Tempo comum XXII Semana
Evangelho: Mt 16, 21-27
21 Desde então começou Jesus a manifestar a Seus
discípulos que devia ir a Jerusalém e padecer muitas coisas dos anciãos, dos
príncipes dos sacerdotes e dos escribas, ser morto, e ressuscitar ao terceiro dia.
22 Tomando-O Pedro à parte, começou a repreendê-l'O, dizendo: «Deus
tal não permita, Senhor; não Te sucederá isto». 23 Ele, voltando-Se
para Pedro, disse-lhe: «Retira-te de Mim, Satanás! Tu serves-Me de escândalo,
porque não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens». 24 Então, Jesus disse aos
Seus discípulos: «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-Me. 25 Porque quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á;
e quem perder a sua vida por amor de Mim, achá-la-á. 26 Pois, que
aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma? Ou que
dará um homem em troca da sua alma? 27 Porque o Filho do Homem há-de
vir na glória de Seu Pai com os Seus anjos, e então dará a cada um segundo as
suas obras.
Comentário:
A cruz talvez seja o símbolo mais usado
e visto no mundo.
A Cruz de Cristo é o instrumento de
Redenção da humanidade e, por isso mesmo, deve ser usado com reverência e
autêntico amor.
Ela é, também, a “nossa cruz” porque
nela estavam as faltas, os pecados de todos os homens de todos os tempos.
Comparar a nossa cruz pessoal, essa
cruz que todos carregamos ao longo da vida, por pesada que seja é algo de bom e
meritório porque, sabemo-lo muito bem por experiência própria, sozinhos
dificilmente a suportamos.
(AMA, comentário
sobre Mt 16, 24-28, 2014.05.26)
Leitura espiritual
Documentos do Magistério
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
INSTRUÇÃO
LIBERTATIS CONSCIENTIA
SOBRE A LIBERDADE CRISTÃ E A
LIBERTAÇÃO
CAPÍTULO
II
VOCAÇÃO
DO HOMEM
A
LIBERDADE E DRAMA DO PECADO
V.
O pecado, fonte de divisão e de opressão
O
pecado separação de Deus
Idolatria
e desordem
39. A idolatria é uma
forma extrema da desordem gerada pelo pecado. A substituição da adoração do
Deus vivo pelo culto da criatura falseia as relações entre os homens e arrasta
consigo diversas formas de opressão.
O desconhecimento culpável
de Deus desencadeia as paixões, causas de desequilíbrio e de conflitos no
íntimo do homem. Daí derivam inevitavelmente as desordens que afectam a esfera
familiar e social: licenciosidade sexual, injustiça, homicídio. É assim que São
Paulo descreve o mundo pagão, levado pela idolatria às piores aberrações que
arruínam o indivíduo e a sociedade. 28
Já antes dele, os Profetas
e os Sábios de Israel viam nas desgraças do povo um castigo do seu pecado de
idolatria, e no «coração cheio de maldade» (Ec 9, 3),29 a fonte da escravidão
radical do homem e das opressões que ele inflige aos seus semelhantes.
Desprezar
Deus e voltar-se para as criaturas
40. A tradição cristã, nos
Padres e Doutores da Igreja explicitou esta doutrina da Escritura acerca do
pecado. Para ela, o pecado e desprezo de Deus (contemptus Dei). Ele comporta a
vontade de fugir da relação de dependência do servidor para com seu senhor ou,
mais ainda, do filho para com seu Pai. Pecando, o homem pretende livrar-se de
Deus. Na realidade, torna-se escravo. Pois, ao recusar Deus, quebra o impulso
da sua aspiração ao infinito e da sua vocação à participação da vida divina. É
por isso que seu coração fica entregue à inquietação.
O homem pecador que recusa
aderir a Deus, é conduzido, necessariamente, a ligar-se à criatura, de um modo
falacioso e destruidor. Neste voltar-se para a criatura (conversio ad
creaturam), ele concentra sobre essa o seu desejo insatisfeito de infinito. Mas
os bens criados são limitados; por isso mesmo, o seu coração corre de um para
outro, sempre em busca de uma paz impossível.
Na realidade, quando
atribui às criaturas um peso de infinitude, o homem perde o sentido do seu ser
criado. Pretende encontrar o seu centro e a sua unidade em si mesmo. O amor
desordenado de si é a outra face do desprezo de Deus. O homem pretende, então,
apoiar-se em si mesmo somente; quer realizar-se a si mesmo, bastando-se na sua
própria imanência. 30
O
ateísmo falsa emancipação da liberdade
41. Isto torna-se mais
particularmente manifesto quando o pecador julga só poder afirmar a sua
liberdade própria, quando explicitamente negar Deus. A dependência da criatura
para com o Criador ou a da consciência moral com relação à lei divina seriam,
para ele, intoleráveis servidões. O ateísmo é, pois, aos seus olhos, a
verdadeira forma de emancipação e de libertação do homem, enquanto a religião
ou mesmo o reconhecimento de uma lei moral seriam alienações. O homem quer,
então, decidir soberanamente acerca do bem e do mal, ou acerca dos valores, e,
com um mesmo movimento, rejeita ao mesmo tempo a ideia de Deus e a ideia de
pecado. É através da audácia da transgressão que ele pretende tornar-se adulto
e livre. Ele reivindica tal emancipação não apenas para si, mas para a humanidade
inteira.
Pecado
e estruturas de injustiça
42. Tornando-se seu
próprio centro, o homem pecador tende a afirmar-se e a satisfazer seu desejo de
infinito, servindo-se das coisas: riquezas, poderes e prazeres, em menosprezo
dos outros homens que ele despoja injustamente e trata como objectos ou
instrumentos. Assim, contribui, por sua parte, para a criação daquelas
estruturas de exploração e de servidão que, por outro lado, ele pretende denunciar.
CAPÍTULO
III
LIBERTAÇÃO
E LIBERDADE CRISTÃ
Evangelho,
liberdade e libertação
43. A história humana,
marcada pela experiência do pecado, levar-nos-ia ao desespero, se Deus tivesse
abandonado a sua criatura a ela própria. Mas as promessas divinas de libertação
e o seu vitorioso cumprimento na morte e ressurreição de Cristo são o
fundamento da «alegre esperança» na qual a comunidade cristã busca a força para
agir resoluta e eficazmente ao serviço do amor, da justiça e da paz. O
Evangelho é uma mensagem de liberdade e uma força de libertação 31 que realiza a esperança de Israel, fundada
sobre a palavra dos Profetas. Esta apoiava-se na acção de Javé que, antes mesmo
de intervir como «goél»,32 libertador, redentor, salvador do seu Povo,
escolhera-o gratuitamente em Abraão. 33
I.
A libertação no Antigo Testamento
O
Êxodo e as intervenções libertadoras de Javé
44. No Antigo Testamento,
a acção libertadora de Javé, que serve de modelo e referência a todas as
outras, é o Êxodo do Egito, «casa de servidão». Se Deus arranca seu Povo de uma
dura escravidão económica, política e cultural, é para fazer dele, através de
Aliança do Sinai, «um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Ex 19, 6). Deus
quer ser adorado por homens livres. Todas as libertações ulteriores do Povo de
Israel tendem a conduzi-lo a essa liberdade em plenitude que ele só pode
encontrar na comunhão com o seu Deus.
O acontecimento principal
e fundacional do Êxodo tem, portanto, um significado ao mesmo tempo religioso e
político. Deus liberta o seu Povo, dá-lhe uma descendência, uma terra, uma lei,
mas dentro de uma Aliança e para uma Aliança. Não se poderia, portanto, isolar
o aspecto político, atribuindo-lhe um valor por si mesmo; é necessário
considerá-lo à luz do desígnio de natureza religiosa no qual ele se integra. 34
A
Lei de Deus
45. Em seu desígnio de
salvação, Deus deu a sua Lei a Israel. Juntamente com os preceitos morais
universais do Decálogo, ela continha também normas cultuais e civis, que deviam
regulamentar a vida do povo escolhido por Deus para ser sua testemunha entre as
nações.
O amor de Deus acima de
todas as coisas 35 e do próximo como a si mesmo 36 já constitui o centro desse
conjunto de leis. Mas a justiça, que deve presidir as relações entre os homens,
e o direito, que é a sua expressão jurídica, pertencem também à trama mais
característica da Lei bíblica. Os Códigos e a pregação dos Profetas, como também
os Salmos, referem-se constantemente a ambas, unindo-as frequentemente. 37 É em
tal contexto que deve ser apreciado o cuidado da Lei bíblica pelos pobres, os
desprovidos, a viúva e o órfão: a eles é devida a justiça, segundo o
ordenamento jurídico do Povo de Deus. 38 Já existem, portanto, o ideal e o
esboço de uma sociedade centralizada no culto do Senhor e fundada na justiça e
no direito animados pelo amor.
O
ensinamento dos Profetas
45. Os Profetas não cessam
de lembrar a Israel as exigências da Lei da Aliança. Eles denunciam no coração
endurecido do homem a fonte das repetidas transgressões e anunciam uma Nova
Aliança, na qual Deus transformará os corações, gravando neles a Lei do seu
Espírito. 39
Anunciando e preparando
essa nova era, denunciam com vigor a injustiça perpetrada contra os pobres; em
favor destes, fazem-se porta-vozes de Deus. Javé é o supremo recurso dos
pequeninos e dos oprimidos. Será missão do Messias defendê-los. 40
A situação do pobre é uma
situação de injustiça contrária à Aliança. Por isso a Lei da Aliança protege-o
com preceitos que reflectem a própria atitude de Deus ao libertar Israel da
servidão do Egito. 41 A injustiça para com os pequeninos e os pobres é um grave
pecado, que quebra a comunhão com Javé.
Os
«pobres de Javé»
47. A partir de todas as
formas de pobreza, de injustiça sofrida e de aflição, os «justos» e os «pobres
de Javé», nos Salmos, fazem subir até Ele as suas súplicas. 42 Eles sofrem em
seus corações pela servidão â que foi reduzido, por causa de seus pecados, o
povo «de dura cerviz». Suportam a perseguição, o martírio e a morte, mas vivem
na esperança da libertação. Acima de tudo, põem a sua confiança em Javé, a quem
recomendam a própria causa. 43
Os «pobres de Javé» sabem
que a comunhão com Ele 44 é o bem mais precioso, no qual o homem encontra a sua
verdadeira liberdade. 45 Para eles, o mal mais trágico é a perda dessa
comunhão. É por isso que o seu combate contra a injustiça assume o sentido mais
profundo e a sua eficácia na vontade de ser libertados da servidão do pecado.
No
limiar do Novo Testamento
48. No limiar do Novo
Testamento, os «pobres de Javé» constituem as primícias de um «povo humilde e
pobre», que vive na esperança da libertação de Israel. 46
Personificando essa
esperança, Maria ultrapassa o limiar do Antigo Testamento. Ela anuncia com
alegria o acontecimento messiânico e louva o Senhor que se prepara para
libertar o seu Povo. 47 No seu hino de louvor à divina misericórdia, a humilde
Virgem, para quem o povo dos pobres se volta espontaneamente e com tanta
confiança, canta o mistério da salvação e a sua força de transformação. O senso
da fé, tão vivo nos pequeninos, sabe reconhecer imediatamente toda a riqueza do
Magnificat, ao mesmo tempo soteriológica e ética. 48
(cont)
(Revisão da versão
portuguesa por ama)
____________________________________
Notas:
28
Cfr. Rm 1, 18-32.
29
Cfr. Jr 5, 23; 7,24; 17, 9; 18, 12.
30
Cfr. S. Agostinho, De civitate Dei, XIV, 28 (PL 41, 435; CSEL 40/2, 56-57; CCL
14/2, 451-452)
31
Cfr. Instr. Libertatis Nuntius, Premissas: AAS 76 (1984), 876.
32
Cfr. Is 41, 14; Jr 50, 34. «Goél»; essa palavra implica a ideia de um laço de
parentesco entre aquele que liberta e aquele que é libertado; cfr. Lv 25, 25.
47-49; Rt 3, 12; 4, 1. «Padah» significa «adquirir para si»; cfr. Ex 3, 13; Dt
9, 26; 15, 15; Sl 130, 7-8.
33
Cfr. Gn 12, 1-3.
34
Cfr. Instr. Libertatis Nuntius, IV, 3: AAS 76 (1984), 882.
35
Cfr. Dt 6, 5.
36
Cfr. Lv 19, 18.
37
Cfr. Dt 1, 16-17; 16, 18-20; Jr 22, 3-15; 23, 5; Sl 33, 5; 72, 1; 99, 4.
38
Cfr. Ex 22, 20-23; Dt 24, 10-22.
39
Cfr. Jr 31, 31-34; Ez 36, 25-27.
40
Cfr. Is 11, 1-5; Sl 72, 4. 12-14; Instr. Libertatis Nuntius, IV, 6: AAS 76
(1984), 883.
41
Cfr. Ex 23, 9; Dt 24, 17-22.
42
Cfr. Sl 25; 31; 35; 55; Instr. Libertatis Nuntius, IV, 5: AAS 76 (1984), 883.
43
Cfr. Jr 11, 20; 20, 12.
44
Cfr. Sl 73, 26-28.
45
Cfr. Sl 16; 62; 84.
46
Cfr. Sf 3, 12-20; cfr. Instr. Libertatis Nuntius, IV, 5: AAS 76 (1984), 883.
47
Cfr. Lc 1, 46-55.
48
Cfr. Paulo VI, Exort. apost. Marialis Cultus, n. 37: AAS 66 (1974), 148-149.