06/10/2014

Maria, Filha de Deus Pai

Quanta vilania na minha conduta e quanta infidelidade à graça! – Minha Mãe, Refúgio dos pecadores, roga por mim, que nunca mais entorpeça a obra de Deus na minha alma. (Forja, 178)

Mãe nossa, nossa Esperança!, como estamos seguros, pegadinhos a Ti, ainda que tudo cambaleie. (Forja, 474)

Como gostam os homens de que lhes recordem o seu parentesco com personagens da literatura, da política, do exército, da Igreja!... – Canta diante da Virgem Imaculada, recordando-Lhe:
Ave, Maria, Filha de Deus Pai; Ave, Maria, Mãe de Deus Filho; Ave, Maria, Esposa de Deus Espírito Santo... Mais do que tu, só Deus! (Caminho, 496)

Diz: Minha Mãe (tua, porque és seu por muitos títulos), que o teu amor me prenda à Cruz do teu Filho; que não me falte a Fé, nem a valentia, nem a audácia, para cumprir a vontade do nosso Jesus. (Caminho, 497)


Portugal

A Deus Todo-Poderoso confio a sociedade portuguesa inteira, sobre todos invocando a abundância dos favores celestes por intercessão de Nossa Senhora da Conceição, que Portugal, há 350 anos, no santuário de Vila Viçosa e pela voz da sua máxima autoridade civil com explícita adesão dos Representantes da Nação, escolheu servir e honrar como Padroeira e Rainha. Deus abençoe e proteja Portugal. 



(btº joão paulo ii, Saudação ao novo embaixador de Portugal na Santa Sé, L'Osservatore Romano, 1996.02.24, nr. 8)

Sem mais palavras



http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=1442&did=163987

Bento VXI – Pensamentos espirituais 19

Pedagogia religiosa

A relação educativa é, por natureza, uma coisa delicada: ela faz apelo à liberdade do outro e, ainda que com brandura, desafia-a sempre a tomar uma decisão. Nem os pais, nem os sacerdotes, os catequistas ou os outros educadores podem substituir-se à liberdade da criança, do adolescente ou do jovem que pretendem educar. a proposta cristã, em especial, interpela profundamente a liberdade, chamando-a à fé e à conversão.


(Discurso no convénio da diocese de Roma sobre a família. (6.Jun.05)

(in “Bento XVI, Pensamentos Espirituais”, Lucerna 2006)


Tratado da Graça 18

Questão 111: Da divisão da graça.

Art. 4 — Se o Apóstolo divide convenientemente a graça gratuita.

[III Cont. Gent., cap. CLIV, I Cor. XII, lect. II]

O quarto discute-se assim. — Parece que o Apóstolo divide inconvenientemente a graça gratuita.

1. — Pois, todo dom, que Deus nos dá gratuitamente, pode chamar-se graça gratuita. Ora, os dons que Deus nos concede gratuitamente são infinitos, referentes tanto aos bens da alma como aos do corpo, e que contudo não nos tornam agradáveis a Ele. Logo, a graça gratuita não pode ser susceptível de nenhuma divisão certa.

2. Demais. — A graça gratuita divide-se, por oposição, da santificante. Ora, a fé pertence à graça santificante, porque nos justifica, conforme a Escritura (Rm 5, 1): Justificados, pois, pela fé, etc. Logo, é inconveniente considerar a fé como uma graça gratuita, sobretudo por não se considerarem assim as outras virtudes, como a esperança e a caridade.

3. Demais. — Operar curas e falar várias línguas são milagres. Ora, a interpretação das línguas pertence à sabedoria ou ciência, conforme a Escritura (Dn 1, 17): Deus deu a estes meninos a ciência e o conhecimento de todos os livros e de toda a sabedoria. Logo, é inconveniente separar o dom de fazer curas, e de falar várias línguas, do de praticar a virtude, como se aqueles fossem opostos a este. E também o é separar, por oposição, o de interpretar as palavras, do de falar com sabedoria e ciência.

4. Demais. — Assim como a sabedoria e a ciência são dons do Espírito Santo, assim também a inteligência e o conselho, a piedade, a fortaleza e o temor, como já se disse (q. 68, a. 4). Logo, estas virtudes também se devem considerar como graças gratuitas.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo (1 Cor 12, 8-10): A um pelo Espírito é dada a palavra de sabedoria, a outro porém a palavra da ciência, segundo o mesmo Espírito, a outro a fé pelo mesmo Espírito, a outro a graça de curar as doenças, a outro, a operação de milagres, a outro, a profecia, a outro, o discernimento dos espíritos, a outro, a variedade de lugares, a outro, a interpretação das palavras.

Como já dissemos (a. 1), a graça gratuita ordena-se a levar-nos a cooperar com outrem, a fim de conduzi-lo para Deus. Ora, isso não o podemos fazer movendo-o interiormente, o que só pertence a Deus, senão só ensinando ou persuadindo exteriormente. Donde, a graça gratuita contém em si o que o homem precisa para instruir a outrem nas coisas divinas, superiores à razão. Ora, para isso, são necessárias três condições: primeiro, um conhecimento completo das verdades divinas, para podermos instruir os outros, segundo, confirmar ou provar o que dizemos, do contrário a nossa doutrina não seria eficaz, terceiro, transmitir convenientemente aos nossos ouvintes os nossos pensamentos.

Ora, quanto à primeira condição, são necessárias três qualidades, como quando se trata do magistério humano. — Assim, primeiro, é necessário que quem deve ensinar a outrem uma ciência, possua de maneira certíssima os princípios dela. E para isso, serve a fé, que é a certeza das coisas invisíveis, supostas como princípios da doutrina católica. — Segundo, é preciso, que quem ensina uma ciência, lhe possua perfeitamente as conclusões principais. Donde o dom de falar com sabedoria, que é o conhecimento das coisas divinas. — Em terceiro lugar, é necessário que também tenha abundância de exemplos e de conhecimento dos efeitos, pelos quais é mister às vezes, manifestar as causas. Donde, o dom de falar com ciência, que é o conhecimento das coisas humanas, pois (Rm 1, 20), as coisas invisíveis de Deus se vêm pelas obras que foram feitas.

Depois, para confirmar as verdades da razão, servimo-nos de argumentos, ao passo que as verdades reveladas por Deus e superiores à razão confirmam-se por manifestações próprias do poder divino. E isto de dois modos. — Primeiro, quando quem ensina a doutrina sagrada faz, sob a forma de milagres, o que só Deus pode fazer. E esses milagres visam a saúde do corpo, donde a graça da cura, ou se ordenam apenas a uma manifestação do poder divino, como quando o sol para ou escurece, ou o mar se divide, e para isso é dada a graça de operar milagres. — Segundo, para poder manifestar os futuros contingentes, que só Deus pode fazer, e para isto é dada a graça da profecia. E também os segredos dos corações, pelo discernimento dos espíritos.

Enfim, a faculdade de falar pode significar o uso do idioma pelo qual quem ensina se faz entender, e daí o dom da variedade das línguas, ou o sentido das palavras proferidas, donde o dom da interpretação das palavras.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já dissemos (a. 1), nem todos os benefícios que Deus nos faz se consideram graças gratuitas, mas, só os excedentes à capacidade natural, como quando um pescador abunda em palavras de sabedoria e de ciência, e em casos semelhantes. E esses casos se compreendem na graça gratuita.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Entre as graças gratuitas, enumera-se a fé, não como virtude justificante do homem em si mesmo, mas enquanto implica uma certeza supereminente, que nos torna idóneos a ministrar aos outros as suas verdades. Quanto à esperança e à caridade, pertencem à potência apetitiva, na medida em que, por ela, o homem se ordena para Deus.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A graça das curas distingue-se do poder geral de fazer milagres, pois tem uma eficácia especial para conduzir à fé, a qual nos torna melhor dispostos pelo benefício da saúde do corpo, adquirida pela virtude mesma da fé. — Semelhantemente, falar várias línguas e interpretar as palavras têm certa eficácia especial para despertar à fé. E por isso se consideram como especiais graças gratuitas.

RESPOSTA À QUARTA. — A sabedoria e a ciência não são enumeradas entre as graças gratuitas, quando colocadas entre os dons do Espírito Santo. Isto é, enquanto o Espírito Santo torna a alma do homem tão dócil, quanto necessário para seguir as inspirações da sabedoria ou da ciência. Pois, assim consideradas, essas virtudes são dons do Espírito Santo. Mas, enumeram-se entre as graças gratuitas, enquanto implicam uma certa abundância de ciência e sabedoria, tornando o homem apto, não só a ter, por si mesmo, um conhecimento recto das coisas divinas, mas também a instruir os outros e refutar os que as contradizem. Por isso, entre as graças gratuitas, está assinaladamente colocada a palavra de sabedoria e a de ciência. Pois, como diz Agostinho, uma coisa é saber somente o que o homem dever crer para alcançar a vida eterna, outra, saber como, por esse meio, venha em auxílio das almas piedosas e os defenda contra os ímpios.

Nota: Revisão da versão portuguesa por ama.


Evangelho diário e coment. Leit. Espiritual (Enc Divino afflante spiritu (Pio XII)

Tempo comum XXVII Semana

Evangelho: Lc 10, 25-37

25 Eis que se levantou um doutor da lei, e disse-lhe para o experimentar: «Mestre, que devo eu fazer para alcançar a vida eterna?». 26 Jesus respondeu-lhe: «O que é que está escrito na Lei? Como lês tu?». 27 Ele respondeu: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças e com todo o teu entendimento, e o teu próximo como a ti mesmo». 28 Jesus disse-lhe: «Respondeste bem: faz isso e viverás». 29 Mas ele, querendo justificar-se, disse a Jesus: «E quem é o meu próximo?». 30 Jesus, retomando a palavra, disse: «Um homem descia de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos ladrões, que o despojaram, o espancaram e retiraram-se, deixando-o meio morto. 31 Ora aconteceu que descia pelo mesmo caminho um sacerdote que, quando o viu, passou de largo.32 Igualmente um levita, chegando perto daquele lugar e vendo-o, passou. 33 Um samaritano, porém, que ia de viagem, chegou perto dele e, quando o viu, encheu-se de compaixão. 34 Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho; e adiante, pondo-o sobre o seu jumento, levou-o a uma estalagem e cuidou dele. 35 No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao estalajadeiro e disse-lhe: Cuida dele; quanto gastares a mais, eu to pagarei quando voltar. 36 Qual destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos ladrões?». 37 Ele respondeu: «O que usou de misericórdia com ele». Então Jesus disse-lhe: «Vai e faz tu o mesmo».

Comentário:

Ficará para sempre gravada nos homens esta parábola do Samaritano que São Lucas com magistral descrição converte no paradigma da solidariedade humana.
Como se vê, não está dirigida nem a cristãos ou a outros quaisquer em especial mas a todos os homens.
A solidariedade e, sem dúvida, um dos mais nobres sentimentos humanos mas, não ser trata de algo frio, 'técnico', previdente. Precisa de algo mais: da compaixão concreta e realista que assegura a pureza das intenções e completa a necessidades do outro.

O samaritano não se limitou a tratar da vítima dos ladrões, assegurou que ficaria bem entregue mas mãos do estalajadeiro enquanto prosseguia a sua viajem.
Não deixou incompleta a sua acção, fez tudo quanto estava ao seu alcance fazer.

(ama, comentário sobre Lc 10, 25-37, 2013.07.14)


Leitura espiritual



Documentos do Magistério
CARTA ENCÍCLICA
DIVINO AFFLANTE SPIRITU (*)
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII
AOS VENERÁVEIS IRMÃOS
PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS
E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR
EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA
COMO A TODO O CLERO E FIÉIS DE CRISTO
DO ORBE CATÓLICO SOBRE OS ESTUDOS BÍBLICOS

3. Interpretação dos Livros santos

Antes de tudo o sentido literal e a doutrina teológica

15. Bem preparado com o conhecimento das línguas antigas e com os recursos da crítica, aplique-se o exegeta católico àquele que é o principal de todos os seus deveres: indagar e expor o sentido genuíno dos Livros Sagrados.
Neste trabalho tenham os intérpretes bem presente que o seu maior cuidado deve ser distinguir claramente e precisar qual seja o sentido literal das palavras bíblicas.
Procurem-no pois com toda a diligência, valendo-se da ciência das línguas, do exame do contexto, da comparação com passos semelhantes, coisas todas de que se costuma tirar partido na interpretação dos escritores profanos, para tirar a limpo o pensamento do autor.
Mas os comentadores da Sagrada Escritura, tendo presente que se trata de um texto divinamente inspirado, cuja conservação e interpretação foram pelo mesmo Deus confiadas à Igreja, com não menor diligência, atenderão às explicações e declarações do magistério eclesiástico, bem como à exposição dos santos Padres e "à analogia da fé", como nota sapientissimamente Leão XIII na Encíclica Providentissimus Deus. (26)
Guardem-se com particular cuidado de expor somente o que toca à história, à arqueologia, à filologia e outras matérias semelhantes - como com mágoa vemos que se faz em alguns comentários -, mas, dadas oportunamente tais notícias enquanto podem servir à exegese, ponham em evidência sobretudo a doutrina teológica, dogmática ou moral, de cada livro ou texto.
Desse modo a sua exposição não só aproveitará aos professores de teologia ao exporem e provarem os dogmas da fé, mas servirá também aos sacerdotes para a explicação da doutrina cristã ao povo, e será útil a todos os fiéis para viverem uma vida santa, digna de um verdadeiro cristão.

O sentido espiritual, querido e ordenado por Deus

16. Tal interpretação prevalentemente teológica, como dissemos, será meio eficaz para fazer calar os que se queixam de não encontrar nos comentários bíblicos nada que eleve a mente a Deus, alimente a alma, fomente a vida interior, e por isso dizem que é preciso recorrer a uma interpretação que chamam espiritual e mística. Quão pouco justa seja essa acusação, prova-o a experiência de muitos que com frequente consideração e meditação da palavra de Deus têm santificado as suas almas e se têm inflamado no amor de Deus, provam-no claramente a constante prática da Igreja e os ensinamentos dos maiores doutores. Certamente que nem todo o sentido espiritual se pode excluir da Sagrada Escritura, pois que tudo o que foi dito e feito no Antigo Testamento, foi por Deus sapientissimamente ordenado e disposto de modo que as coisas passadas prefigurassem espiritualmente as futuras que deviam realizar-se no Novo Testamento da graça. Por isso o exegeta do mesmo modo como deve encontrar e expor o sentido literal das palavras que o hagiógrafo pretendia exprimir, assim também deve indagar o espiritual nos passos onde realmente conste que Deus o quis expressar. De facto este sentido espiritual só Deus o pode conhecer e revelar. Ora, indica-o e ensina-o o próprio Salvador nos evangelhos, e, seguindo o exemplo do divino Mestre, usam-no os apóstolos falando e escrevendo, aponta-o a constante tradição da Igreja, e, finalmente, o conhecido princípio: "A lei de orar é a lei de crer". Esse sentido espiritual por Deus pretendido e ordenado, descubram-no e exponham-no os exegetas católicos com a diligência que requer a dignidade da divina palavra, guardem-se, porém, escrupulosamente de apresentar como sentido genuíno da Sagrada Escritura outros valores figurativos das coisas. Pode sim ser útil, especialmente na pregação, ilustrar e persuadir as coisas da fé e da moral cristã com uso mais largo do sagrado texto em sentido figurado, contanto que se faça com moderação e sobriedade, mas é preciso não esquecer que tal uso da Sagrada Escritura lhe é como que extrínseco e adicional, e não deixa de ser perigoso, sobretudo em nossos dias, porque os fiéis, e nomeadamente as pessoas cultas nas ciências sagradas ou profanas, querem saber o que Deus disse nas Sagradas Escrituras, e não tanto o que um fecundo orador ou escritor usando com destreza as palavras da Bíblia, é capaz de nos dizer. "A palavra de Deus viva e eficaz, mais cortante que uma espada de dois gumes, penetrante até dividir alma e espírito, articulações e medulas, capaz de destrinçar pensamentos e sentimentos do coração" (27) não precisa de artifícios e adaptações humanas para mover e abalar os corações, as Sagradas Páginas escritas sob a inspiração do Espírito de Deus são de per si ricas de sentido próprio, dotadas de força divina, são poderosas por si mesmas, ornadas de supremo esplendor por si mesmas brilham e resplandecem, se o intérprete com uma explicação fiel e completa sabe desentranhar todos os tesouros de sabedoria e prudência que nelas estão encerrados.

Incitamento ao estudo dos santos Padres e dos doutores da Igreja

17. Para isso conseguir poderá o exegeta católico auxiliar-se egregiamente do estudo inteligente dos escritos em que os santos Padres e doutores da Igreja e os ilustres intérpretes das épocas passadas comentaram os Livros Santos.
Pois que eles, bem que talvez menos fornecidos de instrução profana e de ciência linguística do que os intérpretes dos nossos dias, contudo pelo lugar que Deus lhes deu na Igreja, distinguem-se por uma suave intuição das coisas celestes e por uma admirável perspicácia com que penetram até às mais íntimas profundidades da divina palavra e tiram à luz quanto pode servir para ilustrar a doutrina de Cristo e promover a santidade da vida.
Verdadeiramente é pena que tão preciosos tesouros da antiguidade cristã sejam pouco conhecidos de muitos escritores do nosso tempo e que os cultores da história da exegese não tenham ainda feito tudo para aprofundar bem e apreciar devidamente uma coisa de tanta importância.
Preza a Deus que muitos se deem diligentemente a explorar os autores e obras de interpretação católica da Escritura, e, extraindo as riquezas quase imensas nelas acumuladas, concorram eficazmente para que se veja melhor quão intimamente penetravam e quão bem explicaram os antigos a divina doutrina dos Livros Santos, e os intérpretes atuais tomem daí exemplo e aproveitem os preciosos materiais postos à sua disposição.
Assim efectuar-se-á, finalmente, a feliz e fecunda combinação da doutrina e suave unção dos antigos com a mais vasta erudição e arte mais progredida dos modernos, a qual decerto produzirá novos frutos no campo nunca assaz cultivado das divinas Escrituras.

4. Tarefa especial dos exegetas em nossos dias

Estado actual das ciências bíblicas

18. Com fundada razão podemos esperar que os nossos tempos contribuam também com a sua quota nova para uma interpretação mais completa e exacta das Sagradas Escrituras.
De facto há não poucas coisas, especialmente no terreno histórico que não foram explicadas, ou foram só imperfeitamente, pelos expositores dos séculos passados, porque lhes faltavam os conhecimentos necessários para obter melhores resultados.
Quão árduos e quase inacessíveis acharam os mesmos Padres alguns passos, mostram-no, por exemplo, os repetidos esforços que muitos deles fizeram para interpretar os primeiros capítulos do Génesis, ou também as várias tentativas de São Jerónimo para traduzir os salmos de modo que o sentido literal do texto aparecesse claramente.
Noutros livros ou textos sagrados só a Idade Moderna descobriu dificuldades, antes não suspeitadas, depois que um melhor conhecimento dos tempos antigos fez surgir problemas que fazem penetrar mais adentro no assunto. Por isso erradamente vão dizendo alguns, mal informados do estado da ciência bíblica, que ao exegeta católico dos nossos dias nada resta a acrescentar a quanto produziu a antiguidade cristã, pelo contrário, a verdade é que o nosso tempo tem chamado a atenção para muitas coisas que requerem nova investigação e novo exame e estimulam fortemente a actividade do exegeta.

Natureza e efeitos da inspiração divina

19. E realmente a nossa época, se por um lado acumula novos problemas e dificuldades, por outro, graças a Deus, oferece à exegese novos recursos e subsídios.
Entre esses merece especial referência o facto de os teólogos católicos, seguindo a doutrina dos santos Padres e, principalmente, do doutor angélico e comum, terem indagado e exposto com mais precisão e fineza do que nos séculos passados, a natureza e efeito da inspiração bíblica.
Partindo nas suas investigações do princípio que o hagiógrafo ao escrever o livro sagrado é órgão ou instrumento do Espírito Santo, mas instrumento vivo e racional, observam justamente que ele sob a moção divina usa das suas faculdades e energias de tal modo, que todos podem facilmente reconhecer do livro por ele composto "qual a sua índole própria, e como que as feições e traços característicos da sua fisionomia". (28)
Procure por conseguinte o intérprete distinguir com todo o cuidado, sem descurar nenhuma luz fornecida pelas recentes investigações, qual a índole própria e condição social do autor sagrado, em que tempo viveu, de que fontes, escritas ou orais, se serviu, que formas de dizer empregou.
Assim poderá conhecer melhor quem foi o hagiógrafo e o que quis dizer no seu escrito.
Porque, enfim, ninguém ignora que a norma suprema da interpretação é indagar e definir que coisa se propôs dizer o escritor, como egregiamente adverte santo Atanásio: "Aqui, como em todos os outros passos da Escritura divina, deve notar-se diligente e fielmente em que ocasião falou o Apóstolo, qual o destinatário e qual o motivo de escrever, não seja que, ignorando essas coisas ou tomando umas por outras, nos desviemos do pensamento do autor". (29)

Importância do género literário, especialmente na história

20. Ora, o sentido literal de um escrito, muitas vezes não é tão claro nas palavras dos antigos orientais como nos escritores do nosso tempo. O que eles queriam significar com as palavras não se pode determinar só pelas regras da gramática e da filologia, nem só pelo contexto, o intérprete deve transportar-se com o pensamento àqueles antigos tempos do Oriente, e com o auxílio da história, da arqueologia, etnologia e outras ciências, examinar e distinguir claramente que géneros literários quiseram empregar e empregaram de facto os escritores daquelas épocas remotas.
De facto os antigos orientais, para exprimir os seus conceitos, nem sempre usaram das formas ou géneros de dizer de que nós hoje usamos, mas sim daqueles que estavam em uso entre os seus contemporâneos e conterrâneos. Quais eles fossem não o pode o exegeta determinar a priori, mas só por meio de um diligente exame das antigas literaturas orientais. Esse estudo, feito com maior cuidado e diligência nos últimos decênios, mostrou mais claramente quais as formas de dizer empregadas naqueles antigos tempos quer nas composições poéticas, quer na legislação ou na história.
A mesma investigação demonstrou já luminosamente que o povo de Israel, entre todas as antigas nações do Oriente, ocupa um lugar eminente e singular no escrever da história, quer pela antiguidade quer pela fiel narração dos factos, prerrogativas essas que em verdade se podem deduzir do carisma da divina inspiração e do particular fim religioso da história bíblica.
Contudo ninguém que tenha um conceito justo da inspiração bíblica poderá estranhar que também nos autores sagrados, como nos outros antigos, se encontrem certos modos de expor e contar, certos idiotismos próprios, especialmente das línguas semíticas, certas expressões aproximativas ou hiperbólicas e talvez paradoxais, que servem para gravar as coisas mais firmemente na memória.
Nenhum dos modos de falar de que entre os antigos e especialmente entre os orientais se servia a linguagem para exprimir o pensamento, pode dizer-se incompatível com os Livros Santos, uma vez que o género adotado não repugne à santidade e verdade de Deus.
Advertiu-o já o doutor angélico com a sua costumeira perspicácia por estas palavras: "Na Escritura as coisas divinas nos são apresentadas ao modo usual, humano". (30)
Como o Verbo substancial de Deus se fez semelhante aos homens em tudo "excepto o pecado", (31) assim também a palavra de Deus expressa em línguas humanas assemelhou-se em tudo à linguagem humana, exceto o erro.
Nisto consiste aquela providencial "condescendência" (sinkatábasis) de Deus, que já são João Crisóstomo exaltou eloquentemente e que tantas vezes assegurou encontrar-se nos Livros Santos. (32)

(cont)

(Revisão da versão portuguesa por ama)
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Notas:

(*) Em 30 de setembro de 1943, por motivo do cinqüentenário da encíclica "Providentissimus Deus", o Santo Padre Pio XII publicou a seguinte encíclica sobre os estudos bíblicos. Por sua extensão, e pela admirável clareza com que expõe as normas que devem ser observadas no uso da Sagrada Escritura, o importante documento adquire o alcance de uma verdadeira Carta Magna em matéria de estudos e apostolado bíblicos.
(26) Leão XIII, Acta 13, pp. 345-346, Ench. Bibl. n.109.
(27) Hb 4, 12.
(28) Cf. Bento XV, Enc. Spiritus Paraclitus: Acta Ap. Sedis 12(1920), p. 390, Ench. Bibl. n. 461.
(29) Contra Arianos, I, 54, PG 26,123.
(30) Comment. ad. Hebr. cap. I, lectio 4.
(31) Hb 4, 15.
(32) Cf. v, gr. In Gen. I, 4: PG 53, 34-35, In Gen, II, 21: PG 53, 121, In Gen., III, 8: PG 53, 135, Hom. 15 in Ioan., ad I,18: PG 59, 95s.