onde possam sempre
voltar. Deixam de ser peregrinos para se transformarem em errantes, que giram
indefinidamente ao redor de si mesmos, sem chegar a lado nenhum. O
acompanhamento seria contraproducente, caso se tornasse uma espécie de terapia
que incentive esta reclusão das pessoas na sua imanência e deixe de ser uma
peregrinação com Cristo para o Pai.
171.
Hoje mais do que nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir
da sua experiência de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a
prudência, a capacidade de compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao
Espírito, para no meio de todos defender as ovelhas a nós confiadas dos lobos
que tentam desgarrar o rebanho. Precisamos de nos exercitar na arte de escutar,
que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do
coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro
encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra
oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir
desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para
um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de
corresponder plenamente ao amor de Deus e o anelo de desenvolver o melhor de
quanto Deus semeou na nossa própria vida. Mas sempre com a paciência de quem
está ciente daquilo que ensinava São Tomás de Aquino: alguém pode ter a graça e
a caridade, mas não praticar bem nenhuma das virtudes «por causa de algumas
inclinações contrárias» que persistem. 133 Por outras palavras, as
virtudes organizam-se sempre e necessariamente «in habitu», embora os
condicionamentos possam dificultar as operações desses hábitos virtuosos. Por
isso, faz falta «uma pedagogia que introduza a pessoa passo a passo até chegar
à plena apropriação do mistério». 134 Para se chegar a um estado de
maturidade, isto é, para que as pessoas sejam capazes de decisões
verdadeiramente livres e responsáveis, é preciso dar tempo ao tempo, com uma
paciência imensa. Como dizia o Beato Pedro Fabro: «O tempo é o mensageiro de
Deus».
172.
Quem acompanha sabe reconhecer que a situação de cada pessoa diante de Deus e a
sua vida em graça são um mistério que ninguém pode conhecer plenamente a partir
do exterior. O Evangelho propõe-nos que se corrija e ajude a crescer uma pessoa
a partir do reconhecimento da maldade objectiva das suas acções (cf. Mt 18,
15), mas sem proferir juízos sobre a sua responsabilidade e culpabilidade (cf.
Mt 7, 1; Lc 6, 37). Seja como for, um válido acompanhante não transige com os
fatalismos nem com a pusilanimidade. Sempre convida a querer curar-se, a pegar
no catre (cf. Mt 9, 6), a abraçar a cruz, a deixar tudo e partir sem cessar
para anunciar o Evangelho. A experiência pessoal de nos deixarmos acompanhar e
curar, conseguindo exprimir com plena sinceridade a nossa vida a quem nos
acompanha, ensina-nos a ser pacientes e compreensivos com os outros e
habilita-nos a encontrar as formas para despertar neles a confiança, a abertura
e a vontade de crescer.
173.
O acompanhamento espiritual autêntico começa sempre e prossegue no âmbito do
serviço à missão evangelizadora. A relação de Paulo com Timóteo e Tito é
exemplo deste acompanhamento e desta formação durante a acção apostólica. Ao
mesmo tempo que lhes confia a missão de permanecer numa cidade concreta para
«acabar de organizar o que ainda falta» (Tt 1, 5; cf. 1 Tm 1, 3-5), dá-lhes os
critérios para a vida pessoal e a actividade pastoral. Isto é claramente
distinto de todo o tipo de acompanhamento intimista, de auto-realização
isolada. Os discípulos missionários acompanham discípulos missionários.
Ao
redor da Palavra de Deus
174.
Não é só a homilia que se deve alimentar da Palavra de Deus. Toda a
evangelização está fundada sobre esta Palavra escutada, meditada, vivida,
celebrada e testemunhada. A Sagrada Escritura é fonte da evangelização. Por
isso, é preciso formar-se continuamente na escuta da Palavra. A Igreja não
evangeliza, se não se deixa continuamente evangelizar. É indispensável que a
Palavra de Deus «se torne cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial».
135 A Palavra de Deus ouvida e celebrada, sobretudo na Eucaristia, alimenta
e reforça interiormente os cristãos e torna-os capazes de um autêntico
testemunho evangélico na vida diária. Superámos já a velha contraposição entre
Palavra e Sacramento: a Palavra proclamada, viva e eficaz, prepara a recepção
do Sacramento e, no Sacramento, essa Palavra alcança a sua máxima eficácia.
175.
O estudo da Sagrada Escritura deve ser uma porta aberta para todos os crentes.
136 É fundamental que a Palavra revelada fecunde radicalmente a catequese
e todos os esforços para transmitir a fé. 137 A evangelização requer
a familiaridade com a Palavra de Deus, e isto exige que as dioceses, paróquias
e todos os grupos católicos proponham um estudo sério e perseverante da Bíblia
e promovam igualmente a sua leitura orante pessoal e comunitária. 138 Nós
não procuramos Deus tacteando, nem precisamos de esperar que Ele nos dirija a
palavra, porque realmente «Deus falou, já não é o grande desconhecido, mas
mostrou-Se a Si mesmo». 139 Acolhamos o tesouro sublime da Palavra
revelada!
Capítulo
IV
A DIMENSÃO SOCIAL DA
EVANGELIZAÇÃO
176.
Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo. «Nenhuma definição
parcial e fragmentada, porém, chegará a dar razão da realidade rica, complexa e
dinâmica que é a evangelização, a não ser com o risco de a empobrecer e até
mesmo de a mutilar». 140 Desejo agora partilhar as minhas
preocupações relacionadas com a dimensão social da evangelização, precisamente
porque, se esta dimensão não for devidamente explicitada, corre-se sempre o
risco de desfigurar o sentido autêntico e integral da missão evangelizadora.
I.
As repercussões comunitárias e sociais do querigma
177.O
querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do
Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo
do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a
caridade.
Confissão
da fé e compromisso social
178.
Confessar um Pai que ama infinitamente cada ser humano implica descobrir que
«assim lhe confere uma dignidade infinita». 141 Confessar que o
Filho de Deus assumiu a nossa carne humana significa que cada pessoa humana foi
elevada até ao próprio coração de Deus. Confessar que Jesus deu o seu sangue
por nós impede-nos de ter qualquer dúvida acerca do amor sem limites que
enobrece todo o ser humano. A sua redenção tem um sentido social, porque «Deus,
em Cristo, não redime somente a pessoa individual, mas também as relações
sociais entre os homens». 142 Confessar que o Espírito Santo actua
em todos implica reconhecer que Ele procura permear toda a situação humana e
todos os vínculos sociais: «O Espírito Santo possui uma inventiva infinita,
própria da mente divina, que sabe prover a desfazer os nós das vicissitudes
humanas mais complexas e impenetráveis». 143 A evangelização procura
colaborar também com esta acção libertadora do Espírito. O próprio mistério da
Trindade nos recorda que somos criados à imagem desta comunhão divina, pelo que
não podemos realizar-nos nem salvar-nos sozinhos. A partir do coração do
Evangelho, reconhecemos a conexão íntima que existe entre evangelização e
promoção humana, que se deve necessariamente exprimir e desenvolver em toda a
acção evangelizadora. A aceitação do primeiro anúncio, que convida a deixar-se
amar por Deus e a amá-Lo com o amor que Ele mesmo nos comunica, provoca na vida
da pessoa e nas suas acções uma primeira e fundamental reacção: desejar,
procurar e ter a peito o bem dos outros.
179.
Este laço indissolúvel entre a recepção do anúncio salvífico e um efectivo amor
fraterno exprime-se nalguns textos da Escritura, que convém considerar e
meditar atentamente para tirar deles todas as consequências. É uma mensagem a
que frequentemente nos habituamos e repetimos quase mecanicamente, mas sem nos
assegurarmos de que tenha real incidência na nossa vida e nas nossas comunidades.
Como é perigoso e prejudicial este habituar-se que nos leva a perder a
maravilha, a fascinação, o entusiasmo de viver o Evangelho da fraternidade e da
justiça! A Palavra de Deus ensina que, no irmão, está o prolongamento
permanente da Encarnação para cada um de nós: «Sempre que fizestes isto a um
destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). O que
fizermos aos outros, tem uma dimensão transcendente: «Com a medida com que
medirdes, assim sereis medidos» (Mt 7, 2); e corresponde à misericórdia divina
para connosco: «Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso. Não
julgueis e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados;
perdoai, e sereis perdoados. Dai e ser-vos-á dado (...). A medida que usardes
com os outros será usada convosco» (Lc 6, 36-38). Nestes textos, exprime-se a
absoluta prioridade da «saída de si próprio para o irmão», como um dos dois
mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o sinal mais
claro para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à
doação absolutamente gratuita de Deus. Por isso mesmo, «também o serviço da
caridade é uma dimensão constitutiva da missão da Igreja e expressão
irrenunciável da sua própria essência». 144 Assim como a Igreja é
missionária por natureza, também brota inevitavelmente dessa natureza a
caridade efectiva para com o próximo, a compaixão que compreende, assiste e
promove.
________________________________
Notas:
126
Cf. Propositio 9.
127
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de
1992), 26: AAS 84 (1992), 698.
128
Cf. Propositio 38.
129
Cf. Propositio 20.
130
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Decr. sobre os meios de comunicação social Inter
mirifica, 6.
131
Cf. De musica, VI, 13, 38: PL 32, 1183-1184; Confessiones, IV, 13, 20: PL 32,
701.
132
Bento XVI, Discurso no final da projecção do documentário «Arte e fé – via
pulchritudinis» (25 de Outubro de 2012): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa
de 03/XI/2012), 4.
133
Summa theologiae I-II, q. 65, a. 3, ad 2: «propter aliquas dispositiones
contrarias».
134
João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Asia (6 de Novembro de 1999),
20: AAS 92 (2000), 481.
135
Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010), 1:
AAS 102 (2010), 682.
136
Cf. Propositio 11.
137
Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum,
21-22.
138
Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Verbum Domini (30 de Setembro de 2010),
86-87: AAS 102 (2010), 757-760.
139
Bento XVI, Meditação durante a primeira Congregação Geral do Sínodo dos Bispos
(8 de Outubro de 2012): AAS 104 (2012), 896.
140
Paulo VI, Exort. ap. Evangelii nuntiandi (8 de Dezembro de 1975), 17: AAS 68
(1976), 17.
141
João Paulo II, Alocução aos Inválidos, antes do Angelus (Catedral de Osnabrück,
Alemanha, 16 de Novembro de 1980): Insegnamenti III/2 (1980), 1232.
142
Pont. Conselho «Justiça e Paz»,Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 52.
143
João Paulo II, Catequese (Audiência Geral de 24 de Abril de 1991): Insegnamenti
XIV/1 (1991), 856.
144
Bento XVI, Carta ap. em forma de motu proprio Intima Ecclesiae natura (11 de
Novembro de 2012), proémio: AAS 104 (2012), 996.